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sábado, julho 05, 2025

LA CADUTA DEGLI DEI (1969)

OS MALDITOS 
Um filme de LUCHINO VISCONTI




Com Dirk Bogarde, Ingrid Thulin, Helmut Griem, Helmut Berger, Renaud Verley, Umberto Orsini, Reinhard Kolldehoff, Charlotte Rampling, Albrecht Schönhals, Florinda Bolkan, Nora Ricci, Irina Wanka, etc.

ITÁLIA - RFA / 156 min / COR / 16X9 (1.66:1)

Estreia em ITÁLIA (Roma) a 14/10/1969
Estreia nos EUA a 18/12/1969
Estreia em PORTUGAL (Lisboa) a 1/4/1975 
(cinema Império)



Aschenbach: «You must realize that today in Germany anything can happen, even the improbable, and it's just the beginning, Frederick. Personal morals are dead. We are an elite society where everything is permissible. These are Hitler's words. My dear Frederick, even you should give them some thought.»

Ao perguntarem-lhe porque, sendo ele italiano, não fazia um filme sobre o fascismo mas antes sobre o nazismo, Visconti respon­deu que, com "La Caduta Degli Dei", quizera dirigir uma tragédia e não uma comédia. Retratan­do a aliança fatal entre os industriais do ar­mamento e Hitler, o cineasta ergue um fresco terrível dos anos que antecederam a II Guerra Mundial. Partindo do particular para o geral, Visconti concentra a sua atenção numa poderosa família, os Von Essenbeck, donos de uma fábrica de aço, começando por nos introduzir nas lutas intestinais que dividem os componentes dessa família na busca de um sucessor para o velho patriarca, o Barão Joachim Von Essenbeck (Albrecht Schönhals). O nazismo é uma espécie de serpente que penetra lentamente naquele núcleo familiar, separando os fortes dos fracos e favorecendo a ascensão dos elemen­tos mais negativos. Que, precisamente, são os que, por interesse ou perversidade, melhor se adaptam às suas tácticas insi­diosas.

Os sobreviventes dos Von Essenbeck acabam assim por se converter nos pilares da nova or­dem e alimentar um monstro devorador – é o fortalecimento do complexo político-industrial que recolocará a Alemanha na posição de potência agressiva, tendo no Nacional-Socialismo um brutal instrumento de poder. O filme reflecte os últimos meses da agonizante República de Weimer, onde a crise que abala o capitalismo alemão abafa toda e qualquer esperança no futuro. As profundas necessidades da população face à subida galopante do custo de vida são exploradas por uma imprensa reaccionária e sensacionalista, que só facilita o aparecimento do Partido Único. Um Partido autoritário e revanchista, que começa a canalizar em proveito próprio os votos de todas as camadas da burguesia, levando-a a acreditar na tarefa messiânica de um novo e carismático líder: Adolph Hitler.  

Na mesma noite em que se encena a grande provocação destinada a fortalecer o nazismo, o incêndio do Reichstag (27 de Fevereiro de 1933), os membros da família Essenbeck reúnem-se num grande jantar, comemorativo do aniversário do velho Barão. Martin (Helmut Berger), o neto e seu aparente herdeiro, é uma pessoa desequilibrada e depravada, de tendências homossexuais, que se irá tornar numa das personagens centrais da tragédia anunciada. Para escândalo dos presentes, irá prestar uma cínica homenagem ao avô representando um travesti de Marlene Dietrich no “Anjo Azul” (uma das mais icónicas sequências deste filme). A mãe, a baronesa Sophia (Ingrid Thulin, actriz tornada famosa pelos filmes de Bergman), sensual e calculista, é de certa maneira a Lady MacBeth desta epopeia de corrupção e violência e quer que a chefia da fábrica fique a cargo do amante, Friedrich Bruchman (Dirk Bogarde), homem temerário, mas sem escrúpulos, capaz de tudo para alcançar a sua ambição.

