Mostrar mensagens com a etiqueta tecnica. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta tecnica. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

A Massa e o Mito

               Se é verdade que o mito, com tudo aquilo que em si transporta de grandeza, sonho e magia, é responsável pelas mais belas páginas, histórias e crenças que nos construíram os ser e a alma colectiva, já os enganos, ignorância, pequenas mentirolas que se repetem e caucionam com outras mentiras até que, à força de tanta repetição e nenhuma experimentação passam a ser encaradas como verdades indiscutíveis, são totalmente execráveis e destes mitos andam cheias as nossas culinária e gastronomia, sendo agora já não passados no diz-que-disse de vizinhas, mas antes espalhados aos quatro ventos e caucionadas por tantos dos que a reboque desta súbita grandeza que a comunicação social emprestou aos cozinheiros, vão, na ânsia de parecerem doutos, espertos e interessantes, apimentando pratos e receitas com estas asneiras que nunca ousaram verificar na prática e a que não resistem a embelezar com alguma novel “explicação” mais ou menos imaginativa.
Já uma vez aqui deixei uma feijoada a que chamei de “7 Mitos” e que tinha a particularidade, para além de ser bem boa, de utilizar propositadamente na sua confecção sete destes mitos que nos assombram. Hoje, vou voltar à questão do modo de cozedura das massas alimentícias.
Alguém viu um dia alguma mamma italiana a cozer esparguete numa grande panela de água fervente. Com a habitual propensão dos ignorantes para se aterem aos pormenores e ignorarem o essencial, o que restou da observação foi que as massas se deviam cozer numa grande quantidade de água fervente temperada com sal; a título de justificação, inventaram que tal era essencial para que os fios de esparguete se não colassem uns aos outros na cozedura, para compor o ramalhete informativo, juntaram um fio de azeite à água e num último assomo de rigor que a quantidade certa seriam um litro de água fervente para cada cem gramas de massa. Nem mais, nem menos!
Eu nunca usei esta barbaridade de água para cozer massas e na verdade esta nunca se “colou”, como deixei aquidito, mas só há poucos dias é que, pela mão de J. Kenji López-Alt é que percebi que, para além disso, a água onde a massa se coze nem precisa estar quente!
Experiência feita e comprovada:

Ingredientes:

Esparguete seco
Água
Sal
Manteiga

Preparação:

Coloque o esparguete no fundo de uma frigideira ou caçarola onde caiba sem partir e cubra-o de água fria. Junte sal.

Leve ao lume e verifique que, ao contrário do mito, a massa está totalmente solta, apesar de encostada em feixe. Quando começar a ferver, mexa e deixe ferver com o lume baixo,
juntando mais água se necessário.
Quando estiver ao seu gosto, isto é, “al seu dente”, escorra num passador e derreta sobre a massa uma noz de manteiga. Sirva.

 Nota: o pouco líquido que escorre da massa pode ser aproveitado para enriquecer sopas ou aveludar um molho, dada a quantidade de amido que contém.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Escalar um Peixe (Rascasso)


                 Escalar um peixe consiste em abri-lo de forma incompleta pela face ventral, permitindo uma redução da sua altura no momento de grelhar, única situação culinária em que esta operação se justifica, sendo que a outra, a preparação para salga e secagem é de âmbito profissional, como é feito para o bacalhau quando é salgado.
A prática nasceu nos grandes restaurantes de peixe, para conseguir grelhar com a suficiente rapidez que um grelhado de peixe exige, peixes inteiros com pelo menos 0,8kg que, não fora o escalado, teriam de ficar tanto tempo sobre o carvão que a parte exterior ficaria dessecada. Como tantas vezes acontece, as modas pegam pela aparência sem se cuidar de compreender a essência e hoje, não há tasca suburbana que não apresente um carapau, um robalito de duzentos e cinquenta gramas ou até uma dourada de viveiro, orgulhosamente “escalados”, secos e fibrosos como só um peixe pode ficar quando é mal cozinhado. E escalar um peixe de trezentos gramas, que precisa de ficar o mais possível fechado para conservar os seus sucos perante o calor é, objectivamente, cozinhá-lo mal!
Só escalo peixes grandes e foi o caso deste rascasso que acusava na balança uns gramas acima de um quilo, o que o tornava ideal para grelhar para duas pessoas, escalado para que pudesse conservar a firmeza e humidade da sua magnífica carne após um grelhado rápido no carvão, mostrando maravilha que é o rascasso e porque foi o escolhido por Arzak para o seu lendário “pastel de krabarroka”.

