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domingo, abril 05, 2020

Cuca Roseta canta "Lágrima"

Neste ano do centenário de Amália Rodrigues — nasceu a 23 de Julho de 1920, faleceu a 6 de Outubro de 1999 —, Cuca Roseta vai lançar um álbum de homenagem, Amália por Cuca Roseta. Dele se conhece, para já, a versão de Lágrima, fado com letra da própria Amália Rodrigues e música de Carlos Gonçalves: foi tema-título do seu álbum lançado em 1983. Cuca Roseta é acompanhada ao piano por Ruben Alves, sendo o video realizado por José Rato.

Cheia de penas, cheia de penas me deito
E com mais penas, com mais penas me levanto
No meu peito, já me ficou no meu peito
Este jeito, o jeito de te querer tanto

Desespero, tenho por meu desespero
Dentro de mim, dentro de mim o castigo
Não te quero, eu digo que não te quero
E de noite, de noite sonho contigo

Se considero que um dia hei-de morrer
No desespero que tenho de te não ver
Estendo o meu xaile, estendo o meu xaile no chão
Estendo o meu xaile e deixo-me adormecer

Se eu soubesse, se eu soubesse que morrendo
Tu me havias, tu me havias de chorar
Por uma lágrima, por uma lágrima tua
Que alegria me deixaria matar

Uma lágrima, por uma lágrima tua
Que alegria me deixaria matar

quinta-feira, dezembro 21, 2017

A verdade de Cuca Roseta (2/2)

Com o seu novo álbum, Luz, Cuca Roseta propõe diversos registos, incluindo algumas variações pop: em qualquer caso, é o fado que continua a definir a sua verdade artística — este texto foi publicado no Diário de Notícias (12 Dezembro), com o título '"O canto e a sua razão'.

[ 1 ]

Em paralelo com o novo disco Luz, Cuca Roseta publica o livro Poemas (Oficina do Livro), reforçando uma via criativa presente desde o seu primeiro álbum, intitulado apenas Cuca Roseta (2011). Aí, a sua letra de Nos Teus Braços (com música também de sua autoria) surgia como primeiro e exemplar reflexo de um desejo criativo que trabalha a herança do fado através de um misto de nostalgia e inovação [video]. A primeira quadra do primeiro poema do livro, “Versos contados”, será um bom lema: “Do meu fado fiz a letra / E da letra fiz canção / Fado tem sua ciência / Não se canta sem razão”.


Neste trajecto que agora desemboca na luminosidade de Luz (a simbologia não é redundante), deparamos com o mais primitivo fantasma do fado e dos fadistas. A saber: como continuar a tradição num mundo cultural e comercial que, para o melhor ou para o pior, mudou de forma brutal desde que o génio artístico de Amália Rodrigues arriscou todas as experimentações?
Na avalanche que se seguiu ao reconhecimento do fado como património imaterial da humanidade, convenhamos que temos deparado com os mais inconciliáveis contrastes. Acontece que Cuca Roseta se define (também) como uma cantora pop, o que talvez ajude a explicar o fulgor do álbum de estreia, produzido por Gustavo Santaolalla (a meu ver, uma das raras obras-primas absolutas da música portuguesa do século XXI). Sendo Santaolalla um mestre das ligações da música com as imagens de cinema (lembremos apenas a sua banda sonora para Babel, de Alejandro González Iñárritu), talvez possamos dizer que, de modo inusitado e fascinante, o compositor argentino compreendeu as raízes de todo um imaginário português — como se o fado fosse essa perversão que inventámos para sermos estrangeiros dentro da nossa própria história.

sábado, dezembro 16, 2017

A verdade de Cuca Roseta (1/2)

[ FOTO: Orlando Almeida / DN ]
Com o seu novo álbum, Luz, Cuca Roseta propõe diversos registos, incluindo algumas variações pop: em qualquer caso, é o fado que continua a definir a sua verdade artística — esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (12 Dezembro), com o título '"O fado é uma forma de procurarmos a nossa verdade"'.

