As luzes que ficam
Mesmo quando alguém parte, o amor que essa pessoa
deixou é uma chama que não se apaga. O Natal não é sobre quem falta, é sobre o que permanece iluminado em nós.
A casa parecia maior e mais escura no final daquele
ano.
Apesar da época, a chuva e o frio também tinham
esvaziado as ruas, ou assim lhe parecia.
Talvez fosse o silêncio — um silêncio novo, que
parecia ocupar todos os cantos da casa desde que os seus pais tinham partido, os
únicos sons que ouvia eram o do vento e
da chuva batendo nas janelas.
A caixa dos enfeites de Natal permanecia arrumada e
fechada, no cimo de uma estante, na sala.
Podia passar por ela todos os dias, mas nem a via. Não havia ânimo para montar a árvore
com os enfeites, ligar luzes ou abrir o presépio de cartão.
Nessa noite, quando já escurecia, também a
eletricidade foi abaixo, na casa e na rua. A tatear, sem se lembrar onde
colocara o telemóvel ou uma lanterna, lembrou-se de ir procurar numa gaveta do
armário da cozinha, onde a sua mãe guardava velas e fósforos. E encontrou-os
lá, como que à espera de voltarem a ser precisos.
Segurou uma vela entre os dedos e riscou o fósforo. A
chama tremulou, pequena, tímida — e nesse mesmo momento uma brisa leve
atravessou a janela, fazendo a cortina esvoaçar.
Enquanto ardia a chama, derretendo a cera, além da
vela, também o quarto ficara mais quente. Sentiu o cheiro a canela do leite
creme que a mãe ou a avó faziam.
Nos dias seguintes, passou a acender uma vela por
noite.
E cada chama parecia trazer uma memória.
A de quando era criança e o pai lhes dava moedinhas
que foram juntando para mais prendas de Natal, ou lhes contava histórias à
noite, como a da galinha dos ovos de oito.
A de irem esperar a avó na Estação de Campanhã – ouviu
o barulho do comboio que chegava, sentiu o ar frio e o cheiro da estação.
A de como a mãe queria que todos tivessem uma prenda
especial.
A de estarem todos juntos em casa, onde havia calor,
comida, luz e brinquedos.
Sem perceber, a casa foi se transformando.
Podia não haver árvore, nem enfeites, mas havia luz.
Pequenas chamas tinham iluminado ao longo daquelas
noites as paredes, móveis, quadros e retratos.
Na véspera de Natal, restava apenas uma vela.
Acendeu-a com cuidado e colocou-a na janela da sala.
O fogo tremulou com mais força, iluminando o vidro.
Olhou para o reflexo e, por um instante, viu algo ali
— um brilho, um contorno, um sorriso. Sentiu que o calor lhe enchia o coração.
As pessoas que nos são queridas, pensou, não vão
embora, ficam connosco como a luz. O amor permanece e continua a iluminar-nos.