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02 setembro 2011

13.08.1961 - 13.08.2011 (18)

Corria o ano de 1961 quando deram a um certo violinista da RDA o lugar de primeiro violino numa orquestra importante daquele país. Contente e orgulhoso, foi fazer férias com a família na Alemanha Ocidental, onde foram surpreendidos pela notícia da construção do muro. "Regressamos? Não regressamos?" - regressaram, porque a vida deles e o honroso lugar de primeiro violino era do lado de lá. Mas ficaram ainda uma semaninha na Alemanha Ocidental, a gozar a vida tal com tinham planeado. No fim das férias, ao entrar em casa, deram-se conta que os vizinhos já tinham dividido entre eles todo o recheio. Ninguém seria capaz de imaginar que eles voltariam. Mas foram simpáticos, devolveram tudo e pediram desculpa.

Anos mais tarde a filha desse músico teve um namorado com quem discutia imenso sobre política. Ele era pró-regime, ela era extremamente crítica. Uma relação impossível - disse-lhe ele, o mais delicadamente que soube - por incompatibilidades políticas.

Ela acabou por casar com um pastor protestante, a família foi perseguida segundo todas as normas vigentes da ideologia. A sensação de cerco e claustrofobia aumentou de tal modo que fizeram o pedido para poderem emigrar para a RFA. Obtiveram-no, e saíram legalmente do país três anos antes da queda do muro.

Há tempos, foi ver o seu dossier nos arquivos da Stasi. Descobriu que o antigo namorado era informador da Stasi, e sobre ela escrevera: "Tentei repetidamente iniciar conversas sobre temas políticos, mas não mostrou qualquer interesse. Não vale a pena perder tempo com ela, é completamente apolítica."

Ah, o amor!

15 agosto 2011

13.08.1961 - 13.08.2011 (17)

Há ainda o projecto de alargar este memorial, para lembrar que o muro de Berlim não é o único que envergonha a humanidade. Na foto, o modelo de uma proposta - pretende-se trazer para este local segmentos originais desses muros.


Muros que não podemos esquecer nem ignorar:
- entre o campo de concentração e a liberdade
- entre a África e a Europa
- na Coreia
- em Berlim
- entre o México e os USA
- entre a Palestina e Israel


13.08.1961 - 13.08.2011 (16)


Esta placa, que encontrei numa rua perto da antiga fronteira, levanta-me uma questão: será que vão espalhar pelos passeios placas a assinalar cada uma das vítimas do muro? Não encontrei ainda uma resposta, mas mais uma vez se confirma que as ruas de Berlim estão literalmente pejadas de História.

Na placa lê-se que Horst Walter K. tentou fugir a 13.9.1966 e foi feito prisioneiro.

13.08.1961 - 13.08.2011 (15)

Na parte da faixa da morte que atravessava um cemitério foi construído um muro em metal, aberto em pequenas janelas com placas de vidro onde gravaram fotografias das vítimas do muro.
Chamam-lhe "janela da memória".






13.08.1961 - 13.08.2011 (14)

Do meio da multidão sobressaía o portador de um cartaz contra o aborto. De um lado lia-se:

"Pobres vítimas do muro"
-----------------------------------------
Psst: dos 1000 que todos os dias 
são mortos antes de nascer
- ao abrigo da lei -
não se fala aqui!

e do outro lado:

Porque é que os políticos 
não exemplificam aqui os "joguinhos" 
que querem recomendar às crianças 
no âmbito da "Educação Sexual"?

Incomodava muito, pois está claro que incomodava muito. A maior parte dos assistentes fez de conta que não via, ignorava o homem ostensivamente. Alguns tentaram falar com ele:




Uma pessoa gritou: "O senhor está a incomodar todos. Não é o lugar nem a hora para tematizar esse assunto. Leve o seu cartaz para outra rua."
Em vão. Ele retorquiu que neste país há liberdade de expressão, e continuou a avançar em direcção ao palco, onde começou a fazer uma pequena palestra justamente à hora de começar a conversa com testemunhas da construção do muro.


Muitos desviaram o olhar. Alguns começaram a vaiá-lo. E eu com eles, claro - Buuuuh! Buuuuuh! -, no que fui secundada pelas pessoas à minha volta.
Sentia-me invadida. Sentia-me profundamente agredida pelo sarcasmo daquelas aspas: "pobres vítimas do muro". Não queria ouvir o que aquele homem fazia questão de me dizer. E por isso gritava bem alto:
- Buuuh! Buuuuh!
Ele acabou por se ir embora.  Uma rapariga, com a cara desfigurada de raiva e escárnio, ainda lhe atirou pelas costas: "Já cá faltava a hipocrisia da nossa sociedade!"
Eu fiquei, um pouco envergonhada: não teria sido mais civilizado ignorá-lo ostensivamente enquanto falava? Talvez olhar para trás, conversar com a pessoa ao lado? Com o meu Buuuh!, que se ateou aos alemães que estavam perto de mim, contribuí para o avanço e amadurecimento da Democracia, ou para um pequeno retrocesso?