O seu novo álbum, Luz, apresenta contrastes que vão de um velho fado de Amália, Triste Sina (de Nóbrega e Sousa/Jerónimo Bragança) à ligeireza de Balelas (com assinatura sua e de Pedro Silva Martins). Esses extremos reflectem as escolhas artísticas deste trabalho?
Sim, são mesmo as duas músicas mais distantes entre si. Gosto do Balelas, mas é como se fosse a música que está mais “fora” do disco — a editora gostou muito, como se costuma dizer é muito “orelhudo”, e acabou por ficar. Apesar de me sentir fadista — é o fado que me toca de forma mais profunda —, também preciso deste tipo de composições, sobretudo em concerto: há uma seriedade e uma entrega num fado como Triste Sina que necessita do contraste de Balelas. No fundo, creio que é um disco muito eclético. É verdade que depois do Riû (2015) pensei fazer um disco só de fado e estabeleci mesmo um alinhamento. O certo é que começaram a aparecer temas de compositores que admiro muito, como o Pedro da Silva Martins que fez, por exemplo, o Luzinha (que abre o disco) ligados a este conceito de “luz” que atravessa todo o álbum — é uma luz espiritual, interior.

>>> Balelas + Triste Sina [audio].




Há mesmo três temas com os títulos Luzinha, Luz Materna e Luz do Mundo. Aceita que se diga que há uma dimensão religiosa no álbum?
Sim, sou religiosa, sou católica. Há em mim, desde criança, uma dimensão espiritual: gosto da solidão, do contacto com o divino, de rezar, meditar. Este Luz é o meu disco em que a expressão de tudo isso é mais forte. Aliás, tal como acontece agora com Luz do Mundo, todos os meus discos terminam com um tema católico.

No mundo em que vivemos, nomeadamente no consumo da música, as atitudes dominantes serão mais ligeiras, pouco ou nada ligadas a essa dimensão espiritual.
É verdade. Quando dei a ouvir o disco a familiares e amigos, quase todos me disseram que é demais, não faz muito sentido mostrar este lado espiritual. Não concordo, claro, até porque não é esse o tom de todo o disco. Além disso, o fado é uma forma de procurarmos a nossa verdade — vamos buscar os temas e poemas que, num certo sentido, contam a nossa história. É dessa maneira, acredito, que conseguimos chegar aos outros.

Será que pode haver uma verdade do canto, na solidão do estúdio, que não existe nas performances ao vivo?
É bem possível, pelo menos para mim. Em estúdio, sozinhos, por vezes entregamo-nos mais porque, na verdade, ninguém nos vê. No palco, não somos só a alma, somos também o corpo — há uma faceta de “entertainment” que não precisa de existir em estúdio.

A coexistência do fado com temas de outras origens, em particular com a música brasileira, tem suscitado interessantes debates sobre o futuro do fado e até a possibilidade de, desse modo, se apagar a sua especificidade — como encara essa situação?
Não creio que isso vá acontecer. Aliás, a carreira plural de Amália mostra-nos que não há perigo do fado se corromper ou acabar. No meu caso, sempre gostei muito de ouvir o fado tradicional, mesmo não sendo uma fadista tradicional. Canto fado, sem dúvida, mas também canto pop. E este não é um disco inteiramente de fado — por exemplo, Quero (segundo tema do álbum) é pop, mas quando canto Triste Sina não vou deixar que se use um qualquer instrumento que contrarie a essência do tema.

>>> Quero [audio].


As experimentações do fado, em geral, têm aberto novos espaços de divulgação, em particular no estrangeiro?
Creio que sim — e, mais uma vez, o exemplo da Amália é revelador. Nós, fadistas, vamos muito ao estrangeiro e, entre nós, há muitas vezes a ideia de que só cantamos para as comunidades. Ora, já não é bem assim: eu gosto muito de cantar para as comunidades, mas vou mais aos festivais de músicas do mundo — é bom, é positivo sermos embaixadores de Portugal.

