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segunda-feira, fevereiro 27, 2017

Poema quotidiano



Imagem de Jamie Heiden

É tão depressa noite neste bairro 
Nenhum outro porém senhor administrador 
goza de tão eficiente serviço de sol 
Ainda não há muito ele parecia 
domiciliado e residente ao fim da rua 
O senhor não calcula todo o dia 
que festa de luz proporcionou a todos 
Nunca vi e já tenho os meus anos 
lavar a gente as mãos no sol como hoje 
Donas de casa vieram encher de sol 
cântaros alguidares e mais vasos domésticos 
Nunca em tantos pés 
assim humildemente brilhou 
Orientou diz-se até os olhos das crianças 
para a escola e pôs reflexos novos 
nas míseras vidraças lá do fundo 

Há quem diga que o sol foi longe demais 
Algum dos pobres desta freguesia 
apanhou-o na faca misturou-o no pão 
Chegaram a tratá-lo por vizinho 
Por este andar... Foi uma autêntica loucura 
O astro-rei tornado acessível a todos 
ele que ninguém habitualmente saudava 
Sempre o mesmo indiferente 
espectáculo de luz sobre os nossos cuidados 
Íamos vínhamos entrávamos não víamos 
aquela persistência rubra. Ousaria 
alguém deixar um só daqueles raios 
atravessar-lhe a vida iluminar-lhe as penas? 

Mas hoje o sol 
morreu como qualquer de nós 
Ficou tão triste a gente destes sítios 
Nunca foi tão depressa noite neste bairro 

Do poeta Ruy Belo, que nasceu num dia 27 de Fevereiro (1933)

sábado, fevereiro 27, 2016

Povoamento

No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera
Ruy Belo, Aquele Grande Rio Eufrates

O poeta nasceu num dia 27 de Fevereiro (1933).

segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Do poeta Ruy Belo,

que nasceu num dia 27 de Fevereiro (1933).


Povoamento


No teu amor por mim há uma rua que começa
nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera

quarta-feira, junho 09, 2010

Oh as casas as casas as casas


Oh as casas as casas as casas as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
Elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
Respirei – ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas


Ruy Belo, Todos os Poemas

terça-feira, março 02, 2010

Cinco Palavras Cinco Pedras

Antigamente escrevia poemas compridos
Hoje tenho quatro palavras para fazer um poema
São elas: desalento prostação desolação desânimo
E ainda me esquecia de uma: desistência
Ocorreu-me antes do fecho do poema
e em parte resume o que penso da vida
passado o dia oito em cada mês
e delas vem a música precisa
para continuar.Recapitulo:
desistência desalento prostação desolação desânimo
Antigamente quando os deuses eram grandes
eu sempre dispunha de muitos versos
Hoje só tenho cinco palavras cinco pedrinhas


Ruy Belo, Todos os Poemas

quinta-feira, junho 18, 2009

toque de campainha

Entre a rosa e a chuva é tudo solidão Nenhuma mão vence a distância que separa uma e outra do portão começa e termina na infância Ia jurar que outrora estive aqui ou uma que não esta porta ao fim passarei E tudo coube no olhar com que não vi aquele rosto ali mas outro que não sei Ruy Belo, Todos os Poemas

terça-feira, novembro 18, 2008

Mogadouro*

Ali o cabo liso vergastado e ermo ali a ténebra de inverno ali os olmos ali a fêvera da tarde ali o enfermo ariste de olhos grandes calmos
Ali o fim ali definitivos ramos ali toda a verdade de nós mesmos ali todos irmãos de níveos sismos ali de não cegarmos nos fartámos Ruy Belo, Portugal Sacro-profano -Vita Beata
* Este é também o título do poema (recebido por email).
Fotos roubadas a um amigo.

terça-feira, setembro 16, 2008

Soneto superdesenvolvido

É tão suave ter bons sentimentos
consola tanto a alma de quem os tem
que as boas acções são inesquecíveis momentos
e é um prazer fazer bem

Por isso se no verão se chega a uma esplanada
sabe melhor dar esmola que beber a laranjada
Consola mais viver assim no meio de muitos pobres
que conviver com gente a quem não falta nada

E ao fim de tantos anos a dar do que é seu
independentemente da maneira como se alcançou
ainda por cima se tem lugar garantido no céu
gozo acrescido ao muito que se gozou

Teria este (se não tivesse outro sentido)
ser natural de um país subdesenvolvido

Ruy Belo, Todos os Poemas