segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

De Gálador com muito orgulho, com muito amor

Chega de farra, chega de festa... só que nãoooo! ROM está aqui!


ROM em modo Dirty Harry / Analisando se o display está correto... ah, espera, não é da Panini!

Finalmente consegui botar minhas patas pútridas no ROM da Marvel Legends. Sempre levei aquisições de hominhos com rédea curta, mas esse foi impossível deixar passar. Tanto pela porrada nostálgica na veia quanto pela qualidade absurda da peça. O design é fidedigno ao do herói dos quadrinhos de Bill Mantlo e Sal Buscema – inclusive se destacando do padrão da linha Legends com uma escultura quase toda feita do zero e poucas partes recondicionadas de outras action figures. Com o visual diferentão do Cavaleiro Espacial, não tinha como ser diferente.

A primeira coisa que salta aos olhos é que este ROM em escala 6" é um tanto maior que seus companheiros de linha. Tudo suave: nas HQs ele é realmente um ciborgão da porra.

A peça vem com dois pares de mãos, juntamente com o Analisador e o Neutralizador, idênticos aos dos gibis. De mimos, vem um effect de raio que serve para os dois dispositivos e uma miniatura emborrachada da edição de estreia do Cavaleiro, com a arte do Frank Miller.

No quesito articulação, o bonequinho dá um show – lembrando que ROM e seu design de geladeira antiga deveria ser inviável para os padrões atuais. Vários pontos de articulação, chegando a ser dupla nas pernas e com o corte do giro escondido pelas botas (boa!). O teste de fogo foi mimetizar a pose de voo horizontal olhando pra frente, como nas HQs. E sim, é possível!

As juntas são bastante firmes (mas evidente que meu guri de 4 anos interior ficará acorrentado no porão durante os manuseios) e não há a menor dificuldade dele ficar em pé, por mais esdrúxula que seja a pose. Aliás, dá pra fazer todas as poses dos quadrinhos do ROM da Marvel – só não fiz ainda a basicona do corner box.

Em outras palavras, diversão para o infinito e além da Nebulosa Negra.



Lógico, podia ter vindo um effect para os retrofoguetes e um effect extra de raios – embora o ROM só use um equipamento por vez, materializado do subespaço, fica a vontade de vê-lo largando o raio pra cima da Espectraiada igual um mano.

Por último, faltou o Tradutor, pô. Clássico.

Tudo isso é perdoável, afinal a Legends é uma linha de entrada, baratinha neste segmento de hobby playboy. Não dá pra ter tudo.

O mais importante é que eles entregaram. E reafirmaram uma velha certeza...


ROM é digno!!

Felicidade é mato com o ROM enfim 2.0. Mas paro por aí em termos de action figures.

(a menos que lancem também uns Espectros, o Híbrido, os Cavaleiros Hammerhand, Starshine, Terminator, Javelin...)

Ps: obrigado pela dica do ROM, $andro. Te odeio.

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

The Smashing Corgan


Há algum tempo acompanho o conteúdo do Track Star* – tenho um fraco pela premissa do cabra-cega musical. Conspiram a favor do canal a dinâmica enxuta, a seleção diversificada de gêneros e um entrevistador não-pentelho que sabe ouvir, pra variar. E essa edição com o Billy Corgan é um escândalo de boa.

Corgan – que tem um podcast viciante, The Magnificent Others with Billy Corgan – é franco como uma tijolada. Acerta tudo (menos uma armadilha picareta lá pro final), despeja um conhecimento histórico-musical absurdo, um impagável desdém por New York e sua voracidade hipsterista e uma bagagem de causos sensacionais. E com a moral de ilustrar um deles com um show em que divide o palco com David Bowie...

Imagina se o careca não estivesse mal-humorado.

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Auf Wiedersehen, Herr Kier


Udo “Kier” Kierspe
(1944 - 2025)

Udo Kier era uma força da natureza. Imparável – em nível dramático e volume de produção.

Estrelou mais de 200 filmes, tanto grandes produções quanto grandes trasheiras, participou de clipes de Madonna e Korn, trabalhou em game (Call of Duty: WWII), foi Adolf Hitler umas três vezes, foi vampiro pelo menos duas vezes e, entre seus últimos projetos, estão dois hits brasileiros até o talo.

Em outras palavras, Udo Kier gabaritou.




Legado suficiente para uma eternidade é isso aí.

Vielen Dank für alles, Udo Kier.

sábado, 15 de novembro de 2025

I see dog people


Antes de tudo, Bom Menino (Good Boy) deve ter dado um trabalho do cão. Segundo o diretor Ben Leonberg, a ideia de um longa de terror pela perspectiva canina foi inspirada por Buzz, o cachorro de Poltergeist (1982). No filme, o talentoso golden retriever foi o 1º a perceber que algo errado não estava certo na casa mal-assombrada. Histórias com um totó sensitivo às forças sobrenaturais de um lugar não é algo novo e remonta até ao valente Harry, de Terror em Amityville (1979). Mas é a primeira vez que esse conceito ganha um filme inteirinho para brincar, passear, morder e chamar de seu.

Quem é cachorreiro sabe. Às vezes parece que ver fantasmas é a única coisa que explica certas maluquices de um cachorro. A trama coescrita por Leonberg e Alex Cannon é bem enxuta e se vale de uma boa dose de sugestão para equilibrar a escassez de texto.

Sofrendo de uma doença pulmonar crônica e de uma depressão severa, o garotão Todd (Shane Jensen) resolve largar tudo e partir com seu cachorro Indy para a afastada casa de campo da família. Vazia desde o falecimento do avô (o veterano Larry Fessenden), a propriedade é a antessala do inferno. O pobre Indy é o único a perceber isso e faz o possível para proteger Todd – certeza que ele se preparou para o papel maratonando Coragem, o Cão Covarde.

Sabiamente, o roteiro evita dar super-habilidades a Indy e se atém ao básico de qualquer doguinho: a lealdade inegociável por seu tutor, a curiosidade instintiva e o dom de ver espíritos malignos tentando ferrar com os vivos. Nesse ponto, é quase um documentário.

O filme tem poucos jump scares (o do close na retina é o melhor) e investe mais na construção de uma atmosfera lúgubre e sombria. Que visualmente funciona muito bem, mas expõe o aspecto mais frágil da premissa. Com Todd imerso em seu próprio inferno pessoal, Indy é o único vetor de medo no filme para o espectador – e um cachorro não tem a visão humanizada de fenômenos sem explicação, esfriando assim boa parte da identificação e da empatia com o protagonista.

Trocando em miúdos, em tela, Indy não rosna e nem demonstra medo frente a eventos que fariam um homo sapiens voltar correndo para as cavernas. A única cena em que ele expressa medo e angústia reais não tem nada a ver com os eventos paranormais da casa.

Talvez o cineasta tenha pegado leve com seu ator canino, evitando situações de estresse animal e futuras dores de cabeça midiáticas. Na minha época®, qualquer aventura do Benji na Sessão da Tarde deixava o espectador empenado de tensão. Cachorros me mordam, ainda lembro do choro desesperado da cadelinha Lucky no filme O Cão do Diabo (1978). Um negócio impensável nos dias atuais.

Isto posto, é notável a engenhosidade visual de Leonberg para driblar o lugar-comum narrativo. O roteiro tem alguns tropeços, mas mantém a linearidade com direito a um final chocante, triste, evocativo e até mesmo belo.