Os dois outros pretendentes à coroa de aço são Herbert Thalmann (Umberto Orsini), homem de formação liberal, casado com Elisabeth (belissima Charlotte Rampling), sobrinha-neta do velho Barão e Konstantin (Renè Koldehoff), outro sobrinho, e um truculento oficial das SA sem ponta de carácter. Para além destas personagens centrais temos ainda Guenther (Renaud Verley), o benjamim da família, e o frio Aschenback (Helmut Griem numa prestação memorável), parente distante dos Essenbeck, sem interesse na chefia da fábrica da família mas, dado o seu fanatismo nazi, pessoa manipuladora e maquiavélica, que acredita sem reservas no triunfo e implantação do Nacional-Socialismo, contra tudo e contra todos.


Visconti revela-nos a personalidade de cada uma dessas figuras, colocando-as sob a sua câmara como um patologista examinaria ao microscópio um tecido canceroso. É essa biópsia cinematográfica que nos mostra a malignidade do processo sócio-económico do nazismo, tumor que geraria a terrível metástese destruidora de muitos milhões de pessoas. Nesse seu estudo, as cores são sombrias e duras. O filme contém mesmo uma das sequências mais violentas da obra viscontiana, a madrugada em que os SS surpreendem os SA após uma orgia e os massacram sem piedade para fortalecimento dos sectores mais direitistas do Partido. A tropa de choque que venceu para Hitler a batalha das ruas é assim sacrificada como um peão sem importância, nos jogos de poder que sa­cudiam a Alemanha do pré-guerra. Chamou-se a isso "a noite das facas longas" e não há dúvida que a evocação de Visconti dã uma ideia do que ela deveria ter sido. Mas a espiral de assalto ao poder não se fica por aqui. Continua em crescendo até ao final, até ao suicídio inevitável de Sophia e Friedrich, consumado que foi o controlo absoluto de Martin, o herdeiro final da dinastia. Aquela saudação nazi, diante dos cadáveres da mãe e do amante (usurpador do seu lugar de filho incestuoso), personifica o pacto / ajuste de contas entre a riqueza e a tirania. É uma imagem terrífica, por nos dar a entender que a partir dali tudo será possível, que todo e qualquer crime poderá ser justificado.


É evidente o paralelismo que Visconti estabelece com a verdade histórica, demonstrando, por a + b, em progressão aritmética, como se gera um monstro. Todos sabemos o que aconteceu na Alemanha durante esse annus horribilis de 1933. Constitui-se o III Reich, Adolph Hitler é nomeado chanceler, e Joseph Goebbels ministro da Propaganda. Cria-se a Gestapo (polícia secreta). Dissolvem-se os partidos políticos, menos o Nacional-Socialista, que nas eleições obtém 92% dos votos. É abolida a maior parte da legislação da extinta República de Weimer. A Alemanha abandona a Sociedade das Nações Unidas. Começam as primeiras manifestações anti-semitas e constroem-se os primeiros campos de concentração. Queimam-se livros e obras de tendência democrática. Verifica-se o êxodo de grande número de intelectuais e de homens ligados às artes, nomeadamente ao cinema – Fritz Lang é um deles, depois de ver proibido o seu “Testamento do Dr. Mabuse.

Directa ou indirectamente, toda esta sucessão de acontecimentos é referenciada neste filme. Mas a cons­trução da obra não denuncia, sequer vagamente, qualquer tipo de simplismo demonstrativo. Visconti é na realidade um fabuloso narrador, um pintor de am­bientes admirável, um soberbo retratista da decadên­cia de uma sociedade. Houve quem apelidasse “La Caduta Degli Dei” uma tragédia de Shakespeare en­cenada como se tratasse de uma ópera de Wagner. Com efeito, o sopro gélido do destino dos Nibelungos é mais do que evidente, e a clareza de análise de um Shakespeare está sempre bem presente. A mistura entre a febre do poder e a corrupção, entre a perversidade e a doença, entre o assasslnio e o estupro, conduzem os Essenbeck a um afundamento gradual quando na aparência a Alemanha ressurgia triunfalista e conquis­tadora. E Visconti consegue transformar esta odisseia da mesquinhez e da traição, numa fa­bulosa lição polltica e num espectáculo sumptuoso, onde a espectacularidade dos meios, em lugar de abafar as intenções, as sublinha discretamente.


