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domingo, 12 de outubro de 2025

Saudades do espaço


Já no título, Alien: Earth prometia realizar um velho sonho dos fãs: trazer os ETs babões para uma turnê solo na Terra e, quem sabe, até fixar residência por aqui. Alien: A Ressurreição bateu na trave e a dobradinha Aliens vs. Predador/Aliens vs. Predator: Requiem são praticamente contos apócrifos. A coisa parecia promissora, com trailer instigante e Ridley Scott na produção. Bastava botar os Xenomorfos em solo terráqueo com mariners e hospedeiros à disposição. Era jogo ganho. Mas o showrunner Noah Hawley tinha outros planos.

A trama é situada dois anos antes do Alien original. Na história, uma missão espacial da famigerada Weyland-Yutani cai na Terra com um carregamento de espécimes alienígenas – entre eles, um Xeno com instinto assassino vazando pelo ladrão. Em paralelo, cinco crianças em estado terminal aceitam ter a consciência transferida para poderosos corpos sintéticos. É a primeira geração de híbridos criados pela Corporação Prodigy – que também toma posse da preciosa carga biológica da nave que caiu em seu território. O embate burocrático e paramilitar entre as duas megacorporações é inevitável, assim como a instabilidade dos híbridos e, mais ainda, dos espécimes Aliens e alienígenas*.

* o mais legal é que esse trocadilho não funciona em inglês.

O primeiro banho de ácido frio é o redirecionamento do tom. Terror inexiste. Nada de "obra-prima do suspense", da atmosfera de pesadelo Gigeriano, do "no espaço ninguém pode ouvir você gritar", do cagaço a cada esquina enfumaçada e estroboscópica. Apenas flashs de gore comprimidos sob muita D.R. Nos oito episódios desta 1ª temporada, o que menos importa são os Aliens. São meros coadjuvantes.

Em termos gerais, Alien: Earth tem a estrutura de um coming-of-age futurista, mostrando a adaptação dos cinco guris à sua complicada nova realidade num mundo de adultos. As referências aos Garotos Perdidos e à Peter Pan – na figura de Boy Kavalier (Samuel Blenkin), CEO da Prodigy – não são nada sutis. Na conclusão, fica evidente que o grande objetivo era a desconstrução do mito da juventude eterna.

Até entreteve, mas é outra viagem. Para outro veículo, de preferência.


O elenco é competente e engajado. Sydney Chandler lidera como Wendy (pois é), a 1ª híbrida. Os demais híbridos também brilham como pré-adolescentes em corpos adultos – Erana James no papel da caxias Curly, Lily Newmark como a perturbada Nibs e, em particular, a sensacional dupla Adarsh Gourav/Slightly e Jonathan Ajayi/Smee, que chegam a ser desconcertantes neste sentido. Já o personagem Joe (Alex Lawther), socorrista da Prodigy e o irmão humano de Wendy, sempre introvertido e deprê é o tédio encarnado. E uma anomalia da probabilidade de sobrevivência maior do que o gato Jonesy.

A construção daquele mundo de 2120 é pragmática e aterradora. A Terra é controlada por cinco companhias que também dividem e disputam a colonização do sistema solar. Também é interessante a tensão entre as castas pós-humanas, simbolizada na rivalidade entre o sintético Kirsh e o ciborgue Morrow, dos ótimos Timothy Olyphant e Babou Ceesay, respectivamente. Tensão que é elevada exponencialmente com o surgimento dos híbridos, um novo e ameaçador player.

Há um pano de fundo rico e virtualmente inesgotável para ser explorado aí, mas o roteiro não vai muito mais longe. Um bom exemplo é a discussão sobre a real natureza dos híbridos resumida a uma frase solta lá pelas tantas – são mesmo consciências humanas transferidas ou IAs que pensam que são humanas?

Incomoda o modo como Boy Kavalier, o "Garoto Gênio", deixa o circo pegar fogo até perder totalmente o controle das situações em que se envolveu. Tanto da fauna de alienígenas mortais (entre eles, olha só, um Alien), quanto do perímetro de segurança de seu QG, que é invadido duas vezes por forças da Weyland-Yutani. Pior ainda foi ignorar a crescente imprevisibilidade dos híbridos, apesar dos vários alertas dos chefes cientistas Dame (Essie Davis) e seu marido Arthur (David Rysdahl) e dos garotos desenvolvendo mais habilidades durante a série – que são sumariamente subestimadas pelo Gênio, claro.

