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sábado, outubro 18, 2025

James Lipton e o Actors Studio — uma memória

Na nossa sessão da FNAC dedicada a James Dean e ao Actors Studio não podíamos deixar de evocar a personalidade emblemática de James Lipton (1926-2020), escritor, actor, apresentador da notável série de conversas Inside the Actors Studio (1994-2018). Em destaque esteve em particular o ritual das 10 perguntas com que Lipton iniciava as conversas com os seus 277 convidados. Aqui fica uma breve evocação de Lipton, no momento do seu desaparecimento, nos ecrãs da NBC (3 março 2020).

sexta-feira, setembro 05, 2025

Trump e o uso da força
— um video do senador Adam Schiff

Mais um video do senador Adam Schiff sobre o comportamento político de Donald Trump. Desta vez, a questão central decorre do facto de, provavelmente, Trump e os seus seguidores admitirem que o Presidente não reconhece limites ao (seu) uso da força — conciso e inquietante.

 

sábado, agosto 30, 2025

Highway 61 Revisited — Bob Dylan há 60 anos

Highway 61 Revisited, sexto álbum de estúdio de Bob Dylan, foi lançado no dia 30 de agosto de 1965 — faz hoje 60 anos.
Para assinalar a data, o marketing de Dylan, criativo como poucos, propõe várias alternativas de (re)descoberta desse registo que abre com o lendário Like a Rolling Stone, incluindo uma "auto-estrada interactiva" [imagens em cima].
Numa dimensão mais tradicional, destaquemos a proposta disponível no Music-YouTube: um pouco mais de três horas e meia com 43 canções — uma antologia (breve, apesar de tudo) para quem chegou agora de outra galáxia e tem alguma curiosidade em conhecer o génio de Robert Allen Zimmerman, nascido a 24 de maio de 1941.
Eis um exemplo, com imagens: Shelter from the Storm, num registo incluído em Hard Rain (1976), álbum ao vivo gravado durante dois concertos da digressão 'Rolling Thunder Revue'.

sexta-feira, agosto 29, 2025

Escutando Bach (com Rick Beato)

[Gramophone]

Gottes Zeit ist die allerbeste Zeit ['O tempo de Deus é o melhor dos tempos'], BWV 106, é uma cantata de Bach, composta em 1707-08, de que existem diversas versões, incluindo para piano a quatro mãos. Num dos seus videos mais breves, mas também mais eloquentes, Rick Beato propõe uma breve digressão sobre os nossos modos de (des)conhecimento da música. Em boa verdade, como ele próprio reconhece, fá-lo sobretudo para poder partilhar a cantata — vale a pena seguir a sua cristalina exposição e, claro, escutar silenciosamente os prodígios de Bach.

domingo, agosto 10, 2025

Facebook: do virtual aos dramas muito reais

Para Sarah Wynn-Williams, o trabalho no Facebook começou como uma utopia, para desembocar numa cruel frustração. No seu livro Careless People, a rede social de Mark Zuckerberg surge como uma empresa em que os mecanismos de procura de lucro estão longe de ser saudáveis — este texto foi publicado no Diário de Notícias (29 julho).

