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domingo, setembro 21, 2014
Queer Lisboa 18 - dia 3
A estreia nacional de um filme inédito de Derek Jarman, uma mostra de alguns telediscos assinados pelo realizador e ainda a longa-metragem La Partida, de Antonio Hens, integram alguns dos destaques das secções não competitivas a ver hoje no Queer Lisboa 18, entre as salas do Cinema São Jorge.
Will You Dance With Me? nasceu na verdade de imagens captadas numa noite de 1984 quando Derek Jarman, munido de uma câmara VHS, partiu com a equipa do realizador Ron Peck (que então preparava o filme Empire State) para o Benjy's, um clube local britânico num serão de trabalho em que tinha por missão olhar maneiras de retratar as pessoas a dançar. Foi o que fez. E com uma banda sonora (aquela que o DJ ia rodando nos pratos) por onde passava, temas dos Frankie Goes To Hollywood, Shannon, Herbie Hancock ou Break Machine, tomou os figurantes como mais que meros anónimos. Transformou-os em personagens, que assim acompanhou ao longo da noite. Essas imagens ficaram na gaveta anos a foi, foram finalmente divulgadas este ano no London Flare, na sala maior do British Film Institute, em Londres. Hoje o Queer Lisboa apresenta, pelas 17.00 (na sala 3 do Cinema São Jorge) a primeira apresentação do filme após esta estreia absoluta em Londres. Ron Peck estará na sala para evocar como surgiram estas imagens.
Podem ler aqui uma entrevista com Ron Peck, onde (entre outros assuntos) se fala deste filme.
Após a projeção de Will You Dance With Me?, a sala 2 do Cinema São Jorge apresenta (com comentários de um dos autores deste blogue) uma seleção de alguns dos mais significativos telediscos de Derek Jarman para canções de nomes como, entre outros, Marianne Faithfull, os Pet Shop Boys, Marc Almond, The Smiths ou Bryan Ferry.
Também hoje de tarde, mas na Sala Manoel de Oliveira do mesmo cinema passa, integrado na secção Panorama, o filme La Partida, do realizdor espanhol Antonio Hens. Um filme rodado em Cuba e sobre o qual o realizador fala numa entrevista que podem ler no site do festival.
Diz a sinopose: dois rapazes cubanos no limiar da marginalidade lutam por uma vida em conjunto. Mas é duro para ambos: um tem que trabalhar como cobrador dos que têm dívidas para com o sogro. O outro prostitui-se pelas ruas para cumprir as obrigações familiares.
Podem ler aqui a entrevista com Antonio Hens.
Em competição:
Entre os destaques do dia nas secções competitivas de longas metragens há duas ficções e dois documentários a ter em conta. Além disso, pelas 19.15 horas, é apresentada na sala 3 do Cinema São Jorge a primeira sessão de curtas-metragens.
Aqui podem ler o que contam as sinopses dos filmes em competição:
Prophecy, Pasolini's Africa, de Gianni Borgna e Enrico Menduno:
Depois de Accattone (1961), Pasolini voltou-se para África, à procura de uma força proletária e revolucionária que procurara em vão no norte italiano e nos subúrbios de Roma. Assim nasceu a sua poesia e os filmes La rabbia (1963), Edipo re (1967) e Appunti per un'Orestiade africana (1968-1973). Profezia. L'Africa di Pasolini explora uma esperança que vai acabar em nova decepção: a África é um reservatório de contradições irreconciliáveis que vai explodir nos confrontos, ditaduras, massacres presentes e futuros. África está desgastada nos limites de incerteza, como a periferia do primeiro mundo. A inspiração profética continua a incomodar-nos quando ele descreve, trinta anos antes, o êxodo de africanos nos barcos e a sua "conquista" de Itália. Mas o poeta está destinado a uma morte precoce, como em Accattone. - 15.00 horas, Sala 3
L'Armée du Salut, de Abdellah Taïa:
Em Casablanca, o jovem Abdellah passa os dias em casa, vivendo uma relação de conflito e cumplicidade com o pai. Nas ruas, tem ocasionalmente relações sexuais com homens. Durante as férias, o seu irmão mais velho, que venera, abandona-o. Dez anos mais tarde. Abdellah vive com o seu companheiro suíço, Jean. Ele deixa Marrocos e muda-se para Genebra, onde decide terminar o seu relacionamento e viver uma nova vida sozinho. Procura abrigo com o Exército da Salvação, onde um marroquino lhe canta uma canção do seu ídolo, Abdel Halim Hafez. - 19.30 horas, Sala 1
American Vagabond, de Susanna Helke:
James fugiu da casa dos pais porque eles não aceitavam o facto de ser gay. Ele tenta encontrar refúgio em São Francisco com o seu namorado, Tyler. Eles pensavam que encontrariam uma comunidade na “Meca Gay”. Em vez disso, acabam a dormir num parque e a pedir pelas ruas do bairro gay. Eles encontram-se presos num mundo de sem-abrigos e numa comunidade composta por outros jovens gay rejeitados. Eventualmente, James tem de enfrentar o seu passado e o lugar que deixou para trás. American Vagabond é uma história sobre o crescimento de um rapaz gay de uma cidade pequena na América. Uma história sobre uma família que enfrenta o seu maior medo. - 21.20, Sala 3
Party Girl, de Marie Amachoukeli, Claire Burger e Samuel Theis:
Angélique é uma empregada de bar de 60 anos. Ela ainda gosta de divertir-se, ainda gosta de homens. De noite, ela fá-los beber, num cabaret na fronteira Franco-Alemã. À medida que o tempo passa, os clientes são escasseando, Mas Michel, presença regular na casa, ainda está apaixonado por ela. Certo dia, ele pede Angélique em casamento. 22.00 horas, Sala 1
sexta-feira, setembro 05, 2014
Queer Lisboa 18 apresenta programação
Um filme inédito de Derek Jarman (e uma seleção dos telediscos por si realizados), retrospetivas de John Waters e Ron Peck, um documentário sobre Nan Goldin, um foco especial sobre África, a estreia em sala de um documentário dos The Gift e uma homenagem, feita com telediscos, aos 30 anos de carreira dos Pet Shop Boys são, além dos muitos títulos das secções competitivas e não competitivas, alguns dos destaques da maior edição de sempre do festival Queer Lisboa, que este ano decorre entre os dias 19 e 27 de setembro entre o Cinema S. Jorge e a Cinemateca Portuguesa.
O filme de abertura do festival será Hoje Não Quero Voltar Sozinho (primeira imagem), do realizador brasileiro Daniel Ribeiro, que nasce diretamente de uma curta-metragem do mesmo realizador que foi premiada na edição de 2011 do Queer Lisboa. O encerramento ficará a cargo de um outro título brasileiro, Flores Raras, de Bruno Barreto.
Um dos títulos centrais da programação é Will You Dance With Me?, de Derek Jarman (segunda imagem), filme que resulta de imagens captadas em vídeo numa discoteca local britânica em 1984 (em tempo de preparação de Empire State, de Ron Peck - que será também exibido no festival) e que durante anos esteve na gaveta. Estas imagens só conheceram primeira exibição pública na edição deste ano do London Flare, no BFI, em Londres. Esta será a sua segunda projeção mundial.
À retrospetiva dedicada a John Waters, que já havia sido noticiada em julho, o Queer Lisboa 18 junta uma outra, que apresentará a integral da obra do realizador britânico Ron Peck. O realizador estará em Lisboa para apresentar não apenas este ciclo - que integra o histórico Nighthawks, de 1978 (terceira imagem) - mas também o inédito de Derek Jarman que o festival apresenta na tarde de dia 20 no Cinema S. Jorge.
A secção Queer Pop apresenta o documentário The Gift: A Single Hand Documentary (dia 27, pelas 17.00), filme de 2000 de Gonçalo Covacivic que terá aqui a sua primeira exibição em sala, assinalando um momento na celebração dos 20 anos de carreira do grupo. Haverá ainda duas sessões comentadas de telediscos - pelos autores deste blogue - uma com filmes realizados por Derek Jarman, a outra recordando momentos da obra dos Pet Shop Boys.
Podem ver aqui a programação completa do festival.
segunda-feira, julho 14, 2014
O cinema, as ideias e a música
segundo Derek Jarman (3)
Este texto é um excerto de um artigo sobre Derek Jarman originalmente publicado na edição de 27 de junho do suplemento Q, com o título ‘Por detrás da câmara de Derek Jarman’.
Jon Savage explica em Sketchbooks que, "apesar dos filmes se manterem como a expressão mais conhecida da prodigiosa obra de Derek Jarman, eles não se podem separar da sua vida quotidiana e da sua posição dentro da cultura britânica como um outsider, um ativista, um comentador e catalisador”. Para Jarman, como ali acrescenta, “tudo estava fundido com tudo numa espécie de gesamtkunstwerk vivo que incluía a pintura, a cenografia, os diários publicados, os telediscos pop e o seu jardim em Dungeness [localidade costeira na região de Kent onde viveu os seus últimos anos]”. E isto, conclui, “é o que faz dele tão único e impossível de categorizar”. Jon Savage defende ainda uma importância maior do trabalho nos telediscos na definição dos caminhos pelos quais seguiria um cinema muitas vezes dominado pela estética do Super 8, que frequentemente surgia não apenas como opção estética mas também prática, já que "os baixos custos e a flexibilidade operacional eram ali igualados por um imediatismo expressivo".