Então é isso. Uma temporada de Alien com pouco Alien. E nem sei se isso é necessariamente ruim, porque a dinâmica nunca é fiel ao mythos da franquia. Basta lembrar da quantidade de Aliens exterminados à bala pelos mariners coloniais de Aliens, o Resgate. Eles não são invulneráveis e nem ninjas, como acontece na série. Não é assim que funciona.

Fora que a produção visual do bicho beira o relapso. Já vi cosplays melhores. Chega a ser vergonhoso para qualquer padrão Disney+. No final, fiquei com mais interesse no futuro do alienígena olhudo do que do alienígena cabeçudo.

Próxima temporada, Alien: Híbridos. Que falta faz uma Diretiva 4, hum?

domingo, 21 de setembro de 2025

Uma eterna serenata noturna


Sempre achei fascinante o trabalho de personagens durante a primeira metade de Alien (1979), antes das coisas irem, sem trocadilho, para o espaço. Naquelas interações, a história de Dan O'Bannon e Ronald Shusett e a direção cirúrgica de Ridley Scott tecem uma especulação pragmática do que seria a rotina e a dinâmica da tripulação de um cargueiro espacial em 2122. São ínterins pródigos em detalhes.

O maquinário velho e gasto, o software rudimentar com uma I.A. quase não-responsiva (o que faz todo o sentido na lógica espacial-corporativa-ultracapitalista; o USCSS Nostromo não era um cruzeiro de luxo), compõem o cenário perfeito para o curioso estudo comportamental em meio aos contratempos da missão. Igualmente reveladores são os momentos de calmaria, quando os personagens têm tempo para respirar.

Gosto particulamente do breve interlúdio em que o Capitão Dallas do grande Tom Skerritt curte um "me time" no cockpit da nave. Com uma bela melodia de música clássica ao fundo, Dallas parece imerso em reflexões sobre outro tempo e espaço, muito distantes das tensões daquele malfadado cargueiro.

A música liberta. E ele, mais do que ninguém, precisava disso.

Graças ao Tapatalk, descobri a origem do excerto.


"Eine Kleine Nachtmusik" ("Uma Pequena Serenata Noturna") foi composta por Mozart em 1787 e publicada postumamente em 1827. É uma das composições mais celebradas do músico, ainda hoje, 234 anos após sua morte. Uma impressionante resiliência para um material de uma época em que a única forma de registro físico era o papel e o nanquim – ou talvez seja esse mesmo o segredo.

Por tudo isso, é muito fácil acreditar que a clássica serenata poderia embalar o devaneio de um capitão do espaço sideral daqui a meros 97 anos. Zero suspensão de descrença.

O mesmo não se pode dizer da cena em Juiz Dredd com "Super-Charger Heaven" (1995), do White Zombie, estourando os alto-falantes de um carrão em 2139. Ou da cena com "Sabotage" (1994), dos Beastie Boys, rolando em Star Trek nos anos 2240 – mesmo com a desculpinha de se tratar de uma relíquia automobilística (um Chevrolet Corvette) que vinha com um mp3 player ainda funcional de brinde. O fato é que o gap é muito grande para se sustentar.

Talvez pela tradição do legado, talvez pelo status de arte, a longevidade de obras como a de Mozart (e Beethoven, Brahms, Wagner, etc) se sobressaiu e parece irreplicável. Principalmente quando a Geração Z não cansa de assustar os quarentões com a sua ignorância abissal sobre as décadas de 1980, 1990 e até de 2000. Logo ali.

O próprio Ridley Scott quebrou alguns ovos desse omelete cultural-temporal. Prometheus, que se passa entre os anos de 2089 e 2093, não se atém a suas analogias ao filme Lawrence da Arábia (1962) e chega a reproduzir trechos do clássico de David Lean. Da mesma forma que a serenata de Mozart, o épico teve sua origem no papel: a autobiografia Seven Pillars of Wisdom ("Os Sete Pilares da Sabedoria"), publicada em 1926. Seguindo a boa lógica, talvez fosse mais crível ver o sintético David estudando o livro do que assistindo a "versão para o cinema".

