segunda-feira, 31 de outubro de 2011
O essencial é aquilo que serve ao capital
O "essencial" e é um pau
por Manuel António Pina
A afirmação do actual ministro da Educação de que o "princípio geral" que presidirá à "sua" reforma curricular do ensino básico e secundário é o de que "é necessário concentrar nas disciplinas essenciais" constitui todo um programa ideológico.
Deixando de lado a obsessão de todo o bicho-careta que chega a ministro da Educação em Portugal em "reformar" mais uma vez os curricula escolares, tornando o ensino num laboratório de experiências educativas e os alunos em cobaias que se usam e deitam fora na próxima "reforma", tudo com os resultados que se conhecem, a opção por um ensino público limitado a "disciplinas essenciais" segue fielmente a rota ideológica do "saber ler, escrever e contar" de Salazar.
Falta apurar o que o ministro entenderá por "essencial", mas outras medidas que tem tomado, como triplicar o valor dos cortes na Educação pública previsto no acordo com a "troika" enquanto financiava generosamente os colégios privados, levam a crer que o programa de empobrecimento anunciado por Passos Coelho é mais vasto do que parece. E que, além do empobrecimento económico das classes médias e mais desfavorecidas, está simultaneamente em curso o seu empobrecimento educativo.
Para a imensa maioria que não tem meios para pôr os filhos em colégios privados (que, no entanto, financia com os seus impostos), o "essencial" basta. Mão-de-obra menos instruída é mão-de-obra mais barata. E menos problemática.
transcrito, com a devida vénia, Jornal de Notícias de 31/10/11
domingo, 30 de outubro de 2011
Para o poeta Américo Rodrigues, Amigo querido
Crucifixo
A bacanal do mando continua,
Senhor da Cristandade!
E, sobre a cruz, uma criança nua
É a legitimidade.
Senhor! Não somos nós que nos vendemos,
São os nossos borregos.
-Servos à corda, meu Senhor!, bailemos!
Na cruz há sangue e pregos.
Afonso Duarte in Post-Scriptum De Um combatente, Edição do Autor, Coimbra, 1949
sábado, 29 de outubro de 2011
Ora aí está! Pobrezinhos mas contentes. É como se nos apontassem a porta de saída: e quem não aceitar que emigre: que se ponha a milhas...
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
domingo, 23 de outubro de 2011
O criador é um artesão
“Eu pinto de um modo muito planeado. Começo pela construção geral e só depois vou indo aos detalhes. Uma mobília também se faz assim. Não se vai começar pelo pé da cadeira. É possível que o rigor que tenho a pintar venha da minha antiga profissão. O trabalho no estirador a desenhar as peças, a marcação dos moldes, tudo isso exige uma grande precisão. Ainda hoje, cada quadro que faço é muito construído. Não sou capaz de pintar com pinceladas espontâneas. (1987)
(...) Trabalhei na marcenaria até aos anos 60. (188)”
João Navarro Hogan, citado in Catálogo da Exposição Organizada pelo Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Novembro de 1992,
Quadro de Vieira da Silva foi vendido por 1,54 milhões de euros
O mistério da poesia
Por outras palavras
A poesia revela o já revelado,
cuidadosamente escolhe
o que já foi escolhido,
o que já foi escolhido,
o milagre exige coisas harmoniosas.
Por outras palavras:
é difícil, quando não impossível.
A poesia é como barro. Quebra facilmente
sob o peso dos versos.
Harmoniosa na mão do poeta,
noutras mãos
deixa de o ser: é impossível.
é difícil, quando não impossível.
A poesia é como barro. Quebra facilmente
sob o peso dos versos.
Harmoniosa na mão do poeta,
noutras mãos
deixa de o ser: é impossível.
Traduzido da breve antologia poética de Nathan Zach (nasceu, em Berlim, em 1930, vive em Telavive), Sfavorevole agli addii, Donzelli Editore, 1996, Roma, organizada por Ariel Rathaus
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
Portugal Nobel da física?
