domingo, 30 de janeiro de 2011

A palavra traída

O que vale o que se diz?


Ao princípio era o verbo. E a palavra revela e, revelando, cria.

O sentido hebraico de palavra, diverso da abstracção do “logos” grego, envolve quem a profere.

O maravilhoso Evangelho de João diz, à abertura: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus”.

A palavra é sagrada.

Assim, os que iam às feiras mercavam sob palavra. Ela bastava, porque trazia consigo cada um e a honra de cada um.

Tolstoi, refere Ivan Bounine, no apaixonante ensaio “La délivrance de Tolstoi”, (l’ oeuvre éditions, 2010), escreveu, a propósito de “Guerra e Paz”: “O herói do meu livro, aquele que amo com todas as forças da minha alma e me esforcei por apresentar em todo esplendor da sua beleza é a verdade. (...) a única coisa indispensável na vida e na arte: não mentir”.

A verdade é a honra e a excelência da alma.

Se um homem acredita noutro, é porque respeita, nele, a integridade, que aponta à honradez e à virtude. Ouvindo-o e medindo as suas palavras, confia ou não confia. Apercebe-se de que o outro se apresenta ou se esconde por trás do que diz.
Durante a algazarra das eleições, quantos se fiaram do que ouviam? E, agora, são legião os incrédulos que pesam e repesam as declarações e opiniões sobre o estado do país e o correr da crise. Que verdade há nesse discurso? Tantas contradições, tantos embustes!

O descrédito da palavra alastra e separa os homens. E a pólis, a cidade, rompe-se, mutila-se, estilhaça-se, transformada em campo gretado onde vagueiam pessoas incomunicáveis e desamparadas. Ninguém acredita em ninguém. Traíram a palavra.
O homem estiola, sozinho, arde no individualismo e egoísmo estéreis, falsas tábua de salvação.

2 comentários:

  1. Beleza foi o que eu vi neste post, desde o Evangelho de João a Tolstoi, afirmando a verdadeira pobreza a que o homem pode chegar por não usar a verdade!
    Bom Domingo!

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  2. Já está a acabar o Domingo, que foi bom,e só agora lhe venho agradecer a atenção... Deculpe. Um abraço.

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