Os telediscos, para nomes como, entre outros, os The Smiths, Marc Almond, Marianne Faithfull ou Bryan Ferry, levaram-no, de facto, a uma nova geração de espectadores e a novos públicos nos anos 80. Mas foi com os Pet Shop Boys que definiu um mais vasto corpo de trabalho. Não apenas ao rodar telediscos para canções como It’s a Sin ou Rent, mas ao assinar os filmes que serviram de cenário à primeira digressão do grupo, em 1989, e que o BFI editou depois em vídeo como Projections. Neil Tennant, vocalista dos Pet Shop Boys, conheceu Derek Jarman por alturas em que este soube que era seropositivo. "Politicamente estávamos no terceiro mandato de Mrs. Thatcher e o nosso álbum Actually [de 1987] era parcialmente um statement anti-thatcherismo”, explica no texto que apresenta em Sketchbooks. Derek foi, lembra Neil Tennant, “uma importante figura do anti-thatcherismo, ao mesmo tempo que era um artista”. E tinha “uma forte agenda política”, que Neil Tennant crê ter surgido “por causa da sida e também da Cláusula 28, aquela infame legislação que afastou a ‘promoção da homossexualidade' das escolas”. Neil Tennant acrescenta ainda: “Podemos ver as suas opiniões como extremas, mas na altura havia muitas razões para estarmos zangados.” E confessa: “O que nos uniu ao Derek foi ser contra a cultura, o que ainda somos e o Derek ainda seria. Os seus diários são historicamente um registo importante da sua ira quanto ao que estava a acontecer em Inglaterra e como o mundo gay estava politizado.”
Vale a pena recordar o que escreveu o próprio Derek Jarman sobre o resultado desta parceria, sobretudo o trabalho usado nas projeções durante concertos (em Modern Nature, volume de 1992 que junta os seus diários de 1989 e 90). A 19 de julho de 1989 Derek Jarman filmou os Pet Shop Boys em Wembley (Londres) e comentou as boas críticas na imprensa. “Seja o que acontecer é entretenimento – dança espetacular, fatos coloridos.” E “os filmes no fundo”, que eram de sua autoria, “de Super 8 esticados a 70mm – funcionam!”.
Já este ano, durante a edição 2014 do London Flare – o Festival de Cinema Gay e Lésbico anualmente organizado pelo BFI –, teve estreia mundial o filme Will You Dance With Me?, que acrescenta um importante episódio à história do relacionamento do cinema de Derek Jarman com a música. Na verdade o filme não é mais que o conjunto de imagens que, com uma câmara VHS, Derek Jarman rodou durante uma noite de 1984 num pequeno clube de bairro com vista ao trabalho de preparação do que seria (três anos depois) Empire State, de Ron Peck. Na noite de estreia do filme na sala maior do National Film Theatre, o próprio Ron Peck recordou o momento, contando que estavam então a fazer experiências sobre várias personagens em Londres e um dos lugares a observar era um clube, o Benjy's. “Era um lugar curioso, porque era gerido familiarmente. Atraía uma população local, muito relaxada e amigável”, descreveu. Convidaram cerca de cem pessoas numa tarde, criando-se assim “uma noite ficcionada num clube” entre habituées e os atores que iam fazer testes, contando com o DJ habitual da casa. Ron trabalhava com uma câmara. E Derek Jarman “ia filmar outros aspetos do clube, nomeadamente os movimentos das personagens”. Pediu-lhe então para filmar a dança “de uma maneira diferente”. O filme que tinha em mente “tinha a ver com tensões sociais e das dificuldades das pessoas”. Eram tempos difíceis, descreve, e aquele clube “era um lugar de fuga, de escapismo”. Filmar as pessoas a dançar era então a missão de Derek Jarman por uma noite, ao som de canções da época de nomes como os Break Machine, Frankie Goes to Hollywood, Shannon, Evelyn Thomas, Pointer Sisters ou Hazell Dean. Ao rever recentemente as imagens, Ron Peck confessa ter ficado “espantado com o controlo” de Jarman sobre a câmara: “Filmou com uma VHS, que era a nova tecnologia da altura. Ele dirige-se às pessoas e gradualmente está mais envolvido com o clube e as pessoas.” O filme é, como descreve, “uma experiência” e “não foi pensado para ser mostrado”. Não tem “um princípio nem um fim, mas há uma progressão”. Porque era um teste não tinha um título. A dada altura Ron notou que Derek Jarman “pergunta a um rapaz se dança com ele. E a tensão parte daí. Será que a pessoa a quem ele pede para dançar vai mesmo dançar com ele?”...