Não inventei: alma amiga e companheira nesta apocalipse lusitana, enviou-me a "notícia", que só a trágica ironia portuguesa arrancaria e de que reproduzo o essencial:
"Nobel da Física poderá ser entregue a Portugal!!!
Este ano Portugal será um forte candidato ao prémio Nobel da Física!Depois da descoberta do átomo, do neutrão, do protão e do electrão, acaboude ser descoberto em Portugal o Pelintrão."
domingo, 16 de outubro de 2011
Quem é que vendeu (e vende) gato por lebre, sem vergonha?
Antes de partir, sinto-me na obrigação moral de transcrever este precioso e esclarecedor artigo (se é que ainda alguém tem dúvidas...):
E Sócrates mentia
por Manuel António Pina
Diz-se que a política é a arte de fazer escolhas. Passos Coelho fez as suas: o assalto fiscal à classe média e aos mais vulneráveis da sociedade. E em breve o veremos a anunciar a capitalização da Banca com os recursos espoliados a pensionistas e trabalhadores. Tem toda a legitimidade para impor as suas escolhas aos portugueses porque os portugueses o elegeram. Só que os portugueses elegeram-no com base em pressupostos e garantias falsos, que ele repetiu à exaustão antes e durante a campanha eleitoral.
Agradecendo a Ricardo Santos Pinto, recordem-se algumas das garantias com que Passos Coelho foi eleito: "Se vier a ser primeiro-ministro, a minha garantia é que a [carga fiscal] será canalizada para os impostos sobre o consumo e não sobre o rendimento das pessoas"; "Dizer que o PSD quer acabar com o 13.º mês é um disparate"; "O PSD acha que não é preciso fazer mais aumentos de impostos, do nosso lado não contem com mais impostos"; "O IVA, já o referi, não é para subir"; "Eu não quero ser primeiro-ministro para proteger os mais ricos"; "Que quando for preciso apertar o cinto, não fiquem aqueles que têm a barriga maior a desapertá-lo e a folgá-lo"; "Tributaremos mais o capital financeiro, com certeza que sim"; "Não podem ser os mais modestos a pagar pelos que precisam menos"...
E ainda: "Nós não dizemos hoje uma coisa e amanhã outra".
Transcrito, com a devida vénia, de Jornal de Notícias de 17/10/11
Volto às origens em busca da beleza
Conversa interrompida: cala-se Sobre o Risco e abrem-se outros diálogos.
Agora, um diálogo entre mim e a minha cidade, entre mim e o milagre da imaginação criadora.
Vou à Guarda, ao “alto monte da sagrada Beira” (rezo o verso do puro Augusto Gil), para admirar, no TMG, a exposição de pintura ‘A Memória. Os Contos. Os Sonhos.’, de uma artista que respeito e estimo, me emociona e encanta: Evelina Coelho.
Até já!
Coelho, com a pressa e à Chico-esperto, elogia o Estado Social que tanto o assusta...
Pedro Passos Coelho justificou hoje o corte de subsídios na função pública alegando que estes trabalhadores ganham, em média, mais 10 a 15 por cento que os do privado."
in Público de 15/10/11
Sem o saber, Coelho elogiou o Estado Social, que, irresponsavelmente, anda a destruir...
Os funcionários públicos são (eram...) mais bem pagos do que os empregados do privado?
De si, essa afirmação gratuita, improvisada, para encher chouriços, mas, também para justificar (pessimamente) o corte brutal com que arrasou milhões de portugueses e lavar as mãos da violência que só aprofundará o mal estar e o desespero -é um disparate.
Vista, porém, de outro ângulo –e se fosse verdade, que não é- significaria que Coelho disse o seguinte:
o Estado respeitava e protegia os trabalhadores contratados, remunerando-o o mais justamente possível; os privados fazem gato-sapato dos seus trabalhadores, pagando-lhes o que lhes apetece, acumulando capital, aprofundando o fosso que separa a classe privilegiada das classes necessitadas.