Como terror per se, no entanto, o filme mais ladra do que morde. É realmente um bom menino...

sábado, 25 de outubro de 2025

Não Conta Comigo


A premissa de The Long WalkA Longa Marcha – me causa arrepios já na largada. Baseado no livro de Stephen King (sob o pseudônimo Richard Bachman), o filme acompanha um evento anual em que 50 jovens escoltados por soldados armados caminham por quilômetros sem parar. As regras são simples: manter a velocidade de 4,8 km/h; se ficar abaixo, recebe uma advertência; se não se recuperar em dez segundos, recebe outra; com três advertências, na quarta terá os miolos espalhados pelo chão; se sair da pista, a execução é sumária.

Só há um vencedor e não há linha de chegada. O último em pé, ganhará uma bolada em dinheiro e terá um desejo qualquer atendido.

Tudo isso televisionado e transmitido para todas as boas famílias americanas, lógico. O longa se passa numa década de 1970 alternativa, com os EUA atravessando um pós-guerra atolados num regime totalitário e numa grave depressão econômica. E esse é o pão & circo do momento.

Pra mim, que tenho uma agulhada pontual no pé direito que aparece e some do nada, é um perfeito cenário de terror. Sempre me imaginei indo pro saco por causa disso num apocalipse zumbi e agora tive meus parâmetros de pesadelo atualizados. Isso porque a mais básica das funções – andar – é suscetível a toda a sorte de imprevistos, como tropeços, torções, cãibras, distensões, contraturas, etc. Quanto mais inapropriado o momento, pior.

Isso sem falar na força inadiável da natureza, também conhecida como caganeira. Aquela que desconhece hora, lugar e convenções sociais. O termo "cagando e andando" é muito mais difícil de realizar do que a figura de linguagem sugere, ainda mais durante uma contagem regressiva sob a mira de uma metralhadora. No filme, isso tudo acontece com a deadline literal mordendo os calcanhares.

O aspecto survival horror fica mais acentuado conforme o avançar da história, com a exaustão extrema aliada à privação de sono alterando os humores e a sanidade dos participantes. Até mesmo o recurso narrativo da solidariedade humana em momentos de desespero é uma característica cara ao subgênero, que por vezes me lembrou o filme A Queda, de 2022.


O cineasta Francis Lawrence (do Constantine 2005) tem experiência em distopias embaladas por jogos midiáticos – ele dirigiu cinco dos seis filmes da franquia Jogos Vorazes até aqui. Com o roteiro adaptado por JT Mollner, Lawrence consegue um bom balanço entre a unidimensionalidade da marcha e a jornada pessoal dos personagens. Ênfase no "bom", mas não "ótimo". Nas melhores sequências, saltam da tela as situações nervosas com desfecho imprevisível (remetendo aos contos mais cruéis do Roald Dahl – Man from the South, alguém?) e nas mais, ops, pedestres, a coisa tira tinta do melodrama.

O elenco é uma joia e vivi para ver o Mark Hamill no papel de um líder autoritário. Seu personagem Major é um manifesto fascista sobre rodas, indiferente, impiedoso, irredutível. No núcleo principal, Tut Nyuot, Garrett Wareing, Cooper Hoffman (filho do saudoso Philip Seymour Hoffman), Charlie Plummer, David Jonsson (o andróide Andy, de Alien: Romulus) e Ben Wang estão excelentes. Judy Greer e Josh Hamilton fazem breves e marcantes participações.

O único grande porém, para mim, é comprar a ideia de que cinquenta almas (cem, no livro) se sujeitariam voluntariamente a tal provação sádica. A resposta pode estar em dois lugares. Primeiro, no estado desesperador do mundo que os cerca, sendo que o filme é bastante sucinto nesta questão. Segundo, na própria natureza humana, disposta a mergulhar em situações impensáveis de exposição sem nenhuma concessão à própria dignidade. Vide reality shows tipo Big Brother e suas onipresentes provas de resistência física.

O dia que adicionarem uma metralhadora nessas provas, estaremos perdidos enquanto espécie. Mas a audiência vai estourar.

Ps: após tanta tensão, nada como um gibizinho para relaxar. A 1ª distopia com jogos mortais a gente nunca esquece...

domingo, 19 de outubro de 2025

Planeta James Glam


"E... corta! Querida, mais uma vez. Um pouco mais caliente, ok?"

O mal de James Gunn é a fanboyzice. Não importa o quão anacrônicos, coloridos e espalhafatosos os personagens sejam – quanto mais ridículo melhor, segundo minhas pesquisas de campo. Independente de serem propriedades Marvel ou DC, Gunn os trata como filhos. O probleminha para o espectador (este, pelo menos) e para o leitor de quadrinhos (este, pelo menos²) é que esse fascínio quase obsessivo engessa perigosamente a evolução da história, aquele espaço entre o ponto A e o ponto B.

Na 2ª temporada de Pacificador nem sequer existe um ponto B. Ao menos, não um satisfatório. Aquele da entrega, do clímax, do auge. Do Petkovic cobrando aquela falta na final do Cariocão 2001.

Sim, sim, foi lindo. Vai lá rever pela milionésima vez. Eu aguardo.

Então, é o tipo de coisa que Gunn fez com desenvoltura e certa propriedade – mas não plena – na divertida 1ª temporada, em 2022. O que acontece desta vez é um exercício de inércia narrativa, um pacote de 8 episódios que passam a sensação de não terem saído do lugar, embora efetivamente tenham saído, e amarrados com sequências musicais de glam metal e a sitcom nonsense que é marca registrada do cineasta – que nem sempre funciona, mas a piada da equipe embolsando dinheiro sujo pelas costas do Vigilante é ótima.

De porradaria redentora no final, que costura até Falha de San Andreas, nada. Para John Cena, acostumado à rotina punk do Wrestling, foi uma colônia de férias. Até aquela Stargirl do Geoff Johns na CW (boazinha) tinha mais delivery.

Como se não bastasse, Gunn ainda despeja dois elementos graúdos do Universo DC como se fosse uma terça-feira. Cygnus 4019 ou Planeta Salvação e a agência Xeque-Mate fazem aqui suas estreias nas adaptações de quadrinhos. E já no finalzinho do frustrante último episódio.


Gibi ruim que eu gosto: "Planeta Salvação" no fandom é o "Planeta Infernal" na edição da Panini

Como reviravolta foi interessante, mas é aquele tudo ao mesmo tempo agora que Zack Snyder adorava fazer recheando com ação e quebra-quebra. Paradoxalmente, Gunn recheou a coisa com longas declarações de amizade verdadeira, família verdadeira e amor verdadeiro. Que, claro, resvala num verdadeiro melodrama. Se me dissessem que ele mandou repetir a cena do beijo ao som do Nelson umas 46 vezes até ficar perfeito, acreditaria. Doa a testa de quem doer.

Considerando que o 7º episódio parece um perfeito cliffhanger de vingança, o end season funciona mais como um final de novela prólogo para a próxima temporada. Quiçá para um filme, não dá pra saber. O Lex Luthor de Nicholas Hoult, fundamental na temporada, chega até a aparecer em uma cena (ah, esses contratos). Aliás, quem não lê gibis da DC ou não assistiu O Esquadrão Suicida ou à série animada Comando das Criaturas pode ficar boiando e se desinteressar rápido. Por mais que (ainda) curta universos compartilhados, isso é ruim para Gunn e seu projeto de dominação mundial.

