O resultado de ontem, que prolonga a estadia de Cavaco em Belém, é de cansaço e descrença.
Em primeiro lugar: a abstenção:
atingiu a percentagem mais alta de todas as eleições presidenciais: 53, 30%.
a que deveremos somar os votos em branco e os votos nulos: 6,9 % .
O que significa que 59, 49 % do eleitorado virou as costas ao acto eleitoral e se marimbou para escolher o Presidente da República.
Vir com paninhos quentes e evocar erros técnicos, reelger o presidente em funções seria "um hábito" (suma tolice que apontaria o descrédito do cargo), é o mesmo que tapar o Sol com uma peneira.
Os portugueses desacreditaram dos políticos e estão cansados de viver mal, milhões no desemprego, na miséria e à beira da fome, se não já na fome.
Cavaco ficou onde estava, por inércia do povo, que pensou:
“não vale a pena mudar o homem”.
Cavaco, em cinco anos de presidência, perdeu mais de 550.000 votos,
mais de meio milhão.
Os políticos –porque Cavaco também é um político: desde 1980 que não se lhe conhece outra profissão- vivem numa esfera à parte, o povo vive na realidade dura.
O afastamento dos políticos é galopante.
E o povo deixou de os entender e deixou de acreditar neles.
A corrupção, também galopante, que assola o país, as medidas brutais que obrigam a apertar o cinto, a arrogância e o silêncio dos políticos,
eis as razões da indiferença e da descrença.
Eis as razões do espectacular resultado de Fernando Nobre: 14, 09 % .
Nobre não é um político, falou dos problemas reais, apontou as chagas, usou uma linguagem directa, humana, transparente.
Alexandre Herculano terá exclamado, em certo momento da sua vida:
“Isto dá vontade de morrer!”
Compreendo Herculano e dói-me a sua dor, que, hoje e aqui, volta a instalar-se no espírito de muitos,
veja-se a emigração (também galopante), o apartamento da vida pública (angustiante, trágico), a terrível frase: “cada um trate de si!”,
mas não o vou repetir, e digo:
“Isto chama-nos à vida, à intervenção, à luta contra a podridão que alastra e sufoca e mata os portugueses.”
É o nosso dever –é a nossa obrigação moral.
No diálogo, na defesa dos ideais, na acção política, eis onde devemos estar.
E os políticos que deixem de se refastelarem nos sofás de São Bento, que deixem de perorar, uns para os outros, nos restaurantes de São Bento, que deixem de se olhar ao espelho, se reconhecerem génios, que deixem de falar sozinhos.
Que vão falar com o cidadão comum. Que lhe expliquem as razões da crise e as soluções possíveis –e é natural que variem porque é também o pensamento único que repudiamos.
Que eduquem o povo –um povo que tem mais de 60% de ignorantes.
Que tornem os incultos cultos.
Que esclareçam.
Ou querem transformar Portugal num deserto de velhos, de pobres, de marginais na Europa?
Amigo: não tenho nenhuma vontade de morrer. Tenho vontade de te estender a mão, à procura da tua mão, de te ajudar e de te pedir ajuda, para sairmos do buraco onde nos deixamos cair e para onde nos deixámos atirar.
É verdade que tenho, muitas vezes, vontade de morrer. Mas o peso da responsabilidade que sinto face às gerações futuras, obriga-me a viver e a lutar. Porque também as minhas mãos são necessárias ao esforço de saída deste alçapão escuro onde nos encurralaram.
ResponderEliminarAgradeço força que me transmitiu, amigo.
É uma tristeza sim. Já esperava este adormecimento.
ResponderEliminarDe tal forma que fui ver o Hereafter.
Já sabia da tristeza que ia ser, até porque o meu candidato não fez uma boa campanha e devia ter-se apresentado como independente. Estou a falar de Manuel Alegre, sempre achei que era uma má estratégia esta sua campanha, sempre achei que o queriam queimar, conseguiram!
Quanto ao Fernando Nobre, por quem tenho respeito, fez uma campanha mais humana é verdade, mas conheço-o mal e fez parte da divisória existente entre o PS.
Para mim o único político "animal politco" existente no nosso país é o Dr. Mário Soares que nestas eleições deu o seu rosto na sombra.
Na hora em que se deviam unir desuniram-se.
Perdoe-me se não gostar deste comentário.
Um poeta também poderia não ter sido o melhor presidente, mas...
Cada vez percebo menos a dignidade das pessoas e cada vez mais os políticos me entristecem.
Quanto ao fime do Clint Eastwood falarei nele, noutra ocasião.
Bom dia!
É que vivemos uma comédia trágica! Vivemos no beco do fala-só!
ResponderEliminarTem razão. Mas há muita coisa podre neste país. E vivemos o eclipse da ética. Note: os eclipses nunca são definitivos!
ResponderEliminarCaro amigo,
ResponderEliminarLeio todas as semanas com muito gosto os seus artigos no JN e conhecendo-o através desses textos sei que é um grande divulgador cultural e um crítico do actual estado de coisas. Evidentemente que a eleição de ontem foi mais uma prova de que o país anda muito doente e apático. Todavia, não me alheei de participar, porque entendo que é sempre importante darmos o nosso contributo ainda que seja para rir enquanto depositamos o voto na urna. Eu não acredito na política portuguesa, merecia talvez uma reforma profunda e corajosa no sentido de revitalizar os partidos políticos e o seu papel na sociedade e principalmente de envolver as pessoas. Daí a vitória do Dr. Fernando Nobre.
O vencedor de ontem, representante do pensamento único, eucalipto para os adversários, era mais do que previsível ainda antes de se começar a falar de presidenciais. Este político não é muito pior do que o concorrente directo, visto que este não soube congregar todas as forças da esquerda e, pior do que isso, não soube apelar ao centro. Não houve chama. Rodeou-se de pessoas que em lugar de o ajudarem na batalha o prejudicaram de propósito. É pena! Mas continuamos felizmente a tê-lo entre nós como artista da palavra, não é? É isso que importa.
Um grande abraço!
Caro José,
ResponderEliminarBem haja pelo que me diz!
Olhe..., resta-nos, e não é pouco!, continuar a tentar correr com esses velhos do restelo, medíocres, rancorosos (o Soares tem toda a razão!), em suma, um atraso de vida!
Já estamos noutro dia e toca a trabalhar para a limpeza geral e um Portugal melhor!
Abraço forte.