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16 agosto 2015

santo subito - 10 anos



No dia 16 de Agosto de 2005, uma mulher tresloucada atacou o Frère Roger durante a oração da noite, no coração da sua comunidade de Taizé. Ele morreria pouco depois. Na Agencia Ecclesia, o António Marujo - que está em Taizé - relata o modo como a comunidade lembrou hoje o seu fundador.

Recupero o post que escrevi nessa altura (com ligeiras alterações):


Santo Subito


A Christina escreveu assim sobre o seu encontro com ele, há cerca de um mês:

Quando o Frère Roger se aproximou de nós, tinha um sorriso muito terno. Ao dar-me a benção, vi que o seu rosto estava cheio de amor, confiança e paz. Ao lado dele, senti-me muito bem. 

E o Matthias:

Hoje a Christina e eu estivemos junto do Frère Roger na oração do meio-dia. (...) Quando chegou a minha vez, sorrimos um para o outro, e ele fez-me o sinal da cruz na testa. Ele tinha rugas mas, apesar disso, tinha um ar cheio de amor. Eu tinha a sensação que este era o melhor momento da minha vida. Quando voltei para o meu lugar, senti uma espécie de alívio.


Do Frère Roger lembro sobretudo a imensa serenidade do sorriso.

Hoje, quero lembrar também que teve a coragem de ajudar fugitivos no tempo da ocupação alemã, e alemães no pós-guerra. Penso na sua comunidade, que procura estar entre os mais pobres deste mundo como sinal de esperança e solidariedade. Tenho presente o gesto de amizade, tão simples e espontâneo, ao tocar a mão do cardeal Ratzinger que lhe dava a comunhão, no funeral de João Paulo II. E vejo-o ainda a subir muito lentamente a nave da sua igreja, agarrando-se às túnicas de dois irmãos que praticamente o puxavam - apesar de envelhecido e esgotado, vinha rezar connosco.

Todas as semanas passam milhares de pessoas por Taizé. Nao conheço melhor espaço de evangelização, nem melhor evangelização que esta mensagem repetida até à exaustão:

Deus é amor.

Por exemplo este ano, em que escolheram o livro dos actos dos apóstolos para tema e nos falavam de um Deus que ama todos os homens, independentemente da sua religião:

Deus é amor.

Num tempo em que as religiões nos dividem, em Taizé dizem-nos que o nosso Deus ama todas as pessoas, sem distinções.

Muitas vezes imaginei que o Frère Roger devia ser o nosso primeiro santo ecuménico. E por isso:

Santo subito!

Durante a semana que passámos em Taizé, pensei em escrever-lhe a agradecer o muito que enriqueceu a minha vida ao oferecer-me um Deus tão libertador e luminoso - um Deus que nos faz sentir bem e com vontade de fazer o Bem. Não escrevi. Mas talvez algum dia possa dizer-lho, talvez na plenitude dessa luz que atravessava o seu sorriso.

05 janeiro 2012

Taizé em Berlim (9)

Um grupo do Porto, no S-Bahn que atravessa o centro da cidade.


E que fazem os berlinenses que vão no comboio?
Cantam também, e aplaudem.

02 janeiro 2012

Taizé em Berlim (8)



Ontem, depois de levar os nossos oito portugueses ao autocarro, corri para a Potsdamer Platz, onde me ia encontrar com o turno seguinte: um bando de miúdos acompanhados pelo padre da sua paróquia. Fiz com eles uma pequena visita àquela parte da cidade: o grande cruzamento cortado pelo muro, o teatro da Berlinale, a Filarmonia, o memorial do programa de extermínio de doentes psiquiátricos, o memorial da perseguição aos homossexuais, as "embaixadas" dos Estados alemães em Berlim, o memorial do Holocausto, a porta de Brandemburgo, o Reichstag, a chancelaria. E as histórias que as casas, as ruas e os memoriais evocam. Muito tempo, para explicar coisas que eles nem conseguem imaginar: matar pessoas porque são inúteis e caras para o sistema, um muro que separava dois mundos completamente diferentes, um país ocupado, uma revolução pacífica alimentada nas igrejas, um país que devora outro.

