O pai: Hermann Kafka
O filho: Franz Kafka, adolescente
A peça que o Teatro do
CalaFrio apresenta, amnhã, no TMG, inspira-se na famosa Carta ao Pai, escrita e nunca enviada por Franz Kafka.
Em Preparativos, o genial judeu de Praga, define-a:
“[uma
tentativa] de nos conciliar um pouco e
transformar as nossas vidas e a nossa morte mais fáceis.”
O que, certamente, não
aconteceu.
A páginas tantas da
referida Carta, Kafka sublinha:
“Quando
eu tomava qualquer iniciativa que te desagradasse, logo me dizias que eu iria
falhar; o meu respeito pela tua opinião era tal que o falhanço, mais tarde ou
mais cedo, era inevitável. Perdi toda a confiança nos meus próprios actos.
Tornei-me instável, indeciso. Quanto mais eu crescia, mais se acumulavam os elementos
que te permitiam apontar-me como provas do meu pouco valor; pouco a pouco, os
factos davam-te razão. Mais uma vez evitarei dizer que és o único responsável
pelo que sou hoje -tu limitaste-te a agravar o que eu já era mas agravaste-o
muito, precisamente porque tinhas um grande ascendente sobre mim e recorreste a
todo o teu poder.” (in Kafka,
Oeuvres Complètes, Tomo IV, notas de Claude David, Pléiade, Éditions
Gallimard, 1989)
É Klaus Wagenbach, no
excelente Kafka par lui-même, Éditions
du Seuil, 1968, quem assim resume a vida trágica, desesperada, espelho do
absurdo, do niilismo ou do sem-sentido da nossa passagem pelo mundo:
“A
sua vida foi uma busca apaixonada da verdade, a sua obra, uma descrição
rigorosa desse destino. Tentativa que, à hora da morte, consideraria um
falhanço. E pediria que destruíssem toda a sua obra em que não reconhecia mais
do que um fragmento da própria vida.”
Esse sem-sentido, esse
abismo quotidiano sobre o qual tentamos equilibrar-nos (em vão?) é coisa de
hoje.
Por isso, Kafka é um
escritor universalmente e tardiamente conhecido: salvo do anonimato, nos anos
20, por um restrito grupo de intelectuais alemães; mais tarde, levado para
França, por André Breton e mais tarde ainda, saudado por Camus e Sartre;
publicado, pela primeira vez, em Praga, em 1957…
O nosso tempo é, de
facto, o do niilismo, do absurdo, do monstruosamente inumano.
Franz Kafka (1883-1924)