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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Ventresca com mel (Trilogia n°160)

         Quando Deus quis tornar irresistível a visão da terra que prometia ser a destinada ao Seu povo, não foi com exóticas paisagens, terras férteis, carne, vinhos ou legiões de virgens que o fez.           
O que Ele prometeu foi uma terra onde corria o leite e o mel!

Seja o que for que tenham encontrado quando lá chegaram, o certo é que o mel, esse mágico alimento que aprendemos a roubar às abelhas, continua nos nossos dias a ser sinónimo de delícias várias e não só gustativas, de tal modo que nem aqueles que se insurgem contra o consumo de leite, por ser alimento, dizem, destinado às crias de vacas, ovelhas e cabras, se atrevem a renunciar ao mel, afinal o alimento das colmeias nos tempos invernosos.

Composto essencialmente de água e açúcares provenientes do néctar das flores que as abelhas incessantemente visitam, constitui um substituto vantajoso e natural do açúcar refinado, dando uma magia especial aos pratos em que é utilizado pela delicadeza do sabor e untuosidade das texturas que proporciona.
Quando a Ana propôs, a mim e ao Amândio, o tema “Açúcar, mel e compotas” para esta 160ª Trilogia, foi logo no mel que pensei, no incrível mel alentejano que o meu amigo Joaquim Gervásio
produz a partir de colmeias e flores ali da minha aldeia e numa barriga fresca de atum, a bela “ventresca” que parecia estar a chamar por aquela doçura para se fazer comer.
Fez-se assim:

Ingredientes:

Barriga fresca de atum
Mel*
Vinagre fraco (Sherry, malte ou maçã)
Sal, pimenta (moída e grão)
Azeite
Raspa de laranja

Preparação:

Corte um pedaço regular de uma barriga fresca de atum
e retire-lhe a pele com a ajuda de uma faca bem afiada.
Conserve a pele fina transparente (peritoneu) que está do outro lado. Salpique de sal e pimenta e reserve.
Prepare o molho levando ao lume mel* e a mesma quantidade de vinagre de malte ou de Sherry, raspa de laranja, sal e grãos de pimenta branca.
Se na falta destes vinagres fracos decidir usar vinagre de maçã, deve enfraquecê-lo com alguma água. Vinagres de vinho ou balsâmicos são inapropriados.
Deixe ferver o molho durante uns minutos de modo a reduzir o vinagre e retire do lume de modo a que arrefeça e o mel o torne mais espesso.
O atum em geral e a sua barriga em particular são extraordinariamente exigentes no que respeita a tempos de cozinhado e qualquer excesso transforma a sua textura suculenta num emaranhado fibroso. Aqui, se houver que pecar, que seja sempre por defeito. É melhor que fique um pouco menos cozinhado do que queríamos do que irremediavelmente sobrecozinhado.
O que vamos fazer à nossa ventresca é aquilo que, embora impropriamente, costuma ser designado por brasear** e que é fritar rapidamente mas com muito calor a camada mais exterior da peça, provocando o aparecimento de uma crosta castanha (reacção de Maillard) e de sabor muito acentuado.
Esta operação, muito comum nas carnes, supostamente para lhes conservar os sucos internos (o que também não é assim, mas isso fica para outro dia), tem no atum grandes riscos, principalmente quando se aplica o calor no lado onde esteve a pele, pois a barriga é muito gorda e as lascas abrem imediatamente levando o calor a penetrar até ao interior da peça, cozinhando-a em segundos.
Optei por isso por fazer uma passagem muito rápida todo à volta, num pouco de azeite misturado com mel em lume muito forte.
Durante estes segundos o mel vai caramelizar e tornar-se muito escuro; para não queimar deve juntar uns borrifos de água se começar a fumegar.
Junte este azeite com o mel caramelizado ao outro molho que já estava feito e passe a pôr pequenas porções sobre o lado “aberto” da ventresca, ao mesmo tempo que vai tostando com o auxílio de um maçarico culinário,
formando então uma crosta agridoce sem risco do calor subir entre as lascas abertas em leque.
Fatie
e sirva com o acompanhamento que achar conveniente (aqui usei rábano roxo e acelgas selvagens salteadas em azeite e alho), regadas as fatias com o molho de mel, que também pode usar sobre os acompanhamentos.

Notas: * Sendo de falsificação relativamente simples e tendo uma procura a nível mundial muito acima da capacidade de produção, o risco de utilizar um mel falsificado com adição de açúcares industriais invertidos é muito grande. A maioria dos méis “de marca” que encontra em supermercado tem origem declarada na Europa mas o que não diz é como chegou à Europa, geralmente da China, primeiro produtor mundial e que também consegue o feito de exportar mais do que aquilo que produz…
Aconselho vivamente a comprar o seu mel a um apicultor português. Pode encontrar esses produtores em feiras e mercados, geralmente a vender o seu próprio mel e outros produtos da colmeia ou em pequenos supermercados de comércio local onde os tenham à venda. Não são conhecidos casos de falsificação de mel produzido em Portugal, lutando geralmente os produtores para conseguirem escoar o que produzem.

