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domingo, julho 13, 2025

DER TIGER VON ESCHNAPUR / DAS INDISCHE GRABMAL (1959)

O TIGRE DE ESCHNAPUR / O TÚMULO ÍNDIO
Um filme de FRITZ LANG




Com Debra Paget, Paul Hubschmid, Walter Reyner, Claus Holm, Sabine Bethmann, etc.

RFA / 97 + 101 min / COR / 
4X3 (1.37:1)

Estreia na Alemanha a 22/1/1959
Estreia em Portugal (versão reduzida): 10/3/1961 (Cinema Condes)



Filme composto por duas partes, foi rodado por Fritz Lang logo após o seu regresso dos Estados Unidos em 1957, onde esteve exilado durante cerca de 25 anos. Nesse ano fez uma das suas muitas viagens à Índia, pensando realizar um filme sobre o famoso Taj Mahal, mas o projecto não foi avante. Por essa altura o produtor alemão Artur Brauner contactou-o para um regresso à Alemanha, sugerindo-lhe as histórias do "Tigre de Eschnapur" e do "Túmulo Índio". Prometia-lhe absoluta liberdade. Para Lang este convite era a concretização de um sonho antigo, pelo que não hesitou.

Trata-se de uma aventura sem grandes implicações ideológicas ou temáticas, fugindo inclusive ao estilo característico de Lang, mas ainda assim muitissimo interessante. A história fala-nos de um arquitecto alemão, Harald Berger (Paul Hubschmid), que é convidado a viajar até à Índia para reformar a urbanização da capital, mas que pelo caminho encontra Seetha (Debra Paget), uma bailarina, prometida do marajá Chandra (Walter Reyer), a quem salva das garras de um tigre. Amores e conspirações completam o quadro, fornecendo a paisagem indiana o necessário exotismo. Na 2ª parte Berger vê-se envolvido numa luta de poder, entre o marajá e o irmão, Ramigani. Seetha é obrigada a casar com Chandra, como única forma de salvar o arquitecto, e este é amarrado numa das masmorras do castelo, enquanto Seetha tem de dançar diante de uma cobra, numa verdadeira prova de coragem perante os homens e os deuses…


Esteticamente o filme é muito belo, evocando o imaginário dos anos 20 e particularmente o abstraccionismo dos “Nibelungos”, do próprio Lang. A utilização do décor e do espaço é simplesmente portentosa, sobretudo nas sequências rodadas nos salões, terraços e subterrâneos do palácio. Aliás é uma faceta conhecida de toda a obra de Lang, a alternativa entre os espaços abertos e cerrados, entre o movimento para a liberdade e o movimento para o abismo.

A aparente convencionalidade do argumento é ultrapassada pela maturidade de Lang, que lhe permite combinar o máximo de inacessibilidade com o máximo de acessibilidade. É tão possível dizer-se que, uma vez mais, os temas da morte, da vontade de poder e do destino tudo dominam e a tudo presidem, como filiá-los nos grandes romances de aventuras do século XIX, de Júlio Verne, Karl May ou Emilio Salgari. Em última análise, nós espectadores, abandonamo-nos ao prazer de uma história bem contada, que tem a ver com contos de fadas e o mundo da infância e da adolescência.

Se o filme tem uma poderosa carga mágica (o episódio do faquir do Tigre, a dança da cobra ou a maldição da deusa do Túmulo, para apenas citar alguns exemplos cimeiros) essa magia é inseparável duma moral, que no termo da obra de Lang é da exaltação do amor. Estamos num mundo de volumes, de luzes e de cores, em que a luta se trava tanto entre os sentimentos como entre as formas. Num mundo em que a genealogia da moral postula o mito e em que a fábula se encerra na moral da fábula.


CURIOSIDADES:

- Existe um versão mutilada com apenas 95 minutos dos dois filmes, dobrada em inglês e com o título de "Journey to the Lost City".

- Um dos filmes predilectos de Steven Spielberg, que inclusivé esteve na génese da criação da personagem de Indiana Jones.


 
 

sexta-feira, setembro 04, 2015

RANCHO NOTORIOUS (1952)

O RANCHO DAS PAIXÕES
Um filme de FRITZ LANG





Com Marlene Dietrich, Arthur Kennedy, Mel Ferrer, Gloria Henry, William Frawley, Lisa Ferraday, etc.