Ingredientes:

Rascasso
Sal e pimenta
Azeite refinado
Azeite virgem, extra.

Preparação:

Peça no mercado para aparar e eviscerar o peixe mas para conservar as escamas.
Reserve para si a operação de escalar, única maneira de assegurar que fica feita a contento. Vire o peixe com a face ventral para cima, acabe de abrir a entrecha de modo a ver toda a cavidade e insira uma faca muito afiada no ponto em que acabam as costelas.
Siga a linha da espinha até à cauda, em diversas passagens cada vez mais profundas mas sem atingira pele do dorso. Deve parar quando encontrar a linha de espinha das barbatanas dorsais.
Prolongue então o golpe na direcção da cabeça, cortando uma a uma as espinhas da barriga.
Abra por fim a cabeça em duas partes, tempere com sal e pimenta moída na altura, passe um fio de azeite refinado pelos dois lados do peixe, pele e carne e deixe no frio por uma hora.
Faça um lume de carvão bem aceso e deite nele o peixe aberto com a pele para baixo.
Ao fim de cerca de dez minutos (depende de muitos factores) vire então a carne para baixo e deixe mais cinco minutos.
Sirva logo com o acompanhamento que quiser, com um fio de azeite virgem extra.
 

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Farinheira Amiga do Coração

                      Diz-se que tudo o que é bom e sabe bem, por força terá que fazer mal. Claro que há muitos casos em que o aforismo não se aplicará, mas decerto que os sabores mais voluptuosos correspondem na maioria àquilo a que médicos e nutricionistas chamam “venenos” alimentares.
De entre os sabores mais ricos dos nossos contentamento e desgraça, encontra-se esse enchido mítico e único, a farinheira. 
Chamei-lhe único porque não há nada que se lhe compare fora de Portugal. Cada enchido é de algum modo único nalguma particularidade mas de facto, se pensarmos em chouriços, paios, morcelas, salpicões, salames, temos uma infinidade por esse mundo fora, cada um adaptado ao gosto e história de cada cultura. 
Originais, só mesmo as alheiras e claro, as farinheiras.
As farinheiras são, simultaneamente, um monumento de sabor e uma enormidade alimentar, já que, com esta ou aquela pequena variação quanto à inclusão de algum pedacito de carne, uma farinheira é farinha temperada e ensopada em gordura de porco, um enchido de faz-de-conta, o peixinho da horta dos enchidos, nascida para fazer parecer chouriço o que só tinha tripas, gordura e  farinha.
E que boas que elas são, tentação irresistível seja num cozido, com ovos, assada, frita, cozida, numa feijoada ou a rechear lulas ou carne, indicação recente da autoria de Sobral.
Foi a pensar no mal que fazem à saúde e à consciência, que decidi criar uma farinheira sem pecado, entendendo-se aqui pecado pelo seu ingrediente malsão, a gordura de porco, substituindo-a por outra saudável, poderia ter sido azeite mas para ser algo realmente nunca feito (eu próprio já fiz muitas vezes farinheiras e alheiras com azeite), optei pela Becel Pró-activ, essa mesma da TV, que entrou no lugar da banha para fazer estas farinheiras para comer sem remorsos dos 8 aos 88, que irão figurar nesta 81ª Trilogia com a Ana e o Amândio, precisamente com o tema “farinheira” e que me levou a improvisar um fumeiro em plena capital (ai o que eu vou ouvir na reunião do condomínio, que isto do cheiro a fumeiro entranha-se, entranha-se…).
Ficaram maravilhosas, não só pelo sabor mas por proporcionarem essa estranha sensação de poder dizer: “ora vamos lá comer mais uma rodela de farinheira para reduzir o colesterol!”