Miúdos engraçados: atentos, curiosos, brincalhões, pacientes - ouvindo, fazendo perguntas, tentando compreender. E um padre extraordinário: atento, orientando-os sem ser invasivo ou paternalista, com respeito pela individualidade de cada um e os ritmos do grupo. Mais uma vez fiquei desconfiada que a internet me tem andado a enganar um bocadinho: há no Portugal real gente que não passa a vida a queixar-se da crise e a dizer que o fim do mundo é para daqui a bocadinho.

Depois da visita viemos para nossa casa, para jantar. Já estavam há uns dias na Alemanha, nem precisei de os avisar que aqui se tira os sapatos à entrada - fizeram um belo estendal em frente à porta da vizinha. E fiquei muito grata por finalmente me ter visto livre dos pelmeni que tinham sobrado do dia anterior. A seguir, um pequeno concerto de piano dado por uma das jovens, alguma conversa, e num instante se fez tarde: adeus, até outra vez!

Uma bela maneira de terminar este encontro de Taizé em Berlim.

Taizé em Berlim (7)



Como habitualmente, na festa que se segue à vigília da passagem de ano é pedido aos grupos de cada país que participem com algum programa para a "festa das nações". Quando chamaram os portugueses, eles, que não tinham preparado nada, não se atrapalharam: ali mesmo, à frente do público, começaram a discutir o que iam cantar, e cantavam, e discutiam qual seria a seguinte, e cantavam e dançavam - e o público dançava também e delirava.
As saudades que eu já tinha deste povo assim!
Assim: desenrascado, compensando com alegria e espontaneidade o que falta em organização e disciplina.

As pessoas deste grupo não andavam com cara de depressão e crise. Bem sei que estavam a passar uns dias especiais entre amigos, mas não senti neles o tom pesado que vejo muitas vezes nos textos da internet. Que será que estes têm, que falta nos blogues e no facebook que leio?
Perguntei-lhes, e a resposta veio num tom decidido de esperança: "Então a Alemanha conseguiu levantar-se depois daquela terrível destruição da segunda guerra mundial, e nós não havemos de conseguir recuperar?! É andar para a frente, e fazer o melhor possível a partir daquilo que temos."

Entre eles havia também professores, que falavam da situação difícil da escola, particularmente do problema do trespasse de responsabilidades: os pais não sabem o que fazer aos filhos, ou à sua própria vida, e a escola aparece como o bom-beiro que tenta resolver os problemas e suprir as lacunas - os professores feitos educadores, psicólogos e assistentes sociais. Falavam de tudo isto como um desafio aceite com sentido de responsabilidade e alegria. Se me deixassem mandar, no próximo 10 de Junho distribuía medalhas pelos professores portugueses: porque é deste seu modo de olhar para os alunos como pessoas inteiras e concretas, e desta sua generosa entrega, apesar de todas as imensas dificuldades, que se alimenta a esperança num Portugal capaz de se reinventar.


De todas estas conversas, ficou-me a sensação que partilhámos a última semana de 2011 com uma amostra do que há de mais são em Portugal. 

***

Saí da festa pouco depois da uma da manhã, porque queria ir para casa e telefonar à família em Portugal. Percorri o Ku'damm com os seus passeios cobertos de destroços do arraial de foguetes. Tanto dinheiro, tanta poluição, tantos feridos graves por andarem a brincar com fogo e pólvora. Haverá necessidade?

Ao passar por um multibanco, entre duas lojas de luxo, vi que dois sem abrigo se tinham instalado lá dentro para dormir no chão. Junto a um deles espalhava-se um líquido - garrafa entornada? urina?
É relativamente fácil abrir as portas de casa a desconhecidos que trazem uma espécie de carta de recomendação de Taizé. Mas ainda estou longe de conseguir reconhecer Cristo num homem andrajoso que urina no próprio chão onde dorme.

