O Predador: A Caçada (
Prey) está entre os melhores exemplares da franquia. Bem ali, no espaço onde orbita o
hoje reavaliado Predador 2, atrás apenas do clássico-brucutu de 1987. E embora
A Caçada e
Predador 2 sejam animais diferentes, guardam semelhanças pontuais. Quando os criadores e roteiristas
Jim e
John Thomas escreveram o script para o 2º filme, o objetivo era expandir o mythos do alien-ugly-motherfucker, oficializando o m.o. do safári interplanetário e explorando a diversidade física e cultural de sua espécie. Além, claro, de dar um tapa em seu arsenal
high tech, passados 10 anos dos eventos do filme original.
Em
A Caçada, a estratégia do roteiro de
Patrick Aison e do diretor
Dan Trachtenberg é a mesma, só trocando o
upgrade pelo
downgrade.
Situada em 1719, a trama conta a história de
Naru (
Amber Midthunder), uma jovem Comanche que cresceu aprendendo as técnicas medicinais de seu povo. Mas o que ela realmente almeja é entrar para o grupo de caçadores da aldeia, como seu irmão, o habilidoso
Taabe (
Dakota Beavers). Entre a rotina pesada imposta às mulheres e a pressão do conformismo social, Naru visa apenas sua
kühtaamia, o teste de fogo para provar seu valor e coragem e assim ser aceita como um dos caçadores. Ela tem sua chance quando um leão da montanha começa a atacar nas proximidades. E mais ainda, quando um
Predador aterrissa em pleno Novo Mundo.
A premissa é a mais simples de toda a série, o que já é notável por si só. É preciso realmente se esforçar para escrever um
Predador e eles se esforçaram. A grande vitória do filme é o cuidado com os detalhes e a jornada da protagonista — que faz valer cada segundo de tela.
De carreira ascendente e ascendência Sioux, a talentosa Amber Midthunder (de
Legion e
Banshee) está alinhadíssima com a proposta. Sem errar a mão, ela confere seriedade, profundidade e autenticidade à Naru. E tal qual Beavers, seu irmão na tela, ela também fez
seus próprios stunts no filme. Sua performance e presença, sozinhas, já garantem a experiência. Sem perceber, fiquei engajado pela trajetória de Naru e sua esperta cadelinha
Sarii, mesmo temendo o momento Davi versus Golias que surgiria, inevitável, até o final do longa.
Como o universo do Predador ainda é um processo em andamento, o roteiro a quatro mãos traz algumas novidades bem vindas, como uma nova variação da espécie
Yautja — que vem sendo chamada de
Feral Predator ("Predador Selvagem") — e suas armas tradicionais em versões rudimentares. Após o filme, dá pra entender perfeitamente por que os Predadores atualizaram os projéteis
heat-seeker para o canhão de plasma...
Outro aspecto muito bem dosado é o das referências ao cânone. No filme, algumas sequências são quase reencenações de momentos antológicos (principalmente do 1º filme), mas com novas roupagens e contextualizações que conferem sua própria sustentação dramática. Mesmo frases de efeito icônicas, como o
"se ele sangra...", que poderiam ter ficado extremamente gratuitas, soam naturais com o devido
build up. E o modo como Naru consegue driblar a temível visão infravermelha do Predador, sem recorrer ao macete eternizado pelo personagem de Schwarzenegger no 1º filme, é puro futebol moleque indígena. É a diferença entre o mero fanservice e o roteiro bem escrito.
Como se não bastasse, o filme ainda faz uma
ponte direta com Predador 2 ao contribuir com mais um trecho da saga da
Flintlock 1715 de Raphael Adolini, aqui (bem) interpretado pelo ator canadense
Bennett Taylor. Easter egg fino para os iniciados no Predaverso.
Chega o último ato, aquele, inevitável, e, tenho que admitir, fiquei quase totalmente satisfeito. Naru bem poderia ser a hexavó do
Billy, não fosse ele um Sioux (bem...). Em meio ao embate definitivo pipocam apenas uns dois momentinhos (coisa de décimos de segundo) que me desceram quadrado, o que é uma média absurdamente alta nessa modalidade. Além do mais, o Predador 1719, apesar de brutal, é inexperiente e também passa por sua própria
kühtaamia — em contraponto a Naru, cuja engenhosidade, talento para observação e raciocínio lógico foram exaustivamente treinados por ela desde o minuto em que nasceu mulher.
O Predador: A Caçada já é
sucesso de streaming. O que é mais do que merecido. É um filmão.
Não é que as
preces funcionaram?