Como evoluiu a Internet nas últimas duas décadas? Entre as respostas possíveis, das mais radiosas às mais inquietantes, nenhuma pode ignorar a história do Facebook. Tendo chegado recentemente aos 3 mil milhões de utilizadores, talvez possamos resumir o seu peso virtual (mas muito concreto) através de um contraste esquemático. Assim, logo após a sua fundação, em 2004, a rede social de Mark Zuckerberg foi celebrada por vozes de muitos quadrantes (incluindo o espaço político) como o paraíso de todas as comunicações — de repente, era possível praticar uma partilha global de mensagens que garantia a pureza virginal e ecuménica de uma humanidade milagrosamente pacificada.
Depois, o Facebook passou a ser associado a dramas muito reais, como tal questionado e investigado, dramas envolvendo conteúdos que vão desde formas de difamação de pessoas LGBT até à repressão da minoria muçulmana em Myanmar, passando pelo processo (social, justamente) que transformou Donald Trump em presidente dos EUA.
Lembremos um dos ecos artísticos de tudo isso: em 2010, David Fincher realizou o filme A Rede Social, uma das obras-primas que Hollywood gerou neste século XXI, abordando o nascimento do Facebook como uma pueril religião da comunicação “sem contradições”, afinal enraizada numa clássica estratégia de negócio e multiplicação de lucros. Construído a partir de um argumento assinado por Aaron Sorkin (que lhe valeu um Oscar), o filme tinha como base o livro The Accidental Billionaires (ed. Doubleday, 2009), de Ben Mezrich (a edição portuguesa, Milionários Acidentais – A Fundação do Facebook, surgiu em 2010, com chancela da editora Lua de Papel).
Em 2021, Sheera Frenkel e Cecilia Kang, jornalistas do New York Times, publicaram An Ugly Truth (ed. The Bridge Street Press), notável investigação sobre a “batalha pelo domínio” comunicacional do Facebook (a tradução portuguesa, com o título Manipulados, foi lançada em 2022 pela editora Objectiva). Agora, podemos descobrir uma genuína crónica intimista, contada por Sarah Wynn-Williams que viveu sete anos da sua vida profissional no interior do Facebook — chama-se Careless People (ed. Macmillan) e, ao longo dos meses de maio/junho, passou seis semanas na lista de “best-sellers” do New York Times.
Nascida na Nova Zelândia, a autora trabalhou na embaixada do seu país em Washington, tendo entrado para o Facebook em 2011, em pouco tempo ascendendo ao cargo de coordenadora da estratégia global da empresa (“global public policy”). A sua experiência diplomática ajudou-a a abrir vias de diálogo com os poderosos deste mundo. O certo é que aquilo que começou por ser a realização de um sonho, rapidamente se transformou em pesadelo, primeiro por causa da desorganização quase burlesca que encontrou, depois descobrindo-se como peça incauta de um xadrez cujo “ponto de fuga” era sempre a figura intocável de Mark Zuckerberg. Muito cedo deparou com uma centralização que, mais do que empresarial, decorria de uma “psicologia” bizarra: “Foi-me gentilmente sugerido que, sendo Mark um ingénuo político, não é do interesse da companhia colocá-lo em encontros com chefes de estado”.

"Pessoas descuidadas”

O livro é tanto mais interessante, até mesmo emocionalmente envolvente, quanto Sarah Wynn-Williams não está a defender uma “tese”, mas sim a percorrer memórias de uma experiência pessoal iniciada em tom utópico para desembocar numa cruel frustração. Daí os elementos pessoais da narrativa, desde logo a experiência da gravidez vivida durante os primeiros tempos no Facebook, a par de diversos dados perturbantes, incluindo a descoberta da partilha de informações sobre novos recursos de inteligência artificial com o Partido Comunista da China, “apenas” para garantir uma maior abertura do mercado chinês ao Facebook. Seja como for, a história de Careless People também não acaba aqui, já que a Meta (proprietária do Facebook), além de denunciar aquilo que considera as “mentiras” da autora, interpôs uma acção legal que a impediu de cumprir a habitual digressão promocional do livro.
Resta recordar a origem do título — à letra “pessoas descuidadas”, embora arrastando também as sugestões de superioridade, indiferença e manipulação. A expressão provém de O Grande Gatsby (1925), de F. Scott Fitzgerald, e surge no parágrafo que serve de epígrafe ao livro: “Tom e Daisy eram pessoas descuidadas — esmagavam as coisas e as criaturas, e depois retiravam-se para o seu dinheiro ou a sua imensa indiferença, ou o que quer que fosse que os mantinha unidos, deixando os outros a limpar a confusão que tinham gerado...”

* * * * *

>>> They were careless people, Tom and Daisy—they smashed up things and creatures and then retreated back into their money or their vast carelessness, or whatever it was that kept them together, and let other people clean up the mess they had made…

F. SCOTT FITZGERALD

terça-feira, agosto 05, 2025

O caso Epstein [ponto de situação]

No labirinto do caso Epstein, os ecrãs estão a desempenhar um papel vital — entenda-se: contrastado, contraditório, um verdadeiro palco das convulsões políticas que estão a acontecer. Nessa dinâmica, a acumulação de factos comprometedores para a administração Trump (incluindo a inesperada transferência de Ghislaine Maxwell, condenada por cumplicidade com Epstein, para uma prisão mais "ligeira") tem suscitado muitas tentativas do próprio Presidente dos EUA no sentido de desviar a atenção do caso. Eis um ponto de situação, na noite de segunda-feira, por Nicolle Wallace, no canal MSNBC.
 

segunda-feira, agosto 04, 2025

Pânico cultural

George Sanders e Ingrid Bergman em Viagem em Itália (1954): como vemos uma imagem?

