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domingo, setembro 07, 2025

A família de Jim Jarmusch vence em Veneza

O júri da 82ª edição do Festival de Veneza, presidido por Alexander Payne, consagrou o filme Father Mother Sister Brother, de Jim Jarmusch, com o Leão de Ouro — eis um pequeno apontamento familiar.

domingo, março 09, 2025

No Other Land
— ou o que podemos fazer?

Yuval Abraham e Basel Adra: notícias da Cisjordânia

Foi distinguido no Festival de Berlim, nos Prémios do Cinema Europeu e nos Oscars (em todos os casos, com o prémio de documentário): No Other Land é uma invulgar experiência de cinema documental, assinada por um colectivo israelo-palestiniano — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 fevereiro, antes da cerimónia dos Oscars).

Que dizer de um filme como No Other Land (disponível na plataforma Filmin)? Como dar conta da saga de dois amigos, Basel Adra e Yuval Abraham, observando as tragédias vividas na Cisjordânia, na região de Masafer Yatta, com as tropas israelitas a destruir as aldeias palestinianas porque aquela passou a ser uma “zona” de operações militares?
Na sua energia humanista, o filme tornou-se um genuíno acontecimento global, acumulando distinções nos mais diversos contextos — por exemplo, no Festival de Berlim e nos Prémios do Cinema Europeu, estando nomeado para o Oscar de Melhor Documentário. Que dizer e, sobretudo, como dizê-lo? Talvez começando por reconhecer a dialéctica, aprendida com Jean-Luc Godard, que nos leva a pensar as relações entre o nosso “aqui” [ici] e o “algures” [ailleurspara que as imagens nos convocam.
Com maior ou menor consciência do facto, somos diariamente expostos a imagens do conflito israelo-palestiniano, em particular dos cenários devastados de Gaza. São imagens quase sempre organizadas em função dos códigos dominantes no espaço televisivo: breves, aceleradas, conduzidas por uma voz off que funciona como um texto autónomo que afirma o seu poder determinista, no limite menosprezando qualquer relação cognitiva com o que está a ser mostrado.
A versão mais obscena de tudo isto acontece, também diariamente, quando as televisões colocam três ou quatro comentadores em pequenos ecrãs dentro do ecrã geral, ao mesmo tempo que, ao lado, surge um clip muito breve que passa em loop, como um gif da Internet. Basta alimentar a ilusão de que se está a mostrar alguma “coisa” — aliás, a repetição sonâmbula das imagens só pode favorecer a indiferença dos olhares. Para lá da seriedade de quem as enuncia, as “análises” criam um ziguezague, também ele em loop, até que o relógio imponha a entrada do próximo intervalo para publicidade.
Há uma maneira simples, certamente política, de definir o poder cultural deste tipo de (des)informação. A saber: somos convocados para aceitar um sistema narrativo, acelerado, tendencialmente sensacionalista, que menospreza todos os valores herdados do classicismo cinematográfico. São eles: a exigência de escolher imagens pertinentes; o cuidado com a ligação de uma imagem com outra imagem (montagem), de modo a favorecer algum modo de sistematização cognitiva; enfim, a preservação de uma duração de percepção (e escuta) que não favoreça os esquematismos panfletários e as chantagens militantes.
 

Basel e Yuval cruzam-se nas convulsões de uma história que conhecem de modos inevitavelmente diferentes. O primeiro é palestiniano e, enquanto jornalista, tem vivido uma existência de activista que se exprime através de dramáticas memórias familiares, tanto quanto da observação, por vezes em sério risco de vida, da destruição de casas e escolas (até mesmo de uma casa de banho...). O segundo, também jornalista, é israelita e tem-se empenhado em documentar e divulgar as formas de violência usadas pelas entidades israelitas naquelas paragens. Sem esquecer que No Other Land nasce de uma realização assinada por um colectivo israelo-palestiniano, envolvendo, além de Basel e Yuval, Hamdan Ballat e Rachel Szor.
Que podemos fazer?
A pergunta, formulada à distância, pode ser minha ou do leitor. Em boa verdade, é a pergunta que Basel e Yuval partilham numa desencantada conversa próximo do final do filme, reconhecendo que não têm uma resposta concisa — por alguma razão, o seu filme não se apresenta como uma “tese” sobre o conflito israelo-palestiniano, mas sim um documento sobre as pessoas e as casas de Masafer Yatta.
A certa altura, num diálogo recheado de humor durante uma viagem de automóvel, Basel diz a Yuval que ele está, talvez, demasiado “entusiasmado”. Porquê? Porque Yuval, algo desiludido com as poucas visualizações do seu mais recente artigo, julga que pode chegar a Masafer Yatta e “resolver tudo em dez dias”... Em tom obviamente mais sério, encontramos um eco disso mesmo nas palavras que Yuval profere num debate num canal televisivo israelita: “Como israelita, é para mim muito importante sublinhar que não creio que possamos ter segurança enquanto os palestinianos não tiverem liberdade.”
No Other Land envolve uma chamada de atenção implícita para dois esquematismos que, desgraçadamente, têm vida fácil em alguns aparatos televisivos: o primeiro desses esquematismos transforma o horror da destruição em Gaza numa forma de apagamento da infâmia criminosa do Hamas e outros grupos terroristas; o segundo confunde a crítica metódica do actual governo de Israel com o esvaziamento factual e simbólico da história da própria nação israelita. Resumindo: No Other Land é um filme que, mesmo no seu cristalino cepticismo, nos ajuda a resistir à formatação simplista das imagens que nos rodeiam.

>>> 2 março 2025: o Oscar para No Other Land.


