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segunda-feira, 8 de julho de 2019

Powidl




Powidl” é uma compota natural de ameixa, austríaca, que transporta em si todo o peso de uma ancestralidade cuja dimensão já se perdeu.
Não é difícil, no entanto, pela simples análise da receita, perceber que nos chega dos tempos em que não havia açúcar ou que este era tão caro e raro que se usavam os açúcares dos próprios frutos para a sua conservação. É esta característica que lhe transmite o sabor poderoso e único, já que se pode confeccionar o Powidl usando como único ingrediente, ameixas!
Hoje, a culinária da moda chamar-lhe-ia uma redução prolongada de ameixas, mas como aqui não se trata das culinárias da moda, vamos chamar ao Powidl aquilo que ele é: uma compota, que além das utilizações específicas na culinária austríaca, constitui um delicioso creme de fruta para se barrar, para rechear bolos, pastéis com um sabor que nenhuma compota ou marmelada feita com açúcar lhe poderá dar.
O toque é ácido e pungente, para paladares mais domesticados pelas amenidades do açúcar, pode até parecer algo espartano, mas ao provar “powidl” terá a certeza que nunca provou nada assim.

Ingredientes:
Ameixas vermelhas, de interior também vermelho
Casca de limão (vidrado)
Ameixas secas
Pau de canela
Rum

Preparação:

Adquira ameixas bem maduras, sendo que deverá contar com uma redução de volume de 80% do volume inicial, isto é, se usar 2,5kg de ameixas descaroçadas, obterá cerca de 0,5kg de Powidl.

Lave e retire o caroço às ameixas. Leve ao lume com o vidrado do limão, pedaços de ameixas secas e a canela,
mexendo sempre, até ferver. Reduza o lume para o mínimo e deixe ferver, destapado, durante 4 a 6 horas, mexendo ocasionalmente até obter uma consistência grossa, muito pegajosa e quase negra.
Retire o vidrado de limão e a canela e guarde o Powidl ainda a ferver em frascos esterilizados e quentes. Não necessita refrigeração até abrir os frascos.

Notas:
A tentação de “ajudar” com a adição de açúcares, mesmo de frutas, é grande e tornou hoje quase impossível encontrar, mesmo na Áustria, um frasco de Powidl que respeite realmente a regra antiga, desta e de tantas compotas que é a da concentração dos açúcares do próprio fruto sem adição de açúcar externo ou de gelificantes para apressar e rentabilizar. Claro que o sabor forte e até pungente que resulta não só da concentração da polpa e do açúcar natural mas também dos sabores e ácidos do fruto, perde-se nestes de compra e só os poderá encontrar, fazendo.

domingo, 27 de agosto de 2017

Massa de Pimentão

            Transversal à maioria de pratos e preparações da cozinha portuguesa do Sul,  a massa de pimentão é um tempero quase omnipresente na cozinha alentejana, transmitindo o seu sabor pungente e insubstituível a pratos de carne de porco, peixe, migas, etc.
Infelizmente, o progressivo mas inexorável desaparecimento das hortas de subsistência familiares, o avanço da desertificação e o envelhecimento das populações rurais, tem provocado uma radical diminuição nesta produção que ainda há poucos anos era essencialmente caseira e aproveitava os restos da produção de pimentos maduros de cada ano. Em sua substituição têm surgido vários produtos industrialmente processados, verdadeiramente decepcionantes, uns associando outros temperos como o alho ou a salsa, todos transformados numa massa fina e sem textura que, fruto da moagem industrial, faz perder a inimitável textura granulosa que caracteriza a massa de pimentão caseira.
Todos os anos assistia à sua confecção, sempre no final do Verão, pelas mãos sábias da Tia Júlia e recebia depois de pronto o precioso condimento, que duraria até ao ano seguinte. Mas o tempo vai fazendo os seus estragos e após a morte da Tia Júlia, imitei-lhe os gestos e passei a fazer a minha própria massa de pimentão.