Ingredientes:

Farinha de trigo 650 (4/5 da farinha)
Farinha de milho (1/5 da farinha)
Sal
Alhos
Pimenta
Pimentão doce em pó
Massa de pimentão
Massa de malagueta
Sumo de laranja (ou água)
Becel Pró-activ (ou azeite, ou banha)
Tripa fresca ou seca

Preparação:

Misture todos os ingredientes excepto a tripa, que, depois de bem esfregada com sal grosso, deve deixar numa salmoura com sumo de limão desde a véspera.
As quantidades relativas são as de bom senso e conforme o resultado pretendido; se quiser que fiquem mais picantes, carregue na malagueta, se houver problemas de hipertensão pode usar sal para hipertensos, mais ou menos pimentão doce consoante as quiser mais vermelhas ou mais acastanhadas, etc. 
A gordura que usar, contudo, deve representar entre 1/3 e metade do peso das farinhas.
Tendo obtido uma massa homogénea, use-a para encher a tripa. 
Se usar tripa de vaca ou grossa de porco, ou ainda da seca, faça as características farinheiras dobradas nortenhas, deixando tripa vazia de modo a que não rebentem ao cozinhar. 
Se usar tripa fresca de porco do intestino delgado (chamada tripa fina), faça então as argolas como se fazem no Alentejo; estas últimas ficam prontas muito mais depressa.
A fase crucial de qualquer enchido é o fumeiro e, se para quem viva em ambiente rural isso seja coisa sem mistério, de todos os dias, já para quem viva na cidade ou em ambiente urbano, isso pode constituir um verdadeiro bicho-de-sete-cabeças.
Há muitos mitos à volta da ideia de fumeiro, o primeiro dos quais será por certo a ideia da operação envolver fumo, quando na realidade os gases envolvidos são invisíveis e o fumo visível (na verdade fuligem) é até sinónimo de um mau fumeiro.
Faz-se um fumeiro acendendo um lume de brasas e, quando estas estiverem bem acesas, sem qualquer chama, “assar” em cima destas brasas pedaços de madeira bem seca (e não húmida, pois não se querem fumos).
Destas madeiras depende a qualidade do fumeiro bem como as diferenças entre eles. Usam-se qualquer madeira desde que não-resinosa ( carvalho, cerejeira, oliveira, loureiro, sobro, laranjeira ou limoeiro, etc.).
Para estas farinheiras, que defumei no quintal da minha casa lisboeta em conjunto com alguns chouriços, usei brasas de carvão acesas numa lata dessas de feijão cozido com o fundo perfurado, a lata dentro de um vaso de barro vazio, para ficar protegida de vento que poderia levantar chama e sobre as brasas acesas pedaços de madeira de loureiro e de limoeiro. 
Os enchidos devem ficar suficientemente afastados do calor para que não aqueçam ou cozinhem.
Enquanto os chouriços ficam prontos em 4-5 dias, já as farinheiras, mais húmidas, levam cerca de uma semana as de tripa fina (Alentejo) e cerca de duas semanas as de tripa grossa (Norte).

domingo, 12 de fevereiro de 2012

As Alheiras (de Calouste Gulbenkian)

                        Para além do gozo enorme que isso dá a pessoas como eu, e de se saber exactamente o que se come, fazer em casa as coisas que normalmente se compram já feitas, representa a possibilidade de chegar a níveis de excelência completamente impossíveis de atingir no produto que nos chega através da distribuição, por mais exclusivo que este seja. As próprias regras de bons procedimentos industriais e as exigências legais no que respeita à inclusão de certos químicos nos produtos alimentares manufacturados que se destinam à venda, limitam aos poucos de nós que têm ainda acesso aos produtos realmente caseiros, a possibilidade de desfrutar esses sabores únicos.