Fora isso, para mim é um mistério o desperdício da sequência de exploração dos portais dimensionais. Não precisava envolver as marcas da 1ª divisão, tipo Superman, Batman & Mulher-Maravilha. Há um universo de possibilidades ali. Gunn, uma traça de Arquivos DC, sabe disso mais do que ninguém. Com certeza, já deve ter respondido algum tweet por aí a respeito – e ele responde mesmo.

Entre poucos mortos e feridos e a esperança de que há um grande plano em curso, são sete horinhas e pouco de entretenimento que ainda valem. Mas que já foram melhores.

Na última cena, quem lembrou do "Now what?!" do final de Tentáculos (1998), ganha um cupom de desconto em locadora de vídeo.

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Boa viagem, Spaceman


Paul Daniel “Ace” Frehley
(1951 - 2025)

E, do nada, se foi o Ace Frehley. Ou melhor, vinte e tantos dias após uma queda em seu estúdio, só há pouco divulgada pela família junto com todo o resto. Aí sim, do nada. Sem tempo para maiores eulogias em vida sobre a sua importância para o Rock e seus solos de guitarra na fase clássica do Kiss.

Ace foi uma das referências que moldaram boa parte do hard rock e heavy metal das décadas de 1970 e 1980. Não era do tipo firulento. Tinha sim um baú de melodias matadoras, com solos diretos, eficientes e até geniais em alguns momentos. Uma fonte inesgotável para air guitars enlouquecidos. Até hoje.

As últimas notícias que tive do Space Ace foram a sua indução ao Rock and Roll Hall of Fame em 2014 – sempre espirituoso – e sua passagem por São Paulo em 2017. Mas o homem estava muito na ativa, lançando discos solo nesses tempos bicudos para rock clássico e mandando bem no palco até há poucos meses, em plena forma guitarrística aos 73 anos.

Colocar essas coisas em perspectiva só evidenciam a fragilidade e a efemeridade disso aqui. Mas ao menos Ace curtiu. E nos deu uma trilha espetacular.


Thank you for everything, Ace.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Arraste-me para a ilha

Sam Raimi refilmando Swept Away do jeito certo? Tô dentro.


Achei o trailer bem divertido, mas sou suspeito. Rachel McAdams e Bylan O'Brien, por si sós, já têm a minha atenção. Em lados predatoriamente opostos, num híbrido doido de Náufrago com Louca Obsessão, melhor ainda.

E sempre que Raimi volta à direção, pra mim, deveria rolar aquele Plantão da Globo no meio da madrugada. Meu único pé atrás é com o roteiro, escrito pela dupla operária Mark Swift & Damian Shannon. Veremos.

Socorro! (!) tem estreia prevista para 30 de janeiro lá fora, mas se saísse por aqui na época do Natal, seria lindo.

domingo, 12 de outubro de 2025

Saudades do espaço


Já no título, Alien: Earth prometia realizar um velho sonho dos fãs: trazer os ETs babões para uma turnê solo na Terra e, quem sabe, até fixar residência por aqui. Alien: A Ressurreição bateu na trave e a dobradinha Aliens vs. Predador/Aliens vs. Predator: Requiem são praticamente contos apócrifos. A coisa parecia promissora, com trailer instigante e Ridley Scott na produção. Bastava botar os Xenomorfos em solo terráqueo com mariners e hospedeiros à disposição. Era jogo ganho. Mas o showrunner Noah Hawley tinha outros planos.

A trama é situada dois anos antes do Alien original. Na história, uma missão espacial da famigerada Weyland-Yutani cai na Terra com um carregamento de espécimes alienígenas – entre eles, um Xeno com instinto assassino vazando pelo ladrão. Em paralelo, cinco crianças em estado terminal aceitam ter a consciência transferida para poderosos corpos sintéticos. É a primeira geração de híbridos criados pela Corporação Prodigy – que também toma posse da preciosa carga biológica da nave que caiu em seu território. O embate burocrático e paramilitar entre as duas megacorporações é inevitável, assim como a instabilidade dos híbridos e, mais ainda, dos espécimes Aliens e alienígenas*.

* o mais legal é que esse trocadilho não funciona em inglês.

O primeiro banho de ácido frio é o redirecionamento do tom. Terror inexiste. Nada de "obra-prima do suspense", da atmosfera de pesadelo Gigeriano, do "no espaço ninguém pode ouvir você gritar", do cagaço a cada esquina enfumaçada e estroboscópica. Apenas flashs de gore comprimidos sob muita D.R. Nos oito episódios desta 1ª temporada, o que menos importa são os Aliens. São meros coadjuvantes.

Em termos gerais, Alien: Earth tem a estrutura de um coming-of-age futurista, mostrando a adaptação dos cinco guris à sua complicada nova realidade num mundo de adultos. As referências aos Garotos Perdidos e à Peter Pan – na figura de Boy Kavalier (Samuel Blenkin), CEO da Prodigy – não são nada sutis. Na conclusão, fica evidente que o grande objetivo era a desconstrução do mito da juventude eterna.

Até entreteve, mas é outra viagem. Para outro veículo, de preferência.


O elenco é competente e engajado. Sydney Chandler lidera como Wendy (pois é), a 1ª híbrida. Os demais híbridos também brilham como pré-adolescentes em corpos adultos – Erana James no papel da caxias Curly, Lily Newmark como a perturbada Nibs e, em particular, a sensacional dupla Adarsh Gourav/Slightly e Jonathan Ajayi/Smee, que chegam a ser desconcertantes neste sentido. Já o personagem Joe (Alex Lawther), socorrista da Prodigy e o irmão humano de Wendy, sempre introvertido e deprê é o tédio encarnado. E uma anomalia da probabilidade de sobrevivência maior do que o gato Jonesy.

A construção daquele mundo de 2120 é pragmática e aterradora. A Terra é controlada por cinco companhias que também dividem e disputam a colonização do sistema solar. Também é interessante a tensão entre as castas pós-humanas, simbolizada na rivalidade entre o sintético Kirsh e o ciborgue Morrow, dos ótimos Timothy Olyphant e Babou Ceesay, respectivamente. Tensão que é elevada exponencialmente com o surgimento dos híbridos, um novo e ameaçador player.

Há um pano de fundo rico e virtualmente inesgotável para ser explorado aí, mas o roteiro não vai muito mais longe. Um bom exemplo é a discussão sobre a real natureza dos híbridos resumida a uma frase solta lá pelas tantas – são mesmo consciências humanas transferidas ou IAs que pensam que são humanas?

Incomoda o modo como Boy Kavalier, o "Garoto Gênio", deixa o circo pegar fogo até perder totalmente o controle das situações em que se envolveu. Tanto da fauna de alienígenas mortais (entre eles, olha só, um Alien), quanto do perímetro de segurança de seu QG, que é invadido duas vezes por forças da Weyland-Yutani. Pior ainda foi ignorar a crescente imprevisibilidade dos híbridos, apesar dos vários alertas dos chefes cientistas Dame (Essie Davis) e seu marido Arthur (David Rysdahl) e dos garotos desenvolvendo mais habilidades durante a série – que são sumariamente subestimadas pelo Gênio, claro.

Então é isso. Uma temporada de Alien com pouco Alien. E nem sei se isso é necessariamente ruim, porque a dinâmica nunca é fiel ao mythos da franquia. Basta lembrar da quantidade de Aliens exterminados à bala pelos mariners coloniais de Aliens, o Resgate. Eles não são invulneráveis e nem ninjas, como acontece na série. Não é assim que funciona.