O privado repõe a sociedade da nova escravatura.
...Para o Estado usei o pretérito, para o privado, o presente, porque o Estado entrou em agonia...
O Estado Social, tão odiado pelo capitalismo selvagem, o Estado Protector, que, entre as obrigações assumidas, pratica a fiscalização e regulamentação do mercado e defende os direitos dos cidadãos, dos trabalhadores.
É esse Estado que Coelho aponta como injusto?
Engana-se: acaba de elogiar a sua qualidade maior: preocupar-se esse Estado com o bem-estar de cada um e tentar dar o exemplo, dignificando o trabalho daqueles que trabalham com ele.
sábado, 15 de outubro de 2011
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
António Nunes Ribeiro Sanches morreu há 228 anos e a infâmia contra a qual lutou continua é um post longo lê se te indignar este dia de roubo
Esse homem, que nasceu, em Penamacor, a 14 de Março de 1699 e morreu, em Paris, no dia de hoje, há 228 anos, não foi, apenas, um dos grandes médicos do século XVIII: com Luís António Verney (1713-1792), tentou esclarecer um país - o nosso - tragicamente fechado na ignorância.
Foi um respeitadíssimo físico e um admiradíssimo pensador, pedagogo, político.
Político, porque o é quem se ocupa da polis: da cidade, do viver bem dos homens uns com os outros, do justo contrato social.
Político, porque o é quem se ocupa da polis: da cidade, do viver bem dos homens uns com os outros, do justo contrato social.
António Nunes Ribeiro Sanches era filho de Simão Nunes, de Penamacor, e de Ana Nunes, de Idanha-a-Nova, ambos cristãos-novos, perseguidos, como a maioria dos familiares do grande iluminista, pelo Santo Ofício, pela Inquisição.
Eis porque o iremos encontrar, aos 13 anos, na Guarda e ali se demorou até aos 17: convinha que não habitasse com os pais, espiados e ameaçados, em permanência incomodados pelo Santo Ofício.
Estudou leis, em Coimbra, e desinteressou-se delas e do modo como funcionava a Universidade.
Doutorou-se em medicina por Salamanca, voltou à Guarda, onde praticou, e, em Novembro ou Dezembro de 1726 (tinha 27 anos), exilou-se – para sempre.
Ele não cabia, aqui.
Diga-se de passagem: Luís António Verney imitou-o: a intolerância de um Portugal pequeníssimo, mesquinho, medievo, obscurantista, atirou-o para o estrangeiro, onde viria a morrer, em Roma.
Através da milagrosa, luminosa Livraria Lumière, consegui um livro precioso que tudo conta e, sei lá porquê!, desde a sua publicação, em 1911, até hoje, não foi reeditado: ‘Ribeiro Sanches, a sua vida e a sua obra’, de Maximiano Lemos (honra a quem o lançou: Eduardo Tavares Martins, editor, Porto).
Citarei outros dois livros que, antes desse, me despertaram a curiosidade e considero muito importantes: ‘Dificuldades que tem um reino velho para emendar-se e outros textos”, de Ribeiro Sanches, Selecção, apresentação e notas de Vítor de Sá, Editorial Inova, Porto, 1971, e ‘Educação e Cidadania Na Ilustração Portuguesa, Ribeiro Sanches’, de Fernando Augusto Machado, Campo das Letras, Porto, 2001.
Não resisto a transcrever a dedicatória de Vítor de Sá:
“Ao Doutor Manuel Valadares, cientista europeu de Física Atómica, Ao Doutor Vasco Magalhães-Vilhena, filósofo e investigador científico, Ao Doutor Ruy Luís Gomes, professor e matemático –portugueses que, ainda no exílio, honram pela inteligência, tal como Ribeiro Sanches a honrou, a pátria nativa a que pertencem”.
