Deu no Guia dos Quadrinhos: há 10 anos,
Big Guy & Rusty,
o Menino-Robô era publicado no Brasil. Criado por
Frank Miller e
Geof Darrow em 1995, o título teve vida relâmpago, se bastando em duas edições fininhas lá na gringa via selo Legend, da
Dark Horse. Mas rendeu uma moralzinha cult com direito a remasterização em
hardcover, action-bonequinhos e uma série animada espetacular.
Mesmo com o hype há muito perdido - se é que teve algum naquela era pré-Internet - a microssérie acabou saindo por aqui 14 anos mais tarde. Provavelmente, a
Devir deve ter visto ali a chance de uma capitalizadinha com a (acredito) boa receptividade da HQ mais conhecida da dupla,
Hard Boiled - À Queima-Roupa, republicada aqui um ano antes. Com isso, fecharam em duas graphics os trampos do
power duo em formatão magazine. Grandes caras.
E por que o formatão foi importante? Essa é fácil.
A arte de Geof Darrow é um show à parte, isso até a minha bisavó sabe. Mas com esse detalhismo obsessivo nem mesmo as dimensões 21 x 28 cm da brochura parecem segurar o rojão visual; e provavelmente nada menos que as medidas de um
Wednesday Comics ou de um
King-Size Kirby fariam justiça ao seu TOC preciosista-micronauta.
Era a trincheira perfeita para Miller sair metralhando suas críticas curtidas em humor negro-vantablack ao
american way, ao capitalismo e ao consumismo desenfreado. Tudo no mesmo balaio do sci-fi militarizado de
Hard Boiled,
Bad Boy,
Martha Washington e, Milton Friedmans me mordam, suas colaborações na franquia
RoboCop. Só lembrando que se tratava daquele Miller recém-saído da DC cuspindo marimbondo contra a censura e o
establishment - mas ainda não era
aquele Miller pós-11/9,
danificado e cheirador de napalm pela manhã. Ainda era um meio-termo anárquico, divertido e combinando genialmente panfleto com escapismo.
A respeito de
Big Guy & Rusty,
muito se comenta sobre a patriotada impressa por Miller na história. Mais especificamente, sobre o fator
Complexo do Salvador Branco/
Narrativa do Salvador Branco, explícito numa sequência em que autoridades do Japão delegam aos EUA o status de xerife do mundo. Isso rola, exato e previsível como um relógio suíço. A diferença é que os perdedores têm o seu lado da história contado por eles mesmos; e o lado dos vencedores é conduzido num tom conciliador e amigável, não superior ou sectário.
Em contrapartida, já desarticulando minha própria defesa, uma das melhores coisas de
Big Guy & Rusty é justamente seu ufanismo americanóide. Tudo à moda antiga, cheio de valores morais (
"Agora é matar ou ser morto! ...Não! Tem que haver outro jeito!"), cristãos (
"Eu só tenho um Deus, meu chapa e, com certeza, ele não é um iguana supercrescido!") e todos aqueles anacronismos deliciosos convivendo com cenas frenéticas de ação em toda a sua glória chuta-bundas/yippee-ki-yay-motherfucker.
Dá pra ver quanto o Mark Millar bebeu daqui para compor seu Capitão América Ultimate. E até mesmo o
Universo Cinematográfico Marvel recente - mas aí é só suspeita minha.
Fuck yeah.
Ao contrário do que geralmente ocorre, soube da existência de
Big Guy & Rusty anos antes da HQ sair aqui, pela série animada. Foi co-produzida pela
Columbia TriStar Television e
Adelaide Productions - o mesmo pessoal das divertidas
Men in Black: The Series e
Godzilla: The Series - em conjunto com a
Dark Horse Entertainment e exibida pela
Fox Kids. Coisa linda de joint venture.
Na TV aberta, o desenho passou na
Globo na década de 2000, ou seja, nos últimos suspiros da sua faixa infantil matinal. Nem imagino em qual programa - seria
aquele com a ruivinha marota, a TV Globinho? Àquele ponto, eu já era um autêntico Sargento Rock de guerra civil brasileira, então é certo que conheci pela tevê de alguma repartição pública, enquanto me decompunha em vida com uma senha de atendimento na mão; por sinal, o mesmo cenário desolador que me fez descobrir o igualmente maravilhoso desenho
Avatar: A Lenda de Aang. Como um alívio em meio a tamanha tortura, foi amor à primeira assistida.
O conceito era, basicamente, os ícones do cânone pop-animê (
Astro Boy/
Jet Marte,
Gigantor,
Pirata do Espaço) e da cultura kaiju (Godzilla, Gamera, Rodan) colidindo com a ficção-científica americana do pós-Guerra. Irresistível.
Uma das grandes sacadas do cartoon foi adotar a ingenuidade e bom-mocismo dos
50's, apesar de se passar num futuro próximo - e isso inclui a patriotada, assumida de forma ainda mais incisiva e paródica que na HQ. Sempre há uma bandeira tremulando em algum lugar, os valores americanos são repetidos como mantras, a propaganda da máquina de guerra yankee é massiva, a trilha tem várias passagens em ritmo marcial e até o
tema de abertura lembra um orgulhoso e grandiloquente hino militar.