>>> Basel Adra e Yuval Abraham no New York Film Festival (2024), em conversa com o programador Justin Chang.
 

domingo, março 02, 2025

OSCARS — os velhos e os novos

Com Fernanda Torres nomeada para melhor actriz, Ainda Estou Aqui
é o primeiro filme em língua portuguesa nomeado para o Oscar de melhor filme internacional

Como sempre, o panorama das nomeações para os Oscars inclui filmes ou personalidades que conseguem o que nunca ninguém conseguiu ou, pelo menos, raramente acontece — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 fevereiro).

Para além da novidade absoluta que é a transmissão da cerimónia do Dolby Theatre em streaming (Disney+), a edição deste ano dos Oscars entra na história através de várias outras proezas protagonizadas por jovens e veteranos. Eis um top 10:

1 — presente em 13 categorias, o filme francês Emilia Pérez bateu o recorde de nomeações para uma produção em língua não inglesa; o anterior recorde, com 10 nomeações, pertencia a O Tigre e o Dragão (2000), em representação de Taiwan.

2 — pela primeira vez, há dois filmes — Emilia Pérez e Ainda Estou Aqui (Brasil) — nomeados nas categorias de melhor filme e melhor filme internacional.

3 — Ainda Estou Aqui é o primeiro título em língua portuguesa a ser nomeado para melhor filme.

4 —
Flow - À Deriva, produção da Letónia, é o segundo título a ser nomeado para melhor filme de animação e melhor filme internacional; o primeiro foi Flee – A Fuga (2021), em representação da Dinamarca.

5 — a produção australiana Memórias de um Caracol é o segundo título com classificação etária “R”, nos EUA (maiores de 17 anos), a obter uma nomeação para melhor filme de animação; o primeiro foi Anomalisa (2015).

6 — os cinco nomeados para melhor realização — Sean Baker, Brady Corbet, James Mangold, Jacques Audiard e Coralie Fargeat — são estreantes nessa categoria; não acontecia desde 1998.

7 — nomeado aos 29 anos, Timothée Chalamet (A Complete Unknown) é o mais jovem intérprete depois de James Dean, em 1957, a obter duas nomeações para melhor actor; Chalamet tinha sido nomeado por Chama-me pelo teu Nome (2017); as nomeações de Dean, por A Leste do Paraíso e Gigante, foram ambas póstumas.

8 — Karla Sofia Gascón (Emilia Pérez) é a primeira pessoa transgénero a ser nomeada numa categoria de interpretação (melhor actriz).

9 — todos os títulos com intérpretes nomeadas para melhor actriz estão também nomeados na categoria de melhor filme; não acontecia desde 1978.

10 — Andy Nelson, nomeado, por Wicked, na categoria de melhor som, obtém assim a sua 25ª nomeação; entre as pessoas vivas, só o compositor John Williams supera esse número (com 54 nomeações).

Resta dizer que nenhum título tem nomeações que lhe permitam arrebatar o chamado “quinteto mágico”, ou seja, vencer nas categorias de melhor filme, melhor realizador, melhor actor, melhor actriz e melhor argumento (original ou adaptado). Na história das 97 edições dos Oscars, só três filmes conseguiram tal proeza: Uma Noite Aconteceu (1934), Voando sobre um Ninho de Cucos (1975) e O Silêncio dos Inocentes (1991) — vale a pena recordar algumas das suas imagens.





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OSCARS — o que é (ou pode ser)
o Melhor Filme Internacional?

Nos Oscars, não há dúvida que a categoria de Melhor Filme Internacional é uma das mais ricas, e também mais sedutoras. Isto apesar de continuar a haver algum debate — até mesmo no interior da Academia — sobre os critérios de seleção, a cargo dos respectivos países, envolvendo a questão (muitas vezes ambígua) da língua falada em cada um dos possíveis candidatos.
Porque não formar no interior da Academia uma comissão que, em função da diversidade das obras de cada ano, sem esquecer a sua exposição internacional, tenha também uma palavra a dizer na selecção dos títulos que podem chegar a uma nomeação? Essa é uma das hipóteses formulada por Alissa Wilkinson, do grupo de críticos do New York Times — vale a pena escutar.
 

OSCARS
— à procura da juventude perdida

A 97ª edição dos Oscars (na madrugada de domingo para segunda-feira) vai eleger os melhores da produção cinematográfica de 2024 num clima de algum suspense: na maior parte das categorias, está tudo em aberto e não se vislumbram vencedores “antecipados”. Novidade absoluta será Conan O’Brien na condição de apresentador da cerimónia — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 fevereiro).

Desta vez, as expectativas em relação aos Oscars estão baralhadas. Não há vencedores “antecipados” na 97ª edição dos prémios mais lendários do mundo do cinema. As tradicionais especulações em torno das distinções já atribuídas, em particular pelas associações profissionais (“guilds”) de Hollywood, não definem tendências claras. As dúvidas serão esclarecidas na cerimónia do Dolby Theatre, ao fim da tarde de domingo em Los Angeles — entre nós, na madrugada de domingo para segunda-feira, com transmissão na RTP1 (a partir da meia-noite) e na plataforma Disney+.<br>
Podemos resumir as expectativas através das surpresas dos prémios mais recentes. Depois de produtores e realizadores terem consagrado Anora, o filme de Sean Baker que ganhou notoriedade com a Palma de Ouro de Cannes/2024, o Screen Actors Guild (sindicato dos actores) escolheu Timothée Chalamet como melhor actor em A Complete Unknown, atribuindo o prémio de melhor elenco a Conclave, o drama vivido no interior do Vaticano — muitas vezes, o vencedor deste prémio tem arrebatado o Óscar de melhor filme...
Uma coisa é certa: a cerimónia não estará assombrada pela sensação de uma “confirmação” de prémios já atribuídos por outras entidades. Há mesmo duas componentes que podem favorecer alguma revitalização mediática, ajudando a recuperar pelo menos uma parte das audiências perdidas nos últimos anos: a primeira é a estreia de Conan O’Brien como apresentador, por certo rentabilizando o seu “know how” de muitos anos de televisão; a segunda é a novidade dos Oscars como conteúdo de “streaming”.

