Mostrar mensagens com a etiqueta Cânone. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Cânone. Mostrar todas as mensagens

domingo, 26 de agosto de 2018

CATORZE VEZES


Cristina Margato assina no Expresso um extenso artigo sobre os candidatos portugueses ao Nobel da Literatura. Vale a pena ler. A jornalista consultou os arquivos da Academia Sueca disponíveis na Internet (neste momento até 1968; a partir do próximo Janeiro disponíveis até 1969, e assim sucessivamente) e descobriu coisas deveras interessantes. Também falou com algumas pessoas: Clara Rocha (a filha de Torga), António Valdemar, Manuel Alegre, Maria Teresa Horta, etc. O foco do artigo é a guerrilha que, em 1959 e 1960, dividiu a intelligentsia portuguesa em dois grupos: os que apoiavam Torga contra os que apoiavam Aquilino. Do lado de Torga estavam Sophia Andresen e um punhado de escritores que depois do 25 de Abril se identificariam com o PS (casos de O’Neill, David e outros). Do lado de Aquilino estavam Óscar Lopes e outros intelectuais que já nessa altura eram militantes do PCP, casos de Urbano Tavares Rodrigues, José Gomes Ferreira, Maria Judite Carvalho e Abel Manta. Mário Soares, José Cardoso Pires e Vergílio Ferreira também apoiaram Aquilino. Pano de fundo: a PIDE apreendeu durante cinco dias o oitavo volume do Diário de Torga; Aquilino foi levado a Tribunal Plenário por ter escrito Quando os Lobos Uivam (1958). A querela fixou dissensões e ódios para a vida.

Escreve Cristina Margato: «A parte mais estranha desta história é que nem Torga nem Aquilino aparecem na lista da Academia Sueca como escritores propostos ao Prémio Nobel da Literatura, durante o ano de 1960

Ando há anos a bater na mesma tecla: as candidaturas ao Nobel têm protocolo próprio, não se fazem nas páginas dos jornais. O caso Torga vs Aquilino é paradigmático

Revelação verdadeiramente espantosa é esta: Maria Magdalena Valdez Trigueiros de Martel Patrício (1883-1947), que assinava Maria Magdalena Martel Patrício — o jornal inverte os apelidos —, escritora portuguesa, foi catorze vezes candidata ao Nobel da Literatura, a última das quais em 1947. Não se tratou de campanha de imprensa: o seu nome consta dos arquivos da Academia Sueca.

Conhece a autora? Então é assim: de origem aristocrática, Maria Magdalena Martel Patrício publicou, entre 1915 e 1944, cerca de trinta livros de poesia, ficção e ensaio. E em 1922 colaborou no primeiro número da Contemporânea (clique nas imagens). Hoje ninguém sabe quem foi a única mulher portuguesa nomeada para o Nobel da Literatura. E nomeada catorze vezes! À atenção das nossas estudiosas de literatura no feminino.

Tudo isto diz muito da relatividade da fama.

Imagens obtidas a partir do meu exemplar da Contemporânea.

domingo, 24 de abril de 2016

CANONIZO EU, CANONIZAS TU


A propósito do post de ontem sobre o cânone do DN, aproveito para lembrar a polémica gerada pela edição, em Outubro de 2002, da antologia Século de Ouro. Antologia Crítica da Poesia Portuguesa do Século XX, organizada por Osvaldo Manuel Silvestre, professor da Universidade de Coimbra, e Pedro Serra, professor da Universidade de Salamanca.

Transcrevo do meu livro de memórias, com inclusão, entre parênteses rectos, de nomes e excertos de notas de fim de texto:

«Um colégio de 73 ensaístas e poetas escolheu 73 poemas. Poemas e não poetas. O resultado indexa esses 73 poemas a 47 poetas. A lista dos ausentes ilustra bem o que acima vai dito. Não foram seleccionados poemas de dezenas de autores em regra antologiáveis. [Entre outros, estão ausentes António Botto, José Gomes Ferreira, António Gedeão, Miguel Torga, Raul de Carvalho, Natália Correia, Manuel Alegre e Maria Teresa Horta.] Na Assembleia da República, dez deputados liderados por Almeida Santos e Helena Roseta apresentaram em plenário um manifesto contra a ‘discriminação’ que se abatera sobre Torga e mais nove. [Além de Torga, o manifesto dos deputados cita Afonso Duarte, Florbela Espanca, António Botto, Pedro Homem de Mello, António Gedeão, Adolfo Casais Monteiro, Manuel da Fonseca, Natália Correia e Manuel Alegre.] Nunca o Parlamento produziu um documento tão esotérico. Silvestre & Serra responderam aos deputados de forma liminar: ‘Façam política, que é para isso que vos pagamos.’ [cf Público, 2-3-2003] Sem surpresa, uma onda de mexericos varreu o Meio. Um desses boatos garantia que Eugénio de Andrade, representado com um poema, teria sido incluído in extremis. Ouvida pelo Diário de Notícias, Maria Teresa Horta, uma das ausentes, deixou no ar o rumor — ‘como ia acontecendo ao Eugénio de Andrade, que no final foi incluído’. [cf DN 28-1-2003] Colaborei na antologia e sei que não foi assim. Por essa ordem de ideias, Torga estaria lá.» — cf Um Rapaz a Arder, Quetzal, 2013.

Portanto, nada de novo. Século de Ouro colige 73 poemas de 47 poetas. Sena e Ruy Belo são os poetas com maior representação. Cada poema é acompanhado de um ensaio. Sou autor da close reading ao poema O Preto no branco, de Rui Knopfli. Uma minuciosa introdução de 53 páginas explica a filosofia e o modus operandi da antologia.