Fora que a produção visual do bicho beira o relapso. Já vi cosplays melhores. Chega a ser vergonhoso para qualquer padrão Disney+. No final, fiquei com mais interesse no futuro do alienígena olhudo do que do alienígena cabeçudo.

Próxima temporada, Alien: Híbridos. Que falta faz uma Diretiva 4, hum?

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

O milagre veio do pântano


Painel DC Vertigo de hoje, na New York Comic Con 2025

Nos últimos dias, o andar de cima da DC Comics só tem me dado orgulho. Ontem, o Presidente J. Lee baniu para a Zona Fantasma qualquer chance de uso de IA na produção dos quadrinhos da editora – até quando, não sabemos (mas valeu, patrão!). E hoje, entre os anúncios gibizísticos para 2026, foi anunciada a conclusão da fase de Rick Veitch à frente da revista do Monstro do Pântano.

Veitch dava sequência à fase Alan Moore desde a edição #65. As artes da reta final desse run são de Michael Zulli, Vince Locke, Tom Mandrake e da colorista Trish Mulvihill. E o resgate vai começar com a publicação de uma das HQs mais malditas da história: Swamp Thing #88.

Recapitulando, a edição sairia originalmente em julho de 1989 e traria o encontro entre o Monstro do Pântano e Jesus Cristo, Nosso Senhor & Salvador. Um encontro bem próximo inclusive.

Mesmo com o tema propenso a polêmicas, a DC deu o sinal verde e a edição #88 foi produzida normalmente, com desenhos de Michael Zulli. Mas a editora mudou o rumo da prosa e acabou vetando a publicação, resultando na saída de Veitch em protesto.

Dois meses mais tarde, uma edição #88 foi lançada, com roteiro de Doug Wheeler e sem qualquer relação com o roteiro original. A história tornou-se lenda. A lenda tornou-se mito.

Agora, 36 anos depois, a edição... ressuscitou.


Depois dessa, até o Constantine vai rezar um Pai Nosso.

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

“For the words of the profits were written on the studio wall... concert hall”


Geddy Lee & Alex Lifeson anunciando o retorno do Rush aos palcos sempre me pareceu algo inevitável. Uma hora, ou duas, iria acontecer. A substituta para alguém insubstituível é a baterista Anika Nilles, cujo currículo prévio inclui, além de sua longa carreira solo, nada menos que as baquetas da banda de Jeff Beck. Mesmo assim, imagina a responsa.

Poderia me desatar num poço de cinismo agora (bandas de rock...), mas o figuraça Lifeson torna isso simplesmente impossível. É a personificação do best buddy. Melhor R.P. não há.

(mas deixei a zoeirinha do título)

Boa sorte, meninos e menina!

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Go, Giants!


Assistindo Ladrões (Caught Stealing, 2025), foi difícil lembrar que se tratava de um filme do Darren Aronofsky. Não depois das trips metafísico-existencialistas de Pi e Fonte da Vida e das bad trips terminais de Réquiem para um Sonho, Cisne Negro e A Baleia. A impressão é de que o sujeito maratonou a quadrilogia John Wick (+ spin-off) seguida da filmografia tiro-porrada-e-trapaça do Guy Ritchie pré-Sherlock Holmes e resolveu brincar também.

Ladrões me parece a 1ª grande piscadela do cineasta em direção a um nicho mais pop (Noé não conta). Tem lá suas pauladas no meio do caminho que fazem pensar "ah, tinha que ser do Aronofa mesmo", mas o clima geral é de thriller de crime curtido em sanguinolência, humor negro e naquele tipo de comédia de erros que o Tarantino adora. E se saiu muito bem nessa coisa de se divertir trabalhando.

O protagonista é Hank (Austin Butler), bartender no Lower East Side. Ex-promessa do baseball com um passado traumático, Hank alivia seus demônios pessoais com álcool, nas ligações diárias para a mãe e no relacionamento casual com Yvonne (Zoë Kravitz). Uma bela noite, ele recebe um encargo do amigo Russ (um Matt Smith de moicano): cuidar de seu gato mordedor enquanto ele está fora visitando o pai adoecido. O problema é que o bichano traz em seus "acessórios" um tremendo MacGuffin disputado a porrete por violentos mafiosos russos, judeus e outros mais.

O filme é baseado no livro homônimo de Charlie Huston – e adaptado pelo próprio. Mesmo com a profusão de personagens e situações, o roteiro segura as rédeas da ação antes de descambar para um Mandando Bala sem noção e investe em reviravoltas e tramoias em série. A comparação com o Guy Ritchie de várzea não é papo furado. Em vários momentos, o filme remete à impagável fauna de criminosos de Snatch: Porcos e Diamantes, especialmente quando a dupla de bandidões judeus rouba os holofotes. Aliás, Liev Schreiber e Vincent D'Onofrio atuam praticamente incógnitos no filme.

Também foi algo surreal rever o Griffin Dunne, coroão, como o hilário dono do bar em que Hank trabalha (cresci nos anos 1980 assistindo reprises de Um Lobisomem Americano em Londres e Depois de Horas, oras!). E Regina King como a detetive Elise Roman está demais.

A despeito de tantas referências, inclusive no desfecho, igualzinho ao de um filme estrelado pelo Ben Affleck, Ladrões é uma horinha e quarenta e sete minutos de pura diversão cinética e roteirística. E não é todo dia que a gente vê um Darren Aronofsky massavéio.

sábado, 27 de setembro de 2025

O apodrecimento de uma nação


Estava fazendo vista grossa em nome do guilty pleasure, mas eis que finalmente o enorme elefante branco-supremacista foi tirado do meio da sala. Este 6º episódio da 2ª temporada de Pacificador foi um soco na boca do zeitgeist vigente.

Mesmo chafurdando em caos controlado, James Gunn não desvia do alvo um milímetro sequer. Impressionante.

Ainda tem mais dois.

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

“There comes a time...”


Na recente edição do festival The Town, fui surpreendido por um Lionel Richie se apresentando em grande forma. Foi um show divertido, pesado e tecnicamente impecável que acionou alguns gatilhos que nem sabia que ainda estavam lá. Cresci praticamente respirando a obra do popstar. Era só passar perto de algum rádio ligado em qualquer estação – FM ou AM – e ser bombardeado por sua longa fileira de hits solo ou nos Commodores, de "Easy" e "Three Times a Lady" a "Hello", "All Night Long (All Night)", "Endless Love", "Say You, Say Me", etc, etc, ad-infinitum-e-além. Sem descanso.

Algumas, confesso, reouvi pela 1ª vez após décadas de molho. E foi um reencontro muito bom. Tanto pela performance energética e bem-humorada de Richie, quanto por ver essas joias pop gabaritando no teste do tempo. Mas uma canção em particular se tornou a grande surpresa do setlist: a emblemática "We Are the World", defendida heroicamente no piano e no gogó abençoados do compositor.

Com essas boas vibrações, resolvi tirar do porão este fenômeno que, em 1985, ajudou a combater a fome na Etiópia, mas que megassaturou rádios e tevês por metade da década de 1980. Que foi um momento histórico, isso nem se discute. E já era tempo de revisitar e estudar a música e seu antológico videoclipe com olhos e ouvidos mais calejados.

Bom, fui atrás – hoje é fácil.

Aproveitei e estendi a estadia sonora com o sensacional documentário A Noite que Mudou o Pop (The Greatest Night in Pop, 2024), disponível na Netflix. O filme foi dirigido pelo americano-vietnamita Bao Nguyen, do igualmente sensacional Be Water, doc de 2020 sobre Bruce Lee. E a experiência foi fascinante, pra dizer o mínimo.