A Dedicatória é de Novembro de 1971, o salazarismo imperava e faltavam menos de 3 anos para o 25 de Abril, e Portugal vivia agrilhoado, à margem da marcha da civilização.
Não irei contar-te, amigo, a vida e as tribulações de Ribeiro Sanches; procura, nos teus alfarrabistas, os títulos que te deixo acima.
Ribeiro Sanches era cristão-novo, um judeu, e a sua conversão ao catolicismo, obviamente imposta àqueles que não emigraram, quando milhares de outros foram expulsos em 1496, e muito pagou a nossa economia por via dessa monstruosa fraqueza e tolice de Manuel I, e muito ganharam, tanto!, os Países Baixos, a Holanda.
A escolha forçada dos que ficaram não explica tudo.
O anti-semitismo fomentado pela Igreja e modo de acalmar os povos espoliados naqueles tempos, o anti-semitismo, que atravessou séculos e reaparece, enterrado o escândalo do holocausto, que obrigou muita gente a conter-se e a chorar lágrimas de crocodilo, não chega para explicar o ostracismo a que votaram Ribeiro Sanches.
Quero é pôr o ponto no i.
Qual a razão por que Sanches era “incómodo” e a pátria lhe desprezou o génio, lhe perseguiu a inteligência, o obrigou a emigrar?
E qual a actualidade do seu drama?
Ribeiro Sanches incomodava porque pensava e desejava um Portugal diferente daquele que encontrara: desejava um país aberto à Europa em movimento, culturalmente evoluído e, consequentemente, politicamente evoluído.
Hoje, é isso que vocês, amigos, e eu desejamos: modernidade e bom governo.
Sanches tinha a seguinte ideia, transparente como a água, simples e profunda: o bom ou mau governo decorre da boa ou má Cultura.
Na Cultura, tudo assenta, e o modo de dirigir o país, de organizar a economia, de conduzir o ensino, a saúde, etc., tudo isso está umbilicalmente ligado ao modo de pensar de quem decide.
Não há uma ciência da economia nem uma ciência da política: há modos de escolher uma e outra, ou ambas abraçadinhas, cujas, conforme a Ética, a Moral, por sua vez, se ligam à Cultura.
Ribeiro Sanches colocava o Ensino à frente de tudo o resto, ou, se quiserem, antes de tudo o resto –e do saber nasceriam as escolhas justas.
Esse trinómio Cultura-Moral-Política era inaceitável num país fechado a sete chaves por uma Igreja ultramontana, ultra-trentina (refiro-me ao granítico Concílio de Trento), aceita e seguida por monarcas submissos – todos avessos, Igreja e monarcas, ao arejar dos espíritos.
Todos anquilosadores e satisfeitos, quando rodeados por um povo... anquilosado e resignado...
Um povo a que Salazar chamaria, com a sibilina hipocrisia, “um povo de brandos costumes”...
De 1750 a 1779, com progressivo enfraquecimento a partir da coroação de Maria I, governou o país o Marquês de Pombal.
Por isso, tanto festejou Ribeiro Sanches o Alvará de 1759, a expulsar os jesuítas e a retirar à religião o monopólio do Ensino, o poder de enrolhar os cérebros, de condicionar e sufocar o Espírito.
E assim deve ser, seja qual for a religião: separá-la do Estado.
Ribeiro Sanches pensou, trabalhou, escreveu. Foi um médico de reputação europeia, o preferido de Catarina da Rússia, que salvou, menina, e ela nunca esqueceu.
Foi o único português que colaborou na célebre “Encyclopédie ou Dictionaire Raisonnée des Arts et des Métiers” (1772), de Diderot e D’Alembert, a antevéspera da renovadora Revolução Francesa.