Os telediscos, para nomes como, entre outros, os The Smiths, Marc Almond, Marianne Faithfull ou Bryan Ferry, levaram-no, de facto, a uma nova geração de espectadores e a novos públicos nos anos 80. Mas foi com os Pet Shop Boys que definiu um mais vasto corpo de trabalho. Não apenas ao rodar telediscos para canções como It’s a Sin ou Rent, mas ao assinar os filmes que serviram de cenário à primeira digressão do grupo, em 1989, e que o BFI editou depois em vídeo como Projections. Neil Tennant, vocalista dos Pet Shop Boys, conheceu Derek Jarman por alturas em que este soube que era seropositivo. "Politicamente estávamos no terceiro mandato de Mrs. Thatcher e o nosso álbum Actually [de 1987] era parcialmente um statement anti-thatcherismo”, explica no texto que apresenta em Sketchbooks. Derek foi, lembra Neil Tennant, “uma importante figura do anti-thatcherismo, ao mesmo tempo que era um artista”. E tinha “uma forte agenda política”, que Neil Tennant crê ter surgido “por causa da sida e também da Cláusula 28, aquela infame legislação que afastou a ‘promoção da homossexualidade' das escolas”. Neil Tennant acrescenta ainda: “Podemos ver as suas opiniões como extremas, mas na altura havia muitas razões para estarmos zangados.” E confessa: “O que nos uniu ao Derek foi ser contra a cultura, o que ainda somos e o Derek ainda seria. Os seus diários são historicamente um registo importante da sua ira quanto ao que estava a acontecer em Inglaterra e como o mundo gay estava politizado.”
Vale a pena recordar o que escreveu o próprio Derek Jarman sobre o resultado desta parceria, sobretudo o trabalho usado nas projeções durante concertos (em Modern Nature, volume de 1992 que junta os seus diários de 1989 e 90). A 19 de julho de 1989 Derek Jarman filmou os Pet Shop Boys em Wembley (Londres) e comentou as boas críticas na imprensa. “Seja o que acontecer é entretenimento – dança espetacular, fatos coloridos.” E “os filmes no fundo”, que eram de sua autoria, “de Super 8 esticados a 70mm – funcionam!”.
Já este ano, durante a edição 2014 do London Flare – o Festival de Cinema Gay e Lésbico anualmente organizado pelo BFI –, teve estreia mundial o filme Will You Dance With Me?, que acrescenta um importante episódio à história do relacionamento do cinema de Derek Jarman com a música. Na verdade o filme não é mais que o conjunto de imagens que, com uma câmara VHS, Derek Jarman rodou durante uma noite de 1984 num pequeno clube de bairro com vista ao trabalho de preparação do que seria (três anos depois) Empire State, de Ron Peck. Na noite de estreia do filme na sala maior do National Film Theatre, o próprio Ron Peck recordou o momento, contando que estavam então a fazer experiências sobre várias personagens em Londres e um dos lugares a observar era um clube, o Benjy's. “Era um lugar curioso, porque era gerido familiarmente. Atraía uma população local, muito relaxada e amigável”, descreveu. Convidaram cerca de cem pessoas numa tarde, criando-se assim “uma noite ficcionada num clube” entre habituées e os atores que iam fazer testes, contando com o DJ habitual da casa. Ron trabalhava com uma câmara. E Derek Jarman “ia filmar outros aspetos do clube, nomeadamente os movimentos das personagens”. Pediu-lhe então para filmar a dança “de uma maneira diferente”. O filme que tinha em mente “tinha a ver com tensões sociais e das dificuldades das pessoas”. Eram tempos difíceis, descreve, e aquele clube “era um lugar de fuga, de escapismo”. Filmar as pessoas a dançar era então a missão de Derek Jarman por uma noite, ao som de canções da época de nomes como os Break Machine, Frankie Goes to Hollywood, Shannon, Evelyn Thomas, Pointer Sisters ou Hazell Dean. Ao rever recentemente as imagens, Ron Peck confessa ter ficado “espantado com o controlo” de Jarman sobre a câmara: “Filmou com uma VHS, que era a nova tecnologia da altura. Ele dirige-se às pessoas e gradualmente está mais envolvido com o clube e as pessoas.” O filme é, como descreve, “uma experiência” e “não foi pensado para ser mostrado”. Não tem “um princípio nem um fim, mas há uma progressão”. Porque era um teste não tinha um título. A dada altura Ron notou que Derek Jarman “pergunta a um rapaz se dança com ele. E a tensão parte daí. Será que a pessoa a quem ele pede para dançar vai mesmo dançar com ele?”...
Nos seus diários Jarman registara, a 24 de junho de 89: “Só vou ao cinema hoje por amizade ou nostalgia. Não consigo ver nada que não seja baseado na vida do autor. O trabalho dos atores, da câmara, toda a parafernália não me dão prazer sem o elemento autobiográfico.” Podemos dizer que, tal como nos demais títulos da sua obra, também neste filme agora estreado postumamente foi fiel ao seu pensamento.
quinta-feira, julho 10, 2014
O cinema, as ideias e a música
segundo Derek Jarman (2)
Este texto é um excerto de um artigo sobre Derek Jarman originalmente publicado na edição de 27 de junho do suplemento Q, com o título ‘Por detrás da câmara de Derek Jarman’.