Calouste Sarkis Gulbenkian morreu em 1955 e viveu os últimos treze anos da sua vida em Lisboa, no mítico Hotel Aviz , em cuja cozinha pontificava então esse senhor incontestado da cozinha portuguesa, Mestre João Ribeiro.
Dos seus preciosos cadernos de apontamentos, que organizados por José Quitério e José Labaredas, deram origem a esse  livro* que é não só o seu  testamento culinário, como também o relato, pelo punho do mestre, da comida que se fazia na cozinha do Aviz.

Claro que nem eu, nem ninguém, poderá algum dia garantir que Gulbenkian comeu as Alheiras à Moda de Viseu que João Ribeiro fazia nas cozinhas do Aviz, mas é legítimo pensar que o tenha feito, conhecido que era o apreço que nutria pela cozinha do mestre.
E que alheiras estas, as de Mestre João Ribeiro! 
Através de um expediente genial para levar o aroma fumado para dentro da alheira sem recorrer a um fumeiro, sempre difícil de manter no meio de Lisboa, Mestre João Ribeiro criou assim condições para que qualquer de nós possa fazer as suas próprias alheiras de excelência, como eu fiz e posso garantir que não há mesmo alheira industrial, por mais “caseira” que seja a receita seguida e DOP a proveniência, que chegue aos calcanhares das alheiras de Calouste Gulbenkian!

Ingredientes:

2 kg de ossos do espinhaço
1/4 galinha gorda
Presunto magro
0,5 kg de entremeada
1,25 dl de azeite
200g de paio do lombo
1 cabeça de alhos
1 c.s. de colorau
Pão de trigo
Tripa fresca

Preparação:

Dois dias antes, deve salgar os ossos e a entremeada
e preparar as tripas, esfregando-as com sal e sumo de limão e deixando-as depois em sumo de laranja e sal.
No dia, numa panela com água e o azeite, coza todas as carnes 
até estas se começarem a soltar dos ossos.
Desfie as carnes e volte a por os ossos no caldo onde continuam a ferver.
Corta-se em fatias o pão, para um alguidar, (Mestre João Ribeiro não dá qualquer indicação sobre a quantidade de pão; pesei as carnes desfiadas e usei a mesma quantidade de pão), esmagam-se os alhos e juntam-se ao pão, bem como o colorau e malagueta, se quiser dar um toque picante às alheiras.
Rega-se então com caldo a ferver (coado), mexe-se bem e junta-se as carnes desfiadas.
Verifica-se agora o sal, embora seja provável que o sal que as carnes salgadas transportaram seja suficiente.
Lavam-se então as tripas uma última vez, em água corrente, escorrem-se e enchem-se com auxílio de um funil próprio, 
que sendo a maneira mais lenta e trabalhosa de encher uma tripa, é também aquela que está normalmente mais acessível a quem não quer tornar-se salsicheiro.
Atam-se, furam-se com alfinete de modo a que não fiquem bolsas com ar dentro da pele e dentro de algumas horas tem-se um belo monte de alheiras frescas.
Põem-se as alheiras a secar num local fresco e arejado durante três ou quatro dias,
após o que estão prontas para se comerem, como mais se gostar.
 Notas: * O Livro de Mestre João Ribeiro, pp. 111, Assírio & Alvim, Lisboa 1996.

domingo, 1 de maio de 2011

Descascar favas (como fazia a vizinha Plinária)