Que isto de civil courage e tal é muito bonito, mas o verdadeiro desafio é corrigir situações que consideramos incorrectas sem humilhar ou interpelar agressivamente o antagonista.

13.08.1961 - 13.08.2011 (13)

O centro de documentação tem uma torre com miradouro que permite ver a o segmento da faixa da morte que não foi destruído. Imagino que tenha sido um desafio para os arquitectos: uma torre de vigia para observar outra torre de vigia...




Olhando para a área ocupada pelo memorial, sinto uma grande admiração pela cidade de Berlim, que se dá ao luxo de "desperdiçar" tanto terreno que poderia render inúmeros milhões se fosse vendido para construção. 


Nesta fotografia pode ver-se bem um detalhe da perfeição do sistema: na faixa da morte a terra era arada frequentemente, de modo a que as pegadas dos fugitivos ficassem marcadas.

13.08.1961 - 13.08.2011 (12)


O partido "die Linke" deixou uma coroa de flores onde se lia simplesmente "in memoriam". Alguém deixou junto à faixa um papel assinado onde estava escrito:

"...dos soldados da fronteira que foram mortos?
E as vítimas?"

Sim, neste dia também se lembraram as vítimas entre os soldados da fronteira. Oito no total, mortos por fugitivos ou os seus ajudantes, por friendly fire ou até por soldados do lado ocidental (como Peter Göring, atingido por um tiro inimigo quando disparava para matar um rapaz de 14 anos que fugia a nado).
Aqui encontra-se informação detalhada (em alemão) sobre cada um deles.

Dias como estes são uma provocação para o partido "die Linke", porque não se sabe de que lado do muro está realmente. Terem escolhido um mero "in memoriam" para juntar ao seu ramo de flores é bastante significativo da sua posição ambígua. 

13.08.1961 - 13.08.2011 (11)

Os mais altos representantes políticos do país deixaram flores junto à inscrição do memorial:



A alguns metros dali, ao longo do muro original, outros deixaram também flores: partidos, associações, quem quisesse.





14 agosto 2011

13.08.1961 - 13.08.2011 (10)

Na Bernauer Straße havia também uma igreja evangélica, que servia as populações de Mitte (Berlim leste) e Wedding (Berlim ocidental). Era a Versöhnungskirche, a Igreja da Reconciliação. Quando o muro foi construído, a população de Wedding, em Berlim ocidental, deixou de a poder frequentar. Em 1985 a igreja foi simplesmente destruída, em nome "do asseio e da visibilidade". Para fazer uma faixa da morte limpinha e escorreita, compreende-se...




Depois da queda do muro, a antiga comunidade recebeu o terreno de volta e construiu uma capela, a muitos títulos simbólica: recuperando o nome "da Reconciliação", faz-se ponte entre o passado e o futuro em plena faixa da morte,  mistura elementos modernos com peças antigas que sobreviveram da igreja inicial, reflecte as preocupações ecológicas do início deste século - o núcleo interior, fechado, tem grossas paredes em barro ao qual se misturaram restos da antiga igreja, inclui um sistema colector de água da chuva e renuncia a sistema de aquecimento -, enquanto o seu espaço circundante, em forma igualmente elíptica, é delimitado por uma vedação em lamelas verticais de madeira, ficando semi-aberto ao exterior.
A propósito da escolha de paredes em barro, disseram-me que os berlinenses estavam fartos de pedras - mesmo que não seja verdade, acho graça à ideia.

(foto daqui)
(foto daqui)





 

Foi nesta capela que, nas primeiras seis horas do dia 13 de Agosto de 2011, se leram as biografias de algumas vítimas do muro.

13.08.1961 - 13.08.2011 (9)

Teria sido possível escapar a um certo toque de reality TV neste ano da graça de 2011? Suspeito que não.

O ponto alto do entertainment ocorreu quando fizeram subir ao palco dois homens que não se conheciam ainda, mas apareciam juntos numa fotografia famosa que agora faz parte do memorial, exibida na parede de uma das casas que o enquadram.
E a conversa pateta:
- Então, agora que finalmente se conhecem, o que vão fazer?
- Olhe, com a idade que tínhamos na fotografia não podíamos beber álcool, de modo que agora vamos tratar de recuperar os copos perdidos...

Berlinenses, hehehe.



13.08.1961 - 13.08.2011 (8)




Um dos elementos centrais deste cinquentenário, na Bernauer Straße, foi a conversa com testemunhas da época. Na primeira dessas conversas juntaram um habitante de Berlim ocidental, uma pessoa que ficou em Berlim leste e duas que fugiram.