Em termos culturais, que significa dizer “tudo é possível”? Eis uma pergunta que se perdeu pelo caminho — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 julho).

Há uma sensação de pânico que passou a contaminar a minha relação com o cinema: um dia destes, alguém vai referir-se a Viagem em Itália (1954), de Roberto Rossellini, proclamando com um sorriso de inocência beata que a personagem de Ingrid Bergman é uma precursora do movimento #MeToo, desse modo expondo o cinismo do marido interpretado por George Sanders, ele que talvez seja mesmo responsável por alguns episódios de violência doméstica.
Quem vai dizer tais disparates? Não sei, a minha presciência não chega tão longe. Ainda assim, atrevo-me a apostar que poderá ser um ou uma “influencer” que sabe tanto de cinema como eu sei do comportamento das ervas daninhas nas encostas do Everest. Ou talvez um ou uma repórter, de microfone na mão, imbuído da certeza de que as suas palavras são lei compulsiva para qualquer mortal que ainda não tenha carregado no botão para desligar o pequeno ecrã.
Tudo é possível — e, agora, a expressão “tudo é possível” não significa o mesmo que significou para a geração que viveu a adolescência nas décadas de 1960/70, mesmo se o preço a pagar pelas ilusões desse tempo feliz continua a assombrar a nossa modesta existência. Tudo é possível, de facto, até mesmo o tratamento de Taxi Driver (1976) como uma muito suspeita exaltação de uma personagem com impulsos violentos. Afinal de contas, vivemos no tempo em que, quase 80 anos depois de Simone de Beauvoir ter publicado O Segundo Sexo, o filme Barbie é consagrado em muitos recantos do planeta como a suprema encarnação da libertação feminina (e esta, lamento informar, não é invenção minha).
Há outra maneira de dizer isto: a crescente violência interpretativa do pensamento “politicamente correcto” instaurou a noção historicamente cega e culturalmente miserável (de miséria cultural, entenda-se) segundo a qual as obras de arte — cinema, literatura, teatro, música, pintura, etc. — não têm nada de específico. Segundo a estupidez de tal mantra ideológico, o que define cada obra é apenas a importância mediática que pode ser atribuída aos seus “temas”.
Observe-se, por isso, o outro lado da questão. Vemos, ouvimos e lemos alguns criadores, muitos deles ainda mal saídos da adolescência, a dar conta de um determinado trabalho que fizeram (filme, livro, etc.) e não têm mais nada para dizer a não ser apresentar um rol de “temas” — a exploração das mulheres, a liberdade para as minorias, a denúncia de alguma forma de repressão, etc. — que, supostamente, caucionam tudo e mais alguma coisa, mesmo que o trabalho seja “apenas” artisticamente medíocre. Shakespeare? A peça, senhoras e senhores, é uma denúncia do “bullying”... não há nada a dizer sobre a respectiva encenação, nem sequer, já agora, sobre o valor do texto escrito há mais de 400 anos.
Penso que uma parte significativa da responsabilidade de tudo isto é da minha geração. Sem qualquer ponta de ironia — penso mesmo. Educados na ideia, e para a ideia, de que a arte é capaz de deslocar e transfigurar a nossa percepção do mundo, enriquecendo o nosso lugar na dinâmica desse mesmo mundo, deixámos, ainda que de modo incauto, que tal ideia fosse sendo parasitada por uma outra ideia (mas já não é uma ideia, apenas uma vibração consumista) segundo a qual os objectos artísticos são instrumentos legislativos para repor uma ordem temática e simbólica que, por alguma razão, é tratada como única e inevitável.
No domínio do pensamento sobre a arte (logo, também do pensamento artístico), isso traduz-se numa desvalorização sistemática, sobretudo televisiva, do pensamento crítico — se o mundo se organiza e esgota nos “temas” impostos pelas regras do mediatismo dominante, pensar a arte tornou-se irrelevante. Em termos sociais, isto significa que estamos a fabricar multidões insensíveis às singularidades dos objectos artísticos.

segunda-feira, julho 28, 2025

Patti Smith, Beneath the Southern Cross

Beneath the Southern Cross
[do álbum Gone Again, 1996,
e da antologia Outside Society, 2011]