Isso acontece, com ainda mais intensidade, na série Alien: Earth, de Noah Hawley. A base da história é a mítica de Peter Pan. E como Prometheus, não se limita à estrutura narrativa e à caracterização de personagens. A produção faz questão da redundância.


Logicamente, a famosa animação lançada pela Disney em 1953 teve a preferência no placement. Não apenas sobre o livro original escrito pelo escocês J.M. Barrie em 1902, mas sobre todos os vários longas live action, séries animadas (inclusive um ótimo animê), musicais, peças de teatro, livros e gibis baseados no universo do personagem.

A se destacar o nível de excelência das animações da Era de Ouro da Disney, o que favorece a ideia de sua longevidade até a percepção pop de 2120, ano em que se passa Alien: Earth. Mas ainda soa bem inverossímil. Basta perguntar para qualquer Gen Z se já assistiu ou sequer ouviu falar da animação cinquentista. E o que dirá as próximas gerações. De qualquer forma, regras da casa. Ou melhor, política da companhia. Brrr.

Ridley Scott foi perfeito em 1979. E mais ainda em 1982...

sexta-feira, 6 de junho de 2025

SemanAlien

Abrindo e fechando a semana com os ETs babões. Faz bem pra alma.


Esse Alien: Earth da joint venture Hulu-FX-Disney+ parece lindo, cheio de possibilidades e, mais importante, sem medo da classificação etária. Só não me agrada essa coisa de "super-humanos" num mythos que nos confronta com nossos medos e fragilidades enquanto humanos.

Fora isso, tenho lá minhas reservas sobre ser um prequel do clássico de 1979. Mas parafraseando o Anton Ego, "me surpreenda!"

terça-feira, 8 de abril de 2025

Predador de matadores


Pela prévia, a animação Predator: Killer of Killers parece um bom aperitivo para o longa live action Predator: Badlands, previsto para novembro. Ambos são co-escritos e dirigidos pelo Dan Trachtenberg, de Predador: A Caçada, o que é uma grande referência.

Não sou lá muito fã dessa tendência de animações em 3D com baixo frame rate, mas é ranhetice minha. Arcane e Samurai de Olhos Azuis usam essa técnica e são excelentes. E meu sonho era ver o honorável Hiroyuki Sanada de samurai fatiando um Yautja no Japão feudal, mas essa versão digital genérica vai ter que dar pro gasto. E ainda terá ninjas. E uma batalha aérea contra uma nave predadora. E pelas empalações e torsos decepados, a Disney+ liberou geral para a Hulu.

Ok, noves fora, acho que já temos algo lá fora e que não é um homem. E se sangra...®

sábado, 4 de novembro de 2023

A Mulher Sem Medo

Assisti esse trailer de Eco e ele não para de ecoar na minha cachola...


O termo científico é foda pra caralho.

Parece que alguém na Disney+ acionou a chave da violência urbana da Marvel. Finalmente. Parece tudo bem dosado e nada over (o que diluiria o impacto). E todo o lance da jornada da heroína/vigilante lutando em territórios masculinos aliada às suas raízes indígenas inevitavelmente me faz traçar um paralelo com o espetacular Prey. Tomara que as semelhanças – e o sucesso artístico e comercial – não fiquem por aí.

Confesso que tenho uma queda por azarões. Mas Eco pode ser o laboratório definitivo para a já atabalhoada série do Demolidor. Claro, se seguir a tônica que a prévia entrega.

A Alaqua Cox parece muito mais à vontade no papel. Após uma estreia apagada na irregular série do Gavião, sua Maya Lopez parece que vai ganhar o tratamento que merece.

Um trailer sobretudo providencial. A batata da Marvel está assando, então é melhor tratarem de fazer um ensopado.

Ps: Vincent D'Onofrio com o visual clássico do Rei do Crime me deu uma cãibra nos neurônios. Não esperava tamanha Marvelização live action.

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

A verdade está aqui dentro


No One Will Save You é sob medida para aficcionados por UFOs – ou UAPs, na terminologia recente – e causos de abdução extraterrestre. Mas a verdade é que mira em voos muito mais altos. Ou mais intimistas, para ser exato. A entrega é garantida: o filme faz uma construção que remete aos relatos mais bizarros e absurdistas já registrados, como o infame Caso Kelly-Hopkinsville, que, aliás, parece ter sido o molde para várias coisas aqui. Sem dúvida, o roteirista, produtor e diretor Brian Duffield mergulhou de bico no assunto.

