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domingo, dezembro 12, 2021

LE NOTTI BIANCHE (1957)

 AS NOITES BRANCAS

Um filme de LUCHINO VISCONTI



Com Marcello Mastroianni, Maria Schell, Jean Marais, Marcella Rovena, Maria Zanoli, etc.


ITÁLIA-FRANÇA/102 m / P&B / 16X9 (1.66:1)



Estreia em ITÁLIA, no Festival de Veneza: 6/9/1957

Estreia em PORTUGAL: 13/5/1959



Mario: «God bless you for the moment of happiness you gave me. 
Even a moment's worth can last a lifetime»



Falecido com 69 anos (nasceu em Milão a 2/11/1906, morreu em Roma a 17/3/1976), Luchino Visconti filmou apenas 14 longas-metragens, desde "Obsessão" (1943), até "O Intruso" (1976). A grande maioria são obras fundamentais do Cinema. Mas existe uma espécie de tradição quando se fala da sua filmografia, em separar os "grandes filmes" dos "filmes menores". Entre estes, "Noites Brancas", baseado num conto de Fiódor Dostoiévski, encontra-se quase sempre presente. Verdade seja dita que há alguma razão neste juízo de valor: basta lembrarmo-nos de monumentos como "Sentimento", "Rocco e Seus Irmãos", "O Leopardo", "Os Malditos" ou "Morte em Veneza", quer na dimensão bruta do empreendimento quer pela maior repercussão crítica que alcançaram. Mas, como diria Einstein, tudo é relativo. E as "Noites Brancas" ainda hoje é um filme belissimo, um enorme prazer para os olhos dos espectadores.

Sem dúvida, pode censurar-se a "Noites Brancas" uma certa incompreensão de Dostoiévski, do seu clima especial - mas a fidelidade ao original nunca é critério. O próprio Visconti sabia a dificuldade na adaptação de uma obra de Dostoiévski, como referiu numa entrevista da altura em que realizou o filme: «Procurámos muito, entre escritores de todo o mundo. Foi Emilio Cecchi a sugerir-nos as "Noites Brancas". Por mim, devo dizer, agarrei-me a esta pequena história (muito grande em Dostoiévski, pequena no meu filme), agarrei-me a ela precisamente por oferecer essa possibilidade de evasão da realidade, pelo contraste entre o despertar, em que todas as coisas são desagradáveis, e essas quatro horas da noite passadas com uma rapariga que se torna uma espécie de sonho, algo de irreal, de quase impossível. Foi isso, foi esse jogo que me atraiu.»


"As noites de San Petersburgo" era realmente um pequeno mas belo conto de Dostoiévski, que já tinha servido de base a uma interessante adaptação soviética em 1934 (mais tarde haveriam de ser feitas muitas outras versões, quer para cinema quer para televisão. Aliás, toda a obra do genial escritor russo foi sempre um grande manancial de adaptações). Visconti extrai dele um filme todo em matizes românticas e nostálgicas, mantendo incólume toda a solidão dos personagens. Uma elegia amaneirada, um romantismo de neve, neblina e encontros ao luar nas pontes dum canal tomaram uma posição dominante. Foi esse afastar do "neo-realismo" (de que Visconti nem era sequer um dos expoentes máximo, exceptuando-se talvez o filme "La Terra Treme") que os seus detractores mais expressaram as suas críticas. Mas no contexto cultural italiano de então, sabia-se muito bem que Visconti de modo algum estava amarrado a uma concepção estreita do realismo: as suas encenações teatrais tinham-no demonstrado.


Hoje, longe das querelas, podemos ver as "Noites Brancas" como um desses contos fantásticos e românticos que nunca envelhecem. E os actores que incarnam as personagens principais, Mastroianni (nunca o vimos tão vulnerável num filme) e a bela Maria Schell, conseguiram ser um dos pares mais sentimentais do cinema, ao exporem ao público o que ia na alma dos personagens. A título de curiosidade refira-se que a actriz austríaca aprendeu a língua italiana para poder entrar no filme sem ser dobrada por outra, como então era costume nas co-produções. Rodado em 1957, ano do apogeu do rock 'n' roll, o filme não se escusa em mostrar uma longa sequência passada num bar frequentado por jovens, que dançam freneticamente os novos ritmos da moda. Espectacular!


Para terminar, não resisto a transcrever um excerpto da introdução de Margarida Rebelo Pinto à edição de 2013 do livro em Portugal, que practicamente define o filme: «O romantismo exacerbado é ridículo apenas para aqueles que nunca viveram a vertigem de um amor total e ao mesmo tempo impossível, no qual o arrebatamento nos eleva a um estado de graça que nunca mais esquecemos. A busca do amor pelo amor pode sobrepor-se por vezes à própria existência, por nos levar mais longe e mais alto do que alguma vez imaginámos chegar. Tal como as noites que imitam o dia, o sonho também imita a vida e a ficção não é mais do que um pálido reflexo da realidade. É verdade que todos precisamos de sonhar, mas também todos precisamos de acordar. E embora nos pareça impossível acordar sem dor nem perda, afinal nem sempre é mau, porque a vida é sempre outra coisa, diferente do que imaginámos. Os sonhos servem para isso mesmo: perdermo-nos através deles para nos voltarmos a encontrar.»

terça-feira, dezembro 28, 2010

LA GRANDE BOUFFE (1973)

A GRANDE FARRA
Um Filme de MARCO FERRERI

Com Marcello Mastroianni, Michel Piccoli, Philippe Noiret, Ugo Tognazzi, Andréa Ferréol, etc.