ENTREVISTA A LUCHINO VISCONTI
(por Stefano Roncoroni)

- Quais as origens do seu filme?
- A minha ideia era contar a história de uma família no interior da qual acontecem crimes que ficam praticamente impunes. Onde e quando, na história moderna, pode isso acontecer? Sómente durante o nazismo. Havia então massacres, assassínios em massa ou individuais, que ficavam absolutamente impunes. E foi assim que situei a história dessa família, que devia ser a história dos industriais do aço, na Alemanha, durante a ascensão do nazismo.

- A morte do velho Joachim tem o mesmo sentido que a do pai de Sandra, a do pai da familia Valastro ou a da familia Pafundi - quer dizer, de mortes que são antecedentes da acção e nas quais se apoia o drama?
- Sim, é verdade, há sempre um pai morto anteriormente, é você a chamar-me a atenção, não me tinha apercebido. É sempre assim nos meus filmes. O pai morto antes da acção representa até certo ponto o passado, e representa também o ponto de partida da própria história. Mas cada história deve ser interpretada de modo diferente. É preciso considerá-la sob um aspecto humano e social completamente diferente. A morte do pai Pafundi provoca a emigração de toda a família; a do pai Valastro é, como nos Malavoglia, em que o pai morre no mar, um exemplo para os sobrevi­ventes. O tema está igualmente presente em Vaghe stelle dell'orsa, é verdade, mas aí evoca, muito longinquamente, a morte de Agaménon, ou melhor, a vingança dos filhos contra a mãe, depois da morte do pai: é a Oréstia. Aqui, pelo contrário, a morte de Joachim é um facto político, é a eliminação dos homens livres na Alemanha. A propósito, há uma réplica em que Aschenbach diz: «Antes de as chamas do Reichstag se extinguirem, os homens da velha Alemanha serão reduzidos a cinzas, esta noite ainda». Quer dizer: todos os liberais, os que tinham ideias abertas, que ainda estavam ligados à República de Weimar, que não eram nazis. E é a noite do incêndio do Reichstag a marcar a dilta em que o nazismo começa a pousar a sua mão de ferro sobre o país. ( ... )

Parece-me que, de todas as interpretações do fascismo, a mais cor­recta, mais correcta que as de carácter freudiano e psicanalítico, é a que considera o nazismo a última fase do capitalismo no mundo, o último resultado da luta de classes levado à sua última consequência, à sua última solução, a de uma monstruosidade como o nazismo ou o fascismo e que, naturalmente, não pode servir de prelúdio a outra coisa senão a uma evolução no sentido socialista. Penso que as duas interpretações do fas­cismo a que me referi são estas; mas que eu tenha querido abonar uma ou outra, isso nego, pois considerei os acontecimentos como eram, e se em seguida os factos tomaram, por si, um aspecto diferente, se as minhas personagens em certos casos se tornaram símbolos, em vez de serem apenas personagens com os pés na terra, aconteceu quase sem eu querer, quase involuntariamente. (. .. )

- Não deu aval a uma interpretação do fascismo como perversão sexual, historicamente pouco credível ou, pelo menos, tendenciosa e simplificadora?
- O nazismo era negativo em tudo, mas quando se faz um filme sobre o nazismo é preciso pegar num dos lados negativos, não se podem incluí­-los todos, de outro modo, era preciso escrever a história do Terceiro Reich! Quis pegar num pequeno núcleo, então peguei numa família, e nesta família procurei desencadear os instintos mais baixos, menos nobres: é um exemplo. O que não quer dizer que todo o nazismo está ali. O nazismo tem outros aspectos, e eu considerei este lado, desprezando os outros, pois de contrário teria de escrever toda a história do Terceiro Reich, o que não era possível. (. .. )