O seu emblema, ex-libris, dizia: “Não creu que para si viera ao mundo/ mas sim para útil ser ao mundo todo”.
Morreu consciente, tanto quanto pode estar quem entra em agonia.
Escolheu a saída: abandonou os remédios que lhe adiariam a morte e chegou a ela aliviado pelas drogas que a faziam mais suave.
Antes de vos deixar, amigos, que, se me lestes, fartos estais de me ler, acrescentarei: uma luz ainda assistiu ao apagar do grande homem.
Meses antes, Ribeiro Sanches, doente, foi a casa do nosso Ministro em Paris, Sousa Coutinho, que sofria. E este, diplomata bom e, quem sabe?, desiludido, mandou dizer ao seu país que Ribeiro Sanches chorara, abraçado a ele.
Ribeiro Sanches chorava porque a vida se ia. A morte adia-se, mas é uma faca –não perdoa.
Chorava por nós.
O que sonhara não se realizara.
E, lendo-o, vês como é actual: denuncia o desprezo pela Cultura e pelo Ensino, que nos traz mais este mau governo.
Vamos acreditar e realizar o sonho?
Théodore Monod lembrava: “A utopia não é o irrealizável, é aquilo que ainda não se realizou”.
Não aguentes, Zé, agarra o ladrão!
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
Um artigo lúcido cuja leitura te aconselho vivamente! Se não lês francês pede a alguém que te traduza!
Quando se vende por aí peixe podre com discursos envenenados ou surrealistas; quando os erros do capitalismo selvagem têm de ser pagos pelos mais fracos e sem nenhuma responsabilidade na crise que nos sufoca; quando a miséria e a fome se instala entre nós, e só quem quer ser cego é que não vê, quem é irresponsável ou covarde é que vira as costas, quem é ignorante (resultado do Processo de Analfabetização em Curso, o PAC) é que o desconhece –urge meditar naquilo que transcrevi abaixo. É a nossa vida –vida que queremos digna, justa... humana- que está em jogo. O artigo de Bernard Guetta, sobre as primérias do PS francês, abre janelas, ajuda-nos a reaprender a respirar a liberdade e a justiça.
La vraie raison du succès de la primaire
Par Bernard Guetta
C’est un changement d’époque, mondial et radical. Sous nos yeux, en ce moment même, s’ouvre un nouveau cycle long, celui du retour aux commandes de la puissance publique et de la politique après trente années de libéralisme triomphant durant lesquelles le dogme était que «l’Etat n’était pas la solution mais le problème» et que ce n’était pas de lui mais de la sagesse des marchés que dépendait le bien-être général.
Ce changement, on vient de le sentir en France avec la stupéfiante affluence qu’a connue, dimanche, la primaire de la gauche. Ce succès des socialistes tenait beaucoup, bien sûr, au rejet national dont Nicolas Sarkozy est victime jusque dans son camp mais, outre que ce désamour est précisément né de la fascination de cet homme pour le libéralisme, il n’y a pas qu’en France que la fronde souffle. Une élection régionale après l’autre, la droite allemande ne cesse plus de perdre pied. Le Danemark vient de repasser à gauche. La droite italienne se délite, gangrenée par cette sacralisation de la réussite financière qu’incarnait Berlusconi, et il y a maintenant les Etats-Unis.
Après avoir essaimé en Europe et rebondi en Israël, ce début de révolte morale qu’est le mouvement des «indignés», se répand d’une côte américaine à l’autre, rallie les syndicats et a suffisamment de résonance dans l’opinion pour que Barack Obama et son vice-président, Joe Biden, l’aient aussitôt légitimé en déclarant, l’un, qu’il exprimait «une suspicion largement partagée envers la manière dont fonctionne le système financier» et l’autre que les «Américains ne pensent pas que le système soit juste».