O documentário é revelador e até desmistificador sob muitos aspectos. Espertamente, Nguyen imprimiu à empreitada uma narrativa tensa, com um clima de Missão Impossível (a série sessentista, por favor). E foi exatamente isso, uma missão impossível com uma deadline ridícula entregue nas mãos dos multitalentosos Richie, Quincy Jones e Michael Jackson. Ficou famoso o aviso "check your ego at the door""deixe seu ego na porta" – pregado na entrada do estúdio, mas é lógico que algum percentual daquilo acabou passando de penetra.

O que não sabia era de todo o resto: a operação top secret para convocar os convidados (o que rende a memorável sequência com cada artista chegando ao estúdio da A&M sem saber quem estaria por lá), a logística é-tudo-ou-nada para gravar a coisa toda em uma só noite, Bob Geldof (Live Aid, Live 8) explicando aos astros a importância humanitária do projeto, Quincy Jones regendo e amansando a manada pop enquanto Lionel Richie se encarregava de apagar os pequenos incêndios, a complexidade de harmonizar vozes com estilos tão diferentes, o apoio essencial (e engraçado e brilhante) de Stevie Wonder ao deslocado Bob Dylan, a furada histórica de Prince, a insólita "dificuldade técnica" da Cyndi Lauper, a fofura suprema de Diana Ross, Bruce Springsteen só o pó da rabiola, saído da maior turnê de sua carreira direto para a gravação e por aí vai. Uma delícia de caos.

Para quem curte música, história da música, saber mais sobre a indústria e os bastidores, o documentário é um masterclass.

As interações espirituosas de Springsteen e Ray Charles mais os depoimentos impagáveis de Richie e de Huey Lewis são ouro puro. Podia ter rolado entrevistas com Paul Simon, Willie Nelson, Steve Perry e com os atores Dan Aykroyd (a tirada com os Caça-Fantasmas foi ótima) e Bette Midler, que também bateram ponto no coral gospel. A meu ver, dariam perspectivas atuais bem relevantes.


Como título, A Noite que Mudou o Pop não é acurado. Mas A Maior Noite do Pop, como reza o original, não ouso discordar.

Foi mesmo uma noite daquelas.

domingo, 21 de setembro de 2025

Uma eterna serenata noturna


Sempre achei fascinante o trabalho de personagens durante a primeira metade de Alien (1979), antes das coisas irem, sem trocadilho, para o espaço. Naquelas interações, a história de Dan O'Bannon e Ronald Shusett e a direção cirúrgica de Ridley Scott tecem uma especulação pragmática do que seria a rotina e a dinâmica da tripulação de um cargueiro espacial em 2122. São ínterins pródigos em detalhes.

O maquinário velho e gasto, o software rudimentar com uma I.A. quase não-responsiva (o que faz todo o sentido na lógica espacial-corporativa-ultracapitalista; o USCSS Nostromo não era um cruzeiro de luxo), compõem o cenário perfeito para o curioso estudo comportamental em meio aos contratempos da missão. Igualmente reveladores são os momentos de calmaria, quando os personagens têm tempo para respirar.

Gosto particulamente do breve interlúdio em que o Capitão Dallas do grande Tom Skerritt curte um "me time" no cockpit da nave. Com uma bela melodia de música clássica ao fundo, Dallas parece imerso em reflexões sobre outro tempo e espaço, muito distantes das tensões daquele malfadado cargueiro.

A música liberta. E ele, mais do que ninguém, precisava disso.

Graças ao Tapatalk, descobri a origem do excerto.


"Eine Kleine Nachtmusik" ("Uma Pequena Serenata Noturna") foi composta por Mozart em 1787 e publicada postumamente em 1827. É uma das composições mais celebradas do músico, ainda hoje, 234 anos após sua morte. Uma impressionante resiliência para um material de uma época em que a única forma de registro físico era o papel e o nanquim – ou talvez seja esse mesmo o segredo.

Por tudo isso, é muito fácil acreditar que a clássica serenata poderia embalar o devaneio de um capitão do espaço sideral daqui a meros 97 anos. Zero suspensão de descrença.

O mesmo não se pode dizer da cena em Juiz Dredd com "Super-Charger Heaven" (1995), do White Zombie, estourando os alto-falantes de um carrão em 2139. Ou da cena com "Sabotage" (1994), dos Beastie Boys, rolando em Star Trek nos anos 2240 – mesmo com a desculpinha de se tratar de uma relíquia automobilística (um Chevrolet Corvette) que vinha com um mp3 player ainda funcional de brinde. O fato é que o gap é muito grande para se sustentar.

Talvez pela tradição do legado, talvez pelo status de arte, a longevidade de obras como a de Mozart (e Beethoven, Brahms, Wagner, etc) se sobressaiu e parece irreplicável. Principalmente quando a Geração Z não cansa de assustar os quarentões com a sua ignorância abissal sobre as décadas de 1980, 1990 e até de 2000. Logo ali.

O próprio Ridley Scott quebrou alguns ovos desse omelete cultural-temporal. Prometheus, que se passa entre os anos de 2089 e 2093, não se atém a suas analogias ao filme Lawrence da Arábia (1962) e chega a reproduzir trechos do clássico de David Lean. Da mesma forma que a serenata de Mozart, o épico teve sua origem no papel: a autobiografia Seven Pillars of Wisdom ("Os Sete Pilares da Sabedoria"), publicada em 1926. Seguindo a boa lógica, talvez fosse mais crível ver o sintético David estudando o livro do que assistindo a "versão para o cinema".

Isso acontece, com ainda mais intensidade, na série Alien: Earth, de Noah Hawley. A base da história é a mítica de Peter Pan. E como Prometheus, não se limita à estrutura narrativa e à caracterização de personagens. A produção faz questão da redundância.


Logicamente, a famosa animação lançada pela Disney em 1953 teve a preferência no placement. Não apenas sobre o livro original escrito pelo escocês J.M. Barrie em 1902, mas sobre todos os vários longas live action, séries animadas (inclusive um ótimo animê), musicais, peças de teatro, livros e gibis baseados no universo do personagem.

A se destacar o nível de excelência das animações da Era de Ouro da Disney, o que favorece a ideia de sua longevidade até a percepção pop de 2120, ano em que se passa Alien: Earth. Mas ainda soa bem inverossímil. Basta perguntar para qualquer Gen Z se já assistiu ou sequer ouviu falar da animação cinquentista. E o que dirá as próximas gerações. De qualquer forma, regras da casa. Ou melhor, política da companhia. Brrr.

Ridley Scott foi perfeito em 1979. E mais ainda em 1982...

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Até logo, Jeremiah


Charles Robert Redford Jr.
(1936 - 2025)

Se foi o Robert Redford. O lendário ator, diretor, produtor e fundador do Sundance Film Festival é dono de um legado gigantesco na indústria cinematográfica. Difícil pensar em alguém com tanto respeito, importância e conquistas em seu ramo de trabalho. Emblemático, atravessou incólume décadas (mais de seis delas) de movimentos e zeitgeists, da Era de Ouro e da Nova Hollywood até aos filmes da Marvel, cabulando seguidamente a sua aposentadoria oficial de 2018.

O homem foi — sempre será — uma instituição. E só de mencionar isto, me dá calafrios em lembrar dos pouquíssimos nomes que ainda restam com essa moral.