Muito disso foi antecipado no trailer, que era instigante, mas deliberadamente superficial. O homem tinha outros planos.

Duffield roteirizou o razoável A Babá, de 2017, e o ótimo Amor e Monstros, de 2020. Debutou na direção com o fofo, gore e esquisito Espontânea, também em 2020. Todos conciliando, ou tentando conciliar, comédia, romance e terror, trinca que parece ser o grande barato do cineasta. Em No One Will Save You, porém, ele tenta passar de fase, abandonando a comédia e o romance e investindo no drama e no terror. É um thriller de abdução que não é bem sobre abdução, mas explora o assunto quase ao esgotamento para que Duffield conte a sua história.

Um dia ele pagará por seus crimes, mas, como atenuante, No One Will Save You subverte espetacularmente o gênero. Ao mesmo tempo em que o revitaliza, diga-se.

A protagonista é Brynn, uma jovem costureira que ainda mora na mesma casa onde cresceu, numa bucólica cidadezinha do interior. Isolada e persona non grata na comunidade por motivos nebulosos, Brynn ainda lida com o luto da perda recente da mãe. Para enfrentar a solidão, ela passa os dias escrevendo para sua amiga Maude e construindo uma miniatura idílica da cidade em sua sala de estar. Uma noite, ela acorda e percebe que há um intruso na casa. E que, apesar de humanoide, a estranha figura não é nada humana.

A partir daí, o filme vira uma montanha-russa infernal do espaço sideral.


Em termos de estrutura, é patente a inspiração em "The Invaders", episódio clássico de Além da Imaginação. Os aliens também seguem o perfil padrão dos chamados Greys: olhos imensos, riscos no lugar da boca e nariz, comunicação através de grunhidos. Nesta versão, eles também têm movimentos curtos e abruptos, algo mecânicos, e são dotados de uma telecinese muito forte. O que faz muito sentido, dada a compleição física, por assim dizer, slim ao extremo. Outro arrojo foi estabelecer uma inédita diversidade da espécie. Temos pelo menos 3 tipos de Grey bem diferentes aqui.

As referências, involuntárias ou não, vão mais além. Em certo momento, é impossível não lembrar da Clemência Negra, do quadrinho Para o Homem que Tem Tudo, do Barba. As naves, no formato discoide habitual, lembram uma versão tecnológica do Jean Jacket, de Não! Não Olhe! (Nope, 2022), já bem assustador por si só. Felizmente, Duffield não se limita a simples convenções (ainda que eficientes) e lá pela marca dos 20 minutos, opera um "contato imediato" do tipo que nunca vi antes. É quando as coisas ficam realmente imprevisíveis, com direito a uma atordoante e muito bem tramada reviravolta na reta final.

Nada disso teria um milésimo do impacto sem a performance excepcional de Kaitlyn Dever. Sendo filme-de-uma-personagem-só, por 90 minutos ela tem apenas uma linha no script. E funcionou como uma autêntica libertação dos diálogos (quem precisa deles?). Sem a obrigação de mastigar nada para o espectador, a expressividade e a imersão da atriz explodem na tela, além de deixar tudo mais dinâmico, orgânico e intrigante. No fim, a sensação é de ter assistido a um magnífico dueto entre Dever e Duffield.

Discussões sobre projeção de falsa moralidade, ausência de empatia, ansiedade social e saúde mental cabem. São muito necessárias, até. No One Will Save You é esperto e nunca toma partido. Mas o tempo todo deixa a porteira escancarada para quem se aventurar em julgamentos preconcebidos.


SPOILERS
E que final. O mundo varrido pela invasão alienígena, sem chance de salvação. Apesar de protagonista, Brynn nunca foi a salvadora da pátria. Nem dela mesma. Desde o início, estava profundamente perturbada pelo seu trauma e pela rejeição, à beira da desconexão com a realidade. Ficou mais barato para os aliens dar a ela o que ela sempre quis: aceitação e socialização. E nem precisaram de um novo implante de controle mental. Brynn nunca iria querer sair de seu paraíso particular – afinal, ela não deve mais nada ao mundo. Em outra leitura, os aliens, após acessarem suas memórias e pensamentos, testemunharam a intransigência dos habitantes da cidade em relação a Brynn. Então foi um ato de pura justiça poética enquanto uniram o útil ao agradável. Uma inesperada conclusão feliz apocalíptica com danças e musicais ensolarados contrastando furiosamente com a sinistra trilha dos créditos finais. É um final que não vai agradar a todos e se agradasse, não teria cumprido seu objetivo. Filmão que só vai ficando melhor.

domingo, 10 de setembro de 2023

A verdade podia continuar lá fora

Escrito e dirigido por Brian Duffield, No One Will Save You audaciosamente vai onde nenhum terror ufológico jamais esteve.