Ingredientes:

Pimentos vermelhos, maduros
Sal
Azeite
Ácido cítrico em cristais (facultativo)

Preparação:

Idealmente, os pimentões indicados para confeccionar esta massa são aqueles que começaram por ser pimentos verdes, depois amadureceram e ficaram vermelhos,
tendo ficado com o tempo um pouco enrugados e “passados”. São no entanto difíceis de encontrar a não ser que conheça um produtor, já que têm assim um valor comercial escasso e não chegam aos mercados. Pelo contrário, as vendas estão agora cheias de pimentos vermelhos todo o ano porque, tendo sido modificados, não quer dizer que sejam frutos maduros, sendo realmente pimentos “verdes” de cor vermelha, não pimentões.
Se usar destes pimentos vermelhos, deixe-os amadurecer por completo o que se verifica pelo estado acastanhado do pedúnculo
e pelo enrugado da pele.
Comece por abrir os pimentos, retire-lhes o coração, as sementes e as nervuras brancas esponjosas, corte em tiras a carne do pimento.

Escalde em água a ferver, por um minuto, essas tiras e escorra-as.
Disponha estas tiras sobre uma grade ou esteira,
cubra-as de sal marinho grosso abundante,
pondo sempre mais sal entre cada camada de tiras de pimentos.
Deixe por 5 a 7 dias.
Durante este tempo, o sal vai fazer uma dramática desidratação do pimento que irá perder mais de metade do seu peso inicial. Vá escoando diariamente o abundante líquido que se forma.
Quando as tiras se encontram visivelmente desidratadas,
cinco a sete dias depois, há que lavá-las do sal que ainda não desapareceu, secá-las cuidadosamente
com panos ou papel absorvente e passá-las então uma ou duas vezes pelo moinho de carne.
Está pronta a sua massa de pimentão. Se quiser ter a certeza de que não irá ocorrer nenhum bolor depois de abertos os frascos, poderá adicionar à sua massa de pimentão uma colher de café de ácido cítrico em cristais por cada meio quilo de massa.
Enfrasque a massa de pimentão em pequenos boiões previamente fervidos,
evitando que fiquem bolsas de ar no meio da massa. Deixe um centímetro livre entre a superfície da massa e o bordo do frasco,
limpe cuidadosamente este espaço e preencha até ao bordo com um bom azeite.

Extremamente salgada, esta massa conserva-se perfeitamente fora do frigorífico enquanto não aberta e deve ser tida em conta a quantidade de sal que contém, sendo comum ser a totalidade de sal que se utiliza na confecção dos pratos em que entra.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Rojões, um "confit" português (Trilogia 167)

                   Para hoje, em que esta 167ª Trilogia me porá, mais a Ana e o Amândio, à volta do tema “ Comeres daqui e dali”, nada melhor do que “rojões”, de que será hoje tratada a variante “daqui”, já que para a “dali” faltam cá por Lisboa as tripas enfarinhadas.
Quando ouve falar de rojões, há-de o ouvinte ter cautela, pois se muitas vezes se refere a esse delicioso prato nortenho com a sua carne, o sangue e as tripas enfarinhadas, também se pode estar a falar de um outro, cada vez menos frequente, esse magnífico método de conservar as mais nobres partes do porco, do tempo em que não havia frio e em que se usavam as propriedades isolantes da própria gordura do porco para fazer uma conserva sui generis e, ao mesmo tempo, uma carne espantosa.
Curiosamente, quando hoje nos maravilhamos com essas modernas técnicas culinárias a que chamamos "cocção lenta" e "confitados", não nos ocorre que desde tempos imemoriais, nas cozinhas da planície alentejana, eram as técnicas utilizadas para fazer os rojões que iriam passar muitos meses, às vezes até à matança do ano seguinte, imersos no seu banho sólido de rescendente banha.

Ingredientes:

Carne de porco (perna, lombo, lombinhos)
Banha de porco
Vinha de alhos

Preparação:

Prepare banha de porco a partir da banha em rama (a que envolve os rins), ou adquira-a já preparada.