É um exercício de futilidade escolher qualquer destaque na brilhante filmografia de Redford. Toda ela é interessante e vale muito ser descoberta e redescoberta. Mas, por muitos anos, tive meus hits de cabeceira.


Perfeitos para fechar com elegância qualquer dia, por mais puxado e mundano que fosse. E, como todos sabem, Redford era a personificação da elegância...

Até logo, Sundance Kid.

Até logo, Jeremiah Johnson.

Até logo, Ken Parker.

Até logo, Robert Redford.

domingo, 14 de setembro de 2025

Terror do cão

Um trailer que dá vontade de brincar, coçar a barriguinha e levar pra passear.


Good Boy tem tudo pra ser o filme que todo cachorreiro veterano sempre esperou. Em sua estreia em longas, o diretor Ben Leonberg corroteirizou com Alex Cannon uma história que gira em torno de uma das perguntas mais inquietantes dos tutores de canídeos: "que diabo esse cachorro late tanto para o nada?"

Ou é ladrão ou ele está vendo freiras macabras e criancinhas vitorianas trançando pela área de serviço. Ou é só doido mesmo. Depende do horário da madrugada.

E o filme ainda faz a adoção (responsável!) da perspectiva do totó, interpretado pelo talentoso e muito bom garoto Indy. O que é sensacional. Quase um Sempre ao Seu Lado dos infernos.

Uma abordagem que vale o risco-trasheira. Além disso, os pôsteres são bem bacanas.


Good Boy passeou, fez xixi e cocô no festival indie SXSW de março último, com boas críticas. A estreia no circuito comercial está prevista para 3 de outubro.

Se sair por aqui, serei o 1º da fila. Espero que ele não morra no final.

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Como as democracias morrem

Releitura providencial para brindar este momento tão especial.


Publicada há exatos 11 anos pela Mythos Editora, Juiz Dredd Megazine Especial: Democracia compila as subtramas antifascistas das histórias do Juiz Dredd de 1986 até 1991. T.B. Glover, Alan Grant, John Wagner e Garth Ennis destrincham passo a passo as maquinações de um estado totalitário para oprimir, alienar, desinformar e manter os cidadãos no seu devido lugar. Ou seja, no arreio.

A sensação de déjà vu é nauseante. Isso aqui é um verdadeiro manual do autocrata moderno. Leitura obrigatória pero perturbadora.

E, definitivamente, o Juiz Dredd não é um herói.

domingo, 17 de agosto de 2025

Kneel before Stamp


Terence Henry Stamp
(1938 - 2025)

O tempo segue impassível, irreversível e inadiável para a minha geração. Se foi o General Zod. Se foi o grande Terence Stamp.

O ator britânico contabilizava uma carreira de 65 anos. Nasceu na Londres em chamas castigada pela Blitz alemã. Foi contemporâneo e colega de figuras como Michael Caine, Peter O'Toole e Lawrence Olivier – só fraquinho. Adepto d'O Método, Stamp desenvolveu um estilo muito peculiar de atuação em que explorava as nuances do Brooding Silence ou "Silêncio Sombrio".

A técnica consistia na expressão fechada, taciturna, estóica, do não-dito, com aquele ar introspectivo e enigmático de filósofo profundo, como se palavras fossem um estorvo absolutamente desnecessário. De fato, Stamp era considerado o "Mestre do Brooding Silence". O fazia tão bem que isso transparecia lindamente mesmo em fotos casuais.

Nunca mergulhei como deveria na filmografia de Stamp, mas tudo que vi foi de bom a excelente: a adaptação de quadrinhos Modesty Blaise (1966), o faroeste pop Young Guns (1988), o divertido Priscilla, a Rainha do Deserto (1994), Operação Valquíria (2008) e, claro, os dois Superman. Ele conseguia até mesmo sair ileso das pequenas participações que fazia em produções mequetrefes – como o seu memorárel Stick, em Elektra, por exemplo. E não posso esquecer do meu filme favorito com ele protagonizando, o tenso thriller O Estranho (The Limey, 1999).

Aliás, ainda mantenho o DVD de O Estranho num lugar de honra. Perdi as contas de quantas vezes assisti. Filmaço.


Hoje o mundo ficou bem menos classudo. E silencioso.

Thank you for everything, Terence Stamp.

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Desafiadores do Conhecido

Onde estávamos mesmo? Ah, sim... no novo filme do Quarteto Fantástico.


Após seis décadas de quadrinhos, desenhos e sofridos quatro filmes (, na verdade), os primeiros passos de Quarteto Fantástico: Primeiros Passos seguem como os mais difíceis de trilhar. É uma ironia paradoxal. A cronologia é vasta e todos os seus clichês e arquétipos são reconhecíveis a parsecs de distância: um núcleo familiar, ou quase, protagonizando histórias que aliam fantasia, misticismo, mitologia e, claro, ficção científica a um contexto pop-aventuresco para toda a família. É um pacotão de entretenimento vencedor que sempre foi mantido atualizado.

Por algum motivo, no caso do Quarteto, a coisa invariavelmente adquire contornos complexos de concepção, transposição e execução. Talvez por lidar diretamente com o material bruto, bizarro e fantasticamente doidão criado por Jack Kirby e Stan Lee. Mais do que qualquer coisa que fizeram na Marvel, a química da dupla no Quarteto era da pura. A fine entry drug, difícil de reproduzir com integridade fora daquela mídia. Então, cada vez que se cogita um novo filme da "Primeira Família", é um drama, quase como se fosse algo infilmável. Primeiros Passos talvez seja o, arram, primeiro passo do mythos original rumo ao sonho descomplicado de uma franquia de verão.*

* não me refiro à performance nas bilheterias, onde o longa afundou drasticamente nas semanas seguintes, mas ao potencial escapista por excelência. A normalidade de sentar em frente à tevê, abrir uma cerveja e ver super-heróis viajando até um universo de antimatéria para sair no braço com um gafanhoto antropomórfico de metal. É pedir muito?

O diretor Matt Shakman é veterano de séries, de Game of Thrones e The Boys a Succession e WandaVision, quase um test drive da abordagem vintage de Primeiros Passos. Sabia exatamente como lapidar e conferir gravitas ao roteiro formulaico escrito a oito mãos (fora o aveludado par da Kat Wood, coautora da premissa). Particularmente, tinha minhas restrições com a ideia do filme se passar no ano de 1964 de um universo/realidade alternativa, apesar da jornada acachapante pelo Multiverso na série Loki – e não existe nada mais over-the-top no MCU do que Loki. Felizmente, a opção teve 99,9% de aproveitamento.

Os personagens parecem pertencer à tal Terra-828 bem mais do que à ilha de cinismo e irreverência da Terra-616 (ex-Terra-199999). A bela direção de arte futurista retrô à Syd Mead, além de um delicioso e irresistível guilty pleasure, também evidencia o impacto social, político e tecnológico causado pela existência de um Quarteto Fantástico naquele mundo. Algo bem Watchmen, se o Grande Barba me permitir a referência.

A trama é o basicão do sci fi pré-apocalíptico. Lá, o Quarteto Fantástico já existe há quatro anos, é adorado pelo público e, através de sua Fundação Futuro, tem parcerias com todos os governos (menos o da Latvéria!). Coisa, Tocha Humana, Mulher Invisível e Senhor Fantástico são celebridades pop defendendo o Silver Age Way of Life de supervilões da 2ª divisão. Isso até a chegada da Surfista Prateada anunciando a vinda de Galactus e o fim do mundo. A partir dali, a escala deixa de ser global e se torna cósmica.