EUA / 89 min / COR / 
4X3 (1.37:1)


Estreia nos EUA a 1/3/1952
Estreia em PORTUGAL a 13/11/1952



Altar Keane: «Go away and come back ten years ago»

Raras são as filmografias que nos enchem os olhos e as almas de fio a pavio, mesmo entre os melhores cineastas. Este “Rancho Notorious” serve perfeitamente de exemplo de excepção na obra de Fritz Lang, alguém que nos deu alguns dos melhores filmes da história do Cinema. Apesar de escorreito e certinho na sua planificação, este terceiro e último western realizado por Lang nos EUA é hoje um filme decepcionante de se ver, sem uma centelha de emoção, sobretudo quando comparado com os clássicos do género. Basta lembrar-nos que “High Noon”, de Fred Zinnemann, é também deste mesmo ano de 1952.


Lang nunca foi especialista de filmes do Oeste, mesmo que “The Return of Frank James” contenha esplêndidas sequências de acção (nunca vi o seu segundo western, “Western Union”). Por isso há que condescender um pouco face à visão deste “Rancho Notorious”, até porque, no final, ele não é melhor nem pior do que tantos outros filmes de série B da época. Digamos que, não fosse o prestígio do nome que assina o filme, e este comentário nem apareceria por aqui. Lang queria que o filme se chamasse “Chuck-a-Luck”, que era a designação de um jogo muito conhecido, uma espécie de roleta vertical com uma roda a girar. A história anda à volta de um cowboy que tenta encontrar num rancho chamado Chuck-a-Luck o assassino da sua noiva. Arthur Kennedy é Vern Haskell, esse cowboy vingador. A ele se junta um parceiro, French Fairmont (Mel Ferrer), alguém que já viveu o destino futuro do cowboy. Abandonado pelos guardas profissionais da lei, Vern lança-se num plano pessoal de vingança, no fim do qual o assassino é julgado, mas por um acto que não cometeu.



Chuck-a-Luck, o rancho (“das paixões”, segundo a tradução portuguesa), situa-se ao fundo de um pequeno e estreito vale, rodeado de montanhas como uma nascente. O filme foi quase inteiramente rodado em estúdio: «Filmar um western no estúdio é extraordinariamente difícil», confessou Lang. «Não tínhamos dinheiro suficiente para construir a montanha que domina o rancho e o deserto. Mas o meu arquitecto, Sr. Ihnen, que fez montes de coisas prodigiosas em “Man Hunt” e noutros filmes, entendia de perspectivas...» Mas a razão fundamental pela qual Fritz Lang realizou “Rancho Notorious”, tinha um nome: Marlene Dietrich. Fosse porque nutria grande admiração pela actriz fosse porque se sentia atraído pela mulher, a verdade é que Lang queria acima de tudo dirigir Marlene. E hoje em dia isso é claramente notório no filme, pois a lendária actriz é o centro das atenções gerais. Aliás é a sua presença (apesar de na altura já contar com 50 anos bem vividos) que continua a compensar a visão do filme. Ainda por cima temos direito a duas canções interpretadas por ela: “Gipsy Davey” e “Get Away, Young Man”. Mas razão tinha Pauline Kael quando em 1952 afirmou que “Rancho Notorious” não iria figurar entre os filmes pelos quais Fritz Lang seria lembrado.



POSTERS

terça-feira, dezembro 20, 2011

HUMAN DESIRE (1954)

DESEJO HUMANO
Um filme de FRITZ LANG






Com Glenn Ford, Gloria Grahame, Broderick Crawford, Edgar Buchanan, Kathleen Case, Peggy Maley, Diane DeLaire, Grandon Rhodes, etc.


EUA / 91 min / PB / 
16X9 (1.85:1)


Estreia nos EUA a 5/8/1954
Estreia em PORTUGAL a 22/6/1955



"She was born to be bad...to be kissed...to make trouble". Assim rezava a publicidade deste filme de Fritz Lang, remake americana de "La Bête Humaine" [Jean Renoir, 1938], e com argumento baseado no romance homónimo de Emile Zola. Tenho lido que o filme de Renoir é superior (o próprio Lang assim o pensava) mas não concordo com essa premissa. Este "Human Desire" (título não muito do agrado de Lang, que o achava redundante) é um dos melhores exemplos de film-noir que tenho memória e Gloria Grahame - num papel que esteve para ser entregue a Rita Hayworth - nunca esteve tão perversamente bela e sedutora. «Parece que foi criada para o filme negro, a não ser que seja o contrário», disse dela Tavernier, que cita um crítico americano que escreveu: «quando ela olha, olha realmente; quando está apaixonada, acreditamo-la; e quando está em apuros, em apuros ficamos também.» De facto, três características dos papeis representados por Gloria, bem em evidência neste filme.