                    No tempo do Estado Novo, surgiram umas estranhas escolas primárias semi-oficiais, dentro das grandes herdades alentejanas, construídas e sustentadas pelo latifundiário que assim evitava a dispersão dos trabalhadores infantis em caminhadas de horas para chegarem à escola da vila mais próxima, com o inerente prejuízo das tarefas rurais a que as crianças estavam submetidas.
Nessas escolas o "professor" era também contratado pelo senhor da terra, muitas vezes até um parente e as habilitações para o cargo não eram questão importante, sendo vulgar que os alunos que normalmente só faziam a 3ª Classe ( chamava-se o 1º Grau e era uma espécie de bacharelato primário), tivessem como mestre alguém que tinha apenas a 4ª Classe, o 2º Grau!
A vizinha Plinária foi uma destas bacharéis de escola de herdade e quando a conheci, já velhota, só a custo fazia mais que escrever o próprio nome, que, no entanto, nunca reconheceu como seu.
- Plinária, vem cá, Plinária está quieta, Plinária aventa isto ao reco!- nunca soube que se chamasse outra coisa e até a professora lhe ensinou a desenhar um formoso "P" para iniciar o seu nome, laboriosamente escrito na lousa e até bordado em algum lenço mais fino.
Só pelos 12 anos, quando foi a Montemor fazer o exame de 1º Grau, Plinária soube, consternada, que alguém lhe tinha realmente posto o estranho nome de Apolinária e foi a muito custo que lá fez o exame com o "falso" nome que a havia de perseguir pela vida fora, a cada vez que o tinha de escrever  nalgum documento oficial.
A vizinha Plinária não chegou a doutora mas descascava favas como ninguém!
Com um golpe certeiro as vagens abriam-se e soltavam os túrgidos bagos verdes, todos a arreganhar a pele à volta do golpe que, ao passar, também os atingiu. Este golpe na pele de todas as favas era o segredo para que se impregnassem de sabores e temperos durante os tratos que a seguir sofreriam até se transformarem em pitéu.

Ingredientes:

Favas inteiras

Preparação:

Pegue na vagem com uma das mãos e dê-lhe um golpe longitudinal com uma lâmina bem afiada de faca ou até de x-acto ( eu aproveitei para experimentar as minhas novas facas de porcelana!).

Este golpe deve ser suficiente para seccionar não só a casca como também a pele das favas, que ficarão todas golpeadas.

Através deste golpe, as favas ficarão acessíveis ao contacto com todos os temperos que fizerem parte da receita com que as vai cozinhar, impregnam-se de molho e aromas e ficam uma verdadeira delícia.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Costeletas Panadas

.................... Quando cheguei a casa com o cachaço de porco que vos mostrei aqui, reparei que ele era realmente grande demais (mesmo assim, foi!) e resolvi tirar-lhe umas costeletas do fundo, fininhas, para panar e, ao mesmo tempo, para conversar um pouco sobre essa técnica culinária muito mitificada e de que aparentemente pouco ou nada há a dizer mas sobre a qual, talvez por isso mesmo, se diz sempre pouco demais e o resultado dessa informação, básica mas incompleta, é a frequente constatação que, nas nossas cozinhas, os panados saem geralmente mais gordurosos e daí a pouco mais moles que os congéneres profissionais.
.
Exceto nos casos em que se trata de panar alimentos previamente cozinhados (frango cozido, croquetes, rissóis, etc.), em que a sequência é simplesmente ovo + pão ralado, todos os crus serão sempre panados com farinha + ovo + pão ralado. A missão da farinha é dupla: por um lado facilita a permanência do ovo na superfície húmida do cru, na passagem do ovo para o pão ralado; por outro lado vai formar com o ovo um polme que terá tendência, durante a fritura, a crescer e destacar-se da superfície do alimento panado, diminuindo os pontos de contacto entre ambos e consequente humidificação da crosta crocante.
É este afastamento entre a "casca" e o interior que permite ao panado ficar mais tempo estaladiço, o que no caso da carne (escalopes, costeletas) ou peixe (filetes) leva a que, sempre que haja um certo tempo (+ de 15 minutos) entre a confeção da 1ª unidade frita e o consumo, se deva optar por uma outra sequência, a dupla: farinha + ovo+ pão ralado+ ovo+ pão ralado.
Este panado duplo vai criar uma barreira de ovo impermeável a seguir ao primeiro panado mais interior, retardando a migração dos sucos da carne para a crosta estaladiça, amolecendo-a.
Por isso, se está a cozinhar para um ou dois e o panado vai ser consumido imediatamente após a fritura, faça o panado farinha - ovo - pão ralado, que ficará mais aderente e fino, assim:
.
Se está a cozinhar para várias pessoas e portanto vai ter de fazer várias frituras antes de servir ou prevê um tempo alargado de espera (por exemplo, terá ainda as entradas e só depois os panados), então deverá optar pela sequência dupla indicada, que mantém o estaladiço por várias horas e que fica assim:
.
A fritura deve ser feita em gordura bem quente para que não haja lugar a cozimento que provoca a saída dos sucos da carne ou peixe crus, de modo a que o calor externo seja sempre intenso e o interior se mantenha suculento e não seco e fibroso.
A gordura ideal para fritar os panados é a banha de porco, mas sendo hoje inaceitável tal procedimento, do ponto de vista da saúde alimentar, resta o azeite refinado, única gordura que aguenta a alta temperatura a que deve decorrer um panado sem se alterar e que tem a vantagem de deixar qualquer frito bem enxuto e estaladiço.
.
................................ panado simples ......................... panado duplo