O documento maior do relacionamento de Jarman com o punk ganhou contudo forma em Jubilee (1977), longa-metragem que Savage descreve em Stetchbooks como “um documento extraordinário de uma Londres decadente e agora perdida, e uma alegoria da rebelião, opressão e corrupção”. Rodado nesse verão, era, como acrescenta, “um ponto de vista feminista e gay de uma cultura infetada pelo machismo e violência”. Num dos outros depoimentos que encontramos em Sketchbooks a cantora Toyah Wilcox explica que Jubilee foi criado “como o primeiro filme punk e começa com um cenário no qual a monarquia perdeu o seu poder, houve uma quebra na sociedade e temos em cena um gangue feminino violento e perigoso”. Contudo, num outro nível, Toyah explica que “Jubilee era uma contradição em si mesmo e ia contra a ética do punk: fazer um filme sobre o punk era explorá-lo e comercializá-lo. Mas creio que o Derek sabia que no futuro tudo seria comercial ou não existiria”.
Autor de Derek Jarman: A Biography, Tony Peak defende nesse seu livro que o realizador dedicou Jubilee “a todos os que trabalham secretamente contra a tirania de marxistas, fascistas, sindicalistas, maoistas, capitalistas, socialistas, etc, que conspiraram juntos para destruir a diversidade e a santidade de cada vida em nome do materialismo”. O filme reforçava definitivamente a visão política de uma figura cuja vida e obra seria força marcante de oposição ao thatcherismo nos anos 80 e um importante ativista na luta contra o VIH.
Num outro depoimento entre os blocos de apontamentos do realizador, James Mackay (que produziu alguns dos seus filmes mais significativos) recorda que Jarman focou a sua atenção no noticiário sobre o VIH desde 1981. "Embora ele só tenha sido diagnosticado em finais de 1986, partiu do principio de que tinha o vírus desde 1984 e começou a falar abertamente sobre a sua sexualidade e a igualdade de direitos durante a montagem do filme The Last of England (1988)”, acrescenta. A partir desse ponto, conclui, “a sua postura muda completamente: a política tornou se central na sua vida. Ele não separava arte e política”.
Estudioso da obra de Jarman, William Pencak explica que o seu cinema deu-nos ainda uma perspetiva alternativa da civilização, uma “filosofia da história” de um ponto de vista homossexual. Para o Jarman a compreensão “das conquistas e a sobrevivência dos homossexuais sob séculos de perseguição podiam servir de inspiração” para as lutas no seu tempo. Não se trata portanto de revisionismo, mas de uma busca de outros modos de ver os acontecimentos.
O documento maior do relacionamento de Jarman com o punk ganhou contudo forma em Jubilee (1977), longa-metragem que Savage descreve em Stetchbooks como “um documento extraordinário de uma Londres decadente e agora perdida, e uma alegoria da rebelião, opressão e corrupção”. Rodado nesse verão, era, como acrescenta, “um ponto de vista feminista e gay de uma cultura infetada pelo machismo e violência”. Num dos outros depoimentos que encontramos em Sketchbooks a cantora Toyah Wilcox explica que Jubilee foi criado “como o primeiro filme punk e começa com um cenário no qual a monarquia perdeu o seu poder, houve uma quebra na sociedade e temos em cena um gangue feminino violento e perigoso”. Contudo, num outro nível, Toyah explica que “Jubilee era uma contradição em si mesmo e ia contra a ética do punk: fazer um filme sobre o punk era explorá-lo e comercializá-lo. Mas creio que o Derek sabia que no futuro tudo seria comercial ou não existiria”.
Autor de Derek Jarman: A Biography, Tony Peak defende nesse seu livro que o realizador dedicou Jubilee “a todos os que trabalham secretamente contra a tirania de marxistas, fascistas, sindicalistas, maoistas, capitalistas, socialistas, etc, que conspiraram juntos para destruir a diversidade e a santidade de cada vida em nome do materialismo”. O filme reforçava definitivamente a visão política de uma figura cuja vida e obra seria força marcante de oposição ao thatcherismo nos anos 80 e um importante ativista na luta contra o VIH.
Num outro depoimento entre os blocos de apontamentos do realizador, James Mackay (que produziu alguns dos seus filmes mais significativos) recorda que Jarman focou a sua atenção no noticiário sobre o VIH desde 1981. "Embora ele só tenha sido diagnosticado em finais de 1986, partiu do principio de que tinha o vírus desde 1984 e começou a falar abertamente sobre a sua sexualidade e a igualdade de direitos durante a montagem do filme The Last of England (1988)”, acrescenta. A partir desse ponto, conclui, “a sua postura muda completamente: a política tornou se central na sua vida. Ele não separava arte e política”.