- O filme começa com as personagens a prepararem-se, cada uma no seu quarto, para o jantar de festa em honra do tio Joachim. Dir-se-ia o princípio dos Buddenbrooks, mas de súbito estala a tra­gédia.
- A sala de jantar como lugar de reunião da família, encontro-confronto dos participantes nesse ritual típico, é algo que aparece em quase todos os meus filmes, no “O Leopardo”, ou em “Rocco e os Seus Irmãos”, por exemplo. E neste lembra os alvéolos de uma colmeia em que cada um trabalha na sua pequena célula para depois se reunirem todos num lugar central onde está a rainha-mãe. É sempre assim que estalam os dramas familiares. Nas grandes famílias chegam quase sempre assim. Efectivamente, não há dúvida que o primeiro jantar é um pouco inspirado no dos Buddenbrooks. Gostaria que a minha representação fosse ainda um pouco mais alemã, mas talvez eu não conheça, infelizmente, bastante bem a Alemanha, embora conheça bem as páginas de Mann. Para melhor compreender certas coisas, deveria ter vivido entre uma família patriarcal alemã.

- No entanto, na primeira versão do argumento não existiam alguns elementos importantíssimos que caracterizam a sua obra, por exemplo, o incesto, que se encontra em “Vaghe Stelle dell'Orsa”. O incesto parece ser o último gesto de dissolução moral, quer para Martin quer para a mãe.
- O incesto aconteceu pouco a pouco, ao longo da escrita do argu­mento, e foi fruto de uma progressão dramático-narrativa nada menos que gratuita, Aqui, é precisamente o último passo de Martin para conquistar o direito a ser um verdadeiro nazi, quer dizer, a não hesitar diante de nada, diante de nenhum crime. O nazismo, que numa primeira fase escolhe para peão no meio familiar um Konstantin violento, ruidoso, brutal, mas no fundo bastante inconsciente do alcance dos factos, vai servir-se, numa segunda fase, de Friedrich, que é acima de tudo um técnico, mas que acaba por ter para os nazis não só o defeito de uma certa cobardia perante o crime - resta-lhe um lampejo de consciência -, mas a pretensão de pensar pela sua própria cabeça. No fim, o nazismo prefere a solução extrema, Martin, um garoto absolutamente inconsciente, um degenerado, uma minhoca, sem qualquer problema de consciência, que não faz qual­ quer distinção entre a prima ou outra garota e se torna um instrumento sem vontade nas mãos dos nazis.

No entanto, Martin é uma personagem complexa, ressente-se de uma profunda deseducação pelo facto de a mãe ter apostado tudo em Friedrich, de no fundo amar e detestar ao mesmo tempo o filho e de o ter transformado num instrumento da sua ambição, embora pretendesse realizá-la através de Friedrich. Por isso, Martin alimenta, desde o início, o desejo de vingança contra a mãe. Assim, o incesto não acontece de um modo forçado, pois é precisamente o último acto de rebelião na crista de uma violência a princípio verbal e finalmente física. Aquela ideia das duas páginas do caderno de Martin, realizei-a precisa­mente para evidenciar esta progressão, para lembrar, ao longo do crescendo e no momento culminante, as suas origens. A ideia ocorreu-me durante a rodagem, quer dizer, quando o filho, moralmente, mata a mãe. Sofia vai esquadrinhar nos livros, nos brinquedos, nas lembranças do filho (naquela cena em que ela toca nos sapatos e nas fotografias de Martin­-menino, vestido de marinheiro), torna-se de novo maternal para com um filho-criança depois de ser possuída por ele.