quinta-feira, junho 27, 2013

Cuca Roseta ou a verdade do fado

JOSÉ MALHOA
O Fado
1910
I - Longa espera: desde o lançamento do primeiro álbum de Cuca Roseta (Cuca Roseta, 2011) não creio que o país se tenha apercebido do facto de ter nascido uma das mais prodigiosas vozes da história do fado — em boa verdade, uma das mais admiráveis cantoras portuguesas, tout court. E por que me atrevo a escrever essa magnânima palavra que é país, porventura incorrendo nos erros de apressadas generalizações? Porque, de facto, quando a população — sobretudo a população com menos hipóteses de diversificação dos chamados "consumos culturais" — está quotidianamente sujeita ao massacre da música pimba e dos horrores da reality TV, é normal (entenda-se: é imposto pela norma) que Cuca Roseta, e muitos mais criadores com um mínimo de seriedade e talento, não sejam assunto preferencial do dia a dia, nem sequer em termos meramente informativos. Que quase todos os políticos, de todas as tendências ideológicas, continuem a mostrar-se indiferentes à gravidade de tal conjuntura — que, muito para além de qualquer caso pessoal, favorece um efeito global de deseducação —, eis o que diz bem do seu vazio de pensamento.

II - Compreende-se, assim, que o concerto em Lisboa para apresentação de Raiz, segundo álbum de Cuca Roseta, não tenha sido um evento badalado por todos os recantos do país. E importa reconhecer, sem dramas, que o Teatro São Luiz (dia 26, 21h00), embora com muitos espectadores calorosos, não esgotou. O certo é que estivemos perante um daqueles eventos que, por si só, define a singularidade de um talento e, sobretudo, a fascinante amplitude da sua expressão.

III - Importa reconhecer que, para Cuca Roseta, o passo não era fácil. Desde logo, porque ela se assume como herdeira de uma tradição que resiste a "modernismos" fáceis, colocando-se sob a referência tutelar de Amália; depois, consequentemente, porque o seu canto dispensa retoques pitorescos, visando o reencontro com uma verdade do fado que nasce da peculiar aliança entre pensar & sentir. Além do mais, não simplifiquemos: sem diminuir, de modo algum, o exemplar rigor da produção de Mário Barreiros, em Raiz, o primeiro álbum de Cuca Roseta tinha resultado de um trabalho invulgar com Gustavo Santaolalla que constitui, por certo, um caso raro de entendimento da universalidade expressiva do fado sem beliscar as suas componentes de... raiz. Aliás, num contexto em que tantas vezes (na música e não só) se exalta de forma simplista e beata a "tecnologia" das mais diversas produções, muito pouco se falou do facto de a produção de Santaolalla constituir uma das contribuições artísticas mais densas, complexas e sofisticadas das últimas décadas da história de toda a música portuguesa.

IV - Acompanhada por Bernardo Couto, Luís Guerreiro e Pedro Viana (guitarra portuguesa), Pedro Pinhal (viola de fado) e Frederico Gato (contrabaixo) — com um tema partilhado ainda com outra fadista, Carolina, e o guitarrista Mário Pacheco —, Cuca Roseta mostrou uma eloquente e complexa maturação do sentido dramático da sua voz. Podemos mesmo dizer que estão praticamente superados alguns desequilíbrios expressivos do concerto que realizou há cerca de um ano, no Tivoli, em particular através de uma maior contenção nas deslocações em palco, a ponto de podermos admitir que, em alguns temas, a performance poderia ainda beneficiar de um microfone fixo. Creio que algum excesso nos elementos "decorativos" (os vasos em fundo e as folhas no chão) desvalorizaram o possível contraste dos dois vestidos usados (cuja presença teria sido intensificada por um fundo neutro), mas, por mim, não gostaria de favorecer o empolar de tais questões — assistimos, não tenho dúvida, a um dos mais belos concertos do ano.

V - O trajecto de Cuca Roseta define-se, assim, a partir de uma imensa vitalidade criativa. E não falo apenas, nem sobretudo, naquilo que será a consolidação de uma "carreira". Falo, isso sim, da fidelidade a um imaginário fadista que recusa diluir-se em eventuais formatações promocionais da world music — nem que seja preciso escrever um fado do contra.

domingo, junho 16, 2013

Cuca Roseta em Lisboa e Porto

O Teatro São Luiz, em Lisboa, e a Casa da Música, no Porto, vão acolher Cuca Roseta para concertos nos dias 26 de Junho e 11 de Julho, respectivamente — tema necessariamente dominante: o segundo álbum da fadista, Raiz, uma proeza tanto mais admirável quanto, para além das subtilezas dramáticas da voz, Cuca Roseta se apresenta também como autora (letra & música) de quase todos os temas. Para ouvir, por exemplo, o Fado do Cansaço.

quarta-feira, maio 08, 2013

Cuca Roseta: tradição e voz

O novo álbum de Cuca Roseta, Raiz, recoloca de forma brilhante a questão da modernidade do fado, aliás, da necessidade de o manter ligado ao mais primitivo da sua tradição — este texto foi publicado publicado no Diário de Notícias (29 Abril), com o título 'A verdade que está na tradição'.