Estudioso da obra de Jarman, William Pencak explica que o seu cinema deu-nos ainda uma perspetiva alternativa da civilização, uma “filosofia da história” de um ponto de vista homossexual. Para o Jarman a compreensão “das conquistas e a sobrevivência dos homossexuais sob séculos de perseguição podiam servir de inspiração” para as lutas no seu tempo. Não se trata portanto de revisionismo, mas de uma busca de outros modos de ver os acontecimentos.
Perante a falta de financiamento oficial durante anos a fio, Derek Jarman procurou outros caminhos. Jon Savage recorda em Sketchbooks como a sua resposta à falta de apoios foi a criação de um espaço de trabalho fora do establishment dos media, onde começou a retratar "numa série de filmes, exposições, livros, belos, irados e apaixonados, o desastre que sentia que estava a ser infligido ao país”. O cinema de Derek Jarman refletia assim uma economia feita de baixos orçamentos. Usava câmaras caseiras e chegou a reaproveitar imagens de filmes de família. Em 1978 a soma total do orçamento de todos os seus filmes até então não alcançava sequer um milhão de libras. Uma das “vantagens da pobreza de Jarman”, como caracteriza Pencak, era a sua capacidade para contratar colaboradores com cachets reduzidos. E muitos dos que trabalhavam nos seus filmes “estavam ali porque assim o desejavam”. Em Eduardo II (1991), onde “mostra que homossexuais têm um percurso mais difícil rumo à igualdade que outros grupos oprimidos”, contou com muitos ativistas do grupo OutRage!, que colaboraram por amor à causa num filme que cruza uma história de outros tempos com uma pulsão de revolta que era, afinal, coisa do presente. O uso de anacronismos, que surge em mais filmes seus retratando figuras de outras épocas, é aqui usado como ponte entre a narrativa que se conta e as personagens que se evocam e o contexto e o tempo em que o filme é criado.
(continua)
quarta-feira, julho 09, 2014
O cinema, as ideias e a música
segundo Derek Jarman (1)
Este texto é um excerto de um artigo sobre Derek Jarman originalmente publicado na edição de 27 de junho do suplemento Q, com o título ‘Por detrás da câmara de Derek Jarman’. Um livro com os cadernos de apontamentos do realizador e um filme rodado em 1984 só agora revelado permitem novos pontos de vista sobre o seu trabalho, reforçando a história de um relacionamento importante com a música.
No dia em que a atriz Tilda Swinton conheceu o realizador Derek Jarman, este abriu-lhe a porta do apartamento onde então vivia de câmara de vídeo na mão. Beberam um chá. E depois o realizador mostrou-lhe um bloco de apontamentos do tamanho de um álbum de família. Estava ali o filme, dizia ele, apresentando as ideias que durante os últimos 11 anos tinha reunido para a longa-metragem que um ano depois nasceria sob o título Caravaggio (1986).
Esses e outros apontamentos surgem agora reunidos em Derek Jarman’s Sketchbooks, num livro que nos permite não apenas um mergulho no seu processo criativo como acrescenta mesmo ao cinema de Jarman modos de arrumar e expor as ideias e as imagens que o inspiravam. “Cada um dos cadernos de apontamentos representa o que de mais próximo imagino do que poderia estar a ser trabalhado na sua cabeça”, descreve Tilda Swinton no prefácio em que chama a estes cadernos de anotações “as pilhas do seu processo criativo”.
Os cadernos são, de facto, uma parte importante da obra de Jarman e juntam não apenas factos, reflexões e outros escritos, mas também elementos visuais que podemos ligar inclusivamente a etapas mais remotas da sua formação artística. Num dos textos que agora ali surgem entre as páginas de Jarman, o jornalista Jon Savage sublinha que o realizador “começou como pintor e os belos desenhos e anotações na sua mão instantaneamente reconhecível mostram o processo em que as cores, as cenas, e os argumentos eram trabalhados”.
Ao estudar na Salde School, Jarman passou muito do seu tempo no departamento de teatro, onde desenhou cenários, sobretudo para bailados e óperas. Mas depois de colaborar na cenografia de Os Diabos, de Ken Russell (1971), começou a trabalhar com filmes Super 8. E é nesta altura que emerge um pensamento cinematográfico em si e com ele nasce o hábito de criar blocos de apontamentos.