Oh
To be
Not
Anyone
Gone
This maze
Of being
Skin
Oh to cry
Not any cry
So mournful
That
The dove
Just laughs
And
The steadfast
Gasps
Oh to owe
Not anyone
Nothing
To be
Not here
But here
Forsaking
Equatorial bliss
Who walked
Through
The callow mist
Dressed in scraps
Who walked
The curve
Of the world
Whose bone
Scraped
Whose flesh
Unfurled
Who grieves
Not
Anyone gone
To greet lame
The inspired sky
Amazed to stumble
Where gods
Get lost
Beneath
The southern
Cross

domingo, junho 29, 2025

Warfare — revendo a guerra do Iraque
em tom hiper-realista

Uma ficção sobre a guerra, mas com a respiração de uma reportagem

Para conseguir concretizar o projecto de Warfare (Prime Video), Alex Garland contou com a colaboração de Ray Mendoza, um veterano da guerra do Iraque, de tal modo que ambos acabaram por assinar a realização do filme — este texto foi publicado no Diário de Notícias.

Lançado na plataforma Prime Video, Warfare é o segundo filme em que o realizador inglês Alex Garland conta com a colaboração de Ray Mendonza. Em Guerra Civil (2024), Mendonza funcionara como conselheiro militar para as cenas de combate; agora, tendo como inspiração a sua própria experiência enquanto elemento dos Navy SEALS americanos durante a guerra do Iraque, Mendonza co-assina a realização com Garland.
Ambos os filmes resultam de uma aposta em elementos genuinamente realistas, embora com diferenças de tom que importa sublinhar. Também disponível na Prime Video, Guerra Civil desenvolve-se como uma parábola sobre as clivagens internas dos EUA — e escusado será dizer que as atribulações destes tempos apenas têm contribuído para reforçar o seu valor simbólico. Agora, o olhar realista gera uma crónica detalhada sobre uma missão de uma unidade de Navy Seals, em 2006, na guerra do Iraque, durante a Batalha de Ramadi.
Num cenário de ruas poeirentas, desertas e inquietantes, começamos por ver o grupo a ocupar a casa de uma família: procuram recuperar forças e tentar perceber, via rádio, qual a sua posição relativa no interior do dispositivo das tropas em movimento. O realismo começa no detalhe, no cansaço dos rostos, na sensação de peso do material que cada soldado transporta, no assombramento do silêncio, enfim, na ameaça que a mais pequena perturbação sonora pode conter. A precisão dos pormenores justifica mesmo que reconheçamos neste realismo uma passagem para o domínio tão peculiar (e também tão made in America) do hiper-realismo.
Em qualquer caso, não se julgue que tal efeito “excessivo” se esgota numa mera acumulação de determinados elementos cenográficos ou objectos realistas. Desta vez, e de modo francamente diferente de Guerra Civil, a dimensão realista adquire grande parte da sua contundência através da linearidade do tempo, ou melhor, da continuidade de uma acção tecida de medo e solidão. Os cerca de 90 minutos do filme serão vividos pelo espectador como uma experiência com a mesma intensidade dramática de Guerra Civil, mas desta vez o tempo redobra as incertezas do espaço. Warfare existe, assim, através de uma saturação de pequenos acontecimentos tão perturbantes quanto discretos, acontecimentos que vão explicitando o misto de racionalismo e absurdo da própria situação de guerra.
Espera e combate, quietude e violência, calma aparente e brutal agitação — tudo se enreda num labirinto de pormenores que, em termos narrativos, possui qualquer coisa de reportagem, mesmo se Warfare não deixa de ser um trabalho ficcional apostado em “reconstituir” a experiência emocional, perversamente claustrofóbica, de um grupo de homens entregues a um cenário cujas determinações desconhecem. É para tomar à letra a informação da legenda inicial que lembra que o filme “apenas usa as suas memórias”.
Da longa lista de filmes de guerra, ou melhor, de filmes sobre muitas guerras somos levados a recordar aqueles que, para lá de todas as óbvias diferenças, apostam também em alguma exacerbação realista — penso, por exemplo, em A Vergonha (Ingmar Bergman, 1968) ou Platoon (Oliver Stone, 1986). De facto, não faz sentido amalgamá-los nas coordenadas de um “género” supostamente estável. Em qualquer caso, há neles um desafio realista e, insisto, hiper-realista que decorre da dificuldade (física e formal) de encenar a iniquidade da guerra.
No caso de Warfare, de modo original, bem diverso das evocações dramáticas de muitas guerras, nem sequer se exploram os antecedentes de cada um dos soldados como componente “psicológica” da acção. Afinal de contas, aquele grupo entrou num limbo em que a brutal nitidez da morte reduz o mundo a um acidente narrativo e moral. Escusado será dizer que, aqui, já não há heróis nem heroísmo.

sexta-feira, abril 18, 2025

Somos todos australianos
— sobre o consumo da internet

Imagem promocional do filme Eis o Admirável Mundo em Rede (2016)

Como é que os mais jovens se envolvem com a internet? Eis uma pergunta de uma só vez cultural e política — este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 abril).

