Lendo a
entrevista hilária que o maleta
Rob Liefeld concedeu ao
Silver Bullet Comic Books (
"I make plenty of mistakes. I'm far from perfect..." - bota
far nisso aí, cara), acabei lembrando porque a banda noventista da minha coleção de HQs jaz em uma enorme caixa de papelão. E é um arquivo morto em constante atividade. Foi uma década que eu praticamente não li quadrinho, então, sempre que posso, adiciono mais publicações desse período, via sebo. Cinco anos após a retomada, vejo que, entre descobertas interessantes e idéias originais, o grito da galera era mesmo violência, porrada, ação, mais violência, mais porrada e ação. Entre uma coisa e outra, muita porrada e violência, sempre com bastante ação. É impressionante a quantidade de merda por quadrinho quadrado produzida nos anos 90. Fico feliz de ter sido a década que eu "perdi".
Até entendo o impacto que aquelas capas do
Spawn,
X-Men,
Batman,
Wolverine, etc, provocavam. Na época, eram bem maneiras (ou só pareciam maneiras, porque olhando hoje, nem tanto). Mas após a centésima luta sem sentido, diálogos sofríveis e poses de corar banda hard farofa dos anos 80, não haviam mais dúvidas - aquilo era quadrinho
ruim... mas ruim com pressão.
O nanquim do artista-símbolo da época, Sua Sisudice
Jim Lee, era quem mais tinha culpa no cartório, devido à (má) influência exercida na geral. Seu estilo patolão impregnou 95% dos quadrinhos pop americanos dos anos 90, mas cabe dizer que ele mesmo era tecnicamente OK no que fazia, só pecando pela caracterização facial inexistente dos personagens. Seus influenciados, no entanto, soavam como clones malformados (sendo Liefeld o
Nasce Um Monstro da vez).
Como o sucesso foi retumbante (malditos fanboys), artistas consagrados e revelações emergentes abandonaram sua evolução artística natural para aderir ao estilo
bad boy de ser. Exigência de mercado = leitinho das crianças.
Cable, abarrotado pra guerra
Os heróis seguiam o perfil "muito múque e pouco cérebro". E as heroínas, coitadinhas, usavam o fio-dental tão atochado no rabo que deviam sentir o gosto do pano. Isso sem falar no sério problema de coluna provocado pelos airbags tamanho extra-HUGE e pelas poses de partir a cervical.
Acho curioso como os roteiros também decaíram nessa muscularização dos quadrinhos. Ficou tudo ridículo e forçado demais, com raríssimas exceções. Herói morria e ressuscitava como quem tivesse saído pra comprar cigarro. Viagens no tempo, realidades alternativas, clones engana-trouxa ("morreu, mas não era ele, era o clone") e por aí vai. Como ainda estou no garimpo quadrinhístico dessa era (já em fase final), é freqüente o meu assombro quando passo pelos sebos.
Eventualmente, alguns diamantes reluzem no percurso - outro dia, descobri em
O Incrível Hulk um arco do Homem de Ferro por John Byrne/Romita Jr. que é o cão chupando manga - mas foi em
X-Men Gigante #1 que encontrei o equilíbrio do Lado Negro da Força.
Tudo o que os quadrinhos da década de 90 representam pra mim está contido nesta revista. Todos os vícios, chavões, fórmulas exauridas e rombos estruturais condensados maravilhosamente em uma só edição. Leu essa, leu todas. Na capa, a chamadinha já alertava:
"260 páginas de AÇÃO, revelAÇÃO e morte (mas com muita AÇÃO)!" Um clássico. O pior é que a história é reverenciada por muitos como sendo um clássico mesmo:
A Canção do Carrasco é cotada como uma das melhores sagas pós-Claremont dos mutunas. Nosso Deus. Dêem qualquer história dos
Novos Mutantes fase Claremont/Sienkiewicz pra esse pessoal ler e se recolher aos seus cantos fétidos e forrados com edições da X-Force de Nicieza/Liefeld (pra leigos: isto foi uma puta ofensa!).
Em
A Canção do Carrasco o
Professor Xavier sofre um atentado e é infectado por um tecnovírus. Aí,
Ciclope e
Jean Grey são
seqüestrados por
Caliban. Na seqüência, os
Cavaleiros do Apocalipse atacam Colossus e
Homem de Gelo. Depois é a
X-Force que se
atraca com os
X-Men (e não espere grandes explicações).
Cable - que veio de um futuro alternativo - é acusado de ser o autor do atentado. Pra concentrar mais esforços, os X-Men e
Bishop - que também veio de um futuro alternativo... essa HQ é praticamente uma rodoviária interdimensional -
se unem ao
X-Factor. Daí o darkótico
Sr. Sinistro aparece pra ajudar a encontrar
Apocalipse, provável arquiteto de tamanha x-bagunça. Contudo, o mutante egípcio, que conta com o auxílio dos
Cavaleiros da Tempestade, nada sabe. Pra não perder o costume, os X-Men encaram
outra batalha nonsense (embora até engraçadinha), desta vez versus a
Frente de Libertação Mutante.
Š P Ọ Ỉ L Σ Ř
Tudo vai degradando, degradando, até descobrirem que o vilão
Conflyto é o grande manipulador do esquema. Conflyto, adivinha, vem de um futuro alternativo e busca vingança contra Apocalipse, mas acaba lutando mesmo é com Cable, em uma seqüênciazinha cujos
desdobramentos são absurdamente parecidos com um
momento clássico do bão e véio
Esquadrão Atari. Pouco antes do finalzinho, Cable ainda arruma tempo pra morrer-rapidinho-e-já-volta.
Σnd Ọf Š P Ọ Ỉ L Σ Ř

Ciclope e Jean treinam esta posição na Sala de Perigo
A Canção do Carrasco é um exemplar autêntico da chamada Era dos Excessos. O "roteiro" ficou a cargo de
Scott Lobdell,
Peter David (até tu, Peter?!) e
Fabian Nicieza (urgh), e nos desenhos se revezaram
Greg Capullo, o atualmente bonzão
Brandon Peterson,
Andy Kubert (mais perdido que cego em tiroteio) e, heresia maior,
Jae Lee - responsável pelos únicos espasmos de talento individual aqui.
Vou ser sincero... guardo
X-Men Gigante #1 com o mesmo carinho que um
Elektra Assassina ou um
Arma X, em posição vertical dentro de um rackzinho super-prático que eu tenho. Lá, ela desfruta da companhia ilustre de
V de Vingança e
Cavaleiro das Trevas, entre outros notáveis. Ela merece, pela sua excelência em concentrar tanta ruindade de uma só vez. É anti-Arte de primeiro nível.
Pena que não tinha o Rob Liefeld. Aí sim, seria "perfeita".
Ainda tô rindo da mea culpa do RL sobre o "Cap with boobs"... vai, mané. :P