No dia em que a atriz Tilda Swinton conheceu o realizador Derek Jarman, este abriu-lhe a porta do apartamento onde então vivia de câmara de vídeo na mão. Beberam um chá. E depois o realizador mostrou-lhe um bloco de apontamentos do tamanho de um álbum de família. Estava ali o filme, dizia ele, apresentando as ideias que durante os últimos 11 anos tinha reunido para a longa-metragem que um ano depois nasceria sob o título Caravaggio (1986).
Esses e outros apontamentos surgem agora reunidos em Derek Jarman’s Sketchbooks, num livro que nos permite não apenas um mergulho no seu processo criativo como acrescenta mesmo ao cinema de Jarman modos de arrumar e expor as ideias e as imagens que o inspiravam. “Cada um dos cadernos de apontamentos representa o que de mais próximo imagino do que poderia estar a ser trabalhado na sua cabeça”, descreve Tilda Swinton no prefácio em que chama a estes cadernos de anotações “as pilhas do seu processo criativo”.
Os cadernos são, de facto, uma parte importante da obra de Jarman e juntam não apenas factos, reflexões e outros escritos, mas também elementos visuais que podemos ligar inclusivamente a etapas mais remotas da sua formação artística. Num dos textos que agora ali surgem entre as páginas de Jarman, o jornalista Jon Savage sublinha que o realizador “começou como pintor e os belos desenhos e anotações na sua mão instantaneamente reconhecível mostram o processo em que as cores, as cenas, e os argumentos eram trabalhados”.
Ao estudar na Salde School, Jarman passou muito do seu tempo no departamento de teatro, onde desenhou cenários, sobretudo para bailados e óperas. Mas depois de colaborar na cenografia de Os Diabos, de Ken Russell (1971), começou a trabalhar com filmes Super 8. E é nesta altura que emerge um pensamento cinematográfico em si e com ele nasce o hábito de criar blocos de apontamentos.
Em 1976 (cinco anos depois de apresentar a sua primeira curta) apresentava o ímpar Sebastiane, a sua primeira longa-metragem. No mesmo ano filmou uma banda num ensaio num sótão. “Chamavam-se Sex Pistols e essas imagens acabaram, não creditadas, no filme The Great Rock and Roll Swindle, em 1980”, relata Jon Savage, que lembra ainda outro episódio fulcral no estabelecimento de uma relação entre o realizador e a nova geração de músicos que então emergia em Sloane Square: A Room of One's Own (curta apresentada também em 76). Forçado a abandonar o seu apartamento, “resolve destruí-lo numa última festa”. E então filmou o caos ali gerado.
(continua)
segunda-feira, março 31, 2014
Viagem a uma noite de 1984 com Derek Jarman
A edição 2014 do London Flare apresentou a estreia mundial póstuma de 'Will You Dance With Me?', filme do realizador britânico que surge de imagens captadas com uma câmara VHS numa noite de 1984 numa discoteca. Este texto foi originalmente publicado na edição de 30 de março do DN.
Nem tinha título nem estava planeada sequer a sua exibição pública. Mas sob a designação Will You Dance with Me?, a sala 1 da sede do British Film Institute (BFI), em Londres, assistiu esta semana à estreia mundial de um filme inédito de Derek Jarman. Nos 20 anos da morte do realizador, o BFI tem realizado uma série de iniciativas que recordam a sua obra e esta estreia foi integrada numa sessão única do London Flare (a designação do festival de cinema gay e lésbico organizado pelo BFI), e contou com a presença em sala de Ron Peck, o autor de Nighthawks (1978), com quem Jarman colaborava num novo projeto para o qual estas imagens foram captadas.
Will You Dance with Me? é na verdade uma sucessão de imagens captadas pelo próprio Jarman com uma câmara de vídeo VHS, surgidas numa etapa de preparação da rodagem de Empire State, de Ron Peck. A 5 de setembro de 1984, Derek Jarman foi convidado a registar uma série de "improvisações" (como descreve a folha de sala) na etapa de preparação de Empire State. As imagens foram captadas no Benjy"s, uma discoteca local em Mile End (que foi das primeiras a programar noites gay que "se tornaram muito populares localmente"). As imagens que Peck captou com alguns performers convidados acabaram perdidas. Mas as que Jarman registou com uma câmara Olympus são as que dão agora origem a este filme.
Naquela noite estavam cerca de cem pessoas na discoteca, entre clientes habituais e o seu staff e algumas pessoas que a produção havia convidado. Jarman acompanha a evolução do que acontece entre a pista de dança e o bar, escutando uma banda sonora que provém diretamente da cabina do DJ, que ora rodava os singles que animavam o fenómeno break dance - como Breakin'... There"s no Stopping Us de Ollie & Jerry, Break Dance Party dos Break Machine ou Let the Music Play de Shanon - ou êxitos pop do momento como Relax e Two Tribes dos Frankie Goes to Hollywood, High Energy de Evelyn Thomas ou Whatever I Do Wherever I Go de Hazel Dean.
