Andei a passear pelo blogue do Wladiminir Kaminer, e este post provocou-me várias gargalhadas. Traduzo, e depois me dirão se também riram.
(Infelizmente, os posts mais recentes estão bem longe de serem assim divertidos.)
29.11.2021
Sexto Sentido
Andei a passear pelo blogue do Wladiminir Kaminer, e este post provocou-me várias gargalhadas. Traduzo, e depois me dirão se também riram.
(Infelizmente, os posts mais recentes estão bem longe de serem assim divertidos.)
29.11.2021
Sexto Sentido
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Esta manhã, 2.2.2022, a situação de vacinas na Alemanha era assim:
Totais:
O facebook lembrou-me que há um ano estávamos a entrar em novo confinamento:
Cá vamos nós de novo...
Nem sei porque é que escrevo sobre isto em português, país que não sofre de cepticismo contra as vacinas como acontece na Alemanha. Quer dizer: sei. Se escrever em alemão, além de dar erros ninguém lê.
Portanto, aqui vou chover no molhado dos portugueses:
1. A quem diz que a vacina não nos safa de ir parar ao hospital, porque 10% dos doentes de covid nos cuidados intensivos são vacinados, e essa percentagem está a aumentar, é preciso explicar que é natural que assim aconteça porque:
- com o passar do tempo a vacina perde eficácia
- enquanto o vírus não for erradicado, e sendo certo que a vacina não é 100% segura, quanto mais vacinados houver maior será o número de pessoas vacinadas a precisar de hospitalização.
Se 100% da população estivesse vacinada, a percentagem de hospitalizados com covid seria de 100% vacinados - mas seria errado concluir que a vacina não serve para nada. Basta comparar a situação nos hospitais hoje com o que tivemos em 2020 e inícios de 2021, quando ainda não havia vacinas, para poder concluir que a vacina nos protege a todos, e permite libertar as capacidades do sistema de saúde para todos os outros doentes, que também precisam e têm direitos.
2. Uma amiga dizia-me há dias que não tomava a vacina, porque tem medo das consequências. Parecia-me sinceramente preocupada e indecisa. Também eu fiquei preocupada, porque ela tem filhos que vão à escola, e neste momento as escolas são um dos lugares principais de contágio. O vírus continua entre nós, e procura as presas mais fáceis para se multiplicar. As crianças não estão vacinadas, são contagiadas, levam para casa. Por medo dos eventuais efeitos colaterais desta vacina, a minha amiga pôs-se numa situação de estar a viver sem defesas junto a uma autêntica auto-estrada do vírus.
Estranho paradoxo: para não correr o risco de perder a saúde devido a algum efeito desconhecido ou muito pouco provável da vacina, aceita viver em situação de risco de perder a saúde e até a vida devido aos efeitos já por demais conhecidos do vírus.
Por gostar muito dela, resta-me esperar que a imunidade do grupo a proteja. Mas se fosse outra pessoa, diria que é uma oportunista que ganha com o esforço solidário dos restantes, sem fazer a parte que lhe compete.
A pouco e pouco multiplicam-se as iniciativas no país para fazer um momento de paragem comunitária antes de seguirmos para o caminho da normalidade. Esta manhã já me comovi com desenhos de miúdos de 4 anos, que encontrei no youtube quando procurava filmes da Jornada Memória e Esperança. O que não terão sofrido estas crianças ao participar no esforço comum de vencer o vírus! E também: que grande exemplo levam para a sua vida, esta experiência de ética radical que fez a sociedade unir-se num enorme esforço comum para proteger os mais frágeis.
Por todo o país haverá iniciativas diversas. Em Lisboa, no domingo, há um concerto de bandas no Rossio, às 11h; à tarde serão plantadas no hospital de Santa Maria e no Estádio Universitário as árvores da Memória e da Esperança. Quem quiser, pode ir lá deixar uma flor, um poema, um nome - o que quiser.