Chalamet e os outros


No papel de Bob Dylan, recriando as convulsões artísticas e políticas da década de 1960, Timothée Chalamet, nomeado para melhor actor, emerge como marca de uma ideia de juventude que circula por vários filmes nomeados — sem esquecer que, também em A Complete Unknown, encontramos Monica Barbaro, interpretando Joan Baez, nomeada para melhor actriz secundária.
Sem ceder aos lugares-comuns “juvenis” que circulam pelo espaço mediático, sobretudo televisivo, importa reconhecer que estes Oscars são sensíveis à necessidade de renovação de rostos e símbolos. Assim, por exemplo, em A Substância a veterana Demi Moore é, segundo muitos analistas americanos, favorita como melhor actriz, mas na mesma categoria encontramos a jovem Mikey Madison, nomeada por Anora. A par, por exemplo, de uma vedeta do mundo da música como Ariana Grande, em Wicked, nomeada para melhor actriz secundária. Nesta lista faz ainda sentido colocar Brady Corbet, não só porque era encarado como um independente quase marginal, mas também porque, com O Brutalista, o seu nome está em três nomeações (argumento original, realização e, na qualidade de coprodutor, melhor filme do ano).
Aliás, pelo menos na primeira fase da temporada dos prémios, O Brutalista pareceu emergir como sério candidato ao Oscar máximo, tendo em conta que o retrato do arquitecto que sobreviveu ao Holocausto (Adrien Brody, nomeado para melhor actor) relança a possibilidade de reencontrar o fulgor das sagas históricas da década de 1960. Tal expectativa envolve também esse desejo, que continua a circular em Hollywood, de reconstruir alguns dos géneros mais populares dos seus tempos clássicos.
Nesta perspectiva, Wicked ocupa também um lugar especial, já que refaz a ideia mais ou menos nostálgica segundo a qual continua a ser possível recuperar a energia (industrial e comercial) que distinguiu o género musical nas décadas douradas de 1940/50. De todos os nomeados na categoria de melhor filme, Wicked ostenta mesmo o rótulo de recordista nas bilheteiras, logo seguido de Dune – Parte Dois; mais ainda: ambos integram o top 10 de sucessos de 2024, liderado por Divertida Mente 2, um dos candidatos ao Oscar de melhor filme de animação.

Lugar aos estrangeiros

Nos últimos anos, na sequência de múltiplas polémicas, a Academia de Hollywood — cuja designação oficial é, de facto, Academia das Artes e Ciências Cinematográficas — tem vivido um importante processo de reconversão interna. Desde logo, aumentando significativamente o número dos seus membros (mais 928, só no ano de 2018) e, nessa medida, favorecendo uma maior diversificação de género, idade e origem. Segundo números oficiais de finais de 2024, a Academia passou a ter 10.894 membros, dos quais 9.905 votam nos Oscars.
Na prática, pode dizer-se que, para lá da entrada de muitos novos membros dos EUA (sim, é verdade: incluindo Billie Eilish!), a Academia abriu as portas aos estrangeiros, gerando uma nova dinâmica de internacionalização das estruturas cinematográficas americanas. Pormenor sintomático: a partir dos Oscars atribuídos em 2020, a categoria de melhor filme estrangeiro passou a designar-se melhor filme internacional — acabou por ser o ano em que, pela primeira vez, um título não em língua inglesa, o sul-coreano Parasistas, arrebatou a estatueta dourada de melhor filme (vencendo também na categoria de melhor filme internacional).
Este ano, uma vez mais, o panorama é revelador de tal conjuntura, com grande evidência para títulos como o brasileiro Ainda Estou Aqui ou o francês Emilia Pérez. Aliás, essa internacionalização inclui um inevitável simbolismo político quando A Semente do Figo Sagrado, do iraniano Mohammad Rasoulof, autor várias vezes condenado pelas autoridades do seu país, surge nas nomeações para melhor filme internacional com a chancela de outro país ligado à sua produção, isto é, a Alemanha (onde Rasoulof se exilou). Tudo isto não pode ser desligado do facto de, depois de muitas polémicas conceptuais e orçamentais, o Museu da Academia (Academy Museum of Motion Pictures) ser, desde 2021, um símbolo imponente de uma entidade que quer manter e reforçar o seu lugar na história do cinema, quer como defensora do património fílmico, quer através de um papel activo na discussão do futuro dos filmes. No domingo à noite, em Los Angeles, é também disso que se fará o espectáculo.

10 nomeados para o Oscar de Melhor Filme

Será hoje, 2 de março, a partir da meia-noite (RTP 1 e Disney+). São estes os 10 títulos que podem ganhar o Oscar de Melhor Filme de 2024 — indica-se o número total de nomeações e as categorias em que estão presentes (além da categoria principal).
 
* EMILIA PEREZ (13):
realização, actriz, actriz secundária, argumento adaptado, filme internacional, música,
canção (2 nomeações), som, fotografia, caracterização, montagem.

* O BRUTALISTA (10):
realização, actor, actor secundário, actriz secundária, argumento original,
música, cenografia, fotografia, montagem.

* WICKED (10):
actriz, actriz secundária, música, som, cenografia, caracterização,
guarda-roupa, montagem, efeitos visuais.

* A COMPLETE UNKNOWN (8):
realização, actor, actor secundário, actriz secundária, argumento adaptado, som, guarda-roupa.

* CONCLAVE (8):
actor, actriz secundária, argumento adaptado, música, cenografia, guarda-roupa, montagem.