"Scarlet Street" [1945] já falava de velhos senis a quem a frustração levava a cometer assassínios, quer na pessoa da mulher desejada perante a qual não se sentem à altura, quer na do rival que outrora a possuiu. Aqui é um marido ciumento, Carl Buckley (Broderick Crawford), que abre as feridas do passado ao insistir com a mulher para interceder por ele junto ao patrão, afim de que possa recuperar o emprego perdido. A recusa inicial de Vicky (Gloria Grahame) prende-se com o facto de em muito nova ter sido amante daquele, situação de que só com muita dificuldade se conseguiu libertar. Ansiosa por uma nova oportunidade de vida, Vicky acaba por ceder à insistência e ir ter com o velho amante. Regressa com a promessa da readmissão do marido, mas este, desconfiado, acaba por ver confirmadas as suspeitas de que a mulher se deitou com o patrão para conseguir o pretendido.

Menos por ciúme ou desejo de vingança do que para fazer de Vicky cúmplice e ligá-la de novo a ele, Carl obriga-a a escrever um bilhete para um novo encontro, na sequência do qual assassina o superior numa carruagem de comboio. Depois do crime, e mais uma vez induzida pelo marido (que agora tem em seu poder a carta incriminatória para a poder chantagear), Vicky seduz Jeff Warren (Glenn Ford), maquinista que por acaso viaja no mesmo comboio, de modo a afastá-lo das imediações do compartimento onde o crime foi cometido. Disposta a tudo para se libertar da chantagem de que passa a ser vitima, Vicky torna-se amante de Warren com o objectivo de o levar a eliminar o marido. Só que no último instante Warren arrepia caminho e é Vicky que no fim vem a sofrer as consequências.


Henri Langlois (antigo director da Cinemateca Francesa), escreveu um dia a propósito dos dois maiores cineastas alemães: «O que há de notável na obra de Murnau é a sua mobilidade. O que há de notável na obra de Fritz Lang é a sua estabilidade.» Por outras palavras, o que Langlois quis certamente salientar foi a sólida implantação arquitectónica duma inabalável estrutura nos filmes de Lang. Estrutura moral (neste homem cuja obra tem o rigor dum tratado de ética), estrutura metafísica (impossível não identificar os seus filmes com as grandes questões a que normalmente se aplica esta etiqueta), estrutura estética assente numa construção rigorosa em que o olhar dos Deuses (ou do destino) se confunde com o da câmara, abarcando todas as aventuras numa só aventura: a que inelutavelmente mantém o homem preso da fatalidade que sobre si se abate. Fatalidade que, para Lang, é o outro nome da deusa de olhos vendados, a Justiça, escrevendo direito por linhas mais que tortas.

"Human Desire" começa por nos mostrar o andamento da locomotiva conduzida por Warren e Alec Simmons (Edgar Buchanan), colegas de profissão. Da cabine de comando a câmara desce para os carris, e quando se encontra entre duas vias, com um comboio a passar à direita e outro à esquerda, os flancos lisos que desfilam são só superfícies imóveis e vibrantes que estão de repente ali e desaparecem de repente. Nunca no filme os comboios são vistos no seu movimento horizontal, nunca é comunicada a sensação de deslocação ou de viagem. É como se os dois ferroviários constituissem os órgãos vitais da locomotiva que conduzem. António Nahud Júnior, ao comentar este filme no seu blogue, "O Falcão Maltês", refere também este aspecto muito particular de "Human Desire": «...personagens decaídos que se despedaçam entre si em um universo asfixiante de apartamentos simplórios e estações de trem, de linhas ferroviárias com traçados retilíneos e restritivos, que são como uma espécie de imagem de seus próprios destinos


O cinema de Lang, neste seu último período (e "Human Desire" é um dos exemplos mais evidentes), tende a ser uma justaposição de imagens, presididas geralmente pela obsessão da simetria, filmadas com aparente impassibilidade por uma câmara quase sempre imóvel, cujas poucas deslocações obedecem apenas à mais limitada funcionalidade. Uma planificação concebida com um sentido rigoroso da síntese reduz estas obras ao que André Bazin chamou «o vazio barométrico da encenação.» Esta sobriedade e concisão convertem o Lang da velhice num dos casos mais exemplares e incompreendidos de um cineasta que levava o estilo próprio às sua últimas e mais arriscadas consequências.