Como definir a voz de Cuca Roseta? Talvez através do cruzamento de quatro valores primordiais: a subtileza romântica de Nat King Cole; a energia dramática de Edith Piaf; a densidade emocional de Chavela Vargas; e ainda, last but not least, o admirável sentido de pose e teatralidade de Frank Sinatra. Razões para evocar estes quatro nomes? Pois bem, vêm da própria Cuca Roseta. Quando lhe perguntei se podia citar uma ou duas referências que a inspirassem, pedi-lhe apenas que não fossem do fado. Sem hesitar, avisou: “Vou dizer-lhe quatro!”
Na verdade, tudo começa na voz. Por mais voltas que possamos dar à tradição, por mais que discutamos a estética, a pertinência ou a legitimidade das variações que têm estado associadas à história do fado nas últimas duas décadas, a sua identidade continua a estar nas vozes. Identidade, quer dizer, raiz – e que o novo e admirável disco de Cuca Roseta se chame Raiz, eis um pormenor cujo simbolismo não será necessário sublinhar.
Que passa, então, no canto de Cuca Roseta? Uma verdade (a palavra é dela) que resiste a todas as formas de pitoresco, e tanto mais quanto o pitoresco se tornou a praga da cultura televisiva dominante (na música e não só). É, acima de tudo, uma verdade que não teme uma relação franca e aberta com a tradição, muito para além dos preconceitos anti-fado que não honram alguns capítulos da nossa história cultural pós-25 de Abril.
Há outra maneira de dizer isto: Cuca Roseta nada tem a ver com os pós-modernismos (que não passam de pós da modernidade) que confundem o fado com os vícios saltitantes, estupidamente sarcásticos, de alguns “shows” televisivos. Podemos, por isso, subscrever o seu sereno voto de “conservadorismo”: a excelência artística vive também destes ziguezagues simbólicos.

>>> Fado do Contra é o single de lançamento de Raiz.

segunda-feira, maio 06, 2013

Cuca Roseta e a raiz do fado (2/2)

Cuca Roseta tem um novo álbum, de seu nome Raiz: pretexto para uma conversa com uma fadista que não abdica da dimensão de verdade que o fado pode conter — este diálogo serviu de base a um artigo publicado no Diário de Notícias (29 Abril), com o título 'É preciso não ter medo de seguir o instinto'.

[ 1 ]

A experiência de palco, depois do primeiro álbum, teve alguns efeitos na concepção deste disco?
É um facto que o Nos Teus Braços era quase sempre o mais aplaudido. E isso surpreendia-me, porque me parece um fado muito simples. Agora, senti necessidade de alargar os meus próprios conhecimentos de música e estou há oito meses a aprender piano... No próximo disco, já vou saber dizer exactamente quais são as notas [risos]. Por isso estou ansiosa de cantar estes novos temas ao vivo: o efeito de Nos Teus Braços não era porque fosse especial; era apenas porque eu me sentia na minha pele. A letra não era, obviamente, tão boa como as de Florbela Espanca ou Vinicius de Moraes, mas era como se me sentisse em casa.

Será que Florbela pode simbolizar um certo sentimento de destino que tem muito a ver, precisamente, com o fado?
É a minha poetisa preferida. Nunca escreverei como ela, mas foi difícil escolher um poema dela para este álbum. No fundo, a letra escolhida (Vaidade) tem a ver com o facto de eu ousar fazer letras e músicas. Cada vez que a digo, começo a chorar: “Sonho que sou a poetisa eleita / Aquela que diz tudo e tudo sabe...”