Também no domingo, 24 de outubro, às 14h00: fazemos Memória da pandemia e afirmamos a Esperança na sua erradicação em todo o planeta.
Guarda 1 minuto de silêncio, com a tua família, os teus companheiros de trabalho.
Mais detalhes e materiais:
Memória e Esperança | Uma jornada de luto e de afirmação da esperança (memoriaeesperanca.pt)
Não sei se se deram conta disso em Portugal, mas ultimamente a Alemanha olha para nós com admiração e (diria quase) inveja.
Há dias contei aqui sobre a dificuldade de arranjar uma sala para o meu coro com um tamanho que permita cantarmos todos juntos apesar de alguns não estarem vacinados.
Parece que encontraram uma escola que nos vai abrir as portas (aleluia! aleluia!).
No entretanto ouvi uns zunzuns sobre quem poderão ser os não vacinados, e são pessoas de quem gosto muito. O que me provoca um curto-circuito nas emoções: por um lado gosto deles, por outro lado enervo-me muito com o que nos estão a fazer, e à sociedade em geral.
Dava-me muito mais jeito que os negacionistas do coro fossem aquelas pessoas de quem não gosto tanto...
Por estes dias o meu coro anda desesperado à procura de uma sala para ensaiar, que tem de ser 4 vezes maior que a que usávamos antes de começar a pandemia. Para podermos cantar todos juntos, respeitando as regras de protecção da covid, precisamos de uma sala com pelo menos 300 metros quadrados.
E não é só o meu coro - todos andam à procura de salas bem maiores do que aquelas em que até agora ensaiavam. De modo que bem podemos perguntar e telefonar: arranjar em Berlim uma sala que tenha esse tamanho, esteja disponível e tenha um preço de utilização não muito mais alto que o que pagávamos até agora é pior que tentar encontrar uma agulha num palheiro. Porque a agulha, essa, existe algures no palheiro. Já a sala grande como se exige e contudo acessível à nossa bolsa...
Enquanto não encontrarmos ensaiamos ao ar livre, muito agasalhados contra o frio que já se faz sentir, com lanternas de bolso para conseguir ler as pautas apesar da escuridão que de semana para semana chega cada vez mais cedo. Já chegámos a cantar de guarda-chuva, já tivemos de interromper o ensaio por causa do mau tempo.
Se todos tivessem a vacinação completa, nada disto seria necessário: podíamos voltar a ensaiar na nossa sala de sempre, iluminada e aquecida.
O nosso maestro faz questão de não deixar ficar ninguém para trás. Mas pergunto-me o que se passará na cabeça dessas pessoas, que aparentemente não morrem de vergonha ao saber do esforço de tantos de nós para tentar encontrar a (talvez inexistente) sala, ao ver os colegas do coro a cantar à chuva e cheios de frio, ao pensar num eventual aumento das quotas para podermos pagar o preço de uma sala maior.
Provavelmente encolherão os ombros dizendo que a culpa não é delas, mas do governo que impõe estas regras e que nós, em vez de gastarmos tempo a procurar salas grandes, devíamos participar nas manifs delas contra as regras impostas pelo governo.
Não sei quem são essas pessoas do meu coro que fazem questão de não se vacinar. Mas com cada hora que perco nesta busca cresce a minha zanga contra elas: porque quem paga o preço da sua liberdade sou eu.
Elas responderão que não têm culpa de eu gostar de ser uma ovelhinha obediente, e de não ser capaz de ver a conspiração dos governos contra os povos.
E eu pergunto (só cá para nós, que ninguém nos ouve):
...não, deixem lá. É melhor nem pensar nisso.
Portugal está em 1º lugar no ranking mundial de percentagem da população com
vacinação completa.
Isto é ainda melhor que o Ronaldo ser
nosso: isto é um povo que é um luxo!