A galeria de vilões era esparsa e variada: robôs, alienígenas, aberrações genéticas (e nucleares e químicas), mais robôs, monstros interdimensionais,
evil cientistas e ainda mais robôs. Dos poucos recorrentes, meus favoritos eram os
masterminds terminators da
Legião Pró-Máquina (Legion Ex Machina), que mereciam até um desenho solo. Apesar de censura livre, o desenho era generoso em gore e grafismo sugeridos. Por várias vezes pesquei referências às nojeiras de
O Enigma de Outro Mundo,
The Hidden - O Escondido,
A Mosca e até
Do Além. O simples design de alguns monstros já parecia quase demais para um desenho voltado para crianças.
A parte técnica era um primor, com animação acima da média e arte mimetizando, à medida do possível, os traços originais - tanto que impressionou o
próprio Darrow. O elenco de dublagem era um
dream team:
Jim Hanks (irmão do Tom) como o
Tenente Dwayne Hunter, o piloto de Big Guy; o saudoso
R. Lee Ermey como o
General Thornton; o veterano ator
M. Emmet Walsh como
Mac, o mecânico mais velho de Big Guy;
Stephen Root (de
Corra!) como o ganancioso
Dr. Axel Donovan;
Gabrielle Carteris (a Andrea de, opa,
Barrados no Baile) como a
Dra. Erika Slate; o grande
Clancy Brown (
a voz definitiva do Lex Luthor!) fazendo quase todos os integrantes da Legião Pró-Máquina; o mestre
Tim Curry como o
Dr. Neugog; e fazendo a voz estridente de Rusty, a talentosa
Pamela Adlon - a impagável Marcy, de
Californication.
Já a relação gibi-desenho era curiosa, considerando o minimalismo típico do Miller noventista. Além do trabalho de adaptação, o desenho desenvolveu todo o background da HQ, criando do zero quase todos os personagens, cenários, motivações e objetivos a médio/longo prazo. A única grande convergência é o episódio de estreia, que começa do ponto onde o quadrinho parou (Big Guy e Rusty salvando vacas de uma abdução alienígena!), mas na verdade é uma adaptação livre do gibi inteiro, com alguns diálogos e cenas adaptadas
ipsis literis. Muito legal.
A grade de cartoons americanos sempre foi competitiva e implacável. Assim,
Big Guy & Rusty, o Menino-Robô foi uma pérola de vida curta, durando apenas 26 episódios em 2 temporadas - e nenhum
home video para a posteridade. Tive que me contentar com aquele pack TV-rip em baixa resolução da Baía do Pirata. Sem grandes revisionismos da velha geração ou reverências da nova, segui resignado com a certeza que a viagem terminava ali.
Contra todas as (minhas) expectativas, em julho de 2016 veio a quase-redenção:
Big & Rusty, the Boy Robot finalmente foi lançado em DVD.
Não foi um
home video per se, mas um DVD MOD (
made on demand)
exclusivo da Amazon. A prática é corriqueira da gigante americana e mostra que: 1) mesmo obscuras, algumas séries tem sim uma demanda expressiva, saudosista que seja; 2) é uma das maneiras mais fáceis de fazer grana investindo uma merreca: o DVD é o cúmulo do básico, com a capinha impressa em HP Deskjet e autorado sem extras de qualquer tipo, constando apenas o menu de seleção com o nome dos episódios. Consumidor de DVD MOD é
second-class citizen na visão das distribuidoras.
Mesmo assim, estava disposto em converter meu desvalorizado, mas suado dinheirinho nos 27 Trump$ e 99 +
shipping para ter em minhas mãos putrefactas este item superlativo da minha coleção pop por ordem autobiográfica
®. Mas bucaneiro véio nunca se endireita, então resolvi fazer pequenas escavações atrás de um lendário baú do tesouro em forma de arquivos matroska/container do DVD da série. Ou ao menos um DVD-rip em mp4. E nada.
Fui procrastinando e enrolando o carrinho da Amazon-US igual noivo fujão. Até que, há algumas semanas, sob um ímpeto fecha-compra ferrado e com a página amazônica escancarada, fiz uma última busca no Yandex. Dessa vez, com um resultado novo por ali: uma página japonesa - com tudo o que isso representa - trazendo a lista dos episódios em mkv e um magnet link solitário lá no finzinho.
Colei no µTorrent sem grandes expectativas e... não é que milagres acontecem?
Hooray!
Clique aí no Tetsujin 28-go - o Gigantor, pô - para copiar o
magnet link.
O torrent agora está na
Baía do Pirata também. E em
outras fontes.
Sobraram poucos
seeds, é verdade. Demorei uma vida pra completar esse download. Então vou manter os arquivos semeando ainda por um bom tempo. Não direto 24/7, mas ao menos algumas horas, todos os dias à noite. E quase direto nos fins de semana.
E a quem colaborar possa: que tal degustar esse torresmo, subir os episódios em alguma conta do
Mega ou
Mediafire e espalhar a palavra? O espírito público agradece.
Maratonei o desenho reservando certa condescendência para um possível envelhecimento técnico e narrativo. Felizmente, foi desnecessário: a série continua tão espirituosa, eletrizante e divertida quanto da primeira vez. Pode até ser uma Síndrome de Peter Pan (é provável), mas já quero conferir mais uma vez os
"golpes movidos a plutônio" de BGY-11, vulgo Big Guy, e os
"poderes núcleo-protônicos" de Rusty - que, lembrando, não tem
"receptores de dor".
O tiozão do
Anime Abandon concorda comigo.
Ps: é tarde demais pra sonhar com aquele live-action?