FRANÇA-ITÁLIA / 130 min / 
COR / 4X3 (1.66:1)

Estreia em França a 17/5/1973
(Festival de Cannes)
Estreia nos EUA a 19/9/1973 
(New York)
Estreia em MOÇAMBIQUEe a 4/12/1974
(LM, cinema Dicca)


“Vivemos num tempo onde já não existem sentimentos. Tudo é falso e hipócrita. Assim, com “La Grande Bouffe”, quis contar uma história que se apoiasse numa verdade ainda não adulterada: a realidade fisiológica. O meu filme exprime um profundo desespero, traduzido na vontade de se empanturrar, de se empanturrar até explodir. É um filme moralizador, é um filme moralista” (Marco Ferreri)

Fábula moralista, pois então, numa via de excesso e picaresco onde Rabelais e Sade deram cartas. Um filme que começa com o tom de comédia de costumes, de sátira levemente audaciosa, e que progressivamente se instala numa visão amarga de profundo desespero. Então, todas as audácias são permitidas, mas a farsa é já suicida e terminal. A provocação constante origina o incómodo do espectador e por isso o riso sai amarelo e distorcido, e estrangula-se-nos no cérebro. A grande farra da burguesia analisada à lupa: um hiper-realismo estapafúrdio, perpetuamente invertido, mas dirigido com mão de mestre por um Marco Ferreri (1928-1997) num dos pontos mais altos da sua carreira.

Provavelmente até hoje o maior escândalo do Festival de Cannes, onde se estreou a 17 de Maio de 1973 no meio de acesas polémicas (apesar de ter ganho por unanimidade o Prémio da Crítica Internacional), “La Grande Bouffe” foi dos filmes mais aguardados logo que os ventos de liberdade varreram a censura em Portugal. Vi-o pela primeira vez a 4 de Dezembro de 1974, no cinema Dicca, em Lourenço Marques, pouco antes de rumar a Lisboa para ingresso no Técnico e continuação dos meus estudos universitários. Antes desse ano findar voltei a vê-lo de novo, desta vez no cinema Satélite do Monumental, há muito desaparecido.

O que não desapareceu foi o fascínio que “La Grande Bouffe” exerce em mim de todas as vezes que vejo o filme. Esta história excessiva e escatológica, em que quatro homens se reúnem numa mansão aristocrática durante um fim de semana com o único objectivo de cometerem os maiores excessos gastronómicos e sexuais, sempre me deu a visão perfeita de uma classe burguesa em permanente decadência (porque sempre renovada ao longo dos anos), onde todos os valores gravitam em torno da abastança.

O filme é, claro, uma enorme alegoria sobre esse segmento da sociedade, mas que de facto nos consegue transmitir todo um ridículo e degradação de propósitos ao colocar os seus personagens a chafurdar no consumo ilimitado de pitéus e iguarias e em que o sexo aparece de igual modo conotado como um manjar adicional entre tantos outros. A sequência da visita das prostitutas é paradigmática – nunca o sexo foi tão reduzido à materialidade pura da carne, nem mesmo no mais pornográfico dos filmes.

Não foi certamente por acaso que Ferreri construiu a sua pequena fábula em torno da comida, que é um dos últimos domínios da cultura ocidental em que ainda predomina o ritual, sobretudo em França, onde o realizador italiano viveu durante muitos anos. Com um argumento bem construído, o filme percorre todas as etapas deste ritual: comprar a comida, escolher os ingredientes, ler as receitas, preparar os pratos, baptizá-los, pôr a mesa e, finalmente, comer.

Como numa fábula mítica, nada é gratuito em “La Grande Bouffe”, desde as taras grotescas de Marcello à flautulência de Michel – tudo sinais de uma degradação da morte em vida, onde a única sobrevivente será a mulher, símbolo eterno representado pela personagem de Andrea, uma abelha-mestra que preside ao concerto fúnebre executado em honra dos seus anfitriões e que no final da récita dispersará pelos jardins a carne extra congelada, a qual já será apenas consumida por matilhas de cães esfomeados.

Pela sua falta de pudor e crueza narrativa, “La Grande Bouffe” não podia deixar de chocar as plateias um pouco por todo o lado. Sobretudo porque os personagens (denominados todos pelos nomes próprios dos respectivos actores, o que, mais uma vez, não é por acaso) são representantes de profissões consideradas dignificantes: um piloto da aviação, um realizador de televisão, um juíz e um proprietário de restaurante e maitre de cuisine. E apesar de Marco Ferreri não se levar demasiado a sério, a apresentação de todos aqueles excessos alimentares e sexuais era sem dúvida uma novidade à época, algo nunca visto num écran de cinema. Mais do que uma simples comédia de excessos, “La Grande Bouffe” é um grande filme, original e pertinente, sobre a solidão e o enfado de se estar vivo por acaso.

CURIOSIDADES:
Por causa deste filme fiz uma pequena surpresa a um grande amigo meu em 1982, quando ele fez 29 anos - um bolo muito especial, com um par de gelatinosos seios em cima. Não ficou com aquele aspecto rosadinho do bolo do filme (feito em honra da Andrea e que o Philippe Noiret saboreia no final), mas enfim... foi o que se pôde arranjar. Aqui fica a respectiva fotografia a testemunhar essa festiva data.