01 janeiro 2012

Taizé em Berlim (5)

"Acampamento na sala", escrevia a jornalista.
Era o quarto das "filhas", e estava assim:


Os nossos rapazes ocuparam o quarto do Matthias.


Ficaram todos satisfeitos ao ver os matrecos a um canto. E ainda mais satisfeitos ficaram quando se deram conta que tinham de passar pela nossa "cave" do vinho para ir ao quarto de banho. Que já nem precisavam de sair mais de casa, que ficavam muito bem por ali mesmo. E nós ríamos, com a certeza absoluta de que o nosso vinho não corria o menor perigo.

O entrevistador da televisão perguntou-me se não era complicado receber oito pessoas em casa. Disse-lhe que não, que já tenho alguma experiência disto - mas vejo agora que me enganei. Não tinha experiência de abrir a casa a oito pessoas que não conhecia, e de receber em troca tamanha lufada de alegria, e de tão depressa se tornarem parte de nós.

Taizé em Berlim (6)

O próximo encontro europeu vai ser em Roma, e os nossos oito patuscos já quase nos convenceram a ir de avião passar o Natal a Portugal, seguindo depois no autocarro com eles para Roma. Seria bem mais fácil e barato voarmos de Berlim para Roma, mas eles - serão budistas? - dizem-nos que o mais importante é o caminho.
O Joachim deixa-se tentar, "podíamos ficar em casa do nosso amigo Enzo", pensa ele em voz alta, e à volta da mesa as mãos vão-se levantando uma a uma, "eu também" "eu também" "eu também".
Gargalhada geral. Sim, a viagem no autocarro deve ser uma festa.

Ontem, depois da oração do fim da tarde, chegámos à conclusão que o projecto de ir comer qualquer coisa a um restaurante, antes da vigília da passagem do ano, ia ser difícil de realizar. De modo que fomos ao russo comprar pelmeni (que seria de nós sem o supermercado russo?) e viemos todos para nossa casa comê-los. Dezoito pessoas ao todo. A seguir ao jantar largaram em cantoria, galhofa e dança. Se são sempre assim quando estão juntos, acredito que a viagem de autocarro seja mesmo uma festa.

Acabaram de sair. Daqui a nada irei mostrar o centro da cidade a um grupo de miúdos de Lisboa, que virão depois jantar cá a casa. Este meu segundo turno regressa amanhã, e então acaba-se "Taizé em Berlim". A cidade vai ficar um bocado estranha.

31 dezembro 2011

Taizé em Berlim (4)

Que será que deitam naquelas músicas, que me agarra por dentro e me toca fibras do coração que nenhuma outra música alcança? Foi ontem, num dos pavilhões da Feira: sentada no chão, entre milhares de pessoas, à minha frente dois casais italianos a discutir com afinco durante a oração, atrás um restolhar de mochilas e papéis, ao longe uma criança a chorar, e eu alheada de tudo, a passear devagarinho por dentro de mim.

Os pavilhões estão decorados com a habitual dignidade e simplicidade de meios: a parede à frente coberta de panos laranja, a cor laranja também projectada sobre os largos pilares centrais, onde se vê ainda os contornos de esculturas, desenhos e símbolos conhecidos. Laranja: o ouro dos pobres. Perto do lugar onde os irmãos se sentam há uma cópia de uma escultura do séc. XIV, da região de Bodensee. Hei-de ir lá fotografá-la, para mostrar aqui como é bonita: Jesus e o apóstolo João, com os corpos juntos em sinal de profundo entendimento e grande amizade. Do outro lado, uma espécie de réplica: o famoso ícone de Jesus e o seu amigo, o abade Mena. Jesus e cada um dos seus amigos, Jesus que pousa a mão sobre o meu ombro.