Se procurarmos na internet as notícias mais recentes sobre o primeiro-ministro da Austrália, podemos encontrar muitos relatos, fotografias e videos sobre o incidente (benigno) que protagonizou numa sessão de campanha eleitoral, na quinta-feira, em Lovedale, New South Wales: ao posar para os fotógrafos, Anthony Albanese escorregou e caiu do estrado em que se encontrava... Entretanto, no mesmo dia, outra notícia sobre Albanese teve no espaço mediático um tratamento incomparavelmente mais discreto — como se prova, uma queda tem sempre boa cotação junto do jornalismo mais preguiçoso.
Acontece que o chefe do governo australiano deu uma conferência de imprensa em que estiveram em destaque temas nacionais, como o custo do aluguer das habitações, a par da situação no Médio Oriente e das suas relações com Donald Trump. Com um detalhe importante: ao lado dos jornalistas, o evento contou com algumas crianças, convidadas pelo próprio Albanese para poderem questioná-lo para uma emissão de Behind the News (programa televisivo da ABC australiana, criado em 1968, visando os espectadores com idades entre os 10 e os 13 anos).
A certa altura, uma menina de nome Lana, 11 anos de idade, estudante de uma escola primária dos subúrbios de Camberra, questionou o primeiro-ministro: “Considera que as redes sociais têm algum impacto nas crianças?” Albanese não se perdeu em qualquer facilidade retórica: “Certamente que têm, e é por isso que vamos banir as redes sociais para os menores de 16 anos.”
Em termos políticos, a afirmação não era nova, ecoando uma decisão do governo australiano anunciada no final do ano passado. Convém, por isso, evitar ceder à histeria de muitos debates televisivos, recusando esse esquematismo sem pensamento que poderá atrair um qualquer alarmismo do género: “Vamos, então, proibir os telemóveis?” De acordo com um texto do próprio Albanese (publicado no site do governo australiano a 21 de novembro de 2024), trata-se de uma “lei concebida para responder às transformações da tecnologia e dos serviços”. De tal modo que o primeiro-ministro não hesita em dar exemplos de plataformas cujas condições de acesso deverão ser atentamente controladas: Snapchat, TikTok, Instagram e X. Aliás, com a subtileza que o distingue, Elon Musk não perdeu a oportunidade de proclamar que o governo australiano é formado por “fascistas” e que os condicionalismos etários previstos pela nova legislação têm como objectivo assegurar “o controlo do acesso à internet por todos os australianos” (sic).
Em boa verdade, novos e velhos, somos todos australianos. Não que a legislação do governo de Albanese possa ser encarada como um modelo absoluto, automaticamente transponível para qualquer contexto. O que está em jogo é muito diferente e, no caso português, tanto mais difícil de encarar e pensar quanto assistimos a infinitas batalhas navais sobre o orçamento de Estado, os candidatos presidenciais ou, agora, as eleições legislativas sem que haja um dirigente partidário (ou um comentador) que pronuncie a palavra “cultura”.
Porque é de uma tragédia cultural que se trata. Para lá de qualquer estupidez maniqueísta, importa lidar com esta conjuntura em que, da construção do conhecimento à estruturação dos valores individuais e colectivos — chama-se a isso, justamente, cultura —, tudo se transfigurou. O cinema nunca desistiu de nos avisar para o que tem estado a acontecer — recorde-se a contundência analítica da obra-prima de David Fincher, A Rede Social (2010), ou o documentário didáctico de Werner Herzog, Eis o Admirável Mundo em Rede (2016). A ilusão libertária com que muito boa gente, incluindo jornalistas, acolheu a eclosão das redes (ditas) sociais afastou-nos de uma necessária reflexão sobre que sociedade se estava a construir. E também que sociedade aceitamos destruir.

domingo, março 16, 2025

Na companhia dos livros com Patti Smith

Das notas privadas de Wittgenstein ao desejo infantil de ser uma cientista, podemos reencontrar Patti Smith na plataforma Substack. Neste caso, a deambulação errática (mas não errante), incluindo a dificuldade de encontrar os óculos adequados a cada momento, oscila entre revelações recentes e memórias antigas, num ziguezague de maravlhosos 20 minutos em video — ela pede desculpa pela longa duração, mas nós não levamos a mal.