Visto da Alemanha - 15º lugar na percentagem de população com vacinação completa e 18º lugar na percentagem com pelo menos uma dose de vacina -, onde os políticos não sabem que mais hão-de fazer para conseguirem que as pessoas se vão vacinar (eles dão salsichas numas terras, eles fazem "o expresso da vacina" noutras, eles aliviam imenso as regras para os G2, quer dizer: os vacinados ou curados, para tentar que os agentes económicos por um lado e o comodismo por outro comecem também a pressionar os indecisos), este primeiro lugar é ainda mais motivo para louvar os portugueses.
Estou aqui a pensar num truque para aumentar o número de vacinados na Alemanha: o governo diz que quem quiser tem até 30 de Novembro para fazer as duas vacinas, e que no dia 1 de Dezembro todas as vacinas que ainda existirem neste país serão enviadas para oferecer a países do hemisfério sul.
Tiro e queda.
A pouco e pouco - e já o sabemos: por apenas algumas semanas de alívio - a vida berlinense volta ao normal. Os restaurantes já reabriram (sobretudo na parte das esplanadas), os cinemas estão quase a reabrir (estão fechados desde Novembro), e ontem foi o concerto de fim de temporada dos Filarmónicos na Waldbühne.
Apesar de ser ao ar livre, as regras eram apertadas: bilhete com nome e lugar marcado, teste do dia negativo, espaço de dois lugares entre cada par, e sem o piquenique habitual que transformava este concerto numa imensa festa comunitária.
O concerto de ontem levou-nos aos EUA, pelas pautas de Bernstein, John Williams e Gershwin. Wayne Marshall foi o maestro - e também pianista no Rhapsody in Blue. Já lá vamos.
Um bom terço do palco estava ocupado pelos instrumentos de percussão de Martin Grubinger para tocar "John Williams: The Special Edition" em arranjo especial de Martin Grubinger senior. A peça percorre vários temas importantes de filmes, nomeadamente Star Wars, e é do género da que se ouve aqui. Gostava de ter visto Martin Grubinger de muito mais perto, mas já se sabe como é aquele anfiteatro: ou se leva um telescópio de ver as pedrinhas nas crateras na lua, ou se vai preparado para ouvir apenas. Ouvi, e já não foi mau.
Depois do pot-pourrit que voltava e uma outra vez à marcha imperial do Star Wars, foi a vez de Rhapsody in Blue. Talvez por causa da crise na cultura, não houve dinheiro para pagar um pianista, pelo que o maestro teve de fazer os dois trabalhos. E fez muito bem, excepto nas partes em que improvisava e levava o tema para a marcha imperial do Star Wars. Parecia aquele aluno a quem o professor pediu a tabuada do sete, e respondeu que preferia dizer a do seis, que conhecia muito melhor. Coitadito do pianista: não deve ter tido tempo para estudar tudo...
Ou então, leu o título da peça literalmente: "ai isto é uma rapsódia? então, cá vamos nós!"
Estou a brincar, claro. Tocada assim, a Rhapsody in Blue foi muito divertida. Fez-me sorrir de cada vez que passava dos temas que conhecemos ao Gerschwin para o de Williams que tinha tocado na peça anterior. Para terem uma ideia do que ali aconteceu:
Mas sem o Rattle, e sem todo aquele espaço apinhado de gente feliz, e sem o temporal que já começava a ser tradição, não foi a mesma coisa.
Tenciono voltar lá no próximo ano, e espero que esteja apinhado e chova muito, para termos a certeza que a normalidade regressou finalmente a Berlim.
Ouçam isto.
Descobri-o esta manhã no "não mudes nunca" (*) e senti-me tocada pela alegria, pelo amor e pela compaixão pelo mundo que habita esta canção.
Um exemplo comovedor e terno da humanidade no seu melhor.
Se me pedissem uma banda sonora para a pandemia que se abateu sobre nós em 2020: era esta.