Dá pra perceber que a atriz Kaitlyn Dever honrou cada cent de seu cachê nas filmagens. Já o plot, é tão minimalista quando o trailer:

"Brynn Adams (Dever) mora sozinha na casa onde cresceu e subitamente enfrenta uma invasão de visitantes sobrenaturais."

E é isso.

Há exatos dez anos, fui surpreendido por Os Escolhidos (Dark Skies), de Scott Stewart, que deu construção, atmosfera e seriedade a um subgênero bastante surrado. O resultado foi memorável. Pelo trailer, No One Will Save You parece enfim retomar o mesmo nível de tratamento.

A referência continua sendo a apavorante sequência de abdução de Contatos Imediatos do Terceiro Grau, de 1977. Steven Spielberg, inclusive, terá certa justiça tardia, já que a produção parece uma adaptação não oficial de Night Skies, seu lendário projeto de terror com ET's que nunca saiu do papel.

Um detalhe que chama a atenção, além da montagem milimétrica, é a ausência de diálogos na prévia. No IMDb, o idioma registrado é o inglês. No Wikipedia, consta apenas como "no dialogue". Isso já vinha sendo sugerido há algum tempo e, se confirmado, o resultado será bem fora da caixinha.

A estreia está prevista para o dia 22 no Hulu – e via Star+ nesta parte da América.

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

To Hell and Back


Hellraiser finalmente deixou de ser sinônimo dos dois, três... vá lá, dos quatro primeiros filmes. Admito que já havia dado baixa mental e espiritual da franquia há tempos — para ser exato, desde o pastelão Hellraiser: Revelações, de 2011. Desse modo, nem imaginava que um novo longa estava a caminho via Hulu e que me levaria da total ignorância ao deslumbre em meras duas prévias. Muito menos que a produção faria um reboot radical, com Cenobitas clássicos totalmente recauchutados e apresentando alguns novos padres da Igreja Pentacular de Leviatã. Dever cumprido com maestria, dadas as circunstâncias.

Como que submetida aos deleites sadomasoquistas da série, a jornada não foi das mais tranquilas. Trocas de estúdios, diretores (até Pascal Laugier, de Martyrs, assumiu a cadeira por um tempo), roteiros reescritos, disputas legais, incluindo do próprio Clive Barker, e toda a sorte de contratempos conspiraram para a franquia cinematográfica purgar indefinidamente n'alguma gaveta esquecida no inferno da burocracia. Mas, parafraseando o famoso motto de Pinhead, a série ainda tinha visões incríveis para nos mostrar.

E mostrou. Não tudo, mas o suficiente para um recomeço.

Resolvidas as pendengas estruturais e legais, com direito à benção e co-produção de Barker, a produção foi alinhada entre a Spyglass Media Group e a Phantom Four Films. A direção ficou a cargo de David Bruckner, do bom A Casa Sombria (The Night House, 2020) e do melhor segmento de V/H/S ("Amateur Night"). Não me admira que este Hellraiser '22 tenha se desenrolado bem distante do crivo público. Com a marca completamente esculhambada, apenas aficcionados die-hard seguiram naquele trem. A (falta de) receptividade aos dois últimos filmes, Revelações e Julgamento, de 2018, só pode ser comparada à do infame Hellboy de 2019, pra ficar no Hellxploitation.

Até abaixo, diria. Lá pela profundidade do 9º círculo. Ou mais.