* ANORA (6):
realização, actriz, actor secundário, argumento original, montagem.

* DUNE – PARTE DOIS (5):
som, cenografia, fotografia, efeitos visuais.

* A SUBSTÂNCIA (5):
realização, actriz, argumento original, caracterização.

* AINDA ESTOU AQUI (3):
actriz, filme internacional.

* NICKLE BOYS (2):
argumento adaptado.
__________________________________________________

>>> Video da apresentação ofcial das nomeações (23 janeiro).
 

segunda-feira, fevereiro 24, 2025

Jane Fonda:
celebração de carreira nos prémios SAG

A 31ª edição dos prémios do sindicato dos actores americanos — Screen Actors Guild — consagrou Jane Fonda. Ao receber o prémio de carreira, a actriz duas vezes oscarizada — em 1972 e 1979, respectivamente com Klute e O Regresso dos Heróis — proferiu um discurso brilhante. Vale a pena ver e ouvir com atenção: nas suas palavras encontramos um amor radical pela arte de representar e também, inseparavelmente, uma consciência aguda da dimensão política de um labor que passa sempre pela tentativa de não simplificar a complexidade do outro.


>>> Dois clips: Klute (1971), de Alan J. Pakula (com Donald Sutherland) + O Regresso dos Heróis (1978), de Hal Ashby (com Jon Voight).
 



>>> Site oficial de Jane Fonda.

terça-feira, janeiro 09, 2024

As músicas dos Globos de Ouro

A vaga mediática e populista de Barbie não encontrou eco na 81ª cerimónia dos Globos de Ouro da HFPA [Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood]. Oppenheimer foi o grande vencedor da noite, com prémios em cinco categorias, incluindo a de melhor filme/drama — as outras foram realizador (Christopher Nolan), actor/drama (Cillian Murphy), actor secundário (Robert Downey Jr.) e música (Ludwig Göransson).
O compositor sueco Ludwig Göransson ganhou, assim, o seu primeiro Globo, ele que já foi "oscarizado" uma vez, graças à banda sonora de Black Panther — vale a pena escutar um dos temas de Oppenheimer (What We Have Done). Acrescentando, já agora, o melhor de Barbie: a belíssima canção What Was I Made For?, de Billie Eilish, composta por ela e o seu irmão, Finneas O'Connell — ganhou o Globo de melhor canção.
 


domingo, fevereiro 26, 2023

Ice Merchants distinguido
nos prémios Annie

Ice Merchants obteve mais um prémio internacional, desta vez nos Annie, atribuídos pela ASIFA-Hollywood, entidade não lucrativa de promoção do cinema de animação. O filme de João Gonzalez foi consagrado como melhor curta-metragem, numa noite em que o principal vencedor foi Pinóquio, de Guillermo del Toro [trailer], com cinco prémios, incluindo melhor longa-metragem e melhor realização.
Recorde-se que Ice Merchants está nomeado para o Oscar de melhor curta de animação — os prémios da Academia de Hollywood serão entregues no dia 12 de março.

segunda-feira, maio 30, 2022

Cannes, Ostlund e o resto

Ruben Östlund
[FOTO: Jean-Louis Hupé / FDC]

Como se prova, a demagogia compensa...
Aliás, pedindo desculpa pela ironia sedutora, ainda que inconsequente, importa reconhecer que o mundo do cinema, de quem o faz a quem o comenta, de quem o produz a quem o difunde, vive marcado por clivagens radicais.
Mais exactamente, do meu ponto de vista, considero que o júri do Festival de Cannes, presidido por Vincent Lindon, atribuiu a Palma de Ouro a um filme medíocre (Triangle of Sadness, de Ruben Östlund), alicerçado num vazio de ideias cinematográficas, disfarçado com um velho cliché moralista: representar os ricos através de caricaturas escatológicas, eis o que basta para construir um meritório discurso político e, como parece ser reconhecido por muitas pessoas respeitáveis, elaborar uma importante declaração cultural...
Para a história, será útil registar também alguns dos títulos que Lindon e os seus pares acharam por bem não premiar — este texto está publicado no Diário de Notícias (29 maio), com o título 'Ruben Östlund ganhou segunda Palma de Ouro'.