Dreams of science by Patti Smith

Wittgenstein's work ethic, Leeuwenhoek and the lens

Read on Substack

A política TikTok

Spellbound / A Casa Encantada (1945):
cenários de Salvador Dalí para um clássico de Alfred Hitchcock

O povo do TikTok não tem memória nem cultiva o conhecimento. Que pensam disso os políticos? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 março).

I. Politicamente, vivemos numa caixa de ressonância de “mensagens”, saturada de redundâncias, que é também uma máscara do cenário quotidiano em que tudo se produz e reproduz: vogamos num espaço de pensamento enquistado no seu próprio espectáculo, incapaz de se distanciar da pornografia mediática de que, afinal, se alimenta. E penso uma vez mais, como um assombramento que se renova, nas palavras concisas do filósofo francês Claude Lefort (1924-2010): “As democracias modernas, transformando a política num domínio autónomo de pensamento, criam condições para o totalitarismo.”

II. A cruel passagem dos dias obriga-nos a acrescentar um suplemento descritivo às palavras de Lefort. Assim, o seu “domínio autónomo de pensamento” passou a existir como uma paisagem predominantemente televisiva que, porventura na cândida inconsciência dos seus profissionais, desistiu de qualquer metodologia descritiva para, em nome de um naturalismo serôdio, se encenar como tribunal popular, sem centro simbólico nem juiz identificado ou identificável.

III. A regra é esta (sem menosprezo, antes pelo contrário, pelas excepções): a gestão da informação disponível deixou de ser um complexo, vigilante e metódico processo de conhecimento, para ser transformada numa acumulação redundante capaz de gerar uma agitação “informativa” em que, supostamente, se espelham os direitos da nossa cidadania.

IV. O TikTok — aliás, o sistema ideológico e tecnológico que se exprime no TikTok — não se esgota num baú de fragmentos que alimentam o vazio saltitante dos nossos olhares. Se fosse apenas isso, já seria um crime audiovisual contra séculos de elaboração cognitiva sustentados por uma história nobre que vai das pinturas primitivas das cavernas até às maravilhas reais e surreais que o cinema gerou ao longo do seu século XX. O TikTok funciona como uma máquina de desvalorização de qualquer aproximação humanista da experiência humana — a alegria de que falava o filósofo está agora reduzida à vibração efémera de uma existência (a das imagens e também a nossa) que se esgota na rotina de acrescentar pitoresco ao pitoresco, estupidez à estupidez, obscenidade à obscenidade.

V.
A palavra “povo” quase desapareceu do nosso vocabulário porque a realidade que nela se encarnava está estilhaçada. Já só há “comunidades”, “seguidores”, “amigos” de polegar ao alto. Até mesmo os plurais que nos uniam se tornaram suspeitos, a ponto de se considerar que quem se dirija aos “portugueses” está a ofender meio mundo — a questão de género deixou mesmo de começar na intimidade mais recôndita de cada ser humano, para ser brandida como uma palavra de ordem militante. Ignora-se a prática política como uma prática de vida e uma permanente dedicação a uma ideia forte de comunidade. Resta um mero xadrez de poderes jogado pelos membros da classe política, com os cidadãos, munidos de telemóveis e afins, a consumir minutos, segundos cada vez mais curtos, não poucas vezes com o tempero de apoteóticos disparates de alguns “influencers” e seus derivados.

VI. Perseguindo uma pureza sem história, sancionada por uma agressiva ignorância mitológica, direitas e esquerdas revelam-se igualmente desastradas — sendo a ingenuidade congénita o maior dos seus desastres — na ocupação deste novo território virtual (mas muito real) sobre o qual, afinal de contas, não conseguem produzir a mais pequena ideia operativa.