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terça-feira, dezembro 07, 2010

METROPOLIS (1927)

METRÓPOLIS


Um filme de FRITZ LANG


Com Alfred Abel, Gustav Fröhlich, Rudolf Klein-Rogge, Brigitte Helm, Fritz Rasp, Theodor Loos


ALEMANHA / PB / 210 min (versão 2010: 150 min) / 4X3 (1.37:1)


Estreia na Alemanha a 10/1/1927 (Berlim)
Estreia nos EUA a 6/3/1927
Estreia em Portugal a 7/4/1928 (Lisboa, cinema S. Luiz)



Maria: “There can be no understanding between the hand and the brain 
unless the heart acts as mediator"


Em Agosto de 1925, a UFA enviou Fritz Lang e Erich Pommer a Nova Iorque para apresentarem o filme “Os Nibelungos” em solo americano. A estadia foi curta, pouco mais de um mês, mas as consequências que daí adviriam foram enormes; acima de tudo porque o contacto com uma cidade como Nova Iorque iria servir de inspiração a Lang para a rodagem do seu próximo filme, “Metropolis”. Logo depois do regresso à Alemanha, e de parceria com a sua mulher, Thea Von Harbou, Lang começa a escrever o argumento dessa nova obra, que iria adquirir proporções gigantescas, a ponto de ser a mais cara de toda a história da UFA. Para além da impressão directa colhida na viagem a Nova Iorque, Lang inspira-se em textos de H.G. Wells, Júlio Verne e Villiers de l’Isle.
A sua formação de arquitecto predispõe-o para uma visão futurista e apocalíptica do mundo; e o gosto por uma estética “construtivista” e a consciência de um aumento de peso de um clima social dar-lhe-ão o impulso decisivo. Lang deitará mão a tudo (construção de cenários imensos, utilização hábil de maquetas, mais de 37.000 figurantes) para, durante cerca de dois anos de filmagens, dar corpo a esta utopia grandiosa, que pode ser considerada um hino ou um desafio à ideologia totalitária. O tema do filme é bem conhecido: “Metropolis” é uma cidade projectada para um futuro muito distante, com dois níveis de vivências: em cima estão os poderosos, os cérebros detentores do poder absoluto; em baixo situam-se os meandros subterrâneos onde se encontram os operários, escravos da máquina que dá vida à cidade.
Maria (Brigitte Helm) é uma bela rapariga que pertence a este último submundo e que prega a esperança e o conformisno, qual profetisa messiânica. Dela ir-se-á enamorar o filho do “dono” da cidade, Freder (Gustav Fröhlich), que até então viveu feliz e despreocupado no meio dos privilégios da sua classe. Entretanto, o pai (Alfred Abel) faz com que o cientista Rotwang (Rudolf Klein- Rogge) construa um robot semelhante a Maria, a fim de instigar os trabalhadores à revolta e, desse modo, ter um pretexto para exercer a repressão; mas também com a ideia de verificar se o robot poderá substituir o homem. Mas este deixa de obedecer e a revolta adquire aspectos catastróficos quando a cidade subterrânea começa a inundar-se, após a destruição das máquinas. No fim, as duas partes implicadas no conflito reconciliam-se à porta da catedral. Nunca a um filme fora imposto um final assim tão artificial, contrariando toda a lógica da decadência que “Metropolis” evoca. Nem os próprios americanos teriam mostrado tanto empenho num “happy ending” como este.
Destacar as marcas das tendências pré-fascistas em “Metropolis” não é nenhuma proeza original. Thea Von Harbou iria aderir ao partido nacional-socialista em 1932, quando Lang trabalhava já no “Testamento do Dr. Mabuse”. O tom dos textos por ela escritos não deixa margem a qualquer dúvida. Existe por isso em “Metrópolis um duplo sentimento de fascínio e repulsa, que a ambiguidade da mensagem final, tentando conciliar a arbitrariedade do poder e as exigências da justiça social, não consegue suprimir. Lang tinha ele próprio consciência disso: «A conclusão é falsa, já não a aceitava quando realizei o filme», declara em 1959 aos Cahiers du Cinéma. Atenua esta opinião em 1971: «Thea Von Harbou tinha imaginado que o mediador entre o cérebro dirigente e a mão executante podia ser o coração. Isso pareceu-me então pueril e utópico. Mas compreendo que a juventude dos universitários tenda para essa solução».