Nas previsões que agitaram os dias finais de Cannes, antes da cerimónia de entrega de prémios da 75ª edição do maior festival de cinema do mundo (sábado, ao começo da noite), dir-se-ia que havia uma divisão entre os “humanistas”, celebrando as emoções à flor da pele de Close, do belga Lukas Dhont, e os “experimentalistas”, apaixonados por Pacifiction, parábola política do catalão Albert Serra.
Feitas as contas, nenhuma das tendências viu satisfeitas as suas escolhas pelo júri presidido pelo actor francês Vincent Lindon: a Palma de Ouro foi para Triangle of Sadness, realização do sueco Ruben Östlund resultante de uma coprodução internacional (Suécia/França/Alemanha/Reino Unido/EUA). Para a história, ele entra na galeria dos “repetentes” da Côte d’Azur, uma vez que já tinha arrebatado a Palma de Ouro em 2017, com O Quadrado.
Como Östlund disse no seu agradecimento, Triangle of Sadness nasceu do propósito de “fazer um filme que interesse o público, que o provoque e faça reflectir.” E só lhe poderemos dar razão: tendo em conta que o capítulo central encena um cruzeiro de luxo que tem como momentos emblemáticos uma sinfonia de vómitos dos passageiros e a explosão dos canos de esgoto do barco, convenhamos que o filme consegue fazer-nos reflectir sobre o que significa, afinal, ser consagrado com o prémio máximo de Cannes…
Close
recebeu o Grande Prémio (nº 2 na hierarquia do palmarés), “ex-aequo” com o policial Stars at Noon, produção falada em inglês dirigida pela francesa Claire Denis. Também repartido foi o Prémio do Júri, atribuído a EO, do polaco Jerzy Skolimowski, e Le Otto Montagne, do casal belga Félix Van Groeningen/Charlotte Vandermeersch, adaptando o romance do italiano Paolo Cognetti (editado no mercado português).
Apesar de tudo, esta “duplicação” parece reflectir a vontade de distinguir duas abordagens singulares das relações entre seres humanos e natureza. No caso de EO, tais relações passam pela personagem de um burro — o título é uma onomatopeia do seu zurrar —, valendo a Skolimowski o momento mais saboroso e descomplexado da cerimónia, fazendo questão em identificar pelos nomes os seis animais que interpretaram a sua personagem: “Quero agradecer aos meus burros” (e despediu-se com uma impecável imitação da voz do animal).
A escolha de dois dos premiados terá envolvido uma clara mensagem política. Assim, a iraniana Zar Amir-Ebrahimi foi distinguida como melhor actriz em Holy Spider, de Ali Abbasi, inspirado no caso verídico de um “serial killer” da cidade de Mashhad que escolhia as suas vítimas entre prostitutas da rua — como ela referiu, para lá odisseia profissional e emocional que o projecto envolveu, este é um filme “impossível de mostrar no Irão”. Por sua vez, Tarik Saleh ganhou o prémio de argumento com Boy from Heaven (que também realiza): retratando um caso de fundamentalismo religioso no Egipto, Saleh, nascido na Suécia, de pai egípcio, lembrou que ele próprio está impedido de ir ao seu “segundo país” (o Egipto, precisamente).
Imprevisto também terá sido o prémio de realização para o coreano Park Chan-wook, por Decision to Leave, um policial marcado por desmedidas ambições formalistas. Enfim, surpresa total foi o Prémio Especial do 75º Aniversário (não estava anunciado), dado a Tori e Lokita, mais um drama subtil dos irmãs Dardenne, da Bélgica. Ainda para a história, Vincent Lindon e os seus jurados deixaram de fora os filmes de David Cronenberg, Arnaud Desplechin, Cristian Mungiu, Saeed Rustaee, Léonor Seraille, Kirill Serebrennikov e Valeria Bruni Tedeschi… Não era fácil, mas conseguiram.

sexta-feira, março 04, 2022

A caminho dos Oscars

Adriana De Bose em West Side Story:
a caminho do Oscar de melhor actriz secundária

Os prémios da Academia de Hollywood serão entregues a 27 de março. Com 12 nomeações, O Poder do Cão lidera a corrida aos Oscars referentes à produção de 2021, num ano em que, curiosamente, vários filmes, a começar por West Side Story, são testemunho de uma invulgar riqueza musical — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 fevereiro), com o título 'Os Oscars têm uma música própria'.

Música, eis a questão. Nas nomeações dos Oscars referentes à produção de 2021 encontramos, por exemplo: Billie Eilish, candidata na categoria de melhor canção, com No Time to Die, tema-título do último filme de James Bond (composto com o irmão, Finneas O’Connell). Ou ainda o baterista da banda The Roots, Questlove: o seu Summer of Soul, dando nova vida aos registos do Harlem Cultural Festival de 1969, surge entre os que podem ganhar a categoria de melhor documentário. Isto sem esquecer que Jonny Greenwood, membro dos Radiohead, volta a integrar os nomeados a melhor banda sonora graças à sua partitura para O Poder do Cão, de Jane Campion.
É caso para dizer que ecoa, aqui, uma música muito própria, de tal modo os prémios da Academia de Hollywood conseguem congregar aquela que é a maior estrela pop da actualidade, Billie Eilish, claro, com memórias do património musical afro-americano e o experimentalismo de Greenwood. Foi ele que compôs também a música de Spencer, de Pablo Larraín, porventura o mais “esquecido” dos grandes filmes de 2021, embora esteja representado por uma nomeação, na categoria de melhor actriz, para a admirável Kristen Stewart.
Enfim, não esqueçamos a renovada presença de Steven Spielberg. O seu West Side Story, com sete nomeações, possui o fulgor de um verdadeiro panfleto — musical, justamente. A recriação da obra de Leonard Bernstein e Stephen Sondheim — que deu origem ao primeiro West Side Story (1961), assinado por Robert Wise e Jerome Robbins — repõe na linha da frente um género nem sempre muito reconhecido na história moderna dos Oscars. E se é verdade que todas as apostas são sempre um exercício superficial, por vezes fútil, não é menos verdade que podemos supor que na comunidade de Hollywood todos ou quase todos acreditam que Ariana DeBose, a “Anita” escolhida por Spielberg, tem garantida a estatueta de melhor actriz secundária.
Enfim, a musicalidade de tudo isto não esgota a sedutora pluralidade das nomeações, este ano com um luso-canadiano também em destaque: graças ao seu excelente trabalho em Nightmare Alley, de Guillermo Del Todo, Luís Sequeira é um dos candidatos ao Oscar de melhor guarda-roupa. E também não diminui, de modo algum, a proeza de O Poder do Cão, líder na estatística das nomeações: encontramo-lo em nada mais nada menos que 12 categorias, incluindo, além de melhor filme, as de realização, actor (Benedict Cumberbatch), actor secundário (duas vezes: Jesse Plemons e Kodi Smit-McPhee) e actriz secundária (Kirsten Dunst). Uma coisa é certa: nenhum filme tem nomeações que lhe permitam obter o “quinteto dourado” dos Oscars — filme+realização+actor+actriz+ argumento —, essa conjugação mágica que só aconteceu três vezes (a última data de 1992, com a consagração de O Silêncio dos Inocentes).
Aliás, O Poder do Cão pode simbolizar também as evidências e ambivalências do confronto que, de uma maneira ou de outra, passou a marcar todo o território cinematográfico. A saber: a tensão entre o circuito tradicional das salas e as plataformas de “streaming”. Assim, O Poder do Cão é o emblema perfeito da produção multifacetada da Netflix e da sua ambição (muito legítima, entenda-se) de conseguir, finalmente, arrebatar o Oscar de melhor filme.
Até ao dia da cerimónia destes 94ºs prémios das Academia (27 de março), iremos, por certo, compreendendo melhor o modo como estas nomeações reflectem o estado convulsivo, afinal eminentemente criativo, em que vive a produção cinematográfica. Inclusive nas suas curiosas “contradições”. Exemplo? Repare-se no quinteto de nomeadas para o Oscar de melhor actriz: Jessica Chastain (The Eyes of Tammy Faye), Olivia Colman (A Filha Perdida), Penélope Cruz (Mães Paralelas), Nicole Kidman (Being the Ricardos) e a já citada Kristen Stewart. Que têm em comum? Pois bem, nenhuma delas está nos dez títulos que concorrem para melhor filme — não é inédito, mas não acontecia há 16 anos.