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(*) O "não mudes nunca" é um dos mais excelentes blogues que ainda vivem entre nós (podem ir à confiança) (devolvo o preço a quem não gostar) (mas se calhar depois a nossa amizade nunca mais será a mesma ;) )
Por causa deste vírus que se transmite por aerossóis, cantar em grupo é uma actividade de altíssimo risco e os coros foram proibidos de ter ensaios presenciais. Muitos coros perderam o hábito de si próprios logo na primeira vaga da covid-19. O nosso continuou a preparar a Misatango de Palmeri em sessões zoom. No verão de 2020 aligeiraram as regras: permitiram ensaios ao ar livre, com as pessoas a cantar a 2 m de distância umas das outras. O meu coro encontrou-se na esplanada do espaço cultural onde costuma ensaiar, para cantar conviver - com as pessoas sentadas longe umas das outras. A presidente da associação pagou os comes e bebes de todos porque, como ela disse, por causa da pandemia não pôde fazer a viagem que tinha previsto para as férias, e tinha todo o gosto em pagar essa festinha com o dinheiro que lhe ficara a sobrar.
Os ensaios ao ar livre prolongaram-se até finais de Outubro. Nós a cantar no escuro com lanternas presas às folhas da pauta ou na testa, nós a cantar à chuva, nós a cantar cheios de frio. Ainda tivemos um encontro de fim-de-semana para interpretar em conjunto a Misatango (com testes, com imensa distância entre todos, com excelente ventilação), mas logo a seguir o país entrou de novo em lockdown, e nós voltámos ao zoom.
Até à semana passada. O primeiro ensaio ao vivo desde há sete meses foi na terça-feira, e parecia aqueles reencontros com bons amigos que não se vêem há eternidades mas com quem a conversa brota imediatamente com toda a naturalidade. Eu, desabituada de falar e cantar (é que já nem sequer no duche!), redescobri a minha voz. Comentei essas descobertas com a cantora ao meu lado, que disse ter ouvido alguém afirmar na rádio que quando a pandemia passar vamos regressar rapidamente à normalidade e esquecer os tempos difíceis. Desde terça-feira da semana passada que estou capaz de acreditar que sim.
O nosso maestro é que nem por isso: depois de tantos meses a dirigir um coro sem o ouvir, estava - como comentou depois - com problemas de sinapses.
No fim-de-semana passado tivemos novo encontro para cantar e conviver. Reservámos a Haus am Waldsee - que tem um café, espaço de exposições e um relvado em declive até um lago, cheio de esculturas impressionantes - para cantar e conversar no jardim.
Já era normal os ensaios deste coro decorrerem recheados de sorrisos e sinais de bom entendimento, com animadas conversas nos intervalos. O que é novo é que agora comecei a dar-me conta disso, e do enorme valor do que tínhamos e estamos a recuperar. E reparo muito mais nas expressões faciais. Só não sei dizer se não reparava antes, ou se todos nós ficámos muito mais expressivos depois de tantos meses em isolamento e a comunicar com o rosto tapado por uma máscara.
Em todo o caso: venha o futuro! Tinha muitas saudades dele.
--- O futuro do nosso coro já tem roteiro: o nosso projecto para Outubro de 2022 chama-se "Fiesta Requiem - um abraço". Quem puder estar em Berlim nessa altura, marque no calendário e arranje de reservar os bilhetes. (Quem avisa, amiga é.)
Agora que já cá canta a AstraZeneca, recebi vários convites para receber a Biontech.
Razão tinha aquela senhora muito fina e virtuosa que ao dar uma esmolinha a um pedinte o avisou: "não gaste tudo na primeira taberna que lhe aparecer!"
Como o bom do pedinte já sabia, aliás: "não gasto na primeira, não, que a segunda é muito melhor!"
(Isto sou eu a brincar, claro. Com a pressa que tinha para voltar a poder encontrar pessoas sem temer algo horroroso, se calhar até a sputnik marchava.) (Enfim, não exageremos: mal por mal, prefiro andar com um chip ligado ao Bill Gates que um chip ligado ao Putin...)
