1. Na costa atlântica de Marrocos, a sul, existe uma cidade que se chamou, em tempos, Mogador -como a nossa transmontana Mogadouro. Hoje, chama-se Essaouira. É um exemplo de criadora convivência humana, porém em risco. A extraordinária harmonia do lugar arrasta a invasão crescente do turismo, sempre deplorável, já deplorável: os visitantes apresentam-se com a falta de jeito e a grosseria de elefantes aos pulos em lojas de vidros. E, vê-los, recorda-me as páginas, escritas há setenta anos, pelos irmãos Jérome e Jacques Tharaud, que descrevem a deselegância dos colonos franceses -era durante o “protectorado”-, visitas nas requintadas casas dos “fassi”, dos habitantes de Fez. A nobreza e a intrínseca dignidade marroquinas constituem um valor inestimável. Perante elas, o eterno complexado europeu, vítima do visceral complexo de superioridade (complexo sempre mais de insegurança), o europeu eternamente colonialista, e que nenhum tempo curará, revela, agora, nos turistas, a incultura, o analfabetismo, a inferioridade de porte. Quantos agridem Essaouira -e são muitos-, exibem a mesma doença. Vêm de um continente estafado, assustado, que reage, violentamente, intolerante e em pânico, a quanto lhe parece diverso, novo, original; fogem-lhe e não reparam que macaqueiam os costumes alheios, perdida a individualidade, gasta na venda, por lentilhas, na aparência e no desbarate do próprio espírito, da própria interioridade. Vestem ridículos uniformes de turistas e passam ao lado de Mogador, ceguinhos, porque a ignoram -mas ferem-na.
2. Isso é outra história -o fascínio de Essaouira é o que nos interessa. Ponto de encontro de duas tribos, a Chiadma, do norte, árabe, e a Haha, do sul, berbere, teve-nos por lá, durante alguns anos. Do Castelo Real, mandado construir, em 1506, por Manuel I e capitaneado por Diogo de Azambuja, resta a “skala”, baluarte da cidade amuralhada, que o francês Théodore Cornut desenhou, no século XVIII, a pedido do sultão Mohammed ben Abdallah. Os árabes apelidaram-na de “Suêra” e os berberes, os “amazighen” (“homens livres”), baptizaram-na Mogador: “lugar do vento”.
3. Explica-se de outras maneiras o termo berbere (de “migdol”, torre, ou tomado ao marabuto Sidi Mgdoul, patrono de Essaouira), mas a de movimento alvorotado, agitação, mudança, ajusta-se ao mundo aberto, encruzilhada de raças (além de árabes e berberes, marcaram-na judeus e escravos negros), cultor do diálogo, naturalmente belo e orgulhoso de o ser -fidalgamente livre, palco da beleza berbere. Terra que dá vontade de viver.
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