Há um retorno freudiano, sem dúvida: o filho pequeno, os cabelos louros que ela compara aos seus (acha-os da mesma cor) e os cadernos de Martin que encontra em seguida, com aquele desenho onde a câmara no fim se detém, no qual está escrito «Martin totet Mutti» (Martin mata a mãe) e que representa, traçado por mão infantil, Martin-menino, uma faca na mão e uma mulher a sangrar. Ocorreu-me esta cena durante a rodagem, porque senti necessidade de fechar com uma imagem que lembrasse qualquer coisa que na criança já era, se não um verdadeiro começo, pelo menos um risco, um perigo. Então pedi para me procurarem uma criança que fizesse desenhos, e descobriram-na ali mesmo na Cinecittà, uma garota, e disseram-lhe: «Desenha uma criança que mata uma senhora». Ela desenhou a mãe e o garoto, a faca tive de ser eu a acrescentá-la porque a miúda não quis desenhá-la. É bem curioso. Por baixo do desenho escrevi o que teria escrito o garoto, «Martin totet Mutti» e, por baixo de outro, «Mutti und Martin».

- Que representa para si o celeiro? Ao mesmo tempo lugar de esconderijo e de exploração?
- Em pequeno refugiava-me muitas vezes no celeiro, quando tinha tido qualquer choque com a família ou com o meu pai. Talvez tenha ficado como um traço freudiano. Em Os Malditos”  também há qualquer coisa de “La Volpe Nella Soffitta”, um romance de Hugues onde se conta a história de um jovem nazi escondido no celeiro de um palácio alemão. Não é um verdadeiro nazi, mas um daqueles que no fim da guerra constituíam os famosos corpos francos da Letónia, formados por garotos loucos e sangui­nários, assunto que seria interessante ilustrar num filme. Um deles, a certa altura, pede guarida a um amigo, filho de uma família rica que vive perto de Munique, e este esconde-o no celeiro do palácio. Ali fica escondido por muito tempo com uma raposa de cuja existência os donos da casa estão a par e que de noite circula pelo palácio. Depois há uma história de amor entre o jovem e uma rapariga cega. É um romance extraordinário que começa com o golpe de Munique em 1922-23, na sequência do qual ocorre a fuga de Hitler. Este romance é o primeiro de três volumes, Hugues ainda deve escrever os outros dois. Há sempre influências literárias nos meus filmes. Por exemplo, ao longo de todo o episódio com Martin e Lisa, quando ele seduz a rapariguinha e mais tarde confessa que é o sedutor e a causa do suicídio dela, de facto inspirei-me na confissão de Stravoguine em “Os Possessos”, de Dostoievski.

CURIOSIDADES:

- Grande parte da sequência da “noite das facas longas” nunca foi exibida comercialmente nos Estados Unidos. Apenas em 2004 foi reposta integralmente na edição em DVD. Para além disso, o filme foi classificado como “X”, que é a cotação normalmente usada para filmes pornográficos. Estes americanos…

- “La Caduta Degli Dei” era o filme preferido do realizador alemão Rainer Werner Fassbinder (dizia que o tinha visto 30 vezes ou mais), que o considerava «talvez o maior filme de sempre, aquele que eu considero ter tanta importância para o cinema como Shakespeare teve para o teatro»





terça-feira, maio 24, 2011

CABARET (1972)

CABARET, ADEUS BERLIM
Um filme de BOB FOSSE


Com Liza Minnelli, Michael York, Helmut Griem, Joel Grey, Fritz Wepper, Marisa Berenson, etc.

EUA / 124 min / COR / 16X9 (1.85:1)

Estreia nos EUA a 13/2/1972
Estreia em Portugal a 20/11/1972
(Lisboa, cinema Londres)
Estreia em Moçambique a 24/2/1973
(LM, cinema Scala)


 Sally Bowles: “Divine decadence darling!”

Bob Fosse, genial coreógrafo norte-americano, estreou-se no cinema como realizador ao adaptar em 1969 a comédia musical de grande sucesso na Broadway, “Sweet Charity”. Três anos depois nova adaptação dos palcos, este brilhante “Cabaret”, que se iria imortalizar como a sua obra mais célebre e um dos melhores musicais de sempre da História do Cinema.