Corte a carne em pedaços grandes, com a volumetria aproximada de uma bola de golfe.

Faça uma vinha de alhos com sal, pimenta, louro, alhos esmagados com a sua casca e pimentão-doce, se desejar que os rojões fiquem conservados em banha de cor. Se quiser a banha branca, não ponha o pimentão. Junte à carne cortada,
humedeça esta vinha de alhos com um golpe de vinagre de vinho, envolva bem e reserve por vinte e quatro horas.
Frite alguns pedaços de cada vez, rapidamente, numa pequena quantidade de banha e com lume muito forte, de modo a que fiquem louros todo à volta mas totalmente crus por dentro.
Vá retirando e arrume-os num tacho fundo
de modo a que preencham todo o espaço disponível.
Vaze sobre eles a banha onde os fritou e ponha então uma quantidade de banha que, ao fundir, permita cobrir totalmente a carne.

Leve ao lume mais fraco de que disponha durante três horas, de modo a que apenas haja um ou outro borbulhar.
O ideal é que a temperatura se mantenha à volta de 80ºC durante este tempo.
No fim das três horas de cocção lenta, o confitado está pronto e a carne tenríssima. Levante a temperatura durante breves minutos de modo a que, então, frite francamente e forme uma cor uniforme,
arrume então os pedaços num recipiente de barro ou vidro
e cubra-os com a banha bem quente.
Deixe esfriar completamente, cubra com película aderente para evitar qualquer ranço se for guardar por muitos meses.
No momento de servir, retire alguns rojões* indo até ao fundo para levar também o delicioso depósito, aqueça-os numa frigideira e acompanhe a seu gosto. Aqui, usei umas migas de pão alentejano temperadas com um pouco do molho e grelos cozidos.


Nota: * Depois de retirar parte dos rojões, se pensa utilizar o resto dentro de alguns dias, uma semana, basta cobri-los de novo com a banha, a frio. Se quiser guardar por mais tempo depois da primeira abertura, deve aquecer de novo o recipiente, fundir a banha e assegurar-se que toda a carne fica de novo tapada.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Pickles de casca de limão ( hamed mreked)

     se é verdade que quando evocamos a maravilhosa cozinha marroquina o que nos salta de imediato à memória é a panóplia exótica dos açafrões, gengibres, cominhos ou o incontornável Ras-el-Hanout, não é menos verdade que quando metemos mãos à obra, quando tudo até corre bem e o prato maravilha os comensais, para nós que guardamos na memória os sabores experimentados lá, fica sempre algo em falta, indefinido, um je ne sais quoi que nos apressamos a atribuir a este ou àquele ingrediente ou tempero mas que não é mais do que a falta do limão em pickles salgados, o hamed mreked.
Quando na tagine da receita anterior vos disse que na falta do hamed mreked, usar casca de limão fresca era melhor que nada, foi exactamente isso que quis dizer: melhor que nada! Atrever-me-ia a afirmar que este singelo limão salgado representa a alma mais profunda e essencial da exuberante cozinha marroquina e é o único ingrediente verdadeiramente insubstituível.
Fazer esta conserva é de uma simplicidade desconcertante e deixei aqui o processo nativo em 2011, mas devo admitir que as quantidades envolvidas, as dificuldades de conservação depois de abertos os frascos e a utilização necessariamente esporádica na nossa cozinha quotidiana a tornam pouco prática. Nos últimos anos fiz várias tentativas para recriar o sabor do hamed mreked numa forma mais adequada ao uso que lhe damos na cozinha europeia e é dos resultados e do êxito dessas experiências que vos deixo hoje aqui circunstanciado relatório, última entrada deste ano de 2016, com votos para todos os leitores, amigos, seguidores ou apenas visitantes, de um bom Ano 2017!