** Brasear, termo geralmente usado em culinária popular para esta operação de fritura exterior rápida de carnes (também conhecida popularmente por “selar”), designa realmente uma técnica culinária de baixa temperatura de cocção, mais aparentada com os cozinhados lentos ou com os confitados.


terça-feira, 26 de abril de 2016

Barriga de atum fumada , o “bacon” do mar

              Se é bem verdade o lugar-comum que afirma o atum como a “carne do mar”, já no aproveitamento de todas as suas potencialidades, a carne leva evidente vantagem, sendo que em áreas como a do fumeiro, nada mais há que essa curiosidade algarvia que é a muxama de atum, lombo salgado e seco, que ainda é feito em Vila Real de Santo António pelo velho método que se diz oriundo dos fenícios e que dá uma espécie de presunto duro, bom para petisco e puxavante mas de qualidade gastronómica intrínseca, algo limitada.
Da arte do ronqueio dos tunídeos, de que falaremos aqui dentro de dias, resultam numerosas peças, das quais nunca ouvimos sequer falar, quase todas bem melhores do que o conhecido lombo e de entre as quais avulta a barriga, a que os espanhóis e açorianos chamam “ventresca” e que, pela quantidade de gordura que apresenta, é provavelmente a peça mais promissora, do ponto de vista gastronómico, de todas as que se obtêm do atum.
Do meu “amor” à barriga de atum, nasceu a ideia de tratá-la como se de barriga de porco se tratasse. Da salga e fumeiro que lhe apliquei, nasceu esta preciosidade que, porque não existe à venda, exige que metamos mãos à obra. E bem merece!


Ingredientes:

Barriga de atum, fresca
Sal grosso
Açúcar mascavado
Endro seco
Pimenta preta
Alho em pó
Louro em pó
Azeite
Pimentão fumado
Fumo de azinho

Preparação:

Escolha a parte mais alta da barriga,
se quiser pode escamá-la mas conserve a pele. Misture duas partes de sal para uma de açúcar mascavado, endro, pimenta, alho em pó e apenas uma pitada de louro.
Envolva nesta mistura toda a barriga
e coloque-a assim coberta num recipiente com rede ou chegada a um dos lados de uma travessa, de modo a que, inclinando-a, a salmoura que se forma vá escorrendo. Deixe por dois dias no frigorífico, inclinada. Esgote periodicamente a salmoura que escorre,
de modo a que nunca a barriga fique em contacto com ela, o que a tornaria demasiado salgada.
Ao fim dos dois dias, lave-a dos restos da mistura de curtimenta, obtendo assim esta espécie de presunto já bastante desidratado,
que deverá por de molho em água durante duas horas, para remover o excesso de sal da superfície.
Seque cuidadosamente a barriga salgada e sujeite-a a fumo de lenha de azinho, para o que basta queimar sem deixar arder, uns pequenos pedaços de madeira de azinho bem seca,
sobre um lume de carvão. Note que a barriga vai ser fumada, não grelhada, pelo que deve afastá-la da fonte de calor, de modo a que receba apenas os gases do fumeiro já frios. Ao fim de menos de uma hora de fumo, terá a barriga com este aspecto magnífico.
Pincele com pimentão fumado, desfeito numas gotas de azeite
e deixe no frigorífico por mais um dia de modo a que o sabor do fumo possa dispersar-se por toda a espessura da peça.
Esta delícia é especialmente boa em fatias finas.





terça-feira, 8 de setembro de 2015

Ventresca de Atum em Cebola

             “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”; ainda bem!
Até há poucos anos considerada como peça menos nobre do atum, dada a quantidade de gordura que apresenta, a barriga era excluída das partes enlatadas e relegada para a salmoura em barricas de madeira e venda avulsa e barata.
Depois, a globalização geral e o conhecimento de outras gastronomias levaram a que se atentasse melhor nos motivos que faziam que fosse o pedaço dos tunídeos preferido pelos exigentes japoneses, o marketing das açorianas Santa Catarina e Corretora e depois da maioria das marcas conserveiras, inverteram as coisas e hoje, a barriga de atum, rebaptizada com o nome espanhol de “ventresca” para  afastar a memória das velhas barrigas de salmoura, tornou-se a parte mais cara e desejada de um atum e bem, já que a sua textura e delicadeza de sabor a tornam realmente insuperável.
A oferta de barrigas frescas de atum é por vezes escassa mas vão aparecendo em alguns mercados, embaladas a vácuo e provenientes dos Açores, sendo o seu preço, por enquanto, bastante acessível.