Agora o brinquedo vem com manual

A intro é à caráter: a boa e velha puzzle box da Configuração do Lamento sendo reavida no mercado negro e levada para uma festinha privada na mansão de um magnata hedonista (Goran Višnjic, renascido sabe lá de onde). Seu objetivo é usar o artefato para exigir uma audiência com Leviatã, o deus da dimensão dos Cenobitas. Cortando para seis anos depois, os junkies Riley (Odessa A'zion) e seu namorado Trevor (Drew Starkey) invadem um armazém abandonado e encontram a caixa de forma suspeitíssima. Dali até os Cenobitas se refestelarem num bacanal de correntes, sangue e vísceras é um pulo.

O roteiro foi desenvolvido por Ben Collins e Luke Piotrowski a partir de um plot da dupla com o onipresente David S. Goyer. Originalidade passa longe. Mas é funcional e confere uma perspectiva moderna e alternativa da novela original. Em nada lembra o antológico filme de 1987 — ainda o melhor, que conste nos autos — e não apenas recoloca o mythos de volta aos trilhos, como aponta para novas direções. A esta altura, era exatamente o que Pinhead e a gangue do Labirinto precisavam.

Provavelmente por ver este Hellraiser mais como um ponto de partida para voos futuros, foi fácil fazer vista grossa para as presepadas do script. Algumas são protocolares, como, por exemplo, a incrível estupidez dos personagens. Da mesma forma que vermes alienígenas precisavam ser engolidos pelas vítimas para existir uma história em A Noite dos Arrepios, a caixinha precisa ser manipulada e decifrada para os Cenobitas aprontarem suas peripécias. É uma longa caminhada do ponto A ao ponto Z, portanto.

Considerando que o Necronomicon precisa ser lido ao menos uma vez em bom sumeriano em Evil Dead para a diversão correr solta, aqui também há uma tolerância implícita que cobre as primeiras mortes — convenhamos, no mundo real, caixinhas vintage não são portais para freaks extradimensionais fãs de bondage extremo fincarem ganchos acorrentados no rabo alheio. Do terço inicial em diante, a repetição da armadilha só funciona na base da burrice mesmo. Especialmente quando os personagens já estão mais ou menos escaldados das consequências deste ato.

A partir de certo ponto, algumas atitudes me lembraram até o meme do macaquinho Curious George.


Jamie Clayton, creditada simplesmente como The Priest, é pura força magnética. Difícil desviar a atenção daquele visual, ainda mais quando ela serve como uma perfeita mestra de cerimônia. Toda a nova concepção dos Cenobitas, por sinal, está espetacular. The Gasp (Selina Lo), The Weeper (Yinka Olorunnife), The Asphyx (Zachary Hing), o novo The Chatterer (Jason Liles), a perturbadora The Mother (Gorica Regodic) e, meu predileto, The Masque (Vukasin Jovanovic) estão irrepreensíveis e praticamente imploram por spin-offs solo. A química estava afinada e o árduo trampo de F/X brilhou na tela.

Um único porém foi o preço: com tantas criaturas promissoras estourando a retina, o tempo de tela foi muito econômico. E diria quase comportado no quesito sanguinolência, sendo que meio minuto de Frank no Hellraiser '87 já supria essa demanda.

No final, o sentimento é bem satisfatório. Podia ter sido melhor? Bastante. Mas em tempos de vigilância paranoica 24/7, diria que a criação de Clive Barker atingiu a transgressão uma vez mais. E aguardo ansiosamente pelas próximas.

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Helltrailer!

EsaiuotrailerdeHellraiser...


Não é um red band trailer, o que é ótimo. Muita estética, cinematografia e a apresentação dos novos Cenobitas, pra quebrar o gelo. Tudo muito agradável, mas fiquei particularmente emocionado com o Leviatã de soslaio e a Configuração do Lamento... configurando lamentos.

A expectativa por bons sofrimentos está lá em cima!

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Shenobita


Missão cumprida para a Spyglass e o Hulu. Reverberou bastante a 1ª imagem oficial da atriz transgênero Jaime Clayton personificando Pinhead, o ícone de Hellraiser. Gostando ou não (sem fazer juízo de valor, ainda), a franquia retorna ao interesse público após seu sucateamento na última década. Primeiro, pela Dimension Films, que, para segurar os direitos, rodou um longa em questão de semanas, resultando no pavoroso — no mau sentido — Hellraiser: Revelações, de 2011. Depois, pelo curioso, mas mambembe Hellraiser: O Julgamento, de 2018, que nem o Clive Barker deve ter assistido.