Foi, por certo, muito diferente da experiência do primeiro álbum, com Gustavo Santaolalla como produtor.
Tenho de reconhecer que, na altura, não tinha a noção do que é gravar um disco. Tive a sorte de poder entregar tudo nas mãos de uma pessoa de tão grande talento. Agora sei como é difícil, a persistência que é preciso. Cheguei a acordar de noite para tomar notas de algumas letras que acabaram por ficar... As ideias podem surgir em qualquer lado, a pessoa está sempre ligada. Além do mais, fizemos o disco todos a gravar ao mesmo tempo. Hoje em dia, por vezes, vai o viola gravar, depois vai o guitarra... E no fado isso, para mim, não é possível – pode resultar bonito, mas fica plástico.

Como foi, e onde foi, a gravação?
Foi de Janeiro a Abril. Gravámos três dias seguidos no Porto e depois, em Oeiras, tivemos mais seis ou sete sessões. É preciso cantar muito os fados para conseguir deixar de pensar e apenas sentir.

Que significa esse “deixar de pensar”?
Depende do que quer dizer “pensar”, não é? [risos] Como fiz tudo, dava comigo a interromper e a dizer que havia uma nota errada... Quando a música ainda não está dentro dos músicos, isso quer dizer que também ainda não está dentro de mim. E há um momento em que é preciso parar de pensar em tudo isso para, realmente, sentir. Por exemplo, acabo sempre com um fado católico: Ave Maria Fadista, no primeiro, e agora Fado da Vida, sobre a morte de Cristo, com letra de José Avillez.

Porquê essa escolha de acabar com um fado católico?
É o meu momento de prece. Houve um trabalho, uma entrega e esse momento de prece é também um agradecimento.

À divindade?
Sim, porque acredito que temos dons e não os temos em vão. Aplicamo-los na procura de uma perfeição que tem a ver com uma verdade que queremos também partilhar com os outros.

Posso pedir-lhe que refira uma ou duas vozes, não do fado, portuguesas ou não, de que goste.
Vou dizer-lhe quatro: Nat King Cole, Edith Piaf, Chavela Vargas e Frank Sinatra.

domingo, maio 05, 2013

Cuca Roseta e a raiz do fado (1/2)

Cuca Roseta tem um novo álbum, de seu nome Raiz: pretexto para uma conversa com uma fadista que não abdica da dimensão de verdade que o fado pode conter — este diálogo serviu de base a um artigo publicado no Diário de Notícias (29 Abril), com o título 'É preciso não ter medo de seguir o instinto'.

De onde vem o título deste novo álbum, Raiz?
Foi um título que demorou a chegar. Por causa do fado Nos Teus Braços, do meu primeiro álbum, as pessoas pediam-me para eu criar mais músicas. Fui compondo temas novos, surgiu um conceito de que não estava à espera e tratava-se de saber como encerrar tal conceito numa só palavra. No primeiro disco, falava do fado como procura da verdade da própria pessoa, de acordo com um princípio de respeito por tudo aquilo que se canta. Aqui, quis ir mais fundo que a procura da própria verdade. Seria “origem”. Ou “essência”. Ficou Raiz.

É uma raiz pessoal, subjectiva?
Sim, mas é mais do que isso: é o encontro com o meu fado. Já cantei outros géneros musicais, mas tenho uma paixão pelo fado. E aqui mostro o que é, para mim, o fado como interpretação, melodia e descrição de experiências de vida.

Em qualquer caso, creio que a primeira interpretação do título terá a ver com uma ideia de regresso a uma raiz, não pessoal, mas do próprio fado.
Também. Há coisas que escrevi porque senti que tinham de estar no disco: uma letra sobre Amália Rodrigues, outra sobre Lisboa, um fado tradicional, um fado menor (que é o meu preferido), uma marcha e uma música mais popular, próxima do teatro de revista. Depois, há uma mais africana, outra mais jazz... mas a raiz do fado tinha de lá estar. É bom adaptarmo-nos ao tempo que vivemos, mas sou também um bocadinho conservadora: por exemplo, não gosto de trazer muitos instrumentos novos: tenho apenas um violoncelo num tema, há cordas no tal hino a Lisboa...

Nos últimos anos, bem ou mal, o fado tem vivido uma história de muitas contaminações, com mais instrumentos para além das clássicas guitarras, algumas variações mais ou menos jazzísticas...
... E não resulta! [risos] Não é por mal que o digo. Aquilo que resulta é... o de sempre! O segredo é esse: o minimalismo, a raiz.