A transição de escopo é sensacional. Dá pra sentir toda a tensão, medo e incerteza do Quarteto – em especial, de Reed Richards – frente ao imponderável pela 1ª vez. Pedro Pascal anda onipresente e triscando na hiperexposição (falta só fazer comercial da Bombril), mas tem uma grande vantagem: é um excelente ator. Transmite com maestria toda a frustração e impotência de Richards, com seu controle emocional e pensamento lógico ruindo diante de uma ameaça com tecnologia e poder vastamente superiores.

Já o Coisa de Ebon Moss-Bachrach (o Richie, de The Bear), visualmente, é o melhor Coisa que o dinheiro da renderização digital poderia comprar. Fidedigno. No texto e na caracterização de Moss-Bachrach, porém, deixa um pouco a desejar com a voz suave e um perfil bonzinho/paciente/conformado demais. Assim fica fácil para a Gangue da Rua Yancy. Prefiro o Michael Chiklis.

A Sue Richards de Vanessa Kirby, cheia do soft “girl” power, e o maninho Johnny de Joseph Quinn (keep metal, Eddie!) foram a primeira surpresa para mim. Além de cativantes, ambos têm as melhores cenas entre os quatro e decidem a partida com jogadas individuais em momentos-chave. São os grandes protagonistas do filme.

A outra surpresa foi a controversa Surfista Prateada Shalla Bal, numa escalação que se mostrou muito acertada no final das contas. Primeiro, porque Julia Garner é uma atriz espetacular, saltando do aterrorizante ao fragilizado com uma desenvoltura... fantástica. Segundo, a desconstrução da personagem ao longo do filme deixa sua figura ainda mais trágica e humana, com todos os seus erros, adversidades e superações. E terceiro, é dela as sequências de ação mais eletrizantes do filme, com a Surfista de fato surfando em um rio de lava, em perseguição faster-than-light ao Quarteto dentro de um buraco de minhoca e até no campo gravitacional de uma estrela de nêutrons. A tela grande ficou pequena.

E Galactus. Na cena em que ele é apresentado num crescendo nervoso, emergindo lentamente das sombras, confesso que até esqueci de respirar. Sonho realizado #385, check.

Pode ser a saudável influência de James Gunn em assumir o esdrúxulo para o mundo sem medo de ser feliz. O fato é que o velho Galan enfim saiu das páginas em toda a sua glória live action – armadura roxa e balde na cabeça inclusos. O vozeirão basso profondo do britânico Ralph Ineson confere um tom imponente, solene e ancestral ao Devorador de Mundos. O design segue o padrão clássico das HQs quase à risca, com linhas e detalhezinhos high tech ao longo da gigantesca armadura, lembrando a concepção do artista italiano Giorgio Comolo. Na Terra, ele é um arranha-céu ambulante, muito maior que nos quadrinhos.

Logicamente, algumas bolas batem na trave. Ao invés de consumir os planetas diretamente com o auxílio de seus conversores, Galactus tritura os astros em sua nave como se fosse o Unicron. Bem menos impressionante. A nave, aliás, parece ser a Star Sphere que Galactus usa quando sai de Taa II, sua nave-mãe-pai-e-avós com as dimensões de um sistema planetário. Pena não rolar ao menos uma frase com um fanservice maroto.

Outro detalhe esquisito foi a fuga do Quarteto da nave. Como nas HQs, o Galactus do filme pode imobilizar seus oponentes com o pensamento, assim como faz com a Surfista em dado momento. Então não tem muito sentido aquela correria toda, senão o fruto de uma procrastinação galáctica.

Sobre a celeuma em torno da Mulher Invisível empurrando Galactus, posso listar umas notas de argumentação: 1) Sue é uma mãe defendendo o seu filho (além da Terra, óbvio); 2) A verdadeira extensão de seus poderes nos quadrinhos é tema de discussões a perder de vista e é algo que pode e deve ser aplicado à sua contraparte cinematográfica – e sabiamente evitaram o sanguinho no nariz; 3) Por fim, Galactus estava pronto para sua próxima lauta refeição e, portanto, com fome, enfraquecido e nessas condições, como todos sabemos...

Em suma, nada para ver aí, senão orgulho da Sue.

Me incomodou mesmo foi o Toupeira do canastrinho Paul Walter Hauser, numa repaginada clean e hipster do nosso grotesco favorito. E um desperdício pop do H.E.R.B.I.E. que Jon Favreau, Dave Filoni e, raios, James Gunn não deixariam passar.

Quarteto Fantástico: Primeiros Passos é o filme que os Quatro Fantásticos mereciam há tempos. Não é a Mona Lisa do audiovisual, nem a reinvenção do Universo Marvel nos cinemas, mas reinventa a Primeira Família de uma forma genuína e digna. Digna do legado, da influência, dos gibis e, o mais importante, da pipoca.

Ps: só me faltou mesmo o Balde-Galactus.

terça-feira, 22 de julho de 2025

Ozzy para sempre


John Michael “Ozzy” Osbourne
(1948 - 2025)

Hoje foi escrito o último parágrafo do diário. Se foi o Ozzy Osbourne. Em outros tempos, só voltaria pra casa ébrio e que se foda o dia de amanhã.

Mas o tempo passou irredutível para o Madman – que já faz hora extra desde 1978, pelo menos – e também passou para aquele guri que o conheceu pela transmissão do 1º Rock in Rio. Fiquei assombrado diante da tevê. Nem de longe estava preparado. Outros tempos.

De um modo ou de outro, Ozzy nunca deixou de me assombrar. A prova mais recente foi há duas semanas, no antológico show de despedida dele com o Black Sabbath. Ali, o mundo testemunhou a luta de um homem contra seus limites físicos e neurológicos na base do coração, da raça, da coragem e de uma força de vontade inabalável, quase sobrenatural. Impossível assistir à performance sem se emocionar. Isso fica bem claro, para ele e para o público com olhos marejados, durante uma arrepiante “Mama, I'm Coming Home” – nunca essa balada soou tão pedrada.

O Ozzy, quem diria, dando um exemplo de resiliência diante dos reveses da vida e do mais puro amor às coisas que realmente importam. Louco, ele? Sim e com orgulho.

Thank you, goodnight and God bless you, Ozzy!

quinta-feira, 17 de julho de 2025

Superman #1


Superman é uma celebração e, como tal, neste exato momento está sendo festejado, detestado e discutido por um oceano de gente ao redor do globo. Como deveria ser. Que me desculpem todos os outros companheiros de farda uniforme colorido, mas com o Escoteirão o negócio é mais embaixo acima. É o super-herói raiz, O.G. dos superpoderes. Foi quem começou isso tudo pelos corações e mentes de Jerry Siegel e Joe Shuster. E cá estamos: mesmo sem ser um filme perfeito, é um divisor de águas.

Fiel aos quadrinhos como nenhum outro, com algumas liberdadezinhas que não alteram a essência. James Gunn escreveu e dirigiu um gibizão do mês. Tem lá o Super do Curt Swan, do Mark Waid, do Dan Jurgens, do Jerry Ordway, o Superman contra o 1% do Grant Morrison e muitos outros. Todos lá, devidamente creditados e reverenciados – de sopetão, digo que faltaram Joe Kelly, Max Landis e, heresia-mor, José Luis García-López.