A verdade é que a série sempre foi problemática. Parte disso é a dificuldade em traduzir a carga conceitual dos livros para a dinâmica cinematográfica.

Tudo em Hellraiser é sobre conceitos e abstrações (prazer, dor, inferno, dualidade, existencialismo). A falta, na época, de uma "percepção Hellraiserverse" limitou o desenvolvimento nas telas, com justa exceção aos dois primeiros filmes. Neste aspecto, as quadrinizações se saíram bem melhor, em particular as brilhantes HQs da Epic.

Essa percepção já existia nas obras originais. Vide as histórias do "detetive do oculto" Harry D'Amour, da série Livros de Sangue, situadas no mesmo universo de Hellraiser. Ou as várias conexões com o livro/filme Raça da Noite/Raça das Trevas. Fora as suspeitas — alerta de fan theory — de que ninguém menos que Candyman seria um Cenobita. Candyman, um Cenobita sem mestre... o quão foda é isso?

Voltando ao novo Padre do Inferno (ou seria Madre do Inferno?), é seguro afirmar que segue à risca a deixa do livro, onde Pinhead é descrito como um ser andrógino com uma "excitada voz feminina". E pelo visual, arrisco que aqueles tais conceitos não estão apenas integrados, mas literalmente estampados no rosto dela.

As trilhas de sulcos que ligam os pregos estão mais pronunciadas, como se remetessem ao mundo labiríntico dos Cenobitas.



Um tributo à dimensão infernal direto na própria carne. Pareidolias me mordam.

E não só: a nova Pinhead também tem adornos metálicos crivados no pescoço. Parece uma reverência saudavelmente blasfema a Leviatã, o deus dos Cenobitas e o senhor supremo daquele mundo. Algo relativamente simples, mas creepy as hell.

E falando em creepy, uma novidade promissora é o estreante The Masque. Com um visual perturbador e bizarro, o Cenobita lembra o fruto de uma transa louca dos autômatos do Kraftwerk com o jurássico Jogo da Operação, da Estrela®.


Vukašin Jovanović como The Masque

No mais, vale sempre destacar a opinião do Príncipe Sombrio da Dor em carne, couro e pregos, Mr. Doug Bradley:
“Tudo sobre Hellraiser sempre foi transgressor. Tudo, sempre, do início ao fim. Não é uma ideia nova nesse sentido, mas estou intrigado. Estou na mesma posição que todo o resto de vocês, eu acho, para ver onde isso vai.”
Hellraiser estreia pela Disney Platform Distribution via streaming exclusivo para o Hulu dia 7 de outubro. Odessa A'zion, que por sua vez também não é uma nova Kirsty, protagoniza. O roteiro é co-escrito pela dupla Ben Collins/Luke Piotrowskido e, ave mãe, David S. Goyer. Direção de David Bruckner.

Admito que as imagens me deixaram pilhado em devaneios. E, por que não, empolgado até.

Se não corresponder... aí, a Configuração do Lamento vai gemer pra cima dos envolvidos.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Tem algo lá fora esperando por nós... e não é um homem


O Predador: A Caçada (Prey) está entre os melhores exemplares da franquia. Bem ali, no espaço onde orbita o hoje reavaliado Predador 2, atrás apenas do clássico-brucutu de 1987. E embora A Caçada e Predador 2 sejam animais diferentes, guardam semelhanças pontuais. Quando os criadores e roteiristas Jim e John Thomas escreveram o script para o 2º filme, o objetivo era expandir o mythos do alien-ugly-motherfucker, oficializando o m.o. do safári interplanetário e explorando a diversidade física e cultural de sua espécie. Além, claro, de dar um tapa em seu arsenal high tech, passados 10 anos dos eventos do filme original.

Em A Caçada, a estratégia do roteiro de Patrick Aison e do diretor Dan Trachtenberg é a mesma, só trocando o upgrade pelo downgrade.

Situada em 1719, a trama conta a história de Naru (Amber Midthunder), uma jovem Comanche que cresceu aprendendo as técnicas medicinais de seu povo. Mas o que ela realmente almeja é entrar para o grupo de caçadores da aldeia, como seu irmão, o habilidoso Taabe (Dakota Beavers). Entre a rotina pesada imposta às mulheres e a pressão do conformismo social, Naru visa apenas sua kühtaamia, o teste de fogo para provar seu valor e coragem e assim ser aceita como um dos caçadores. Ela tem sua chance quando um leão da montanha começa a atacar nas proximidades. E mais ainda, quando um Predador aterrissa em pleno Novo Mundo.