segunda-feira, julho 19, 2021

"Titane", Palma de Ouro

O júri do 74º Festival de Cinema de Cannes, presidido por Spike Lee (com o rosto a dominar o cartaz), não receou consagrar um dos filmes mais ousados desta edição: Titane, uma fábula tecno-carnal, arrebatou a Palma de Ouro — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 julho).

Se “choque” foi uma palavra incontornável da 74ª edição do Festival de Cannes, dois filmes ilustraram os respectivos ecos mediáticos: Benedetta, em que Paul Verhoeven encena o amor de duas freiras na Itália do século XVII, e Titane, fábula terna e cruel de Julia Ducournau sobre uma jovem em cujas veias o vermelho do sangue foi substituído pelo negrume do óleo de motores de automóveis… O júri oficial, presidido pelo realizador americano Spike Lee, deixou de lado as atribulações do amor lésbico, escolhendo consagrar a fábula tecno-carnal de Ducourau: Titane ganhou a Palma de Ouro [video: conferência de imprensa da equipa do filme].
Se o mais importante fosse a logística de palco da cerimónia dos prémios, esta edição festiva de Cannes (depois da interrupção forçada de 2020) ficaria como um desastre apoteótico. A começar pelo facto de Spike Lee, muito à vontade e sempre bem disposto, com um exuberante fato colorido, se preparar para anunciar a Palma de Ouro (o prémio final, como manda a tradição) logo a abrir a cerimónia… De tal modo que outro membro do júri, o actor francês Tahar Rahim, achou por bem abandonar o seu lugar, sentando-se ao lado do presidente de modo a garantir a boa prossecução dos trabalhos — tudo em ambiente de contagiante boa disposição, há que reconhecer.
Titane
é um objecto de inclassificável fascínio, mesmo se nele podemos reconhecer influências mais ou menos ligadas ao género de terror: a própria Julia Ducournau não se cansa de referir a sua dívida artística para com David Cronenberg. Aliás, a história da jovem que tem uma placa de titânio na cabeça (na sequência de um acidente de automóvel, ainda criança) envolve uma contaminação entre corpo e metal que suscitou muitas comparações com Crash, de Cronenberg (prémio especial do júri em Cannes/1996).
Com a sua ambiência de conto fantástico fabricado através de um realismo delirante dos corpos e da pele, Titane ficou como afirmação festiva de um cinema que não renega, mas dispensa, as regras da dramaturgia clássica. Nesta perspectiva, talvez se possa dizer que outros títulos também ligados a um certo mal estar de “civilização”, como Tre Piani, de Nanni Moretti, ou Tout S’Est Bien Passé, de François Ozon, terão ficado fora do palmarés devido às suas narrativas mais “tradicionais”.
Sublinhando as singularidades da sua heroína, Julia Ducournau agradeceu o prémio lembrando a importância de combater as “barreiras da normalização que nos encerram e separam”, formulando o desejo de “um mundo mais inclusivo e mais fluido.” Deixando também a palavra de ordem da noite (e de todo o festival): “Obrigado ao júri por ter deixado entrar os monstros.”
As distinções “ex-aequo” (Grande Prémio e Prémio do Júri) fazem supor que os jurados terão tido alguma dificuldade em estabelecer consensos, mesmo se podemos compreender os ecos simbólicos das suas distinções. Assim, o tailandês Apichatpong Weerasethakul lembrou a importância de, em conjuntura pandémica, os governos “acordarem e agirem pelas suas populações” (referindo-se à Tailândia e também à Colômbia, onde o seu filme foi rodado), enquanto o iraniano Asghar Farhadi falou mesmo em “salvar o meu país e acordar as consciências”.
Foi, enfim, uma cerimónia cujas mensagens foram mais fortes que as atribulações de encenação. Ao apresentar o Grande Prémio, Oliver Stone deixou uma dessas mensagens, das mais claras e também das mais urgentes para uma vida mais saudável, quer no plano cultural, quer em termos económicos, de todo o planeta do cinema. A saber: em Cannes foi possível ver o que realmente interessa, isto é, “filmes que não são escritos por algoritmos.”