O roteiro é um delivery-monstro das eras de prata, bronze e moderna, com um intensivão de A História do Universo DC logo nos primeiros segundos. E pontuado na marca dos 33 anos, se curtir a analogia pop-cristã. O melhor de tudo é que Gunn não é apenas um devorador contumaz de gibis, mas um perspicaz contador de histórias. Consegue administrar doses pesadas de referências quadrinhísticas a uma narrativa PG-13 universal. Sabe envolver de leitores assíduos a neófitos que não leram nada. Que, por sinal, formam a maioria esmagadora que financia a brincadeira.

A trama vai direto ao ponto e sabiamente dispensa a missão de recontar pela enésima vez a origem mais famosa dos quadrinhos. O filme abre com a já icônica cena do Superman caído em combate e chamando Krypto para o resgate. Krypto. Mesmo após tantos teasers e trailers exibindo o momento, uma corrente de eletricidade surrealista ainda correu pela minha espinha nessa hora. Na sequência, é apresentada ao mundo a nova Fortaleza da Solidão, com acabamento inspirado no Superman de Richard Donner e um paraíso da Era de Prata por dentro, com robôs sencientes e toda a sorte de tralhas hipertecnológicas que o Azulão tem direito. Golaço no meu caderno.

O espectador não fica muito tempo no escuro. Sem pausa pra descanso, Lex Luthor coordena uma campanha massiva contra o Superman em várias frentes de batalha, com apoio dos operativos meta-humanos Ultraman e Engenheira. O bilionário também conta com sua equipe de T.I. e um ditador estrangeiro para plantar fake news e manipular o governo dos EUA e a opinião pública. Não-ficção científica no seu melhor. Mas o bom e velho Super está em boa companhia com seus colegas (e namorada) do Planeta Diário Jimmy Olsen e Lois Lane. E, ainda, uma pré-Liguinha batizada "Gangue da Justiça" composta pela Mulher-Gavião, Senhor Incrível, pelo Lanterna Verde Guy Gardner e, mais tarde, pelo improvável Metamorfo.

Precisamos falar sobre a política.

Lembro do impacto que senti com uma das primeiras cenas de Homem de Ferro (2008), quando o bilionário Tony Stark é atacado com mesmos mísseis que sua Stark Industries fabricou e vendeu mundo afora, escancarando a zona cinza na telona. Se o Homem de Ferro nadou de braçada na política, nada mais natural que o Homem de Aço também. Ainda mais na condição de semideus caminhando entre meros e falhos mortais.

Quadrinhos nasceram políticos. E muitos, woke.

Este Superman se preocupa. Salva tudo e todos (Doreen Green agradece), o que foi, logicamente, uma brincadeira e também uma mensagem: as coisas mudaram. As consequências legais, políticas e ideológicas de seus atos são levadas em consideração. Bryan Singer assumiu essa em Superman - O Retorno (2006), quando fez Lex Luthor sair andando do tribunal, visto que a principal testemunha de acusação estava dando um rolê intergaláctico. Já Zack Snyder, fez questão de esquecer. Aí é fácil.

Em termos de bichinhos fofos sob encomenda para vender bonecos, Gunn continua um Top Gunn. Mesmo com o precedente mui bem sucedido de um guaxinim falante badass, ele sabiamente evita o lugar-comum dos animais antropomórficos e, graças a Rao, Krypto é só um (super)cão. E é mais do que suficiente. Quem é cachorreiro profissional, é garantia de diversão à parte.

Do alto de seus 1,93 m, David Corenswet é, ao lado de Christopher Reeve, o maior Superman de todos os tempos. Literalmente. Dramaticamente, está alguns centímetros abaixo, mas ainda bem maior que os demais. O cara simplesmente pegou o espírito da coisa. É o Superman. É o Clark Kent. E leu All-Star Superman com atenção.

Rachel Brosnahan é mais uma grande Lois Lane para a galeria. Inteligente, charmosa, pró-ativa e inquieta – em especial na cena da entrevista-interrogatório, quando fica nítida a química faiscante entre ela e Corenswet. E, ponto extra pro filme, Lois não é salva pelo Super nenhuma vez. Já Skyler Gisondo como Jimmy Olsen, o melhor amigo do Superman, surpreende pela atuação e presença. O personagem tem peso e realmente auxilia o Azulão em pontos-chave da história. Não se preocupe: Jimmy não é brutalmente assassinado no filme porque "parecia divertido".

E finalmente, o Sr. e a Sra. Kent reencontraram o caminho de casa. Martha (Neva Howell) não tem xarás à vista e Jonathan (Pruitt Taylor Vince) voltou a acertar nos bons conselhos para seu menino kryptoniano.

Sempre imaginei o Nathan Fillion interpretando o Lanterna Verde Hal Jordan e o Lanterna Guy Gardner à imagem e destemperança de Seann William Scott, o eterno Stifler. Talvez em outra realidade. Mas o que tem pra hoje, nesta aqui, funciona. Fillion é indefectível e seu Guy é o babacão estúpido calhorda que conhecemos e adoramos. Faltou a sua notória finesse com as donzelas, mas não se pode querer tudo.

Edi Gathegi como o Senhor Incrível está... incrível. E tem uma cena de ação solo absurdamente... incrível. Anthony Carrigan parece que pulou pra fora dos gibis como Metamorfo, honrando a memória da genial Ramona Fradon com aquele típico personagem outsider que o Gunn adora. Isabela Merced como Kendra Saunders, a Mulher-Gavião V, está apenas OK na função de parecer cool num canto – coisa que Brianna Hildebrand fez bem melhor no papel da Míssil Adolescente Megassônico nos filmes do Deadpool. E as asas mequetrefes voam bem longe da suspensão de descrença.

Com o ritmo frenético do filme, o Lex Luthor do ótimo Nicholas Hoult ficou um tanto unidimensional. Sobrecarregado em maquinações e sem tempo hábil para ângulos mais profundos, o arqui-inimigo do Superman é puro ódio em andamento. Ou talvez esteja mal acostumado, porque sempre associo o vilão ao perfil cerebral e demagógico do Luthor animated na voz cavernosa de Clancy Brown. Minha maior incógnita era a atriz venezuelana María Gabriela de Faría no papel da Engenheira. Adaptações Gunnísticas à parte, a ex-Isa TKM/Eu Sou Franky (orgulho do meu papel de tio!) rendeu uma vilã, hm, engenhosa e verdadeiramente ameaçadora.

Pouca coisa me incomodou. Talvez o Lex louvando reiteradamente seu orgulho em usar o cérebro contra a força, mesmo que a força do misterioso Ultraman seja imprescindível para o seu plano. E utilizar comandos de voz durante uma luta parece ineficiente mesmo numa briga entre seres humanos normais, quanto mais entre superseres com supervelocidade.

O fator Clark Kent também precisa de um bom alinhamento. Está bem melhor do que em sua última incursão na telona e lembraram até dos óculos hipnóticos. Contudo, após sua primeira (e única) cena, o jornalista desaparece e sequer é lembrado por seus colegas de redação. Ficou estranho. Mas nem deveria reclamar. Já deve ter sido difícil o bastante para Gunn manter uma tradicionalíssima redação de jornal impresso nos dias atuais. J.J.J. não conseguiu.

E a mudança de ares na Casa de El? A ideia não é nova. Mas vai dar um caldo.

Com um cão voador, um kaiju, macaquinhos-bot, universos de bolso e a inacreditável vontade de enxergar humanidade e igualdade pelos olhos de um alienígena imigrante ilegal, Superman foi como um afago caloroso na alma de um velho leitor do Homem de Aço. Deu até vontade de revisitar aqueles tesouros nas caixas da garagem. E isso não tem preço.