Quando lemos os títulos do alinhamento do álbum, há qualquer coisa de quase didáctico: Fado do Cansaço, Fado da Essência, Fado do Contra... e temos ainda a vaidade, o perdão, a entrega. Como se fossem alíneas de uma filosofia pessoal.
É um bocadinho assim. Cada fado conta uma história diferente da de qualquer outro. O título do álbum podia ter saído de qualquer um deles: esperança, vaidade, perdão, essência, silêncio, vida. O “booklet” do disco, com fotografias de Pablo Corral Vega, foi feito nessa perspectiva: cada fado tem associada uma imagem minha.

Podemos, aliás, perguntar até que ponto alguém que canta (fado ou não) é alguém que inventa uma personagem, como um actor ou uma actriz frente a uma câmara.
É alguém que representa, sem dúvida, mas que representa algo que tem a ver com a sua experiência. Eu não consigo cantar uma letra que, de alguma maneira, não tenha vivido.

Quer isso dizer que há uma dimensão confessional?
Há uma certa exposição, no sentido em que é tudo mais cru e mais transparente. Tem a ver com a tal procura da verdade. É uma exposição interior, em que é preciso não ter medo de seguir o instinto, de sermos únicos. Há uma letra, Fado dos Sentidos, que fala disso: “Não tenhas medo de ser quem és / De teres o mundo contra os teus pés / De ter a coragem a ferro e quente / Firme no chão e no presente / Sê mais que tu, vai mais além / Ao mais alto que o sonho tem.”

[continua]

quinta-feira, junho 21, 2012

Cuca Roseta: a encruzilhada

1. O concerto de Cuca Roseta no Tivoli foi uma desconcertante ilustração daquilo que pode ser a encruzilhada criativa de uma voz invulgar (por certo das mais extraordinárias de toda a história do fado). Porquê encruzilhada? Desde logo porque, de uma maneira ou de outra, era inevitável antecipar sonoridades ligadas ao admirável álbum da fadista produzido por Gustavo Santaolalla. Depois porque, em vários aspectos, o concerto parece ter sido concebido contra essas sonoridades.

2. O mote foi dado logo a abrir, com uma versão de Rua do Capelão que, em vez da belíssima austeridade do disco, se apresentou com um arranjo saturado e, de algum modo, redundante. Não me interpretem mal: os acompanhantes de Cuca Roseta são invulgarmente dotados, mas dir-se-ia que na produção de quase todos os temas prevaleceu a preocupação de exibir roupagens sonoras algo ostensivas, por vezes francamente supérfluas face aos dotes de tão sublime voz.

3. Tudo isso se agravou através de um "vício" infelizmente corrente em concertos em Portugal: o volume de reprodução do som (da voz e, sobretudo, dos instrumentos) jogava mal com a contenção e, num certo sentido, o pudor que o fado impõe. Em boa verdade, era um volume (até pela sua textura metalizada) adequado para ambiências de pop/rock, não sendo surpreendente que a presença de Pedro Abrunhosa (num belíssimo dueto...) tenha sido o momento em que a concepção sonora do palco mais e melhor se adequou às matérias cantadas. Outro momento em que, apesar de tudo, prevaleceu esse equilíbrio foi a interpretação de Tortura, de Florbela Espanca, com Mário Pacheco (autor da música) na guitarra — por breves instantes, a cumplicidade entre voz e guitarra pôde existir na sua singular depuração.

4. Podemos compreender que o concerto surgia, na trajectória de Cuca Roseta, como um momento emblemático de apresentação/conquista do público lisboeta. E que isso implicaria, inclusivamente, o apoio simbólico de convidados como Abrunhosa, ou ainda Carlos do Carmo e André Sardet. Em todo o caso, há sempre qualquer coisa de potencialmente equívoco em tal estratégia: a intérprete corre o risco de desvirtuar o seu melhor registo (que é, para todos os efeitos, o álbum produzido por Santaolalla), ao mesmo tempo diluindo-se em modelos que, em última instância, lhe são estranhos (mesmo se é verdade que até mesmo a banalidade "romântica" de Sardet parece sublimada pelos poderes encantatórios da voz de Cuca Roseta).