Ingredientes:

Casca de 2 ou 3 limões
Sumo de 1 limão
Água
Sal marinho, grosso


Preparação:

Escolha limões maduros e cascudos e frascos pequenos, desses que se usam para compotas. Esterilize-os.
Retire o sumo aos limões e reserve o sumo de um limão para cada frasco. Corte a casca de cada metade de limão em oito partes
e retire parte da gulema branca onde estão ainda pegados os restos espremidos dos gomos.
Arrume estes pedaços dentro do frasco, de modo que fiquem apertados mas deixando uma margem abaixo do bordo,
junte o sumo reservado de um limão e ponha por cima uma colherada generosa de sal grosso.
Faça uma solução saturada de sal, dissolvendo-o em água, ao lume, de modo a que haja uma parte que já não se consegue dissolver e fica no fundo
e junte-a, ainda a ferver de modo a cobrir todo o conteúdo do frasco e fique com cerca de um centímetro abaixo do bordo do frasco.
Coloque o frasco aberto no microondas
e ligue até ver que o líquido está a ferver  e borbulhar. Abra a porta e tape de imediato, enquanto o líquido ainda ferve.

Deixe num local escuro durante um mês e está pronto o seu hamed mreked.
 Após abertura do frasco, mantenha no frigorífico e tente consumir em dois meses.


quinta-feira, 28 de maio de 2015

Xarope de Sabugueiro (extracção a frio)

               Populares por toda a Europa Central e do Norte, onde adquirem nomes impronunciáveis para a nossa simplicidade latina, os refrescos feitos a partir de flor de sabugueiro só agora vão ganhando adeptos entre nós e ainda bem, que há poucas coisas mais deliciosas e refrescantes que uma boa limonada aromatizada por esse aroma único que é o das pequenas flores do Sambucus Nigra.
Já aqui vos deixei uma receita há vários anos, dessa vez a que aprendi em S.Romão, com os amigos da Casa Santa Isabel. O sistema de extracção que usam, na tradição alemã, é feito  a quente e os resultados excelentes embora apresente algo que, não sendo propriamente um defeito, estraga um pouco a apresentação final: a turvação, mais ou menos acentuada mas sempre presente quando as flores de sabugueiro são sujeitas a fervura e que resiste a todas as manobras de clarificação e filtração. Já os processos de extracção a frio tradicionais apresentam problemas na conservação, que não se consegue garantir fora do frigorífico por períodos prolongados.
Este ano, decidi experimentar um outro processo que imaginei para poder guardá-lo sem preocupações durante todo o ano e evitar essas “nuvens” que sempre aparecem, logo ou alguns meses depois. Os resultados, pelo menos por agora, não podiam ser melhores.

Ingredientes:

Flores de sabugueiro
Limão
Açúcar
Ácido cítrico em cristais

Preparação:

Use flores recém-apanhadas
e separe-as dos raminhos esverdeados que as sustentam e que dão um travo amargo ao xarope.
Encha um recipiente que possa fechar de modo estanque até cerca de dois terços da sua altura com estas flores,
adicione raspa do vidrado de limões,
açúcar branco (150g para frasco de 1l)
e duas colheres de sobremesa de cristais de ácido cítrico
por cada litro de capacidade do recipiente. Cubra de água mineral pouco mineralizada,
feche e leve por uma semana ao frigorífico, para ter a certeza de que não se inicia qualquer fermentação.
Ao fim desta semana de infusão a frio, o líquido tomou um tom amarelado característico, está fortemente aromático e, principalmente, está totalmente cristalino que é o que não acontece na extracção a quente.
Filtre cuidadosamente para que não haja neste extracto qualquer elemento sólido,
 pese o filtrado e junte-lhe o mesmo peso de açúcar. Leve ao lume até levantar fervura e o açúcar estar totalmente dissolvido e enfrasque assim a ferver  em recipientes esterilizados por fervura ou por quinze minutos no forno regulado para 150ºC. Pode ser guardado à temperatura ambiente até ser aberto e usa-se diluído em água gelada como um outro xarope.
Se usar açúcar amarelo em vez de branco, o xarope terá uma coloração mais acentuada e o sabor depois de diluído não se altera significativamente.