Espero que no próximo ano, quando formos todos renovar a vacina, tenham aprendido o suficiente para tornar o processo um pouco mais eficiente. Se eu fosse economista, tentava fazer uma estimativa de quantos milhões custará isto de dizer às pessoas que devem mexer-se e tentar pedir a todos os médicos que frequentam e inscrever-se em todos os sites que encontrarem, e depois ter todos esses consultórios a fazer listas e a contactar as pessoas quando chega a vez delas.
A obstinação em fazer tudo de forma extremamente correcta, sem furar prioridades nem cometer o menor desrespeito pelas regras, é um dos motivos para o baixo ritmo de vacinação que se verificou na Alemanha até há pouco tempo. Outro motivo é a mudança permanente de regras: de momento, ninguém sabe se deve ficar pacatamente à espera de uma carta, ou se deve começar a telefonar para tudo o que é consultório médico. Por estes dias, tenho ouvido dizer que é aconselhável tomar a iniciativa de perguntar ao médico, e soube até de alguém que conseguiu a vacina praticamente por acaso na ginecologista. Imagina-se a confusão que irá nos consultórios, se todas as pessoas começarem a telefonar para todos os médicos com quem falaram alguma vez no passado. O resultado também é fácil de imaginar: uma amiga minha ligou à sua médica e levou com uma gravação no atendedor de chamadas dizendo que não se atendem chamadas para falar sobre a vacina, e que os doentes serão contactados quando chegar a vez deles.
Em suma: um belo caos. E se isto já é complicado para qualquer cidadão, torna-se um sarilho enorme para grupos sociais de menores rendimentos, particularmente os imigrantes que mal falam alemão.
Hoje, uma das notícias mais importantes do dia na Alemanha referia-se a Colónia. Nos bairros mais pobres desta cidade - cujos habitantes vivem em espaços exíguos e densamente ocupados, e trabalham em condições que implicam um risco maior de contágio - a taxa de incidência de covid é cerca de oito vezes superior à dos bairros mais ricos. Para corrigir este desequilíbrio, os responsáveis decidiram levar a vacina às pessoas das regiões mais afectadas da cidade. Mal correu a notícia de que em determinados locais haveria unidades móveis de vacinação para todos os interessados, formaram-se filas de pessoas que esperaram várias horas até receber a sua vacina Moderna.
Como é que não nos lembrámos mais cedo desta solução? É óbvio que para reduzir o número de contágios há que vacinar primeiro as pessoas que vivem e trabalham em condições mais favoráveis à difusão do vírus.
(Espero que esteja aí alguém a anotar isto tudo, para que na próxima pandemia já se possa planear mais à antiga maneira alemã.)
Estamos todos a tentar escapar com o mínimo de danos a esta crise, e o esforço vai ao ponto de tentar esconder a nós próprios que não estamos bem. Mais vale assumir, e repetir como um mantra:
"Seja gentil e calmo com as pessoas. Quase ninguém está bem. Nem eu. Nem os outros."
Querido diário,
Hoje vamos à Baviera buscar a nossa, digamos assim, estratégia de sobrevivência em tempos de covid: uma carripana simpática, com cozinha e cama e tudo, para ir passar fins-de-semana no mar báltico, ou num lago qualquer das redondezas. Assim o permitam as regras dos parques de campismo!
Regressaremos no domingo, 25 de Abril: a atravessar a Alemanha numa carripaninha vermelha. Uma espécie de liberdade.
De madrugada, levei o Joachim ao trabalho, e depois fui ao Lidl comprar uma louça de plástico para a nossa casinha sobre rodas. As cores são engraçadas, mas a qualidade, enfim... Comprei na mesma, porque já se sabe: no Lidl, pode-se devolver depois, mas comprar é mesmo só nas primeiras horas em que as ofertas especiais aparecem na loja. Depois veremos com calma, mas suspeito que já sei o que o Joachim vai dizer: é preferível comprar pouco, com mais qualidade e mais duradouro. Já me vejo a ir ao Lidl devolver isto tudo na próxima segunda-feira, e tanto melhor: sempre caminho umas boas milhas a pé, o que só me faz bem.