Ingredientes:

Barriga fresca (“ventresca”) de atum
Sal, pimenta e raspa de limão
Cebola
Alho
Louro
Vinho do Porto, tawny
Vinagre balsâmico

Preparação:

A barriga de atum vende-se com pele, em peças que vão de 1 a 3kg, sendo que a excelência aumenta com o tamanho e, consequentemente, com a idade do atum e com a quantidade de gordura.
Se tiver escolha, prefira as barrigas mais claras, já que no atum, quanto mais pálida for a carne, melhor.
Com uma faca bem afiada retire a pele à barriga.
Tempere pelos dois lados com sal grosso, pimenta e raspas de limão e deixe por uma hora.
Entretanto caramelize cebola branca, levando-a ao lume com louro, sal, pimenta e alho picado, num fundo de azeite.
Quando estiver já mole e translúcida, acrescente um gole de vinho do Porto (ou Madeira, ou outro doce a seu gosto), que será responsável pelo açúcar e irá facilitar a caramelização da cebola.
Deixe caramelizar até obter uma cor âmbar uniforme e termine com um golpe de vinagre balsâmico. Escorra e reserve.
No azeite em que caramelizou a cebola vai então cozinhar a ventresca, depois de dividida em cru nas porções individuais,
o que significa passá-la rapidamente dos dois lados, em lume forte, de modo a que as lascas abram mas que o interior fique ainda rosado.
Isto é essencial e obtém-se com cerca de 1-2 minutos de cada lado. Vá vendo a progressão do cozimento pela face lateral.
Sirva sobre a cebola, montada numa fatia de pão levemente torrado.

  

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Sopa de atum com ventresca



         Sou um perdido por sopas de peixe e, como já várias vezes aqui deixei testemunho, quase tudo o que tenha vindo do mar, até espinhas, me serve para uma sopa de peixe, seja um alimado, uma canja, uma clássica com tomate e massa como esta que aqui hoje fica, às vezes até um simples fumet sobre umas fatias de pão duro me chega e reconforta.
Esta sopa de atum com ventresca é uma criação minha que resultou, não de qualquer inspiração miraculosa, mas de uma reflexão profunda sobre os vários problemas culinários que a matéria-prima de que dispunha levantava, a saber, como arranjar um caldo de atum, essencial para fazer uma sopa com esse nome, sem recozer os magníficos pedaços de ventresca, que se quer só levemente cozida sem sequer ferver, sobra daqui e único atum que eu tinha?
A ventresca, aquela aba fina e gorda que cobre as vísceras do atum, que ainda há poucos anos era rejeitada e acabava nas barricas em salmoura, como comida de pobre, após a atenção que sobre ela se focou pelo uso que os japoneses faziam nos pratos de sushi, passou a ter o seu valor reconhecido e hoje as conservas de ventresca (como as açorianas da Santa Catarina), são,  infelizmente, cada vez mais quotadas no mercado gourmet.
Claro que eu podia ter ido comprar atum fresco  para fazer o caldo, seria o normal dado o que eu queria, mas essa é a maneira previsível de cozinhar a que eu não acho gozo nenhum; eu gosto mesmo de fazer um prato com aquilo que tenho, com as faltas, acrescentos, modificações e incertezas que isso implica e que faz da minha cozinha, não mais um repositório de receitas, mas algo de pessoal e por isso, única.
Fiz assim:

Ingredientes:

1 lata de atum de conserva*
Ventresca (barriga) fresca
Cebola
Alhos
Tomate bem maduro (ou de conserva)
Massa de malagueta
Massas
Azeite
Sal

Preparação:

Uma palavra para a aquisição da ventresca, que pode ser difícil. A ventresca é aquela parte comprida que “sobra” dos lombos de atum,
e normalmente vem pegada a estes. Por vezes, há vendedores que não se importam de vender esta parte da peça, separada, até porque a maioria dos fregueses até prefere o bife redondinho como um medalhão e agradece que lhe levem o apêndice, mas com outros não e terá de comprar lombo de atum para obter a ventresca.
No meu caso, esta ventresca foi sobra que se guardou daqui e que, agora, fez esta sopa deliciosa.
Corte a ventresca em cubos com um dedo de largura e tempere-os com sal grosso e pimenta preta moída no momento.
Desfaça o atum de conserva com o auxílio de um garfo e refogue-o em azeite, com cebola, tomate maduro, fresco ou de conserva, alhos, salsa e pasta de malagueta de acordo com o gosto pessoal.
Quando a cebola começar a ganhar alguma cor, junte então água, mexa e deixe a fervinhar por cerca de 10 minutos, para que a água possa extrair bem o sabor do atum. Prove e rectifique o sal, que varia consoante a conserva de atum usada seja mais ou menos salgada. 
Junte então massa (usei cotovelos) e deixe cozer até estar a seu gosto,
Por fim, junte os cubos de ventresca, 
apague de imediato a fonte de calor, para que não chegue a ferver, tape e deixe por 5 minutos antes de servir.

Nota: * O uso de conservas de atum para cozinhar, levanta por vezes objecções, até por parte de pessoas com grandes responsabilidades na nossa culinária pela exposição mediática de que dispõem. O argumento que normalmente usam, não gostam de cozinhar o que já se apresenta cozinhado, é apenas o espelho de um preconceito sobre que nunca reflectiram e assim, rejeitam o uso do atum de conserva como matéria-prima, mas usam anchovas para os seus molhos, enchidos e bacalhau, cozidos pelo sal, sol e fumo, fiambres, feijões e toda a espécie de enlatados. O preconceito é uma nódoa que cai sobre o melhor dos panos…