Lang estava bem ciente que aquele abraço final, reconciliando o capital e o trabalho, continha em germe a grande alegoria do nacional-socialismo que nessa altura já circulava na Alemanha. Resta é saber se ele comungava com a sua esposa a doutrina ideológica que se desprende do filme. É muito pouco provável, julga-se até que foi a diferença de ideias políticas entre os dois que esteve na origem do divórcio ocorrido em 1933, pouco antes de Lang partir para o exílio, primeiro para Paris e depois para os EUA. Voltemos entretanto à entrevista de 1971: «Quando trabalhava nesta película, agradava-me muito. Anos depois encontrei-lhe inúmeros defeitos. O simbolismo era excessivo. A tese principal era da Srª Von Harbou, mas sou responsável pelo menos por 50%, pois realizei-a. Não estava então tão preocupado com a política como agora. Não se pode fazer uma película social na qual se diz que o intermediário entre a mão e o cérebro é o coração. Isso é um conto de fadas».
“Metropolis”, filme nazi ou progressista? Esta questão sempre esteve no centro das discussões sobre a obra de Lang. Hitler e Goebbels fizeram dele o seu filme de cabeceira, e provavelmente usaram-no como inspiração para todas as atrocidades cometidas e que infelizmente os imortalizaram na História da Humanidade. Refira-se, por exemplo, a estrela pintada na porta da casa de Rotwang ou a imensa escadaria ao cimo da qual os operários são imolados. Georges Sadoul recolheu a história que Jean Lafitte conta no seu livro de memórias, “Nous les Vivants”. Quando entrou pela primeira vez no campo de extermínio de Mauthausen, em 1943, ao subir a gigantesca escada, um prisioneiro desconhecido que caminhava a seu lado perguntou-lhe: «Isto não te faz lembrar o filme “Metropolis”
Resta o admirável triunfo plástico do filme: a marcha lenta dos homens na cidade subterrânea, a geometria impecável dos movimentos da multidão, a imaginação de um novo mundo de objectos (por exemplo, o relógio gigantesco de apenas 10 horas, as de trabalho), a beleza cenográfica - autocarros aéreos, auto-estradas a diversos níveis, o laboratório de Rotwang - e, logo de início, a carga de erotismo dada a Brigitte Helm, de um magnetismo irresistível na sua caracterização de mulher-máquina, que fazem de “Metropolis” um dos momentos altos da arte do mudo, a situar ao lado de uma “Intolerância” de Griffith, por exemplo.
“Metropolis” é, em suma, um soberbo espectáculo cinematográfico e um detestável panfleto político. Mas acredito que ver este clássico na sua época deverá ter proporcionado, para além de uma inegável confusão, uma experiência inolvidável. Considerado por muitos como o primeiro épico da ficção científica, “Metropolis” sofreu, desde a sua estreia, diversas mutilações e apropriações indevidas. Quase se chegou ao cúmulo de haver uma versão diferente consoante o país em que era exibido. Inclusivé foi alvo de uma colorização quando o músico americano Giorgio Moroder comercializou o filme em 1984 com uma nova banda sonora onde pontificavam canções interpretadas por Freddie Mercury, Pat Benatar ou Bonnie Tyler (essa banda sonora foi muito justamente distinguida como a pior banda-sonora de 1985 – os conhecidos Razzie Awards).
“Metropolis” conseguiu resistir a todas estas blasfémias. Agora, a novissima versão disponível em DVD e BLU-RAY, retoma a banda sonora original de Gottfried Huppertz (numa versão actualizada) e inclui 25 minutos de metragem descoberta há dois anos  na Argentina, o que amplia a totalidade do tempo da obra para 150 minutos; ainda assim um pouco distante - uma hora inteira - da versão exibida na altura da estreia, que durava 210 minutos. Provavelmente esta será agora a versão de referência e à qual teremos direito nos próximos anos. Mas a fraca qualidade das cenas agora adicionadas (cheias de riscos, que nem toda a tecnologia actual conseguiu eliminar) faz-nos no mínimo interrogar sobre a utilidade de tal adição. Se a obra ganhou em extensão perdeu sem dúvida alguma em uniformidade qualitativa.