Do Lidl continuei para o Aldi, para comprar terra. Hoje estavam a oferecer uma terra superior-premium-de luxe-etc. ao preço da chuva. Carreguei dez sacos no carrinho. Ao passar por outra pilha, onde tinha uma terra diferente que anunciava "com pouca turfa", tive um sobressalto. E se...? Li a composição, e sim: tinha turfa. Devolvi os 10 sacos à pilha que nem sequer devia existir. Se sabemos que as áreas de turfa têm um papel fundamental na protecção do clima, porque é que ainda é permitido destruí-las para fazer terra superior-premium vendida em sacos para os jardins urbanos?
Enquanto esperava pela minha vez na caixa reparei no Bildzeitung que tinham à venda. A primeira página provocou-me uma fúria enorme. Normalmente não me irrito tanto com os jornais, mas esta edição do Bild é inacreditável. Estando nós em plena terceira vaga, com os trabalhadores da saúde absolutamente exaustos (muitos deles só não metem baixa porque sabem que isso iria sobrecarregar ainda mais os colegas) e a capacidade hospitalar a chegar a níveis de ocupação muito preocupantes, e tendo o governo federal finalmente tomado uma posição para haver mais uniformidade de regras em todo o país, este jornal faz parangonas assim:
Einsperrgesetz (lei do encarceramento): a palavra nem existe no dicionário alemão. Inventaram-na agora, e é um instrumento descaradíssimo de manipulação das emoções do povo. Agarrem-me, que me dá vontade de sugerir coisas más, e avessas à ordem de um Estado de Direito, para que quem criou, quem divulga e quem usa esta expressão. Fui a casa de uns amigos levar um bolo de laranja que fiz ontem. Aquilo não é bem um bolo de laranja, é mais um haraquiri gigantesco na minha fama de doceira (que naquela família até era boa, porque só lhes tenho levado o bolo de chocolate que praticamente se faz sozinho e não tem por onde errar). Desta vez, não é caso para dizer que o bolo cresceu pouco. É muito pior: a massa conseguiu ficar mais baixa do que estava quando a meti no forno. Se houvesse um prémio igNobel para doçaria, não sei se o ganhava, mas conseguia provavelmente uma honrosa nomeação todos os anos. Eles riram-se, e prometeram que se o sabor estiver bom me dão uma segunda oportunidade.
Vim para casa. Passei por uma vizinha que andava a passear o cão e parei para um minutinho de conversa. Ultimamente, o tema é só um: já tens a vacina? quando vai ser? Ela disse-me que infelizmente é demasiado nova, ainda não tem. Já tentou tudo, mas sem sorte. Ontem lembrou-se de pedir prioridade por estar a tratar de uma pessoa de idade. Tem esperança que isso seja considerado um bom motivo para lhe dar já a vacina. Disse-lhe que dentro de dois meses estaremos todos vacinados, e ela respondeu com zanga que dois meses é demasiado tempo. Está rodeada de pessoas que não se querem vacinar, sente-se extremamente insegura. Já há pessoas a ir a outros países só para comprar vacina. Turismo-covid.
Segui para casa a toda a velocidade, porque eram horas de ir propor o tema do dia na Enciclopédia Ilustrada. Hoje a palavra devia começar por U, e é o Dia da Terra. Estive tentada a sugerir #único_planeta.
Dia da Terra: se não conseguimos ter um comportamento responsável e solidário para combater um vírus que vimos a dizimar os idosos e vemos agora a matar pessoas bem mais jovens (idade média nos cuidados intensivos, neste momento: 47 anos), como conseguiremos unir esforços e aceitar fazer sacrifícios para salvar o único planeta que temos?
Triste vida: ainda nem sequer é meio-dia, e já me aviei com meia dúzia de problemas existenciais...