VII. São as forças mais extremadas do espectro político, invulgarmente hábeis na exploração das contradições de tudo isto, que vão acumulando dividendos: passo a passo, eleição a eleição, garantem a sua crescente legitimação entregue por um povo que, através dos abalos telúricos do espectáculo, julga rever-se nos ecrãs que utiliza. Entretanto, promovem-se muitos, e muito interessantes, debates sobre as ameaças da Inteligência Artificial, ignorando o abandono a que vai sendo votada a inteligência humana.

segunda-feira, fevereiro 10, 2025

Patti Smith, a slow start

Patti Smith esteve doente e tem tido uma recuperação algo complicada — como ela diz, foi compelida a começar 2025 de forma lenta. Na sua mensagem, além do mais, confirma que brevemente dela teremos um novo livro. Sem esquecer que este é o ano do 50º aniversário de Horses.

A message for all by Patti Smith

thinking of you

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segunda-feira, janeiro 27, 2025

Tirania
[um video do New York Times]

Como começa a tirania?
Eis um ensaio, em formato de video, produzido pelo New York Times, tendo essa pergunta como ponto de partida. Os testemunhos provêm de pessoas de quatro países: Rússia, Singapura, Nicarágua e Hungria — a sua conjugação gera uma peça jornalística com tanto de inquietante como de pedagógico.

sexta-feira, dezembro 27, 2024

L' Inhumaine faz 100 anos

Na altura em que passam 100 anos sobre o lançamento do filme L'Inhumaine (1924), de Marcel L'Herbier, vale a pena lembrar que é possível vê-lo na respectiva página da Wikipedia — aliás, numa cópia de excelente qualidade. Para não esquecermos que as ousadias da experimentação, tanto quanto as atribulações do melodrama, são uma invenção muito antiga — entenda-se: totalmente moderna.

>>> Sobre L'Herbier: um texto de Jonathan Rosenbaum.
>>> L'Herbier no site da Cinemateca Francesa.

quarta-feira, dezembro 18, 2024

Patti Smith
— uma canção dos U2

Na sua conta da plataforma Substack, Patti Smith dá notícias do livro que está a escrever, partilhando uma sua performance ao vivo, com Tony Shanahan no piano — é um tema dos U2, Love is all we have left, do álbum Songs of Experience (2017).

A song for you by Patti Smith

love is all we have left

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quinta-feira, outubro 10, 2024

Rafael Nadal: "Retiro-me do ténis profissional"

[ rafaelnadal.com ]

Depois da Taça Davis de 2024, cuja final está marcada para 24 de novembro, Rafael Nadal irá colocar um ponto final na sua carreira profissional — foi o próprio tenista espanhol que anunciou a decisão através de um video pontuado por algumas memórias de uma carreira verdadeiramente excepcional.

sábado, setembro 28, 2024

Rick Beato: "O YouTube
está a esmagar os meios de comunicação tradicionais"

Fascinante video de Rick Beato — em foco está a presença dominante (esmagadora, precisamente) do YouTube na paisagem em que procuramos, escolhemos e consumimos as mais diversas formas de comunicação.
O título desta nota poderá fazer pensar que Beato não passa de um tradicionalista ressabiado, revoltado contra um instrumento de comunicação que não domina... Nada disso. Aliás, através de números eloquentes, ele demonstra que o seu canal no YouTube é um caso significativo de enorme sucesso. Trata-se, afinal, de expor uma verdade rudimentar, fascinante e perturbante — as nossas relações com as imagens e os sons entraram (já há algum tempo, convenhamos) numa idade moderna, pós-moderna ou pós-pós-moderna, envolvendo novos modos de olhar, diferentes regimes de escuta. Enfim, uma desafiante organização/percepção do mundo à nossa volta.
O video é tanto mais sugestivo quanto se apresenta com um título cuja significação não é o que parece: "Porque é que David Gilmour não vai aparecer no meu canal".

quinta-feira, agosto 29, 2024

A beleza perdida

Cravos e Clematites num Vaso de Cristal (c. 1882), de Édouard Manet

Será que ainda somos capazes de olhar com olhos de ver para um quadro de Manet? Não é certo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 agosto).