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Molho Holandês para Peixe Grelhado

............... O molho holandês é, imerecidamente, uma espécie de bicho-papão da cozinha amadora, muito por culpa das instruções algo absurdas que costumam acompanhar as receitas e em que grandes chefes acabam por complicar e enfatizar aquilo que é menos complicado e importante.
Se executado por fases bem diferenciadas, sem aplicação de calor fora dos momentos em que é necessário, pode dizer-se que um molho holandês é mais fiável que uma maionese simples.
Vou hoje aqui deixar uma versão de molho holandês totalmente segura, desde que se tenha presente o que é a questão fulcral deste molho: Se a gema cozer, o molho talha, tão simples como isto!
.
Ingredientes:
.
2 gemas
2 colheres de sopa de água (1 na versão "peixe grelhado")
1 colher de sopa de sumo de limão (2 na versão "peixe grelhado")
150 g de manteiga clarificada
Sal e pimenta
.
Preparação:
.
Qualquer molho holandês começa por um sabaião aquoso com limão ou vinagre. Este sabaião, se começar por uma emulsão gema-água a frio e só depois se fizer o aquecimento em banho maria, elimina na prática quase todas as possibilidades de algo correr mal nesta fase crucial. Assim:
Bata as gemas com a água e o limão, sal e pimenta, com varas ou com um batedor de claras elétrico até estar formada uma emulsão lisa e uniforme.
.
Leve então esta emulsão a banho-maria, sem deixar tocar o fundo da tijela na água quente e, de preferência, usando uma tijela não metálica (plástico ou porcelana) para que a condução térmica seja diferida, e continue a mexer com as varas até obter uma consistência parecida com uma pomada. Durante este tempo verifique com a mão a temperatura do fundo da tigela que deve ser sempre suportável, sem queimar.
.
A partir deste momento, já não é realmente preciso voltar ao banho-maria, se a manteiga estiver à temperatura ideal que é a mesma do sabaião, o que pode avaliar também pelo tato. Vá juntando a manteiga derretida aos poucos e mexendo sempre com as varas para incorporar, como numa maionese. Aqui, o melhor é usar apenas a parte gorda da manteiga, apesar de, se gostar de sentir o travo lácteo no sabor final do molho holandês, não vir mal ao mundo (nem ao molho) se usar a manteiga na sua totalidade.
Para a variante de peixe grelhado, a diferença está na proporção de limão no sabaião inicial, já que é um sabor que fica em falta quando se faz o molho holandês tradicional, 2 de água e 1 de limão.
Aqui, destinado a uma raia grelhada,
.
usei o inverso, 2 de limão para 1 de água e resultou um molho com toda a suavidade e distinção do molho holandês mas com um acídulo muito interessante para compôr a delicadeza de sabor do peixe grelhado.
.