A premissa é a mais simples de toda a série, o que já é notável por si só. É preciso realmente se esforçar para escrever um Predador e eles se esforçaram. A grande vitória do filme é o cuidado com os detalhes e a jornada da protagonista — que faz valer cada segundo de tela.


De carreira ascendente e ascendência Sioux, a talentosa Amber Midthunder (de Legion e Banshee) está alinhadíssima com a proposta. Sem errar a mão, ela confere seriedade, profundidade e autenticidade à Naru. E tal qual Beavers, seu irmão na tela, ela também fez seus próprios stunts no filme. Sua performance e presença, sozinhas, já garantem a experiência. Sem perceber, fiquei engajado pela trajetória de Naru e sua esperta cadelinha Sarii, mesmo temendo o momento Davi versus Golias que surgiria, inevitável, até o final do longa.

Como o universo do Predador ainda é um processo em andamento, o roteiro a quatro mãos traz algumas novidades bem vindas, como uma nova variação da espécie Yautja — que vem sendo chamada de Feral Predator ("Predador Selvagem") — e suas armas tradicionais em versões rudimentares. Após o filme, dá pra entender perfeitamente por que os Predadores atualizaram os projéteis heat-seeker para o canhão de plasma...

Outro aspecto muito bem dosado é o das referências ao cânone. No filme, algumas sequências são quase reencenações de momentos antológicos (principalmente do 1º filme), mas com novas roupagens e contextualizações que conferem sua própria sustentação dramática. Mesmo frases de efeito icônicas, como o "se ele sangra...", que poderiam ter ficado extremamente gratuitas, soam naturais com o devido build up. E o modo como Naru consegue driblar a temível visão infravermelha do Predador, sem recorrer ao macete eternizado pelo personagem de Schwarzenegger no 1º filme, é puro futebol moleque indígena. É a diferença entre o mero fanservice e o roteiro bem escrito.

Como se não bastasse, o filme ainda faz uma ponte direta com Predador 2 ao contribuir com mais um trecho da saga da Flintlock 1715 de Raphael Adolini, aqui (bem) interpretado pelo ator canadense Bennett Taylor. Easter egg fino para os iniciados no Predaverso.


Chega o último ato, aquele, inevitável, e, tenho que admitir, fiquei quase totalmente satisfeito. Naru bem poderia ser a hexavó do Billy, não fosse ele um Sioux (bem...). Em meio ao embate definitivo pipocam apenas uns dois momentinhos (coisa de décimos de segundo) que me desceram quadrado, o que é uma média absurdamente alta nessa modalidade. Além do mais, o Predador 1719, apesar de brutal, é inexperiente e também passa por sua própria kühtaamia — em contraponto a Naru, cuja engenhosidade, talento para observação e raciocínio lógico foram exaustivamente treinados por ela desde o minuto em que nasceu mulher.

O Predador: A Caçada já é sucesso de streaming. O que é mais do que merecido. É um filmão.

Não é que as preces funcionaram?

terça-feira, 7 de junho de 2022

Pray, Prey

E saiu o trailer completo de Prey, novo opus do Predador, o alien guerreiro (e esse é guerreiro!) praticante de caça esportiva.


Em geral, acho saudável esse tipo de proposta fora da curva para franquias estabelecidas, mas faz tempo que uma não me descia tão quadrado. Jovenzinha indígena contra um alienígena com 240 kg de puro músculo e arsenal, duh!, de outro mundo? Porra, véio.

O mancebo cineasta Dan Trachtenberg (41) tem um portfolio curto mas legal: fez um ep. de Black Mirror e debutou na telona no bom 10 Cloverfield Lane. E o roteirista/argumentista Patrick Aison foi produtor executivo em séries bacanas (Wayward Pines, Tom Clancy's Jack Ryan). Mesmo assim, esse plot é uma tour pela luz da improbabilidade e da suspensão de descrença.

Sem desmerecer a atriz nativa americana Amber Midthunder, que protagoniza o longa, quem vai precisar se besuntar em lama pra escapar do fracasso é essa dupla...

Veremos o resultado em 5 de agosto.