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PALMARÉS

Palma de Ouro
TITANE, Julia Ducournau

Grande Prémio (ex-aequo)
UN HÉROS, Asghar Farhadi
COMPARTIMENT Nº6, Juho Kuosmanen

Prémio do Júri (ex-aequo)
LE GENOU D'AHED, Nadav Lapid
MEMORIA, Apichatpong Weerasethakul

Realização
Leos Carax (ANNETTE)

Actor
Caleb Landry Jones (NITRAM)

Actriz
Renate Reinsve (JULIE (EN 12 CHAPITRES))

Argumento
Riusuke Hamaguchi (DRIVE MY CAR)

Palma de Ouro (curtas)
TOUS LES CORBEAUX DU MONDE, Yi Tang

Câmara de Ouro
MURINA, Antoneta Kusijanovic

sexta-feira, maio 21, 2021

O mundo (não) é a preto e branco

Erik Messerschmidt

O Oscar para Erik Messerschmidt, pela fotografia de Mank, fica para a história como uma referência marcante dos prémios de 2021 da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 abril).

O Oscar de melhor fotografia para Erik Messerschmidt, pelo filme Mank, distinguiu aquele que é, por certo, um dos mais prodigiosos trabalhos de imagem que o cinema gerou neste século XXI. Trata-se de uma proeza tanto mais admirável quanto resolve uma insólita “quadratura da círculo”: a recriação de um “look” ligado às películas e ao cinema de Hollywood das décadas de 30/40 — revisitando os bastidores de O Mundo a Seus Pés, o clássico de Orson Welles estreado em 1941 —, utilizando agora algumas das mais modernas e sosfisticadas câmaras digitais (RED).
Com um pormenor que quem viu o filme não poderá deixar de valorizar: a direcção fotográfica de Messerschmidt tem como pressuposto criativo e simbólico o “reencontro”, precisamente, com o visual de O Mundo a Seus Pés. Entenda-se: através de imagens a preto e branco.
Dá que pensar que uma das marcas do classicismo de Hollywood, a fotografia a preto e branco, tenha sido recuperada, em anos recentes, por dois títulos produzidos por uma plataforma de streaming (Netflix): primeiro, Roma (2018), realizado e fotografado por Alfonso Cuarón, e agora Mank. Com a particularidade de ambos terem sido distinguidos nessa mesma categoria.
Aliás, a estatística revela-nos um daqueles curiosos fenómenos que, infelizmente, nunca adquire valor mediático. Assim, até à produção de 1966, inclusive, a Academia de Hollywood atribuiu dois Oscars de fotografia, a preto e branco e a cores — o derradeiro vencedor na categoria a preto e branco foi Haskell Wexler, por Quem Tem Medo de Virginia Woolf?. Depois disso, antes de Roma (portanto, ao longo de 52 anos), apenas Janus Kamisnki tinha ganho um Oscar pelas imagens de um filme a preto e branco: A Lista de Schindler (1993). Pelo meio, ficou uma excepção paradoxal: O Artista (2011), a preto e branco, foi eleito melhor filme, mas não recebeu o Oscar de fotografia, embora estivesse nomeado na respectiva categoria.
Em 1947, 88 por cento da produção de Hollywood era filmada a preto e branco. Em 1954, numa altura em que os novos “formatos largos” (CinemaScope) funcionavam como arma concorrencial face à televisão, os filmes a cores já eram mais de metade. Mais tarde, o novo-riquismo associado ao período de vulgarização dos televisores a cores, levou muitos espectadores a interiorizar um preconceito que ainda dura: o preto e branco seria um percalço criativo e, pior um pouco, a expressão de uma insuperável indigência técnica…
Ao mesmo tempo, importa reconhecer que a multiplicação de reposições de filmes em cópias restauradas (sendo o mercado português um bom exemplo) tem contribuído para devolver aos filmes a preto e branco, não apenas a dignidade artística, mas também o seu lugar emblemático na história global do cinema. Como se prova, esse lugar continua a ser ocupado por notáveis formas de tratamento das imagens a preto e branco. Neste caso, falta o mercado corresponder à actualidade. Como? Por exemplo: organizando a reposição de O Mundo a Seus Pés.

segunda-feira, abril 26, 2021

"Nomadland" x 3

Três Oscars para o filme que ganha o prémio de melhor do ano — não é inédito, mas não é muito frequente. Seja como for, aconteceu com títulos tão famosos como Casablanca (1942) ou O Padrinho (1972). Dito de outro modo: a performance de Nomadland é também o reflexo de um ano em que a diversidade da integração se traduziu também na diversidade da premiação. Para a história, eis os filmes que ganharam mais do que uma estatueta dourada:

* 3 OSCARS

NOMADLAND
> filme
> realização: Chloé Zhao
> actriz: Frances McDormand

* 2 OSCARS

O PAI 
> actor: Anthony Hopkins
> argumento adaptado: Christopher Hampton e Florian Zeller

JUDAS AND THE BLACK MESSIAH
> actor secundário: Daniel Kaluuya
> canção: "Fight for You", H.E.R.

MA RAINEY: A MÃE DO BLUES
> caracterização e cabelos: Sergio Lopez-Rivera, Mia Neal e Jamika Wilson
> guarda-roupa: Ann Roth

MANK
> cenografia: Donald Graham Burt e Jan Pascale
> fotografia: Erik Messerschmidt

SOUL
> filme de animação: Pete Docter e Dana Murray
> música: Trent Reznor, Atticus Ross e Jon Batiste

SOUND OF METAL
> som: Jaime Baksht, Nicolas Becker, Philip Bladh, Carlos Cortés e Michelle Couttolenc
> montagem: Mikkel E. G. Nielsen

>>> Lista completa de vencedores no site da Academia de Hollywood.

segunda-feira, março 15, 2021

Nomeações para os OSCARS — em directo

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas disponibiliza, em directo, o anúncio das nomeações para os Oscars (que serão entregues em cerimónia agendada para o dia 25 de abril) — aqui está a ligação através do YouTube, a começar às 12h19 (hora portuguesa).

segunda-feira, março 01, 2021

Globos de Ouro & etc.

Quem ganhou os Globos de Ouro da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood? Lembremos apenas os dois principais vencedores:

* Melhor filme drama: NOMADLAND.
* Melhor filme musical/comédia: BORAT SUBSEQUENT MOVIEFILM.