Como e quando aconteceu a desvalorização da beleza? Observe-se a avalanche quotidiana de imagens — da Reality TV aos concertos da chamada música pimba — e o modo como a sua sistemática difusão promove e, mais do que isso, procura naturalizar muitas formas de fealdade. O simples reconhecimento de tal estado de coisas é, ou poderia ser, um vector central de qualquer política cultural. E afigura-se tanto mais significativo quanto importa contornar, ou melhor, superar o infantilismo reinante de muitos discursos sobre o belo.
[ BeauxArts ]
Dito de outro modo: trata-se de fugir do espectro de ideias imposto pelo poder audiovisual da cultura tablóide — fortemente sustentada e alimentada pela normalização do Big Brother televisivo, iniciada há mais de 20 anos — e, pelo menos, reconhecer que a identificação do belo (ou a sua rejeição) existe no coração de qualquer dinâmica cultural.
Importa revalorizar a utilização da palavra “beleza”. Não é fácil, muito menos simples, contribuir para qualquer clarificação do problema, quanto mais não seja porque, da imprensa mais medíocre até ao uso populista dos admiráveis poderes televisivos, assistimos todos os dias ao triunfo de um conceito de beleza ocupado (como se fosse uma ocupação militar) pela vacuidade intelectual e a depressão existencial de “influencers”, vedetas da auto-ajuda, sacerdotes do bem estar universal, etc.
Evitemos, por isso, a vulgaridade estética e os seus agentes. Não se trata de discutir a beleza da pessoa A ou B, eventualmente a comparação da sua beleza com X ou Y. A fulanização da beleza constitui, aliás, o complemento tosco de um pensamento que não ultrapassa as banalidades correntes do marketing e reduz o mundo a mecanismos de “personalização” — há mesmo quem nos queira convencer que, da escolha do mais recente creme depilatório até à descoberta íntima de Deus, tudo é “personalizado” e passível de ser tratado com receitas mágicas herdades de mezinhas medievais.
O desafio que a conjuntura nos coloca é bem diferente — e é, sobretudo, de outra dimensão. O que está em jogo não é a beleza desta ou daquela pessoa, deste ou daquele objecto: é, isso sim, o modo como olhamos o mundo à nossa volta. Ou ainda: a capacidade que temos (ou, definitivamente, perdemos) de construir laços criativos, inteligentes e contagiantes entre o que nos é dado ver e, se possível, a partilha daquilo que vemos com os outros. Nesta perspectiva, a beleza pode ser uma questão de imagens, mas é também, talvez seja mesmo sobretudo, o aparato de circuitos, valores e pensamentos com que reconhecemos que habitamos um espaço comum.
[ Taschen ]
Contemplo os Cravos e Clematites num Vaso de Cristal (c. 1882) pintados por Édouard Manet. Resisto à solução pueril de dizer que o pintor soube reproduzir a vida contagiante de algumas flores tão “bonitas”… Na verdade, a mais básica disciplina do olhar recorda-me que as mesmas flores representadas por um pintor medíocre não passariam de um acontecimento banal, incapaz de mobilizar a minha atenção.
Nada a ver com um saber “superior” enraizado no reconhecimento prévio de Manet como personalidade incontornável na história da pintura. Entenda-se: o que está em jogo não é a confirmação da informação contida na ficha da Wikipedia dedicada a Manet (muito útil, reconheço), mas sim a percepção de que o quadro que contemplamos nasce de algo radical e insubstituível. A saber: uma relação. Talvez duas: primeiro, a do pintor com “aquilo” que decidiu partilhar connosco; depois, a do olhar de cada um de nós com o olhar do pintor.
Por que não expor este quadro numa emissão de televisão? Por que não mostrá-lo em silêncio, 60 segundos apenas, para ser visto no nosso ecrã caseiro?
São perguntas de um lirismo selvagem. Perante o estado das coisas constituem, pelo menos, uma arma legítima de reflexão. Afinal de contas, se se gastam horas, dias, semanas a perorar sobre as crises psicológicas que têm pontuado a carreira de João Félix (a quem manifesto a minha solidariedade), será assim tão escandaloso supor que talvez seja salutar não nos esquecermos de Manet? Não tenho a pretensão se supor que sei exactamente o que temos a ganhar, mas observo com tristeza o que vamos perdendo.

>>> Documentário de Jacques Vichet sobre Édouard Manet (2015).

sexta-feira, agosto 23, 2024

Política & jornalismo

Esta é uma imagem retirada do site da revista Rolling Stone, integrada numa campanha de promoção de novos assinantes.
É também uma prova muito real de uma componente da conjuntura mediática & imaterial em que vivemos, suscitando reflexões que não podem, sob pena alimentarem o cinismo reinante, encerrar-se numa qualquer dicotomia descritiva, muito menos moralista.
A saber: os circuitos do consumo desempenham um papel central na organização das nossas identidades (públicas & privadas), podendo transfigurar qualquer elemento de qualquer universo das actividades humanas — a começar pela política e incluindo o jornalismo. Keep the faith.