O de Berlim ocidental contou como a sua rua, directamente na fronteira, se tornou cada vez mais silenciosa - o fim do mundo.

Um dos que fugiu contou a aventura desse dia: a 13 de Agosto de 1961 tinha 17 anos, durante várias horas procurou com a mãe um ponto por onde escapar, e foram visitar um pastor protestante, a quem a mãe queria pedir opinião. Este sentiu-se muito desconfortável com a questão, e desconversou, "que não se preocupe, que as coisas vão melhorar". A mãe agradeceu, e mal se apanhou na rua decidiu: "hoje, ou nunca!" Esperaram pela noite no sotão de uma casa contígua ao cemitério que ficava na fronteira. Quando tentaram fugir, deram-se conta de que havia um desnível de mais de cinco metros. Por sorte havia uma ruína de guerra sobre a qual puderam avançar, na direcção de uma árvore que lhes permitiu a descida. No cemitério não havia soldados ("o regime respeitou bastante os espaços da Igreja", comentou ele, e lembrei-me de episódios semelhantes, por exemplo quando nas manifestações de 1989 em Leipzig as pessoas se refugiavam em casas da Igreja para fugir à Polícia) e eles foram avançando às escuras, até que avistaram ao longe um cartaz publicitário e concluíram que iam na direcção certa. No fim da conversa, ofereceram-lhe uma cópia desse cartaz feito bússola.


O que não fugiu contou as dificuldades diárias: tudo aquilo que era elemento central da sua vida de rapazinho (a escola, os amigos, o cinema do bairro) ficou inacessível, do lado de lá do muro. A princípio não levaram isso muito a sério - era a terceira vez que os acessos a Berlim ocidental eram vedados. E como viviam na Bernauer Straße, o acesso à casa fazia-se pela parte ocidental da cidade, na zona de ocupação francesa. Mostrando os documentos de moradores, os polícias deixavam-nos sair do leste para poderem entrar na sua casa (que ficava também no leste). Maior foi o choque quando descobriram que o muro viera para ficar, e para lhes mudar irreversivelmente a vida.

 


A segunda fugitiva apontou para a fotografia atrás de si, e contou: olhem, esta sou eu, tinha 16 anos. Ao almoço os meus pais disseram que fugiríamos daí a duas horas, e que durante esse tempo devíamos embalar tudo aquilo que nos fosse suficientemente importante para levar. Quando estávamos prontos, o meu pai começou a passar-nos as coisas pela janela, e nós corríamos de um lado para o outro da rua, para pôr tudo a salvo. Dois homens que passavam de bicicleta começaram a ajudar-nos. O meu pai estava de cabeça perdida: chegou a trazer à janela um prato de vidro cheio de fruta. A minha mãe ralhou, "para que precisamos nós disso?" e ele levou o prato para a cozinha. Trouxemos muitas coisas, até o meu porquinho da Índia e o periquito. Foi o único pássaro que fugiu para a liberdade dentro de uma gaiola.

O público, que ouvia atento e consternado, desatou a rir.
 


Mais tarde, vê-la-ia de novo falando com outras pessoas, sobre as fundações de uma das casas derrubadas, com a célebre fotografia na mão.




13.08.1961 - 13.08.2011 (7)

A parte nova do memorial do muro de Berlim, inaugurada ontem, tem barras de metal a marcar o ponto onde o muro passava, e marcas no chão para assinalar o local onde ficavam as casas derrubadas. Também há uma parte onde foram postas a descoberto as fundações dos edifícios.
Essas casas da Bernauer Straße ficavam no leste, mas davam para o ocidente: ao sair para a rua, as pessoas estavam em Berlim ocidental. Brincava-se até com o facto de, ao assomar à janela, terem o traseiro no leste e a cabeça no ocidente.
Como se vê numa das fotografias, o muro foi construído a mais de um metro da fronteira (a parede exterior da casa). É que havia um espaço para se fazer a manutenção do lado ocidental. Havia até portas para os soldados (escolhidos a dedo, claro) passarem para fazer as obras necessárias.








13.08.1961 - 13.08.2011 (6)


Fugir! Arriscar tudo.


13.08.1961 - 13.08.2011 (5)

Série de fotografias de uma exposição na Capela da Reconciliação:





13.08.1961 - 13.08.2011 (4)

Fotografias de uma exposição na Capela da Reconciliação:






13.08.1961 - 13.08.2011 (3)

De todos os filmes e fotografias sobre a cidade de Berlim dividida, o que mais me impressiona são as imagens das famílias separadas.

Como as que se podem ver a partir do minuto 2:00 deste filme, em francês, que a Shyznogud postou no Jugular.

Ontem, na parte nova do memorial e no centro de documentação, fotografei as imagens que mostro a seguir. De uma insuportável dor.