Na sua reflexão, lida em inglês e alemão perante representantes de várias igrejas cristãs e políticos importantes alemães, o irmão Alois apelou para uma Europa solidária e aberta, referiu a crise que a Europa atravessa, afirmando que a sua solução só pode passar pela solidariedade, e que a economia não se pode sobrepor ao respeito pela dignidade humana. Leu a mensagem de Ban Ki-moon ("vocês têm um papel crucial para operar mudanças políticas e sociais, mas lembrem-se que estar conectado não é o mesmo que estar unido - estar conectado depende da tecnologia, e estar unido depende da solidariedade"). Chamou escândalo à separação das Igrejas, e escândalo maior todos parecerem conviver pacificamente com essa situação. E disse-o perante 30.000 pessoas, a maior parte deles jovens, e até os casais italianos à minha frente pararam de discutir para escutar.
Neste link podem ouvir tudo - a partir do minuto 47 começa a leitura do seu texto.
Depois falou-se dos encontros do próximo ano: vai haver um no Ruanda, terra martirizada que precisa do nosso apoio, dizia ele, e eu pensava na missão dos cristãos: ir ao encontro dos mais pobres, do que mais precisam. O encontro de fim de ano vai ser em Roma. Pouco faltou para os italianos se atirarem ao ar de alegria.



Depois da oração muitas pessoas foram pousar a cabeça na cruz deitada no centro do pavilhão, outros foram pedir a benção ao irmão Alois. Este sorria a todos, encostava o ouvido na direcção de alguns para melhor ouvir o que diziam, respondia com um olhar vivo e sereno, e as suas mãos desenhavam gestos largos no ar.

Fomos embora. O Joachim saiu com os nossos "filhos" para o Badeschiff, eu fui com as nossas "filhas" ao supermercado russo, onde comprámos bolachas e caviar de salmão (estava a 13 euros o meio quilo, já não via esse preço desde o tempo do meu Russian network em Weimar). Em casa, de volta do pão e do caviar russo, ficámos na conversa e na risota até depois da meia-noite. Elas não gostaram do caviar, mas não faz mal: o Matthias chega na próxima terça-feira, e adora aquelas bolinhas laranja a estalar entre os dentes.

Taizé em Berlim (3)

Antes do fim do ano, o Speedy Gonzalez deu um jeitinho para traduzir apressadamente (já o conhecem) (mas desta vez é ainda mais apressadamente que de costume) o artigo de jornal onde se falava da aventura em que nos metemos esta semana:


O apartamento comunitário de Taizé

Família de Charlottenburg acolhe oito participantes do encontro de jovens cristãos