Ils n’auraient pas pu mieux dire. C’est l’évidence même et, plus significativement encore, Barack Obama n’avait pas attendu ce mouvement pour axer sa campagne de 2012 sur la redistribution des richesses par l’impôt en proposant d’imposer plus lourdement les plus riches et les grandes entreprises pour pouvoir financer l’investissement collectif. Depuis Roosevelt et les années 1930, c’est la première fois qu’un dirigeant américain choisit de tout miser sur la défense des plus démunis et la dénonciation de l’argent roi.
L’exigence de protection et d’équité sociales s’affirme jusqu’en Chine où les conflits sociaux se multiplient alors même que le libéralisme avait permis de spectaculaires progrès.
Dans le monde arabe lui-même, l’essor des révoltes populaires a été précipité par les politiques de libéralisation économique. Partout une page se tourne. Les citoyens aspirent partout à un retour de l’Etat arbitre, protecteur et garant du long terme et la raison en est claire.
De même que le New Deal occidental des trente années d’après-guerre avait fini par freiner l’innovation à coup de réglementations sociales, les trois décennies libérales ont fini par propager une crise mondiale en faisant un impératif suprême du profit immédiat, brisant les consensus sociaux et affaiblissant les économies occidentales à coup de chômage et de délocalisations industrielles. Imposé, à la fin de la guerre, par la peur du communisme et les besoins de la reconstruction, le développement continu des systèmes de protection sociale en Europe et en Amérique avaient favorisé le statu quo au détriment de la modernisation, l’industrie lourde et vieillissante contre le redéploiement du capital dans les nouvelles technologies.
Le toujours plus de protection sociale et de réglementation du travail avait effectivement menacé de sclérose les économies occidentales mais, en redonnant la main libre au capital, le libéralisme lui a permis de déménager les usines vers les pays à bas salaires, de développer le travail précaire et les licenciements boursiers, de réduire l’imposition des plus hauts revenus, de s’affranchir de toute règle et de mener un assaut frontal contre la protection sociale - de déstabiliser l’économie occidentale et de donner la priorité aux jeux financiers sur la production industrielle.
C’est ainsi qu’on en est arrivé au krach de 2008 puis à la crise des dettes souveraines et, donc, à ce rejet massif d’une idéologie dont les dogmes étaient que, plus les riches étaient riches, mieux chacun se portait, que l’impôt tuait l’impôt en réduisant la croissance et que la main invisible des marchés était là pour réguler une économie dont les réglementations publiques ne faisaient, disait-on, qu’entraver le développement.
Même le FMI, même la Banque mondiale, même Nicolas Sarkozy et Angela Merkel ne disent aujourd’hui plus cela. Le besoin d’Etat est désormais devenu tellement profond que les marchés eux-mêmes aspirent à un Etat européen et que les gauches du compromis social reviennent en grâce, portées par ce changement d’ère.
Transcrito, com a devida vénia, de Libération, 12/10/11
terça-feira, 11 de outubro de 2011
Entre os astros...
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
Bom dia! Trago-te uma sugestão: se amas Mário de Sá-Carneiro, atenta nela!
Mário de Sá-Carneiro é filho do purinho: de António Nobre.
Dividem o mesmo lirismo singelo e dolorido, a mesma paixão irrealizada e a delicadeza dos príncipes das Escócias que só eles visitaram e cuja nostalgia os ilumina.
Andam os dois comigo, desde a adolescência e abro os seus livros doce, religiosamente.
Às vezes, muitas vezes, preciso de falar deles e de ouvir alguém acrescentar o muito que ainda não sei dos dois.
Talvez gostes de Sá-Carneiro.
Lembrei-me de te deixar aqui notícia de um livro, rico e denso, inteligente e sensível, sobre o suicida de Pigalle, “o esfinge gorda”, o poeta a quem a midinette, à esquina da Rue Frochot, ao ver passar o enterro tosco e trágico, a que só faltou o burro desejado por Sá-Carneiro, ofereceu o ramo de violetas que lhe enfeitava a blusa.