Segundo explicou Ron Peck na apresentação do filme, Derek Jarman fora desafiado a procurar naquela noite novas formas de filmar a dança. A folha de sala apresenta este filme "sem princípio nem fim" como "mais uma experiência do que uma peça pré-progamada" e nota que, 30 anos depois, "o seu grande interesse é o de ser documento de um lugar e um tempo" e serve de evidência "do entusiasmo e das qualidades de Derek ao operar a câmara".
Sem um programa narrativo, a verdade é que a câmara acaba por sugerir a evolução dos comportamentos (e dos gostos de quem dança e como dança) ao longo da noite. Jarman escolhe alguns dos presentes e a eles regressa regularmente, tanto que, mesmo sem serem "montadas" (uma vez que estão apenas sequenciadas), as imagens acabam por sugerir personagens, situações (ocasionalmente bem-humoradas) e até uma sugestão de progressão narrativa. Ao perguntar a um dos jovens na pista (Phil Williamson, que depois seria seu ator em The Angelic Conversation) se dançaria consigo, Jarman lança uma dúvida que, com uma certa dose de suspense, nos acompanha ao logo dos 78 minutos do filme. Dançará ou não o jovem com o realizador?... A forma como filma quem dança e observa quem ali está e a música ambiente acabam por sugerir uma experiência imersiva, a câmara levando-nos assim no tempo àquela noite e àquele lugar.
Nem tinha título nem estava planeada sequer a sua exibição pública. Mas sob a designação Will You Dance with Me?, a sala 1 da sede do British Film Institute (BFI), em Londres, assistiu esta semana à estreia mundial de um filme inédito de Derek Jarman. Nos 20 anos da morte do realizador, o BFI tem realizado uma série de iniciativas que recordam a sua obra e esta estreia foi integrada numa sessão única do London Flare (a designação do festival de cinema gay e lésbico organizado pelo BFI), e contou com a presença em sala de Ron Peck, o autor de Nighthawks (1978), com quem Jarman colaborava num novo projeto para o qual estas imagens foram captadas.
Will You Dance with Me? é na verdade uma sucessão de imagens captadas pelo próprio Jarman com uma câmara de vídeo VHS, surgidas numa etapa de preparação da rodagem de Empire State, de Ron Peck. A 5 de setembro de 1984, Derek Jarman foi convidado a registar uma série de "improvisações" (como descreve a folha de sala) na etapa de preparação de Empire State. As imagens foram captadas no Benjy"s, uma discoteca local em Mile End (que foi das primeiras a programar noites gay que "se tornaram muito populares localmente"). As imagens que Peck captou com alguns performers convidados acabaram perdidas. Mas as que Jarman registou com uma câmara Olympus são as que dão agora origem a este filme.
Naquela noite estavam cerca de cem pessoas na discoteca, entre clientes habituais e o seu staff e algumas pessoas que a produção havia convidado. Jarman acompanha a evolução do que acontece entre a pista de dança e o bar, escutando uma banda sonora que provém diretamente da cabina do DJ, que ora rodava os singles que animavam o fenómeno break dance - como Breakin'... There"s no Stopping Us de Ollie & Jerry, Break Dance Party dos Break Machine ou Let the Music Play de Shanon - ou êxitos pop do momento como Relax e Two Tribes dos Frankie Goes to Hollywood, High Energy de Evelyn Thomas ou Whatever I Do Wherever I Go de Hazel Dean.
Segundo explicou Ron Peck na apresentação do filme, Derek Jarman fora desafiado a procurar naquela noite novas formas de filmar a dança. A folha de sala apresenta este filme "sem princípio nem fim" como "mais uma experiência do que uma peça pré-progamada" e nota que, 30 anos depois, "o seu grande interesse é o de ser documento de um lugar e um tempo" e serve de evidência "do entusiasmo e das qualidades de Derek ao operar a câmara".
Sem um programa narrativo, a verdade é que a câmara acaba por sugerir a evolução dos comportamentos (e dos gostos de quem dança e como dança) ao longo da noite. Jarman escolhe alguns dos presentes e a eles regressa regularmente, tanto que, mesmo sem serem "montadas" (uma vez que estão apenas sequenciadas), as imagens acabam por sugerir personagens, situações (ocasionalmente bem-humoradas) e até uma sugestão de progressão narrativa. Ao perguntar a um dos jovens na pista (Phil Williamson, que depois seria seu ator em The Angelic Conversation) se dançaria consigo, Jarman lança uma dúvida que, com uma certa dose de suspense, nos acompanha ao logo dos 78 minutos do filme. Dançará ou não o jovem com o realizador?... A forma como filma quem dança e observa quem ali está e a música ambiente acabam por sugerir uma experiência imersiva, a câmara levando-nos assim no tempo àquela noite e àquele lugar.
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