Estamos em Berlim, na Alemanha da República de Weimar, quando o nazismo começava a insinuar-se, qual serpente tortuosa, nas mentes e costumes dos alemães da sociedade da altura. É essa transição, esse evoluir maquiavélico para as teorias do absolutismo hitleriano, que Fosse nos consegue transmitir de um modo prodigioso ao situar o cabaret no centro da “divina decadência” daqueles anos. Assim, o cabaret é o lugar de eleição para se assistir às variedades, emborcar litros de alcool ou encontrar as mulheres mais fáceis e sensuais; é o escape onde se esquece toda a inquietação que sacode a Alemanha e que irá gerar a agressividade da doutrina da raça ariana (“pura” e superior”) que servirá de alibi para um dos maiores genocídios da História da Humanidade.

A Alemanha da antecâmara da guerra só quer luzes, canções e diversão que a façam esquecer o dia-a-dia de uma realidade cada vez mais ameaçadora. O barão Maximiliano (Helmut Griem) encarna na perfeição essa mentalidade quando coloca os prazeres pessoais em primeiro plano ou quando diz que os nazis são apenas úteis para acabarem com os comunistas e que em seguida poderão ser facilmente dominados pelo poder político. A depuração feita pelas SA nazis, tropas de choque do nacional-socialismo, colhe assim vastos apoios entre o povo alemão, sem que se tenha sequer a consciência de que o anti-comunismo primário é o primeiro passo para o dobre a finados da democracia.


Estamos em 1931; dentro de dois anos Hitler será chanceler do III Reich e encenará o incêndio provocado do Reichstag para culpabilizar os comunistas, os judeus e os sociais-democratas, conseguindo deste modo os seus intentos para que o estado de emergência seja declarado em todo o País. Bob Fosse, ao querer mostrar-nos como os acontecimentos político-sociais influenciam e condicionam os sentimentos e existências individuais, utiliza aqui, e de uma forma harmoniosa e muito eficaz, a montagem paralela onde cada canção é a introdução ou a ligação lógica para o que em seguida se irá passar nas vidas dos personagens principais.

Retrato de seres à procura desesperadamente de si próprios dentro de um tempo de instabilidade e de violência, “Cabaret” é sobretudo o testemunho de uma época, da demissão e histeria colectiva de um povo, do medo e da cumplicidade que lenta e progressivamente se vai instalando. Nesse aspecto o filme contém uma sequência arrepiante, em que a aparente candura de processos anuncia já a chegada do mais terrível dos monstros: a canção-hino “Tomorrow Belongs To Me”, entoada pela voz límpida de um jovem imberbe e que progressivamente vai suscitando o coro das vozes e o aumento do entusiasmo dos espectadores em redor. Depois, no clímax final da canção, a câmara dá-nos a ver o que até ali nos ocultou - é que o jovem a quem pertencem aquele rosto e aquela voz angelicais é também um jovem de farda nazi que finaliza a sua actuação fazendo a respectiva saudação. É a violência que se torna legal, o maquiavelismo político que nada respeita.

Mas “Cabaret” é muito mais ainda. À semelhança do que já tinha feito em “Sweet Charity”, Bob Fosse coreografa os ângulos de câmara (e o que a câmara apanha), mais do que coreografa os bailarinos. Para lá da perfeição da execução dos bailados o que mais interessa a Fosse é mostrar-nos toda a musicalidade da máquina de filmar. E é nisso, nessa ruptura das regras do musical clássico, que a originalidade dos processos de Fosse emerge da normalidade, daquilo a que até então o género musical nos tinha habituado. E depois, a intercalação da história com os números musicais converte estes últimos numa espécie de “consciência moral” da primeira. Intenção nem sempre bem conseguida, é certo, mas que ficará como imagem de marca deste filme-charneira do musical americano.