> lista integral de vencedores no site da HFPA.

E agora?... Como preservar a lógica destas cerimónias num mundo compulsivamente online? A apresentação de Tina Fey e Amy Poehler (a primeira em Nova Iorque, a segunda em Los Angeles) teve qualquer coisa de festivo e desesperado [video]. Deixando uma perversa, mas didáctica, interrogação: será que a sua performance, esforçada e talentosa, corresponde ao canto do cisne de um modelo que o mundo virtual não consegue sustentar? Afinal de contas, numa das promoções do evento, Fey proclamava: "Se jogarmos bem os nossos trunfos, este poderá ser a última cerimónia de prémios de sempre!"

domingo, março 01, 2020

O iraniano Mohammad Rasoulof
vence Festival de Berlim

Berlim, 29-02-2020
Um cineasta e o seu prémio — eis uma foto de tocante energia simbólica: impedido de se deslocar a Berlim pelas autoridades do seu país, o iraniano Mohammad Rasoulof arrebatou o Urso de Ouro da 70ª edição do certame com There Is No Evil ["O mal não existe"], um conjunto de quatro histórias sobre a pena de morte no Irão [trailer].
Never Rarely Sometimes Always, de Eliza Hittman (EUA), recebeu o Grande Prémio do Júri, enquanto The Woman Who Ran valeu a Hong Sang-soo (Coreia do Sul) a distinção de melhor realizador — palmarés integral disponível no site do festival.

sexta-feira, fevereiro 28, 2020

Césars evocam Anna Karina

Hoje é dia dos Césars, os prémios anuais do cinema francês, atribuídos pela respectiva Academia. Por vezes referidos como os "Oscars franceses", inserem-se, na verdade, num contexto de produção (nacional e cultural) bem diverso, este ano assombrado por questões delicadas que vão desde o vazio criado pela demissão do conselho de administração da Academia até às polémicas em torno das nomeações atribuídas ao filme J'Accuse, de Roman Polanski (o cineasta anunciou, aliás, que não estará presente na cerimónia).
Seja como for, registe-se a singeleza do cartaz oficial dos Césars, homenageando Anna Karina, recentemente falecida — no meio das convulsões, há valores cinéfilos que resistem.

segunda-feira, fevereiro 10, 2020

"Parasitas" vence Oscars

Chegou a idade asiática de Hollywood. Contrariando a maior parte das previsões (finalmente, uns Oscars que não foram a reboque de muitos outros prémios...), o sul-coreano Parasitas conseguiu a proeza, a todos os títulos notável, de arrebatar um quarteto de luxo:

— filme
— realização
— argumento original
— filme internacional

Onde surgiu, então, O Irlandês, de Martin Scorsese? Pois bem, ficou ausente: 10 nomeações, zero Oscars (repetindo a performance do seu Gangs de Nova Iorque, em 2003). Fica, por isso, alguma amargura, mas é um facto que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood deu um curioso sinal de mudança através de um filme que, afinal, possui um apelo genuinamente universal — lista integral de prémios no site da Academia.

segunda-feira, fevereiro 03, 2020

O erro de Joaquin Phoenix

1. Decididamente, Hollywood está a alienar a energia que ajudou a colocar em marcha, ao defender e promover todas as formas de pluralidade no interior do mundo artístico. Por certo em nome da mais cândida celebração dessa pluralidade, Joaquin Phoenix veio dar um contributo trágico para tão cruel desagregação — a pureza militante, mais do que a simplificação dos factos, está a dar lugar à cegueira conceptual.

2. Foi na cerimónia dos BAFTA (os prémios da Academia Britânica das Artes Cinematográficas e Televisivas). Ao receber a distinção de melhor actor pelo seu trabalho em Joker, Phoenix lançou-se num arrazoado totalmente deslocado e contraproducente, considerando que "nós" (quem?) "estamos a lançar uma clara mensagem às pessoas de cor, dizendo-lhes que não são bem-vindas aqui." Mais do que isso, aquela situação (a aceitação do seu prémio?) seria sintoma de um cínico "tratamento preferencial" porque, argumentou ele, "é isso que oferecemos a nós próprios todos os anos" (quem, os brancos?) — em qualquer caso, convém conhecer estas palavras em contexto [video].

3. Sabemos que há componentes racistas na história de Hollywood. Afinal de contas, como separar a "fábrica de sonhos" da história da nação que a gerou? Sabemos também, convém acrescentar (e poucas vezes isso tem sido lembrado), que muitas formas de superação narrativa, política e simbólica da marginalização de minorias sociais ou de género passam pela história frondosa e fascinante de... Hollywood.

4. O certo é que nada disso parece tocar o discurso de Phoenix — será que ele se dá ao luxo de ignorar que a adaptação de To Kill a Mockinbird, de Harper Lee, foi filmada por Robert Mulligan em 1962? E que esse é apenas um exemplo isolado de uma história de muitos contrastes que, para acontecer, não necessitou das militâncias dos últimos dois ou três anos? Em boa verdade, há qualquer coisa de tristemente pueril na vocação panfletária das palavras de Phoenix, acabando por reduzir a complexidade do(s) contexto(s) a uma mera aritmética de quotas, tendencialmente paternalista. O seu erro consiste em querer "corrigir" tal complexidade com o esquematismo beato das quotas.

5. Mais do que isso, Phoenix parece esquecer-se de uma hipótese que valeria a pena ter em conta. A saber: talvez que os votantes o tenham premiado, não por causa da cor da sua pele, apenas porque a sua composição em Joker é de uma genialidade sem mácula. É triste ver um actor, assim, deitar fora a riqueza do seu mundo profissional com a água da ideologia.