Helena Araújo devia estar sentada em frente ao computador. O prazo para entrega da tradução que tem em mãos está a chegar ao fim. Mas, em vez disso, ao meio-dia desta quarta-feira está na cozinha em frente a uma panela enorme com água, para fazer spaghetti. Na sala de jantar há oito convidados esfomeados, que chegaram às seis da manhã num autocarro vindo de Portugal. Ficarão em Berlim até ao dia 1 de Janeiro a cantar, meditar e a rezar, a conhecer pessoas e, naturalmente, também a cidade. Os oito são fãs da comunidade cristã de Taizé, com sede em Borgonha, na França, que organiza todos os anos um grande festival de juventude numa cidade europeia. Desta vez realiza-se em Berlim: a cidade recebe 30.000 jovens de todo o mundo.
"Jovem" entendido em sentido lato: os oito homens e mulheres  para quem a Helena Araújo está a fazer massa andam pelos trinta. Há três horas estavam a bater à porta do casal, com as suas mochilas, os colchões, os sacos-cama - agora poder-se-ia pensar que fazem parte da família. Um deles está na cozinha a cortar lascas de presunto para a entrada, os restantes estão à volta da mesa a conversar com o "pai". A sala de estar foi transformada num pequeno acampamento, tal como o quarto do filho, que neste momento se encontra nos EUA. O apartamento antigo não é propriamente pequeno, e tem três quartos de banho. No entanto, não é óbvio que alguém receba oito pessoas em casa, lhes prepare o pequeno-almoço e ao fim do dia talvez ainda uma bebida para a noite. Só na semana passada é que o casal tomou a decisão de oferecer a sua casa, quando soube que ainda havia 3.000 pessoas sem alojamento. Disseram na paróquia: "onde há oito, também pode haver dezasseis". Pode ser que nos próximos dias o espaço se torne um pouco mais apertado.
O casal é católico. Desde a mais tenra idade que os filhos começaram a fazer com os pais estadias de uma semana em Taizé. Gostam da simplicidade da vida nesse lugar, dos encontros com pessoas que vêm de todo o mundo, da atmosfera especialmente pacífica e espiritual. Os filhos cresceram, e continuaram a levá-los a Taizé, para lhes transmitirem valores cristãos. "É bom que aprendam que há mais mundos para além de si próprios e dos seus interesses", diz o pai. Hoje, os filhos têm 15 e 17 anos, e vão a Taizé com os seus grupos de jovens. Além disso, a filha está a participar na organização deste encontro em Berlim.
Foi por acaso que estes oito portugueses vieram parar à casa da Helena Araújo. Ela é portuguesa, e os oito trazem-lhe um bocadinho da pátria comum. "A princípio, pensei que bastava preparar-lhes o pequeno-almoço, e eles depois tratavam de si próprios", diz ela. Poucas horas antes, ao fim da tarde do dia anterior, a família regressara das férias de Natal. Quando às oito e meia da manhã a filha avisou que o grupo já estava em Berlim, a mãe estremeceu. "Mas agora estou muito satisfeita por termos decidido recebê-los", diz Helena Araújo, e pousa a travessa fumegante na mesa. Ri e faz piadas com os convidados, depois do almoço quer ir mostrar-lhes Berlim, antes do início do festival. Parece que a tradução vai ter de esperar um pouco mais. 

[Nota da tradutora: hehehe, esta notícia está desactualizada - já acabei a tradução!, hehehe]

30 dezembro 2011

Taizé em Berlim (2)



Ontem ao fim da tarde os vizinhos do segundo andar tocaram à nossa campainha. Tinham lido no jornal que temos aqui oito portugueses, e traziam duas garrafas de vinho alemão para os nossos hóspedes e muitos elogios para nós (até disseram à minha sogra que eu sou a Madre Teresa do prédio, o que é um exagero do tamanho do mundo - mas faz pensar no que pode ser a solidão numa cidade grande, quando dizer "bom dia" com um sorriso rasgado, e ter um minuto para ficar a conversar nas escadas já é considerado como uma grande obra de caridade). Também vinham oferecer louça, caso fosse preciso, e até o a seu quarto de hóspedes. Agradeci, mas deixei bem claro que todos os oito são meus, e que não dispenso nenhum. Para os consolar, demos-lhes umas lascas de presunto e um copinho de Madeira, e ficámos a conversar na cozinha enquanto eu ia despachando o nosso jantar e mais uma canjinha para servir ao pessoal quando regressassem a casa.

Depois nós fomos ao concerto de fim de ano da Filarmónica, e foi excelente mas agora estou a dizer banalidades. Os nossos peregrinos recusaram-se a aceitar uma chave da nossa casa, pelo que se viram obrigados a andar na noite berlinense até depois das onze. Mas quando chegaram tinham uma canja quente à espera, e vinho alemão, e mais a notícia do jornal que eu lhes traduzi no meio de muita risota.

Ainda aqui estão, e já sinto saudades deste tempo.

29 dezembro 2011

Taizé em Berlim (1)