5. Fica, assim, um balanço bizarro, também ele desconcertante: foi um concerto "corrente" de uma cantora absolutamente fora de série (e isso sentiu-se sempre, com ou sem a devida sustentação do aparato técnico). Podemos até considerar que Cuca Roseta — como, infelizmente, a maior parte dos intérpretes portugueses — mostra um limitado trabalho sobre a teatralidade (do corpo e do discurso falado) inerente à presença em palco. Seja como for, essa não é a questão central: a questão central decorre da contradição não resolvida entre o carácter genuíno de uma excepcional intérprete do fado e as características de um espectáculo todo ele limitado pela consagração de uma "ligeireza" de ilusório universalismo.

terça-feira, dezembro 27, 2011

Os melhores discos de 2011


N.G.:

Pop/rock: Um ano de muitos discos (como tantos outros), mas com uma ideia dominante que ajudará, um dia, a memória a evocar 2011 segundo uma série de títulos, nomes e... um som. Com genética primordial no dubstep, uma relação com a canção, ferramentas electrónicas e um trabalho atento a filigranas de discretos acontecimentos, 2011 teve em nomes como James Blake, Nicholas Jaar, Jamie Woon ou Jai Paul alguns dos seus mais importantes embaixadores. O primeiro, que fora já uma das mais sérias promessas de 2010 confirmou em pleno as expectativas num álbum absolutamente notável que podemos entender como paradigma desta forma de fazer música. Apesar de ter já editado um primeiro disco em 2008, o nova iorquino Son Lux fez de We Are Rising o mais interessante dos momentos menos mediatizados do ano, num álbum criado em apenas 28 dias que serve, de certa forma, para dar continuidade a uma visão que busca caminhos novos além dos horizontes da pop, tal e qual o fez Sufjan Stevens em The Age of Adz. PJ Harvey, sob minimalismo de recursos, mas profundamente expressiva no retrato que traça da Inglaterra de hoje fez de Let England Shake o melhor dos discos de uma das mais impressionantes discografias do nosso tempo. Pela lista surgem ainda as canções de travo retro de John Maus, o regresso eloquente e gourmet de Kate Bush, o paisagismo ambiental de Julianna Barwick, as belíssimas canções de Bon Iver, a pop elegante de Destroyer, o encontro iluminado de Mimi Goese com Ben Neill ou as visões cénica e texturalmente ricas de Nicholas Jaar. O ano destacou ainda discos de uns Sound of Arrows, Cat’s Eyes, Alex Turner, David Lynch, Björk ou John Vanderslice. Mas um top 10 é um top 10...

1 . James Blake, James Blake
2 . Son Lux, We Are Rising
3. PJ Harvey. Let England Shake
4. John Maus, We Must Become The Pityless Consors of Ourselves
5. Kate Bush, 50 Words For Snow
6. Julianna Barwick, The Magic Place
7. Bon Iver, Bon Iver
8. Destroyer, Kaputt
9. Mimi Goese + Ben Neill, Songs for Persephone
10. Nicholas Jaar, Space Is Only Noise


Música portuguesa: Há muito que a música eléctrica portuguesa não escutava um disco assim. Intenso e diferente. E tudo sob um mínimo de recursos. Ana Deus e Alexandre Soares juntaram-se como Osso Vaidoso, a voz tendo por principal companhia uma guitarra eléctrica, as canções mostrando como com pouco se faz muito, às palavras sendo concedido um protagonismo que a tudo dá sentido. O ano teve uma vez mais em B Fachada um dos seus momentos de referencia, desta vez num disco que colocou o piano como principal elemento ao serviço da composição. Destaque-se ainda a confirmação das boas ideias pop de uns Capitães da Areia e a forma como Sérgio Godinho optou por celebrar os 40 anos de carreira com um disco de originais.