domingo, 4 de julho de 2010

Portobellos com Arroz

............................ Os melhores cogumelos recheados, faço-os no Outono com os grandes Agaricus ou Lactarius que crescem nos campos do Alentejo e que eu mesmo apanho. No resto do ano e particularmente no Verão em que gosto de refeições rápidas e leves, uso para esse fim qualquer outro cogumelo, desde que suficientemente grande, normalmente os chamados Portobellos.
.
Este nome "Portobello" não corresponde a nada a nível científico, sendo antes uma designação comercial inventada pelo marketing para designar uma variante do velho Agaricus (vulgo champignon de Paris) com uma coloração acastanhada do chapéu e que, comercialmente, se deixa muitas vezes crescer e abrir, o que, infelizmente, é raro fazer-se com os "irmãos" de chapéu branco. Obtêm-se assim esplêndidos exemplares com mais de 10 cm de diâmetro de chapéu (às vezes 20cm!),
.
com que se podem fazer belos cogumelos recheados sem correr o risco de ficarem com o aspecto de entradinha em copo-de-água de casório...
Podem-se rechear cogumelos com tudo que se quiser e for capaz de imaginar. Estes que hoje aqui vos trago foram recheados com uma sobra de arroz cozido e aparas de presunto culinário e, normalmente, não seria prato que aqui viesse ocupar post. Faço-o porque, ao dar uma volta ociosa pelo espaço virtual, apercebi-me que não há aqui uma única receita que respeite o modo de preparação de um cogumelo para grelhar, assar ou fritar: tudo começa por "lave muito bem..." a demonstrar bem a que ponto chegou a categoria da "cátedra" de quem, em face do fiasco culinário, mais se preocupa em exibir um pretenso grande êxito, que procurar saber o que correu mal (neste caso, porque cozeram os cogumelos em vez de assarem).
Chamo a atenção de quem seguir a receita, para a qual as quantidades e ingredientes até nem interessam nada, para os pormenores de execução e para as notas finais, razão de ser deste post.
.
Preparação:
.
Não lave os Portobellos. Pode raspar ao de leve a superfície do chapéu com uma faca ou com um esfregão verde, do centro para o bordo.
Retire o pé com uma torção e raspe as lâminas com uma colher de bordo fino, acentuando o côncavo.
.
Salteie os pés e as lâminas, em manteiga, e junte presunto em pedaços.
.
Junte um copo de arroz cozido e coentros, tempere agora (atenção ao sal do presunto)
.
ligue o conjunto com um pouco de mozzarela ralado.
.
Forre o interior do chapéu com uma camada fina de tosta ralada seca ou flocos de puré de batata,
.
e encha com o preparado.
.
Leve a forno muito quente durante 5 minutos, ponha-lhe por cima uma rodela de queijo de cabra
. e leve mais 1 minuto ao grill para fundir.
.
Notas:
- A "carne" de um cogumelo é como um esponja microscópica. Se entrar em contacto com água, embebe e torna as fritura, o saltear ou o assar/grelhar impossíveis, pois a água presente ferve e coze o cogumelo que fica com a consistência emborrachada de um cogumelo de lata.
Para estas preparações é mandatório (sob pena de a fritura, o salteado ou o assado não acontecerem!) que o cogumelo seja limpo a seco. Nos casos em que têm uma película consistente, como os Lactarios, Morchelas, Suillus ou Porcinni pode-se destacar esta por inteiro, como uma pele que se esfola; nos outros casos passa-se apenas com esfregão seco ou lâmina de faca.
Na parte de baixo (lâminas), não se faz nada! Se estas estiverem sujas, retire-as e rejeite-as ou use os cogumelos para cozer ou guisar, lavando-os então.
- Ao fritar, saltear ou assar/grelhar um cogumelo, deve fazê-lo sempre com o calor ao máximo e por um curto espaço de tempo, pequenas quantidades de cada vez para que a temperatura não baixe e permita cozinhar o exterior do cogumelo mas sem que a temperatura interior chegue à ebulição, o que faria sair todos os saborosos sucos do próprio cogumelo.
- Ao fazer cogumelos recheados no forno para evitar que se forme algum líquido no interior do côncavo, o que sempre é inevitável que aconteça um pouco, por maior que seja a temperatura usada e a rapidez do processo, líquido esse que é muito desagradável a escorrer pelo prato, faça um "penso" preventivo de flocos de puré de batata, tosta ralada seca, couscous secos ou outro absorvente que lhe ocorra, de modo a que esse suco seja conservado e absorvido durante os minutos de processamento.
- Se for juntar cogumelos finais a um cozinhado onde existe um caldo ou molho aquoso, pincele-os previamente com azeite ou óleo, de modo a entupir os orifícios da "esponja" e permitir que se mantenham suculentos.