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quarta-feira, janeiro 25, 2023

Um Café com Livros e sem Editoras...


Às vezes perguntam-me porque nunca apostei a sério na literatura. Embora nem sempre o diga, a resposta está mais ligada ao "medo" de arriscar, que de outra coisa. Seria sempre uma incerteza, porque as apostas feitas pelas editoras não se prendem apenas  com o talento. 

O mais curioso, é não estar arrependido de ter levado uma "vida normal", com um emprego, uma mulher, dois filhos... Sem conseguir voltar a escrita de romances...

Mas eu não queria falar de mim, mas de um amigo que "fingiu" apostar a sério na literatura, ao ponto de ter editora e tudo. Escrevi fingiu, porque ele nunca deixou de ser professor, a profissão que parece ter acordado agora, em 2023,  do pesadelo dos últimos anos, e que finalmente quer "respeito"...

Conversámos durante umas boas duas horas, na esplanada deserta e quase gelada (o Sol fazia apenas parte da paisagem) de um dos cafés que nos pertence e a mais umas largas dezenas de pessoas. Embora não estivesse arrependido da sua opção, das férias que passou a escrever estórias em vez de estar a namorar e a curtir o sol de qualquer praia do Sul, pensou que tudo seria diferente. Pensou que era capaz de escrever mais livros e ter mais sucesso literário. A sorrir, disse que não se importava nada de ter o êxito do Dos Santos. Só o êxito, sublinhou, sem deixar de sorrir, não queria ter escrito aqueles livros onde nunca falta "banha da cobra".

Sabe que para ter escrito mais livros, precisava de deixar o ensino, de escrever apenas. Teve a coragem de dizer, que ainda bem que nunca o fez. A editora nunca lhe pagou dinheiro que desse sequer para sobreviver e ainda o obrigou a juntar várias histórias mal amanhadas que deram um livro de contos. Como estava a falhar os prazos, começaram a "ameaçá-lo". Resistiu até poder. Sabia que não era escritor para fazer um bom livro em todos os verões... e como não lhe apetecia publicar "lixo", percebeu que tinha os dias contados na editora.

O mais curioso, foi ele dizer que se sentia aliviado. Agora que não tinha pressões, talvez escrevesse o tal livro que todos perseguimos e que só poucos conseguem escrever, e que vale por todos os outros...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sexta-feira, janeiro 13, 2023

Ingratidão & Ignorância


Uma das coisas que mais me incomodam é ouvir dizer mal de algo, ou de alguém, que se desconhece, ou conhece de forma insuficiente, para se poderem fazer juízos de valor.

Há dois portugueses que defendo mais vezes do que queria (provocam tanto desamor...). E não o faço por já não estarem cá para se defenderem. Faço-o porque na minha opinião são duas das principais referências da nossa cultura do século XX.

Mas o que é mais bizarro, é que muitas das pessoas que dizem mal dos seus livros e dos seus filmes, nunca leram qualquer obra de José Saramago nem viram nenhuma fita de Manoel de Oliveira.

Isto ainda torna mais ridículas todas estas "más vontades", para não lhes chamar outra coisa.

O simples facto de Saramago ser o nosso único Nobel da Literatura, deveria fazer com que todos os portugueses (incluindo o senhor que era presidente da República quando ele nos deixou...) o respeitassem, no mínimo. Em relação a Manoel de Oliveira, admito que nem todas as pessoas gostem dos seus filmes. Mas só o facto dele continuar a fazer cinema depois dos cem anos, diz muito da sua personalidade, do seu amor à arte e à liberdade.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sábado, agosto 21, 2021

Ali Estávamos nós, com os Filmes e os Livros a Sairem dos Bolsos...


Ali estávamos nós, dois anos depois, a falar do que nos apetecia, com a cumplicidade do nosso Tejo, que além de calmo, parecia interessado na conversa.

Primeiro falámos de nós, do que não tínhamos feito (ele tal como eu tivera dificuldade em fazer coisas novas, também preferiu "organizar", "guardar" e "deitar fora"...).

Depois falámos do que realmente gostamos, de coisas que experienciámos ao longo das nossas vidas, eu a escrever e ele a filmar.

Parámos nas personagens, na sua construção, na sua "liberdade" (tanto num lado como noutro, querem caminhar sem seguir o guião). Claro que quando falo de personagens "fugidias", vou sempre ao passado, ao tal primeiro romance com quase trinta anos... Não imaginava que no cinema as personagens gostassem tanto de liberdade, até por terem um rosto. E nas filmagens fazerem exactamente o que o realizador lhes manda. Na literatura é diferente, vamos escrevendo e as personagens vão ganhando vida própria, mudam de lugar e fazem coisas "imprevistas", fora do esboço inicial.

Foi então que ele me falou da montagem do filme, nas horas de película que se "deitam fora" e na vontade que surge de "fazer outra fita"... Disse-me que isso também acontece porque alguns filmes demoram anos a serem feitos (quase sempre por dificuldades financeiras) e quando se chega à mesa de montagem, já somos outra pessoa e vemos "outro filme" e também "outras personagens".

Confidenciou-me que num dos seus filmes teve uma grande vontade de fazer quase tudo diferente, até de alterar os protagonistas. Havia personagens secundárias que lhe pareciam mais interessantes que as principais. E tinha horas de filmagem que lhe permitiam fazer um "outro filme". Mas depois surgiram as questões éticas, que nestas coisas, andam quase a par das estéticas. Não podia "enganar" as pessoas que convidara para os papéis principais, invertendo os papéis e mudando a história inicial...

Foi quando eu que lhe disse que na literatura tínhamos a vantagem das personagens serem apenas de papel, por muito que queiram ir por aqui ou por ali, somos sempre nós que escolhemos o final, sem qualquer tipo de constrangimento ou problema ético. 

Deve ter sido por isso que estivemos de acordo, talvez o cinema esteja mais próximo da vida que a literatura. A existência de um corpo e de um rosto, pode fintar a ficção, pura e dura, ou seja, podemos ser os melhores, mas não é por isso que conseguimos ser os protagonistas de qualquer história...

(Fotografia de Luís Eme - Fonte da Pipa)