1 . Osso Vaidoso, Animal
2 . B Fachada, B Fachada
3 . Capitães da Areia, O Verão Eterno
4 . Sérgio Godinho, Mútuo Consentimento
5. You Can’t Win Charlie Brown, Chromatic
6. The Gift, Explode
7. Tiago Sousa, Walden Pond’s Monk
8. Aquaparque, Pintura Moderna
9. Amália Rodrigues, Amália Canta David
10. Joana Sá, Through This Looking Glass


Clássica: Depois de um 2010 que teve em Mahler um dos compositores mais presentes nos escaparates dos novos lançamentos, 2011 viu numa gravação da Sinfonia Nº 2 do grande sinfonista austríaco o seu melhor momento. A gravação, pela London Philharmonic Orchestra, é dirigida pelo jovem maestro russo Jurowski e revela tanto uma capacidade em explorar toda a melancolia que a música transporta como o sublinhar dos instantes exultantes que vincam a noção de ressurreição que afinal a caracteriza. Destaque maior ainda para um olhar sobre o 11 de Setembro por Steve Reich, numa obra que explora princípios que o compositor lançara há anos em Different Trains. Da multidão de discos lançados a assinalar o ano Liszt vale a pena reter a gravação dos seus dois concertos para piano, com Barenboim (solista) e Bloulez (maestro), acompanhados pela Staatskapelle Berlin. De um ano de muitos lançamentos na área da música clássica referências ainda à continuação de ciclos dedicados a Shostakovich e Sibelius, respectivamente por Petrenko e Inkinen, um Berlioz na voz de Von Otter e à presença da música do século XXI em gravações de obras de Adams, Denehy, Muhly e Bryars.

1. Jurowski / London Phil Orchestra – Mahler, Symphony N. 2
2. Steve Reich / Kronos Quartet – Reich, WTC 9 / 11
3. Baremboim + Boulez / Staatskapelle Berlin – Lizst, The Piano Concertos
4. Petrenko / Liverpool Phil Orchestra – Shostakovich, Symphonies 6 & 12
5. Von Otter + Tamestit, Minkowski / Les Musiciens du Louvre - Berlioz, Les Nuits d’Eté
6. Adams / International Contemporary Ensemble – Adams, Son of Chamber Symphony
7. van Raat + Nederlands Radio Ch. Philharmonic / Tausk – Bryars, The Piano Concerto
8. Upshaw + Lionáird, Pierson / Crash Ensemble - Denehy, Gra Agus Brás
9. Gould + Collon / Aurora Orchestra - Muhly, Seeing is Believing
10. Inkinen / New Zeland Symphony Orch – Sibelius .- Symphonies 6 & 7 + Finlandia


J.L.: 

Insólita paisagem, esta a que a digitalização conduziu a música: tudo coexiste, tudo colide, cada gesto é contaminação de outro, deixou de haver “linha da frente”. É num contexto assim que, creio, pode fazer sentido não esquecer o mais ousado dos mais jovens, de seu nome Miles Davis. Além do mais, temos o fado. Parafraseando os actores do programa de humor da RTP1, Estado de Graça, este é o tempo de uma histeria em que os fadistas brotam das pedras da calçada... Será que vamos perder tudo nas soluções mais fáceis do marketing e na banalização gerada pelo rótulo da “world music”? Fiquemo-nos pelas coisas certas: Cuca Roseta está aí e com ela, através do seu prodigioso álbum de estreia, mantemo-nos ligados à terra.

CUCA ROSETA, Cuca Roseta
LIVE IN EUROPE 1967/THE BOOTLEG SERIES VOL. 1, Miles Davis
BLOOD PRESSURES, The Kills
WE ARE RISING, Son Lux
RIO, Keith Jarrett
THE KING OF LIMBS, Radiohead
WHOKILL, tUnE-YarDs
SUPER HEAVY, Super Heavy
4, Beyoncé
ANNA CALVI, Anna Calvi

sábado, dezembro 24, 2011

Cuca Roseta: corpo e alma

Por vezes, há acontecimentos que nos fazem sentir que a história da música se fixa num ponto em que, subitamente, tudo se reconverte a uma origem radical, onde tudo volta a ser possível. Cuca Roseta (com o seu álbum homónimo) é um desses acontecimentos: um espelho do fado mais depurado em que a dicotomia corpo/alma volta a adquirir uma verdade única, contagiante, irredutível. Um exemplo, provavelmente natalício: Nos Teus Braços.


>>> Site oficial de Cuca Roseta.