“-Quem vai dentro do caixão?”, perguntou.
“-Um poeta português que se matou por amor...”
E ela correu e deixou-lhe, presas das cordas que seguravam o esquife, as flores.
“-Um poeta que morreu de amor... Como eu o teria amado!”
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Sobre João Pinto de Figueiredo:
domingo, 9 de outubro de 2011
A luz poderá acender se virarmos a página
Amiga generosa escreveu um comentário ao artigo de Manuel António Pina, “Os pobres que paguem a crise”, transcrito sexta-feira última, neste blogue.
Aflige-a a sangria inestancável que vai enterrando cada dia mais os portugueses na pobreza, na miséria, sem que se veja nenhuma luz ao fundo do túnel tenebroso.
Benoît Haman, socialista francês, publicou um livro que aponta soluções, ou, se preferirem, a primeira atitude a tomar ("Tourner la page. Reprenons la marche du progrès social", Flamarion).
Antes do mais, compreender “que o capitalismo financeiro é o único responsável por esta crise”.
E adiante sublinha:
“A esquerda não tem a vocação de acrescentar, aos espinafres, um toque de manteiga. Não estamos aqui para suavizar, com uma pitada de generosidade, uma sociedade chupada pela sede do ganho e a concorrência generalizada ou para “moralizar o capitalismo (...) ou remendar o sistema.”
Segundo Hamon -e muitos outros que abriram os olhos-, é precisamente o sistema do capitalismo financeiro que urge pôr de parte.
Não sei se é essa a intenção dos socialistas portugueses; receio que a deles tenda a diluir-se em chá de tília.
E tu amiga ou amigo, sejas ou não de esquerda, sejas ou não socialista, pára e escuta as palavras de Benoît Hamon.
E decide como entenderes –porque essa liberdade de escolha é o coração da democracia.
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
Para digerir no fim de semana
Os pobres que paguem a crise
porManuel António Pina
As notícias ontem vindas a público sobre o OE para 2012 confirmam as piores expectativas: o actual Governo, ao mesmo tempo que não mostra disposição de, como insistentemente o PSD reclamou na oposição e Passos Coelho não menos insistentemente prometeu em campanha, cortar nas famosas "gorduras" da Administração Pública, pretende pôr os mais pobres e necessitados, os doentes sem recursos e, no caso da Educação, o próprio futuro colectivo, a pagar a crise.
A lógica é de elegante simplicidade: a caridade (além do mais, as boas acções têm cotação certa na Bolsa do Céu) substitui com vantagem a Segurança Social que, por isso, poderá bem ficar sem 200 milhões de euros; o SNS sofrerá, sem anestesia, cortes de mais de 800 milhões (o Ministério das Polícias, que terá mais 400 milhões, se encarregará de nos tratar da saúde se necessário); e a Educação, agora por conta de um matemático, há-de ter arte e engenho para poupar 600 milhões (três vezes mais do que previsto no acordo com a "troika"!).
Será, assim, o odiado Estado Social a pagar a factura das dificuldades do país a quem, bancos, grandes empresas recordistas de despedimentos e os "25 mais ricos" do costume, ganha com elas.
Porque, como em "O dilúvio universal", de Zavattini/De Sica, quando as águas da catástrofe sobem, há sempre quem faça negócio a vender guarda-chuvas ou organize orgias em "penthouses" no terraço e passe o fim dos tempos em beleza.
transcrito, com a devida vénia, do Jornal de Notícias de 07/10/11
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
O Nobel de Literatura 2011
Mas ele tem, para mim, uma vantagem sobre os vencedores a que a Academia Sueca nos habituou: ao contrário da maioria dos últimos escolhidos, nem o distinguiram razões políticas nem o facto de pertencer a um país mais ou menos desconhecido.