E depois há Sally Bowles e a actriz que com ela se confunde. “Cabaret” não poderia ter existido sem Liza Minnelli. Ou, citando um conhecido spot publicitário, poder podia, mas não seria a mesma coisa. Liza tem aqui o maior e definitivo papel de toda uma carreira, a ponto da sua imagem ser sinónimo do filme e vice-versa. E não falo apenas dos números musicais onde ela é de facto inexcedível. Falo também do lado interpretativo da actriz, cuja excelência cómico-dramática não concedeu qualquer escapatória à Academia de Hollywood que não teve outra saída senão atribuir-lhe o merecidissimo Oscar.

Toda a cena inicial de sedução (“Doesn't my body drive you wild with desire?”); as expressões verbais de Sally na “aula” de inglês; a cena em que Natalia (Marisa Berenson) quer saber se o que sente é “love” ou apenas “infatuation of the body”; a cena em que Sally confessa a Brian (Michael York) que dormira com o barão e em que este lhe responde “So do I”; o penoso regresso a casa depois de consumado o aborto; a despedida sem glória na estação dos comboios, são apenas alguns exemplos duma fabulosa perfomance. Exuberante, crispada como a mãe, não demasiado bela - nisso saíu ao pai - Liza Minnelli é um autêntico vulcão, uma verdadeira força da natureza, cujo brilho e vitalidade contamina tudo e todos à sua volta.

“Life is a Cabaret, ol’ chum” e o cabaret de Fosse fecha da mesma maneira que abriu, com os reflexos simbólicos de um espelho retorcido, em que agora se nota já a presença de inúmeras suásticas em fardamentos nazis. É o encerramento de um percurso, o fim da breve e infeliz República de Weimar e das instituições democráticas alemãs.

CURIOSIDADES:

- Na peça original da Broadway Sally Bowles era uma cantora inglesa e Brian um escritor norte-americano. No filme é precisamente o contrário. O espectáculo original estreou-se no Broadhurst Theater, em 2 de Novembro de 1966, tendo sido galardoado com o Tony para o melhor musical em 1967. Joel Grey, que já desempenhava em palco o papel de mestre-de-cerimónias foi de igual modo distinguido com o Tony de melhor actor num musical.

- Billy Wilder e Gene Kelly não aceitaram transpor “Cabaret” para o cinema

- A maquilhagem e os penteados de Sally Bowles foram da responsabilidade de Liza Minnelli, no que foi ajudada pelo pai, o director-musical Vincente Minnelli

- Os autores da canção “Tomorrow Belongs To Me”, John Kander e Fred Ebb, eram judeus. O tema, que exalta o patriotismo alemão, foi dobrada em alemão quando o filme se estreou em França. Aliás, mesmo na versão original cantada em inglês o cantor que a interpreta, Mark Lambert, recusou pintar o cabelo de louro não aparecendo nas imagens (foi um jovem figurante alemão que tomou o seu lugar)


- Alguns anos antes de filmar “Cabaret”, Liza Minnelli interpretou o tema “Maybe This Time”, ao lado da sua mãe, Judy Garland, no London Palladium

- Para além do Oscar de melhor actriz principal atribuído a Liza Minnelli, “Cabaret” foi galardoado com mais 7 Oscars (Realizador: Bob Fosse, Actor Secundário: Joel Grey, Direcção Artística e Cenários, Cinematografia, Montagem, Som e Música). Falhou apenas nas nomeações que teve para o Argumento-adaptado e melhor filme do ano (que seria “O Padrinho”). Liza Minnelli e Joel Grey ganhariam ainda os Globos de Ouro nas respectivas categorias e o filme o Globo de Ouro para o melhor musical/comédia de 1972. Do outro lado do Atlântico chegaram também 7 BAFTAS, incluindo o do melhor filme.

- Em 2007 o American Film Institute incluiu pela primeira vez “Cabaret” na lista dos melhores filmes de sempre. Atribuiram-lhe o 63º lugar

 VER AQUI OS VIDEOS DE:

POSTERS


Como diz o Sérgio Vaz no seu blogue, «As pessoas deveriam ver "Cabaret" uma vez por ano». Leia tudo o mais que ele escreve sobre este filme apaixonante. AQUI