Eu não queria meter ninguém cá em casa. Já tenho trabalho que chegue, que sejam outros a ter o prazer de receber jovens de todo o mundo, a interculturalidade, etc., que eu de momento sou mais "deixem-me trabalhar". Mas a nossa paróquia insistia, que ainda faltam lugares para seis mil pessoas, e o Joachim insistia, e a Christina insistia. E eu pensei, caramba, por causa de uns pequenos-almoços que não te apetece fazer é que vais deixar essas pessoas ao deus-dará em pavilhões desportivos? E disse que sim, que podíamos receber oito cá em casa.
Uns dias depois perguntaram-nos se estávamos dispostos a ter também a televisão, por causa de uma reportagem sobre uma portuguesa que vinha a este encontro, e que ficaria cá. Pois que não havia problema, pois que podiam vir - e desatei a limpar e a arrumar como se viesse por aí a minha sogra. Que vinha: de facto, isto era uma operação de limpeza dois em um.
A minha sogra chegou, fomos para o Báltico, o Natal chegou e foi, regressámos a Berlim mesmo a tempo de desencantar uma bela jantarada de família, num derradeiro esforço lavei os trinta copos, dei um jeito à cozinha e fui-me deitar, estourada, convencida que no dia seguinte o pessoal de Taizé e a tv e tudo chegariam a meio da tarde, o que me dava tempo para desfazer as malas, arrumar a casa, preparar em frente ao espelho frases inteligentes para dizer em frente à câmara.
Às oito e meia da manhã a Christina veio-me avisar, alarmada, que eles já estavam a caminho da nossa casa. Daí a nada o telefone tocou outra vez, e era um jornal berlinense a perguntar se podia vir também.
Tivemos uma meia horita de stress, mas mal os ouvimos na rua (uma barulheira, só podiam ser oito portugueses!) a coisa começou a melhorar.


Simpáticos, bem-dispostos, abertos, extremamente agradáveis. Sentámo-nos à mesa do pequeno-almoço improvisado, começámos a falar como se fôssemos antigos amigos, até nos esquecemos da câmara que filmava. Depois o Joachim foi entrevistado e disse coisas muito acertadas, depois eu fui entrevistada enquanto o carrapito que fizera a correr se desfazia perante oitenta milhões de alemães (mais ou menos, vá) e é claro que disse coisas muito interessantes mas na reportagem que passou à noite vi que eles escolheram justamente a parte em que eu estava a dizer disparates e o meu penteado entrava em espiral autodestrutiva. Depois os da televisão foram-se embora, e veio a jornalista, que era amorosa e me compreendeu inteiramente, porque o artigo que saiu hoje no jornal começa assim "Na realidade, a Helena Araújo está atrasadíssima com uma tradução, mas..." (e era mesmo o que eu precisava, que todos os berlinenses saibam que eu atrasei uma entrega). Falámos, eu comecei a fazer um almoço (esparguete com molho de tomate, que é a única coisa que se arranja quando nos entram oito pessoas pela casa dentro dez horas antes do esperado), o fotógrafo disparava "Helena Araújo em frente a uma panela com água" "um dos convidados na cozinha a cortar belíssimas lascas de presunto pata negra" "os anfitriões e os convidados de volta de uma panela vazia que alguém escondeu estrategicamente com um prato fazendo de conta que era para servir a comida", a jornalista quase ia ficando também para o almoço, mas acabou por se ir embora porque também tinha prazos para cumprir, e à saída comentou com ar triste que estava muito arrependida por não ter aberto a sua casa a visitantes.
Eu é que não sei se ela teria com os seus tanta sorte como nós estamos a ter com os nossos.

**

Já os inscrevi para a visita à cúpula do Reichstag. Já os levei a ver o memorial do muro na Bernauer Strasse, já percorremos Unter den Linden em passo estugado (ah, gosto destes!) porque eles estavam a ficar atrasados para o encontro ao fim do dia no centro de congressos, e conseguimos até fazer um sprint para ver a rotunda dos deuses da Antiguidade no Altes Museum e o altar do Pérgamo (coisas que se podem ver gratuitamente, esta cidade não cessa de surpreender). Desafiei-os para irem comigo assistir hoje ao ensaio geral do concerto de fim de ano da Filarmónica de Berlim. Os olhos brilhavam-lhes, mas que não, que a essa hora tinham trabalho de grupo. Ah, para que conste que a moral de trabalho dos portugueses é assim!
E agora volto à minha tradução, para que conste, por causa da fama dos portugueses e assim.