É um poeta –cai bem a quem nasceu e cresceu num país de poetas, de grandes e geniais poetas -Portugal- jamais coroados com o Nobel que mereciam e merecem, apesar de serem esses realmente capazes de honrar a nossa Literatura e estarem à altura do prémio.
Vou ler Transtömer com redobrada simpatia.
A comercialização (a degradação) da Cultura
Na entrevista a Le nouvel Observateur desta semana, Francis Ford Coppola, questionado acerca daquilo que lhe repugna no cinema, respondeu:
“[Comecei a preocupar-me] no dia em que, nos finais dos anos 80, os grandes jornais começaram a publicar os resultados de bilheteira. Não queria acreditar nos meus olhos. Tudo mudara: os profissionais e, depois, o público habituaram-se a perguntar: “O filme teve quantos espectadores?” Antes, perguntava-se: “O filme é bom?” Tornou-se numa competição desportiva. É lamentável”.
Leitor: isso mesmo acontece em todos os campos chamados “artísticos”: literatura, pintura, música & etc.
É lamentável.
É assassinar a Arte.
O Caminho
"Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar."
António Machado, in Proverbios y cantares de Campos de Castilla
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
Luís Amaro: um poeta cuja sensibilidade e a lucidez ardentes nos envolvem e apaixonam
Anunciação
Imprecisa e grácil te imagino
abrindo de esperança a noite enorme
e iluminando o coração nocturno
que mora, exilado, em mim.
Teu vulto vence a névoa do crepúsculo
e detém-me os passos sem destino
à beira da noite hiante e pálida
com, lá no fundo, obscura imagem
desfigurada e vã, na sombra envolta...
E tua lembrança é o perdão, a luz,
a vida que desponta nas raízes
mais secretas do ser...
Vens, irreal e presente, ao meu encontro,
cabelos soltos ao vento da manhã,
e dos teus lábios desprende-se a Palavra...
Flui de teus olhos a música das fontes.
abrindo de esperança a noite enorme
e iluminando o coração nocturno
que mora, exilado, em mim.
Teu vulto vence a névoa do crepúsculo
e detém-me os passos sem destino
à beira da noite hiante e pálida
com, lá no fundo, obscura imagem
desfigurada e vã, na sombra envolta...
E tua lembrança é o perdão, a luz,
a vida que desponta nas raízes
mais secretas do ser...
Vens, irreal e presente, ao meu encontro,
cabelos soltos ao vento da manhã,
e dos teus lábios desprende-se a Palavra...
Flui de teus olhos a música das fontes.
in Diário Íntimo, Dádiva e Outros Poemas, Editora Licorne, 2011
O que nos deu a 2ª República
"Rara a felicidade destes tempos em que é permitido sentir o que se quer e dizer o que se sente."
Tácito dixit
Os 101 anos da República: viva a República!
A República entra, hoje, no segundo século de existência.
O imenso e trágico atraso cultural do país deitou-a abaixo, em Maio de 1926.
Homens com o perfil extraordinário de Manuel Teixeira-Gomes, Afonso Costa, António José de Almeida, não conseguiram impor o ideal democrático, o Estado social e alfabetizador, que sonhavam.
Os restos da corrupção da monarquia, um bando de ultramontanos, uma maioria de ignorantes conduzidos por caciques às ordens da minoria privilegiada, e tudo isso abençoado por uma Igreja cavernosa e capaz de inventar milagres,
esse movimento retrógrado, reaccionário, castrador e anquilosador, fechou, durante quarenta e oito anos, as janelas que deixariam passar o ar livre e arrancar Portugal à eterna idade média.
O 25 de Abril de 1974 repôs a liberdade e a democracia.
Em plena crise e apesar do governo não ser, e com certeza o não é, o governo ideal, não há razão para desespero.
Há a obrigação de defender e garantir a democracia, um Estado social, um Estado protector, realmente ameaçado de sufocação.
terça-feira, 4 de outubro de 2011
A intensidade
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