sábado, 25 de outubro de 2025

Não Conta Comigo


A premissa de The Long WalkA Longa Marcha – me causa arrepios já na largada. Baseado no livro de Stephen King (sob o pseudônimo Richard Bachman), o filme acompanha um evento anual em que 50 jovens escoltados por soldados armados caminham por quilômetros sem parar. As regras são simples: manter a velocidade de 4,8 km/h; se ficar abaixo, recebe uma advertência; se não se recuperar em dez segundos, recebe outra; com três advertências, na quarta terá os miolos espalhados pelo chão; se sair da pista, a execução é sumária.

Só há um vencedor e não há linha de chegada. O último em pé, ganhará uma bolada em dinheiro e terá um desejo qualquer atendido.

Tudo isso televisionado e transmitido para todas as boas famílias americanas, lógico. O longa se passa numa década de 1970 alternativa, com os EUA atravessando um pós-guerra atolados num regime totalitário e numa grave depressão econômica. E esse é o pão & circo do momento.

Pra mim, que tenho uma agulhada pontual no pé direito que aparece e some do nada, é um perfeito cenário de terror. Sempre me imaginei indo pro saco por causa disso num apocalipse zumbi e agora tive meus parâmetros de pesadelo atualizados. Isso porque a mais básica das funções – andar – é suscetível a toda a sorte de imprevistos, como tropeços, torções, cãibras, distensões, contraturas, etc. Quanto mais inapropriado o momento, pior.

Isso sem falar na força inadiável da natureza, também conhecida como caganeira. Aquela que desconhece hora, lugar e convenções sociais. O termo "cagando e andando" é muito mais difícil de realizar do que a figura de linguagem sugere, ainda mais durante uma contagem regressiva sob a mira de uma metralhadora. No filme, isso tudo acontece com a deadline literal mordendo os calcanhares.

O aspecto survival horror fica mais acentuado conforme o avançar da história, com a exaustão extrema aliada à privação de sono alterando os humores e a sanidade dos participantes. Até mesmo o recurso narrativo da solidariedade humana em momentos de desespero é uma característica cara ao subgênero, que por vezes me lembrou o filme A Queda, de 2022.


O cineasta Francis Lawrence (do Constantine 2005) tem experiência em distopias embaladas por jogos midiáticos – ele dirigiu cinco dos seis filmes da franquia Jogos Vorazes até aqui. Com o roteiro adaptado por JT Mollner, Lawrence consegue um bom balanço entre a unidimensionalidade da marcha e a jornada pessoal dos personagens. Ênfase no "bom", mas não "ótimo". Nas melhores sequências, saltam da tela as situações nervosas com desfecho imprevisível (remetendo aos contos mais cruéis do Roald Dahl – Man from the South, alguém?) e nas mais, ops, pedestres, a coisa tira tinta do melodrama.

O elenco é uma joia e vivi para ver o Mark Hamill no papel de um líder autoritário. Seu personagem Major é um manifesto fascista sobre rodas, indiferente, impiedoso, irredutível. No núcleo principal, Tut Nyuot, Garrett Wareing, Cooper Hoffman (filho do saudoso Philip Seymour Hoffman), Charlie Plummer, David Jonsson (o andróide Andy, de Alien: Romulus) e Ben Wang estão excelentes. Judy Greer e Josh Hamilton fazem breves e marcantes participações.

O único grande porém, para mim, é comprar a ideia de que cinquenta almas (cem, no livro) se sujeitariam voluntariamente a tal provação sádica. A resposta pode estar em dois lugares. Primeiro, no estado desesperador do mundo que os cerca, sendo que o filme é bastante sucinto nesta questão. Segundo, na própria natureza humana, disposta a mergulhar em situações impensáveis de exposição sem nenhuma concessão à própria dignidade. Vide reality shows tipo Big Brother e suas onipresentes provas de resistência física.

O dia que adicionarem uma metralhadora nessas provas, estaremos perdidos enquanto espécie. Mas a audiência vai estourar.

Ps: após tanta tensão, nada como um gibizinho para relaxar. A 1ª distopia com jogos mortais a gente nunca esquece...

Nenhum comentário: