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quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Lendas do Amanhã


“Quadrinhos de super-heróis enquanto mitos modernos do nosso mundo pós-Revolução Industrial personificando nossas esperanças, medos e ideais.”

Certeza que já vi isso em algum papo-cabeça McCloudiano ou no prefácio de alguma das trocentas reedições de Reino do Amanhã (alguém aí pegou a versão pocket?). É mesmo lapidar. E se existe um quadrinho que cabe à perfeição é a obra máxima de Mark Waid e Alex Ross.

O documentário The Legend of Kingdom Come promete estudar os processos de concepção e construção que deram origem a esta grandiosa saga de super-heróis, para muitos definitiva. Provavelmente. Entre as 5 mais, pelo menos. Certo, fechemos em 10.

A direção é de Remsy Atassi com produção executiva de Sal Abbinanti, o criador de Atomika: God Is Red, quadrinho indie resenhado aqui em posts imemoriais, e que é só agora soube ser o agente/gerente de negócios do Ross. Daí a presença massiva do reservado ilustrador nas promos do projeto, que além dele e do Waid, trará nomes como Todd MacFarlane, Bill Sienkiewicz, Jimmy Palmiotti, Amanda Conner, Paul Dini e outros – e tomara que entre esses "outros" esteja James Robinson, para quem o Ross propôs a ideia da HQ originalmente.

A campanha do doc no Kickstarter vai até o dia 25 próximo. Com a meta em US$ 50 mil e os apoios rasgando na casa dos 350 mil, as preocupações passam longe dos envolvidos. Mesmo assim, um projeto só acaba quando termina.

Quem acompanha a rotina de produções independentes e financiamentos coletivos sabe que o caminho até a sala de projeção pode ser longo e tortuoso. Vide A Riddle of Steel: The Definitive History of Conan the Barbarian curtindo um hiato eterno e o longa animado The Goon, 100% financiado pelo KS e que simplesmente desapareceu no limbo – este, realmente cheguei a tomar um porre no dia em que meta foi alcançada.

Se for o caso, só o Clark com o emblema preto e surtadão pra dar jeito.

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Zeros e uns nos trouxeram até aqui


Em 30 de abril de 1993, a World Wide Web entrava em domínio público. Três meses antes, o Jesus Jones já antecipava em Perverse o admirável cybermundo novo que surgia no horizonte. Trinta anos mais tarde, temos que convir que não é exatamente admirável, mas tanto a WWW quanto o disco foram divisores de águas. Perverse é o mais ousado e ambicioso registro do grupo britânico. Caso tivesse dado continuidade às trips revisionistas de 1991 e 1992, ele seria presença certa na leva seguinte.

Aliás, fico admirado em saber que a banda também curte.

Perverse está numa lista dos “10 álbuns matadores de carreira” não é à toa. O Jesus Jones vinha de sensação alternativa no Reino Unido com o debut Liquidizer, de 1989, ao sucesso mainstream com Doubt, de 1991, puxado pelo hit “Right Here, Right Now”. Até ali, seu techno-rock (ou rocktrônica) era associado às cenas rave e indie dance, mas também tinha ressonância com o público das rádios e da MTV.

Com Perverse, a história foi diferente. O tom do álbum era denso e sombrio, com muita influência de industrial e trance. A capa, estranhíssima, trazia um luchador sob um filtro psicodélico e uma saturação vermelha estoura-retina.

O figura Mike Edwards (vocalista, letrista, guitarrista, tecladista, faz-tudo) experimentou uma imersão tecnológica completa. Escreveu tudo em casa usando um sampler Roland W-30. Foi o 1º álbum gravado inteiramente por computador, com exceção dos vocais. As faixas foram registradas em jurássicos disquetes de 3½ polegadas (lembra disso?). A produção ficou a cargo de Warne Livesey, que trabalhou em discos do The The e vários do Midnight Oil, entre eles o clássico multiplatinado Diesel and Dust. Ele certamente encontrou ali o material mais esquisito de sua carreira.

A obsessão de Edwards por ciberespaço e pela revolução digital imprimiu em Perverse contornos de álbum conceitual.

De cara, em “Zeroes and Ones”, ele prevê, com notável precisão, os impactos positivos e negativos da internet na vida das pessoas. “The Devil You Know” tem camadas trance, climas orientais e recortes de guitarra onde se percebe nitidamente a influência da banda suíça The Young Gods. As animadas “Get a Good Thing”, “Magazine” e “Don't Believe It” atualizam a velha sonoridade, as soturnas “From Love to War” e “Yellow Brown” navegam em ondas synth DepecheModescas, “The Right Decision” traz um groove electro infeccioso, “Your Crusade” é uma paulada pop/rave'n'roll, o tribalismo industrial de “Tongue Tied” emenda na raivosa techno com Ø BPM de “Spiral” e no grand finale com o épico progressive house “Idiot Stare”. Um álbum espetacular.

E complicado de tocar ao vivo. Do setlist atual, apenas três faixas comparecem. Como o próprio Edwards comentou, foi uma abordagem fascista: “'essa é a canção, nada mais importa'. Havia músicas no álbum que os membros da banda não tocaram." E mesmo nas exceções, a execução ainda é cabulosa.

É o caso de “The Devil You Know”, a música de Perverse mais próxima de um hit.


Em várias aparições na TV e mesmo no DVD Live at The Marquee, de 2005, o riff – na verdade, uma saraivada de guitarras sampleadas à “Skinflowers”, do TYG – soa precário ao vivo. A menção honrosa vai para a esforçada apresentação no programa The Word, na ocasião em que promoviam o single.

Mesmo inevitavelmente ultrapassado pelo futuro, Perverse ainda soa refrescante e intenso. Uma experiência memorável de ousadia eletrônica de uma banda de rock em plena era grunge.

E, ao contrário de todo aquele futurismo e tecnologia de ponta, tive a K7 original. Comprada na Mesbla.

Bons tempos, ainda que low tech.

segunda-feira, 27 de maio de 2024

Meus 97 centavos

Sempre gostei mais de X-Men: Evolution do que de X-Men: The Animated Series.

Sério.


Agora que só ficaram os mais fortes (e leitor do BZ é, antes de tudo, um forte®), um contextinho. X-Men na década de 1990 foi a galinha dos ovos de ouro da Marvel. Fenômeno legítimo, daqueles estoura-bolhas. Não acompanhava quadrinhos naquela década, mas vivia topando com imagens de Wolverine, Vampira, Gambit e Cable em mochilas, lancheiras, camisetas, bonequinhos paraguaios, em tudo que é canto. Coisa que não acontecia nem na fase Claremont/Byrne. Naqueles tempos de internet a lenha, isso era um feito incrível.

Inclusive, soube primeiro da existência da série animada por um colega de trabalho cujo perfil era o mais antigibizeiro possível – estava mais pra Lucky Luciano mesmo. Mas assinava a Sky e, por consequência, a Fox Kids.

Quando finalmente assisti alguns episódios do desenho (num TV Globinho, acho), me surpreendi com a transposição do material. À 1ª vista, parecia tudo muito fiel. Claro, as adaptações e supressões devem ter deixado o leitor assíduo se roendo, mas, em termos gerais, a série trazia elementos das HQs até então impensáveis para o formato. Todas as discussões sobre preconceito, política segregacionista e extremos ideológicos estavam lá. Coisas como os Amigos da Humanidade e os Sentinelas de Bolivar Trask são mais atuais do que nunca, infelizmente. Junto com o combo vieram a estética atualizada e o fanservice massavéio de porradaria e ação nonstop. E esse era o grande problema da série pra mim: o pacing.

A montagem truncada ia de zero a cem em 0,5 segundo. Pausas para respirar/refletir/absorver inexistiam. Sequências frenéticas de ação eram emendadas umas nas outras sem nenhum critério. O material-base tampouco ajudava, com toda a mixórdia de clones, viagens no tempo, versões alternativas, alienígenas, retcons, etc, etc. Era o puro suco dos anos 90. Tudo isso ultraprocessado e prensado na deadline de 22 minutos/episódio. Uma dramática queda de qualidade para quem já assistia/venerava Batman: A Série Animada.

Mesmo assim, o desenho foi um sucesso estrondoso. Além de render 5 temporadas, seu molde rápido e rasteiro foi implementado em novas séries, de Homem-Aranha (que conseguia ser ainda pior na correria narrativa), Homem de Ferro e O Incrível Hulk até Quarteto Fantástico e o meu favorito, Surfista Prateado.

Portanto, afirmo sem dor na consciência (e amor à integridade física) que tive muito mais satisfação com X-Men: Evolution alguns anos depois. Era uma adaptação mais abrangente, porém sensata e pragmática. O storytelling, embora mais juvenil na 1ª temporada, era tridimensional e humano, com dramas e tensões finalmente bem desenvolvidos. Garotas & garotos numa escola agindo como garotas & garotos numa escola, ora pois.

Logicamente, o desenho foi excomungado pela fanboyzada.


Toda essa introdução bíblica (ops) só pra confirmar o óbvio: X-Men '97 foi produzida milimetricamente para agradar os órfãos da série original. Engajar diretamente novos fãs tem menos peso do que impulsionar o boca-a-boca elogioso dos antigos. Isso inclui até a recriação da abertura e do clássico tema original, escrito por Ron Wasserman e composto por Haim Saban e Shuki Levy, readquirido a peso de ouro após um quiprocó judicial. A produção chegou ao requinte de reunir vários dos dubladores originais para mais uma rodada.

Eles não pouparam esforços. Estão de volta as vozes da empolada Alison Sealy-Smith como Tempestade, Cal Dodd como Wolverine, George Buza como Fera e da estridente Lenore Zann como Vampira*.

* AJ Michalka, que deu voz à Felina em She-Ra e as Princesas do Poder, seria perfeita para a Vampira, mas os X-fãs têm verdadeira adoração pela Lenore...

Ao contrário do He-Man de Kevin Smith, o showrunner e roteirista Beau DeMayo interferiu o mínimo possível no efeito nostálgico do material – um elemento ao mesmo tempo poderoso e incrivelmente sensível, vide a histeria em torno do crop top do Gambit e da natureza não-binária do Morfo.

Do ponto de vista dramático e narrativo, as coisas estão melhores. Ainda aceleradas, contudo.

Ao longo dos 10 episódios desta 1ª temporada (contra 13 da série original), é feita a ponte entre as animações e adaptados os arcos do julgamento de Magneto, a bela fábula protagonizada por Tempestade e Forge em “Morte em vida”, as saliências de Magneto com Vampira, o casa-separa do Professor Xavier com Lilandra no Império Shi’ar, a destruição de Genosha, os paradoxos temporais de Cable e Bishop, as maquinações do Sr. Sinistro com Bastion e a Operação Tolerância Zero, mais pitadas da fase Grant Morrison à moda da casa.

Muita coisa esdrúxula acontecendo com muita chance de virar bagunça. Não virou e nem precisei fazer vista grossa. Não muita.

O massacre em Genosha por um Tri-Sentinela massivo foi meio rápido e com uma conclusão forçada – o que uma bateria cajun pode fazer que o Mestre do Magnetismo não poderia? E o Capitão América, reduzido a um pau-mandado do governo, estranhamente remete ao Clark em O Cavaleiro das Trevas. Proselitismo de 5ª, visto que esse não é o perfil dele.

Já a famosa sequência de Magneto extraindo o adamantium de Wolverine foi um gol perdido embaixo do travessão. Por que negar ao espectador-leitor a animação integral da cena? Melhor voltar a contemplar a terrível capa fingindo que é um Renoir.


Outro trecho que me incomodou no apoteótico final foi a batalha transcorrendo ora no Asteróide M, ora na Área Azul da Lua. Tudo testemunhado pela estupefata população terrestre, que não desgrudava os olhos do céu. Não sou astrônomo, mas até o Groo sabe que a Lua não é na esquina. Parece que o tempo e a chatice me pegaram de jeito.

O delivery body horror, quem diria, foi generoso. Em especial, o episódio #2, com a Madelyne Pryor personificando a Rainha dos Duendes. Surpreendente. O mesmo para os milhares de civis inocentes retorcendo seus corpos ao serem convertidos em Suprassentinelas. E com Bastion desfigurado e com seu lado Nimrod cada vez mais exposto na reta final, foi difícil não lembrar do amálgama Luthor-Brainiac na perfeita/maravilhosa/salve-salve Liga da Justiça sem Limites.

Além do Cap, foi muito legal ver os cameos do Homem de Ferro com sua Mark XIII Modular, do Homem-Aranha, do Demolidor, do Dr. Estranho, de Manto & Adaga, do Pantera Negra, de membros da Tropa Alfa e alguns ex-Supersoldados Soviéticos. Todos bem inseridos dentro do evento – cada qual no seu quadrado – e dando uma sensação de unidade ao Universo Marvel tal qual os desenhos da WB fizeram pelo Universo DC um dia. Ficou a sensação de que muito tempo foi perdido e que nestes anos todos poderíamos ter visto animações maravilhosas de cada um deles.

X-Men '97 deu uma boa melhorada neste cenário. Se a próxima temporada tiver a ambição e o coração nos lugares certos, não só os X-Men sairão beneficiados, como a história de sucesso multifranqueado poderá se repetir. Desta vez, com a régua lá em cima.

Afinal, todos sabem que é só através da arte que os heróis... renascem.

É, isso saiu esquisito.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Monstros


Provavelmente a ilustração mais poderosa de Alex Ross, essa arte sumariza a essência do racismo. Até hoje ela me causa arrepios.

Algo que a filha de Alberto Breccia jamais entenderia.

Ponto para a organização da CCXP e, principalmente, para a Risco Editora, que irá precisar de todo o apoio possível neste momento. Não será difícil: seu catálogo é excelente.

Já era cliente assíduo, mas agora virei fã.

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Ela esteve na banda


Publicado em dezembro de 2010, I'm in the Band: Backstage Notes from the Chick in White Zombie é uma janela para o que rolou de mais legal na cena alternativa do rock e do metal dos anos 1990. Escrito por Sean Yseult, baixista e co-fundadora do White Zombie, o título ganhou um tapa de seu generoso acervo de imagens e materiais inéditos. O resultado é um mix de álbum de fotos com livro de memórias, repleto de informações de bastidores e de suas impressões daquela cena do barulho.

Para aficcionados da banda e da geração: é obra atemporal, para consultas. E uma delícia.

Em relação à carreira de Yseult (pronuncia-se "Issó"), I'm in the Band começa do ano zero, com ela ainda gurizinha frequentando as aulas de balé. E segue pela sua paixão pela cultura underground até a formação do White Zombie em 1985 – então um grupo de noise/rock de garagem, incensado por gente como Kurt Cobain e o pessoal do Sonic Youth (!) – e envereda na descoberta do metal e no sucesso comercial.

Nesse ponto, salta aos olhos o contraste entre seus dias de porão, se apresentando em clubes como o CBGB, e as gigs-monstro, com apresentações consagradas no Monsters of Rock em Donington e num Hollywood Rock abarrotado no Brasil...

...onde, aliás, passaram dias de rockstar no "Rio de Janiero" e matando "capraihnas" em Copacabana, apesar do medo de terem as mãos decepadas por motoqueiros punguistas from hell com muita pressa. Achei graça. Mas não duvido.


A fuça dos jovens meliantes; flyers operação-de-guerra; o início da virada; a tensão pré-palco




Na alta roda: com Elvira, Danzig, Marilyn Manson, Cramps e Pantera



Confraternizando com Deuses do Rock and Roll



Zé do Caixão, o “Coffin Joe”, encarnando no cadáver da baixista e recebendo a devida homenagem do White Zombie

Além dos registros históricos, Yseult, hoje quase exclusivamente artista plástica, também aproveitou para oferecer sua perspectiva única de um meio majoritariamente masculino. Inclusive o subtítulo do livro, "The Chick in White Zombie" ("a mina do White Zombie"), é o apelido dado a ela por Beavis & Butthead sempre que eles assistiam algum videoclipe do grupo. Não foi fácil. Não é fácil.

A nota destoante vai para a parte física: o brochurão de quase 200 páginas em formato paisagem (wide) é um lutador peso pesado. É preciso preparar bem o terreno antes de começar a aventura e evitar algum acidente irreversível. Também é recomendável lavar as mãos antes do manuseio. As páginas são em couché de alta gramatura e praticamente todas têm fundo preto. Então, se não quiser deixar as digitais impressas ali para a posteridade...

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

This is not my idea of a good time

Line up do Reading Festival '98. Só de bater o olho, a pupila se dilata com a (então) relevância comercial do Garbage se sobressaindo à relevância histórica do New Order. E foram os únicos laureados pelo critério, visto que o mesmo não ocorreu nos dias anteriores.

25 anos depois, a banda ainda não esqueceu. Principalmente a frontwoman Shirley Manson.

“25 anos atrás. Passei o dia inteiro me sentindo mortificada por sermos a atração principal acima do New Order. Foi no mesmo verão que alcançamos os postos mais altos, acima de Bob Dylan, Nick Cave e Patti Smith. A cada vez queríamos rastejar de vergonha aos pés de nossos heróis.
Mas éramos jovens e inexperientes. Ainda não tínhamos aprendido que a indústria da música não trata seus veteranos com mãos gentis.
No devido tempo, desfrutando do grande privilégio de permanecer por aqui, nos encontramos em posições similares nas escalações dos festivais, conforme enfrentado por nossos heróis antes de nós. Viemos a aprender que é a ordem natural das coisas. As posições das escalações têm pouca influência em qualquer coisa além do simples continuum da vida.
Estamos gratos por ainda estarmos aqui. Brincar e surfar e planar através do tempo enquanto é curado pelas pessoas. Vocês, pessoas – agradecemos por nos permitirem um lugar à mesa por mais de 25 anos. Estamos para sempre em dívida com vocês.”
Palavras sóbrias e com uma honestidade pungente sobre a natureza do business. Em especial nos dias atuais, num cenário pop onde os astros são youtubers e tocadores de pendrive...

segunda-feira, 20 de março de 2023

Positive creep


Quando o Nirvana botou os pés no palco do Reading Festival, em 30 de agosto de 1992, o trio estava na crista do tsunami alternativo. Foram dias insanos para quem curtia um pingado noise e queria fugir da ressaca hard/glam dos anos 1980.

Vi uns trechinhos da apresentação, exibida na época pela (então descoladinha) TV Bandeirantes. Kurt Cobain entrando numa cadeira de rodas travestido com uma longa peruca loira e clima de ensaio empolgado diante de 60 mil doidões e doidonas.

Nesses anos todos, nunca ouvi a performance completa. Pelo menos até dia desses, ao conferir o monumental Live at Reading, pack de CD + DVD lançado em 2009. E me surpreendi muito.

Apresentação coesa, sem firulas, porrada atrás de porrada, tudo muito bem calibrado para funcionar naquele espaço gigantesco — 150 acres da Little John's Farm — com andamentos ligeiramente mais lentos, pesados e arenosos, mesmo nas baladas. Um showzaço. Mal dá pra acreditar que, quatro meses depois, a banda cometeria algumas das apresentações mais caóticas da história do showbiz em pleno Hollywood Rock, com praticamente o mesmo setlist.

Em algum multiverso grunge, o Nirvana entregou aqui o show que fez no Reading. E o Reading recebeu a nossa bomba. Que se fodam os ingleses.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Opa! Peraí, Canisso


José Henrique Campos “Canisso” Pereira
(1965 - 2023)

Pegando todos os quarentões-e-além no contrapé, se foi o grande Canisso. E com ele, boa parte do elemento "diversão" no rock brazuca dos anos 90. Aliás, nem vou fingir que não achava o Raimundos a banda mais divertida do cenário noventista nacional e certamente aquela na qual mais fui aos shows. Era o lugar certo, na hora certa.

Canisso parecia, de longe, o cara mais sussa entre os quatro integrantes. Fosse no palco, fosse nas entrevistas em meio aos seus inflamáveis colegas, ele sempre manteve uma postura, digamos, Coach Beard: estóico, imperturbável, pé no chão e com um pavio de 12 quilômetros de extensão. Um cara-crachá inequívoco de sujeito boa praça.

E figura no seleto clube de baixistas que me faziam cometer um air bass criminoso, mas daora, debaixo do chuveiro.

Também, com esse naipe de estaladas matadoras, quem nunca?






Valeu por tudo, Canisso!

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

“Let me stand next to your fire...”


Assistindo Desastre Total: Woodstock 99 (Trainwreck: Woodstock '99, 2022) tive a sensação de viajar no tempo, mas num outro espaço. Acompanhei o festival a exatos 7.622 km e dois fusos horários de distância do epicentro: no conforto do meu lar, estirado em minha poltrona favorita, com tira-gostos variados e rodadas incessantes de caipirinhas e latinhas de Skol (outra época!). Na tela, headliners raivosos, som no talo e um maremoto humano ensandecido — com pintos e peitos à mostra e balangando via satélite — que ainda hoje deixa atônitos até habitués em megafestivais.

Tudo levava a crer que estava testemunhando a experiência rock and roll definitiva. Mal sabia do inferno social e humanitário que estava se desdobrando ali em tempo real. Ou melhor, até desconfiava...

Lembro que, a certa altura, um VJzinho qualquer pergunta a um garoto sobre as cenas de violência e quebra-quebra da noite anterior. Ele é categórico: "cara, você tem Limp Bizkit, Rage Against the Machine e Metallica se apresentando um depois do outro... queria o quê?"

Aquele momento, vindo de um guri ressacado, foi didático. A escalação do palco principal não tinha a menor ressonância com os auspícios de paz & amor do icônico Woodstock. Foi uma estratégia adotada já na edição de 1994, quando a marca foi ressuscitada no vácuo das primeiras edições do bem-sucedido Lollapalooza. A gasolina estava lá, só faltava o fogo.

Dividido em três episódios, o documentário da Netflix explora esse e outros pontos nevrálgicos que levaram o Woodstock 1999 a uma quase tragédia sem precedentes. O trabalho de pesquisa e resgate de imagens de arquivo é espetacular. E o diretor Garret Price também sabe do peso dos depoimentos de quem esteve in loco e faz uma boa seleção de woodstockers, com artistas, jornalistas, membros do staff do festival e do próprio público.

E ainda foi esperto — e sortudo — o bastante para colher a versão dos promotores Michael Lang e John Scher. Afinal, eles tinham muito que explicar.



Logo nos primeiros minutos, duas cenas surreais dão conta que até os deuses tentaram avisar: o então prefeito local Joseph Griffo inaugura o evento com a tradicional quebra da garrafa de champagne e só consegue na 9ª tentativa; e o momento em que o Soul Brother Nº 1 James Brown recebe o espírito do Rei do Soul Tim Maia (falecido um ano antes) e se recusa a estrear o palco principal enquanto não receber o cachê integral antes do show, mesmo com a banda já tocando a introdução e o público urrando.

Mas o doc não deixa dúvidas sobre quem foram os grandes vilões do evento: os preços hiperinflacionados e as deficiências de infraestrutura.

O Woodstock '99 foi realizado numa antiga base aérea americana, situada em Rome, NY. É um monstro de 3.600 acres onde cada direção era uma verdadeira peregrinação sob o sol escaldante do verão americano. Para economizar nos custos (e, talvez, amortizar um pouco do prejuízo da malfadada edição de 94), a produção contratou seguranças com pouca ou nenhuma experiência, batizou o contingente de "Patrulha da Paz" e tudo certo.

Outra grande ideia para as contas bancárias foi simplesmente não pagar as prestadoras responsáveis pelo saneamento e fornecimento de água, incluindo aí a manutenção dos banheiros químicos. Tenha em mente um público estimado em 200 mil pessoas ao longo de quatro dias e o resultado é um só: o horror, o horror...

O que veio a seguir foi de revirar o estômago. Aquelas imagens eternizadas na cultura pop do público coberto de lama, mergulhando na lama, rolando na lama e até pegando jacarezinho na lama... adivinha: não era lama. Era merda. Muita merda. Merda pra tudo que é lado. Mesmo num calor senegalesco, a falta d'água era frequente nas bicas e nos chuveiros distribuídos na área, mas talvez fosse até uma providência do destino — testes feitos durante o festival constataram que toda a rede de água estava severamente contaminada por fezes. Eles sabiam. Só não avisaram ao público.

E com as barracas de comida e bebida enfiando a faca sem dó (garrafinha de água: US$ 4) era como vislumbrar a derrocada dos antigos ideais, agora pervertidos pela ambição e pelo materialismo. Era o fogo que faltava. Cansado de ser maltratado, humilhado e explorado, o público se voltou contra tudo e contra todos. Inclusive contra ele mesmo.

De certo modo, foi um intensivão de neoliberalismo.


O diretor Price consegue achados tragicômicos em meio aos crescentes riots, como o momento em que um dos membros da equipe faz uma barricada na porta do escritório, como se estivessem cercados por zumbis. E não hesita em se aventurar por terrenos controversos, como o dilema dos artistas de rock pesado num ambiente instável. Pelo contrário. Korn fez um show visceral, com a vantagem da escalação no primeiro (e relativamente calmo) dia. Mas é difícil não ficarmos menos do que convencidos que o Limp Bizkit e seu frontman Fred Durst acirraram bastante os ânimos já exaltados. E que os caras do Red Hot Chili Peppers podiam ter ido dormir sem tocar "Fire" bem no momento em que se propagavam os incêndios que marcaram o fim do festival.

Desastre Total eventualmente cede a algumas concessões. É nítido que Metallica e Rage Against the Machine foram poupados. No caso do primeiro, lembro bem do coro de "Die! Die!", que a banda sempre puxa no meio de "Creeping Death", destoando de toda a estética psicodélica-flower power do evento. E no caso do Rage e sua incendiária apresentação, ao menos foi registrada a arrepiante cena da turba repetindo o mantra/grito de ordem "Fuck you, I won't do what you tell me" enquanto destruíam, pilhavam e violentavam tudo pelo caminho. Mas dá pra botar na conta da metragem.

Não ajudou a romantizada que deram no Woodstock original. Ficou parecendo um piquenique de fadinhas e hobbits no Condado. E não foi nada disso. Outra bola fora envolve a pior faceta do festival, que foram os vários casos de estupro. Já estava quase no final do último episódio e achei que o assunto não seria sequer mencionado, o que teria dado perda total no doc. Mas foi. Em algo como cinco minutos. Pois é.

Também é traçado um perfil da mentalidade machista e privilegiada do jovem-branco-de-fraternidade que predominou no festival. O que foi um dedo na ferida admirável.

A narrativa aniquila qualquer impressão sobre o promotor John Scher que não seja a de um businessman negligente e ganancioso. Mas curiosamente patina em assimilar a figura serena e enigmática de Michael Lang, falecido pouco depois as filmagens. Ele foi co-idealizador e promotor do festival original e, pelas imagens da época, já era um personagem e tanto. Merecia um doc à parte.

O Woodstock '99 teve apenas 4 dias, mas, pelo jeito, rendeu assunto para 23 anos. E contando...

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Pavões do Barulho


Uma das maiores surpresas do jornalismo musical do ano. O jornalista e diretor André Barcinski lançou Pavões Misteriosos originalmente em 2014 pela editora Três Estrelas, do Grupo Folha. É uma das investigações mais completas já impressas sobre o cenário da música brasileira embaixo e fora dos holofotes. Agora, com uma reedição turbinada com 400 páginas extras, vira quase uma Bíblia da bizarrice pop-canarinha.

E Barulho: Uma Viagem pelo Underground do Rock Americano saiu em 1992, pela editora Paulicéia. Foi um livro-evento para todo mundo que curtia rock não-farofa do final da década de 1980 até o início da década de 1990. O material foi resultado de uma viagem de dois meses e ½ fotografando e entrevistando alguns dos pilares da seara alternativa da época —figuras como Steve Albini, Jello Biafra, Ministry, Nirvana, Mudhoney, Ramones, Red Hot Chili Peppers e por aí foi. Algumas destas reportagens inclusive foram editadas na revista Bizz como "amostra grátis" numa série de matérias sensacionais intitulada, logicamente, Barulho. Brodagem pura, só pra ficar nos anos 90.

O que é mais curioso sobre essas futuras reedições (autopublicadas, por sinal) é a discrepância absurda de timing. Pavões foi escrita na mesma pegada analítica e documental de publicações seminais como Mojo, Uncut e a Rolling Stone gringa. Material atemporal para ler, reler e manter sempre ao alcance da mão para consultas. Já Barulho...

Kurt Cobain botou um fim em boa parte daquela história poucos anos depois, quase todos os Ramones se foram, o palco desabou, a indústria morreu, enfim. O único fator que justifica a publicação de Barulho hoje é a força da nostalgia.

Barcinski nunca demonstrou grande interesse em um relançamento do livro —meio um álbum de fotos com textos curtos e diagramação marota pra dar aquele realce— e até se mostrava a favor de seu compartilhamento digital. Certamente, os pedidos de reimpressão da turba carente na casa dos quarenta e alguma pesquisa de mercado (de revivais) devem ter mudado os planos. Um Catarse teria sido um belo termômetro de alcance público.

Também não deixa de ser sintomático que os dois livros tratem da música produzida há, pelo menos, trinta anos. E claro que vou correr atrás dos dois. Pode me chamar de Matusa nostálgico, mas não de ter mau gosto musical.

sábado, 29 de dezembro de 2012

20 Years Later


Não, não são zumbis.

1992 no Brasil não foi para fracos. Éramos um país quebrado. Ainda novatos nos meandros da democracia, tivemos nosso primeiro presidente impedido de fazer mais besteiras exercer sua função. Nosso mais alto funcionário público sendo demitido por justa causa. Um arrojo só. Foi bonito ver como os brasileiros ainda se importavam o suficiente após tanta porrada no bolso e na auto-estima. E deu resultado, com ou sem ação Illuminati por trás (epa!). Mas sem querer apagar o brilho patriótico daquele momento, a coisa toda funcionou mais para as primeiras páginas dos jornais e para as capas das revistas. Na prática, aqui no front da guerra civil brasileira, a coisa seguiria praticamente imutável até... bom, até hoje.

(sim, temos banda larga, sinal digital, smartphones, tevês de última geração por preços palatáveis... pena que não se pode dizer o mesmo de bobagens como segurança, saúde, educação, transportes, urbanização, etc ad infinitum e vai embora. De quebra, aquele nosso antigo funcionário voltou das trevas como se nada tivesse acontecido... e fazendo mais alianças que um joalheiro)

(claro que nada disso nos surpreendeu, calejados brasileiros velhos de guerra. Nós comemos PIBs de 0,6% no café da manhã. Com guaraná Dolly! E segue a vida)

Essa síntese rasteira do Brasil de 1992 - as melhores partes ficam pra versão director's cut de quem vivenciou aquilo - serve pra contextualizar o sucateado cenário do pop-rock brasileiro daquele período. A geração da década de 1980 ainda não havia encontrado seus sucessores. Aquele divisor de águas essencial em qualquer cena musical saudável não despontava no horizonte. No mainstream, as gravadoras apostavam todas as fichas no pagode, no breganejo e na novidade axé.

Até haviam alguns esforços heróicos de renovação criativa, como foi o selo Tinitus, do produtor Pena Schimdt, que apesar de algumas boas apostas (Virna Lisi, Yo-Ho Delic) não vingou ninguém no 1º escalão (excetuando, talvez, o ex-cantor da Banda Bel?). Enquanto o pop-rock agonizava, o metal, o punk, o eletrônico e o hip-hop seguiam isolados em seus guetos. O mar não estava pra peixe.

Foi ano de Hollywood Rock, com um cast não tão impressionante - especialmente em comparação com a incendiária edição seguinte. Lá fora o bicho pegava: Metallica excursionando com Guns 'N Roses, mais Body Count, Motörhead e Faith No More abrindo (Nirvana foi chamado, mas recusou); um Reading Festival muito bacana (e bem transmitido aqui pela TV Bandeirantes!); e um Lollapalooza mais bacana ainda.

E sim, também saíram vários discos legais. Muitos deles foram minha trilha sonora diária, rolando no walkman durante o trajeto do meu 1º emprego remunerado até a escola (era o 2º ano do 2º grau). A primeira vez que ouvi "N.W.O." e "Mouth for War" foi num ônibus abarrotado em pleno fim de expediente. Imagina o perigo de um mosh descontrolado ali...

Nos moldes da lista de 1991, segue abaixo uma relação desses álbuns que tanto me marcaram há vinte anos atrás e que ainda ouço regularmente, como se tivessem sido lançados na semana passada. Única ressalva: não inseri discos daquele ano que só descobri tempos depois e hoje teria como essenciais - portanto nada de The Chronic, In Search of Manny, Dry, Little Earthquakes, Check Your Head, T.V. Sky...



Psalm 69: The Way to Succeed and the Way to Suck Eggs (ou ΚΕΦΑΛΗΞΘ) é uma obra-prima da música pesada. O bonde Ministry e sua fusão perfeita de thrash metal, hardcore, eletrônico e industrial tomou o mundo de assalto e influenciou muita gente em várias esferas da música pop. Nunca foi igualado em equilíbrio, definição e intensidade, nem mesmo pelo próprio grupo. Ao lado de Reign in Blood, Psalm 69 segue como a trilha sonora oficial do fim do mundo.



Confesso que não recebi muito bem o sucesso dos cowboys from hell. Um novo nome forte no metal USA justo na hora em que nossos "garotos da selva" conquistavam o mundo? Mas acabei ouvindo a banda praticamente sem querer, no rádio. Fui fisgado na hora. Eram tempos difíceis e, desde a capa até o som, o Pantera nos fazia extravasar todo aquele sentimento de raiva e frustração diante de um futuro incerto. Vulgar Display of Power funciona até hoje.



No EP Broken, o Nine Inch Nails (codinome: Trent Reznor) pavimentou uma vicinal alternativa ao espectro sonoro inaugurado pelo Ministry. O mix partia de suas origens no cenário synthpop e das esquisitices do pós-punk e chapava forte em Bowie (da aclamada "fase Berlim" até Scary Monsters). Tudo absurdamente caótico, selvagem e visceral, com algumas das maiores perversões de sintetizadores e baterias eletrônicas já registradas. Um memorável passeio pelo inferno.



"O futuro do death metal". Ah, esses revisionismos editoriais... Não era nada disso, mas o Helmet projetou algumas saídas para o rock pesado e influenciou muita gente. É verdade que o grupo veio de uma seara de bandas post-hardcore do underground nova-iorquino, mas Meantime era um inédito passaporte pra fora do gueto. Tinha todo o barulho e a violência minimalista daquela turma ao mesmo tempo em que soava acessível na medida. Além disso, os caras tinham o diferencial de uma formação musical mais clássica, inserindo nuances de jazz ao contexto - vide "Give it", uma das músicas mais groovy e pesadas já compostas. Experimentalismo para iniciantes e bastante satisfatório para veteranos. Um discaço.



Era ponto pacífico que o Faith No More não iria parir um novo The Real Thing cheio de hits para as rádios. Não com o fugitivo do manicômio Mike Patton por lá. Mas também ninguém esperava por Angel Dust. O álbum era uma espécie de avant-garde demencial na forma de um metal progressivo com grooves bizarros e enlouquecidamente anticomercial, mas que não reprime a vocação natural do grupo para montar as estruturas básicas do pop (melodia, cadência, refrão, etc.). A ensolarada "A Small Victory", por exemplo, tocou bastante no rádio. Já "Malpractice" nem sonhando.

Foi um disco de difícil digestão, mas que, ouvindo hoje, soa quase totalmente decodificado. De razoável assimilação até para os moleques mais novos, o que creio ser o reflexo de 20 anos de uma profunda influência dentro do cenário do rock pesado. Nem sempre bem administrada, claro.



Apesar de ter curtido o debut, achava que o Alice in Chains não iria muito além daquele grunge hard rock qualquer coisa. Ledo engano. Dirt é um dos melhores álbuns daquela década, um refinamento do melhor aspecto do grupo em seu disco de estreia: temáticas depressivas e mórbidas embaladas por um som opressivo e claustrofóbico. A sensação é de estar preso debaixo de toneladas de escombros - ou fundido inexoravelmente ao chão, tal qual a garota da capa. Absorvendo de forma inteligente o legado do Black Sabbath, o AiC exibia uma versatilidade sonora invejável, sendo as estrelas do show o guitarrista e cantor de apoio Jerry Cantrell e o finado frontman Layney Staley. Viciante.



Fui um dos entusiastas do funk metal durante seu auge, do fim dos anos 1980 até o início dos 1990. Mas em 92, o estilo era notícia velha. Daí o pouco crédito que dei logo de cara ao debut do Rage Against the Machine e seu discurso politizado. Com o tempo, percebi que o som demandava audições mais atenciosas para uma assimilação decente. Culpa das bases que emulavam espertamente o DNA zeppeliniano e um guitarrista que era um dos mais inventivos a despontar no cenário pop em muito tempo.

Mais que um simples registro funk metal (ou rap-metal, etc), Rage Against the Machine, o álbum, passou com louvor no teste do tempo - como ainda atesta um dos finais de filme mais bacanas dos anos 90.



Com seu álbum de estreia homônimo, o Body Count jogou gasolina no incêndio dos distúrbios raciais de Los Angeles em 1992. Além das várias provocações espalhadas pelo disco, uma música em particular foi endereçada aos policiais de LA com a sutileza de um Tomahawk: "Cop Killer". O lobby caucasiano reagiu rápido: banida das rádios e das lojas, a faixa teve que ser cortada das prensagens seguintes, sendo apenas encontrada em compactos vendidos nos shows do grupo. Virou artigo de colecionador, mas na prática era só mais uma engrenagem do disco, que metralhava tudo e todos sem piedade. E sem esquecer da bandidagem e putaria características das rimas de Ice-T - ainda estou pra ver alguém compor algo mais sacana que "Evil Dick". Já o som, era uma maravilha de hardcore/thrash/rock 'n' roll barulhento, tosco e furioso. Divertido até hoje.

Tive esse disco em várias edições. Com exceção do K7 lançado na época, "Cop Killer" estava em todas, provavelmente solta sob condicional. Sinal dos tempos. E Rodney King, pivô daquilo tudo, morreu em junho último, com 47 anos. Sem revolução dessa vez.



O melhor show do Hollywood Rock '93, fácil. A discografia do L7 beira o impecável, sendo Bricks Are Heavy seu momento mais pop. A equação sonora era perfeita (Ramones + Motörhead + Joan Jett + Black Sabbath x Suzi Quatro), mas para domar o furioso punk metal de garagem dessas belas-feras foi preciso ninguém menos que o Midas grunge Butch Vig. O resultado não podia ser diferente: um álbum pesado, ganchudo, espirituoso, emputecido e acima de tudo divertido, vertendo uma velha máxima dos 80's para os 90's: "Riot grrrls just wanna have fun".

Eu amo essas garotas e queria ser o cachorro delas.



Dirty ainda é meu disco favorito do Sonic Youth. Sei, sei, Sister, Daydream Nation e Goo são os queridinhos da torcida, mas o páreo é duro. Novamente, culpa do então onipresente Butch Vig na produção e um senso mais palpável de acessibilidade envolvendo o noise obsessivo do grupo. Logicamente foi mais uma das tentativas das grandes gravadoras de encontrar um novo Nirvana. Não vingou simplesmente porque o Sonic já tinha uma personalidade muito bem definida e nem um pouco preocupada em agradar a todos. Mas rendeu um discaço.



Incesticide não era exatamente o disco que estava nos planos de Kurt Cobain para o Nirvana pós-Nevermind. Mas seu aval foi relativamente barato: o controle criativo do design gráfico do álbum, incluindo a pintura (dele mesmo) que ilustra a capa. Ainda bem, já que Incesticide - composto por lados B, demos, outtakes, covers e performances em rádios - foi a última chance dos admiradores do excelente Bleach de ouvir o Nirvana cáustico e cru dos primórdios.

Esse eu tive em fita cassete. Tempos depois, em CD. Atualmente voltou aos fones de ouvido em formato, digamos, "compacto".



Os anos 70 estavam sendo pilhados naquele início de década, mas o grupo californiano Kyuss abraçava uma vertente mais underground (e mais legal) que seus colegas de Seattle. Se era pra seguir os passos de Ozzy, Iommi & cia, então que fosse pra valer. E dá-lhe afinações subterrâneas fazendo a ponte entre a psicodelia e o groove dos power trios dos 60's e o heavy metal dos 70's. Blues for the Red Sun era apenas um bando de moleques se divertindo. E fazendo história.



Na época, comprei esse LP num sebo pouco depois do lançamento, por uma ninharia, junto com o New York. Deus abençoe a ignorância alheia. Lou Reed compôs Magic and Loss inspirado pelas mortes de dois amigos (Doc Pomus e Rotten Rita). É um álbum conceitual sobre a morte e o processo que leva a isso. É sobre resignação, arrependimentos, dor, solidão e... lâminas. Apesar de parecer muito deprê - e é - o disco tem um certo humor cruel, uma riqueza textual e uma beleza dramática únicas. Musicalmente, é rock de raiz interiorana, soturno e intimista ao extremo, pra ouvir em silêncio e de luzes apagadas. Esse merece a total atenção.

Foi o 1º disco em que não larguei o encarte até conseguir traduzir e interpretar tudo do início ao fim. Foi um parto, mas valeu a pena. Era eu e meu fiel dicionariozinho do cursinho de inglês contra o mundo...



O Screaming Trees já era um veterano quando estourou com a faixa "Nearly Lost You" na esteira da onda grunge. Ao ouvir o bolachão de Sweet Oblivion logo percebi que a musicalidade do grupo estava muito acima de seus colegas de cavanhaque e camisa de flanela. Mais ligado ao hard blueseiro e ao southern rock (Allman, Lynyrd) com boas doses de psicodelia e country do bom (Gram Parsons), os Trees eram músicos de verdade. Na bateria estava o grande Barrett Martin (QotSA, REM, Nando Reis), na guitarra e no baixo estavam os hermanos Gary Lee Conner e Van Conner e na voz curtida à bourbon e gin tônica, a entidade estradeira Mark Lanegan. Aí compadre, é calar a boca, abrir um JD e apertar o play...



Eu já desconfiava que a pecha de "melhor banda ao vivo do mundo" era viral de assessoria de imprensa. Mas na época ouvi muito o LP de Grave Dancers Union, do Soul Asylum (que comprei junto com o Sweet Oblivion... incrível como a gente lembra dessas coisas após tanto tempo). O disco sentiu um pouco os efeitos do tempo, mas ainda sinto o feeling verdadeiro registrado ali, que tem muito a ver com a evocativa e belíssima capa - retirada de uma fotografia do artista tcheco Jan Saudek - e a interpretação desavergonhadamente entregue de Dave Pirner.

Ainda me arrepio com o clipe de "Runaway Train". E mais ainda com seus diferentes resultados, felizmente em sua maioria positivos.



Difícil descrever a sensação que tive ao ouvir esse álbum pela 1ª vez. Em Images and Words, o Dream Theater promovia uma inesperada fusão de Metallica e Rush com arranjos soberbos e revelando uma técnica absurda ao lidar com o progressivo, o jazz e o AOR. E sem soar chato ou elitista, ainda que muito pretensioso (também, né!). Pra mim, é o ponto de perfeição do grupo e certamente o disco que definiu o prog metal.



Quando ouvi o White Zombie pela 1ª vez achei que se tratava de alguma incursão solo ou mesmo um projeto paralelo do James Hetfield. Isso graças ao timbre da voz do Rob Zombie, idêntico ao do colega da Bay Area. La Sexorcisto: Devil Music, Vol. 1 era um pandemônio sonoro: riffs à Slayer conduzindo um climão de horror B sugado diretamente da fonte de Cramps, Kiss e Black Sabbath com uma massa ectoplásmica de samples que iam de Faster, Pussycat! Kill! Kill! e Despertar dos Mortos à Plano 9 do Espaço Sideral e O Massacre da Serra Elétrica. Em suma, irresistível.



Burning in Water, Drowning in Flame é o primeiro e melhor álbum do Skrew. Metal industrial über-abrasivo, com um paredão de guitarras e drum machines que socam no peito até romper a caixa toráxica. A versão do clássico "Sympathy for the Devil" lembra um Slayer acordando de ressaca dentro da Matrix. Segundo consta, o disco teve co-engenharia de Al Jourgensen, além de contar com a participação do mesmo e do recém-falecido guitarrista Mike Scaccia, também do Ministry. Perfeitas más companias, como convém.



Cool World - por aqui, Mundo Proibido - só fui assistir tempos depois, quando já sabia quem era Ralph Bakshi. Mas a trilha sonora caiu em minhas mãos bem cedo, num daqueles saldões "pague 2, leve 3". Peguei só pra completar. E, sim, pela loira cartunizada da capa. Mas quando ouvi tive uma bela surpresa. Com exceção de David Bowie, Electronic, The Cult e talvez Brian Eno, o disco reunia nomes ainda pouco conhecidos no Brasil (Moby, The Future Sound of London, Pure), traçando um instigante cenário da música alternativa lá de fora. Por exemplo, foi aqui que tive acesso pela 1ª vez a algum material do My Life with the Thrill Kill Kult, que comparece em duas faixas.

Analisando em perspectiva, a seleção ainda hoje surpreende pela qualidade e ousadia. Mesmo os momentos puramente dançantes (Da Juice, Mindless) ou cabeções (Eno) são bacanas, além de terem contrapontos de peso. Que tal curtir o trance viajandão do Future Sound of London e logo após se deparar com o terremoto provocado pelo Ministry em "N.W.O."? Insano.



Sem contar a fase inicial insuperável, Mondo Bizarro talvez seja o meu álbum favorito do Ramones. O disco não trazia nenhum clássico per se, nem um hit do calibre de "Pet Sematary" - no máximo, "Strength to Endure", a balada "Poison Heart" e a porrada "Tomorrow She Goes Away" foram relativamente bem veiculadas. Mas era o Ramones se preocupando apenas em ser o Ramones. Punk rock 'n' roll alto, rápido e bagunceiro, com a guitarra do inesquecível Johnny soando como há tempos não soava e a voz do Joey idem.

A inspiração e o tesão haviam voltado. Boa parte do crédito é de Ed Stasium, produtor da maioria dos principais álbuns do quarteto e que não comparecia ali desde Too Tough to Die, de 1984. Ainda ouço no volume 10, com a mesma frequência de quando saiu.


Bonus tracks:



Somewhere Between Heaven and Hell, do Social Distortion, é o azarão da vez. Fiquei na dúvida se incluiria, já que nunca tive em formato oficial, pois era muito difícil - pra não dizer impossível - encontrá-lo por essas bandas. Tive foi uma fitinha Scotch gravada do LP importado de um amigo (pirataria à moda antiga), já bastante detonada pelo tempo e pelas execuções infindas. Não era pra menos. Difícil crer que uma combinação de country e hardcore seria tão acachapante. Não tem bola perdida aqui, todas as faixas são arrasadoras. All killer, no filler total.



RDP ao Vivo do Ratos de Porão não podia faltar, claro. Esporro altamente concentrado de Gordo & cia e um dos melhores discos ao vivo já registrados em terras tupinambás - mas vou te dizer... se tiver a chance de conferir o show do Ratos in loco não perca. É a versão Godzilla disso aqui.



Lançado lá fora no final de 91, Decade of Aggression até que não tardou em aportar em terra brazilis. Eu ainda nem conhecia todos os discos - só o Reign in Blood e o South of Heaven - mas quando a agulha começava a correr naqueles sulcos de vinil enxofrento a sensação de violência e malevolência (não confundir com malemolência) era indescritível.

Ou melhor... até era descritível, mas pra isso terei que apelar para um excerto um tanto quanto "empolgado" da revista Rock Brigade da época em que ainda era datilografada e mimeografada (sério):

“Os guitarristas do Slayer rasgam os seus dedos, destroçando as cordas do mais perfeito instrumento projetado pelo capeta. Power metal (sic!) elevado á última instância, tempestuoso e corrosivo, feito somente para headbangers. Roncando e vomitando fogo, como se um cometa explodisse dentro de um vulcão em erupção!”

(...)

“Misericórdia não existe! Não cabe na filosofia Heavy, por isso que Dave Lombardo pulveriza as moléculas do ar com suas patadas letais na mesma medida em que o terremoto provocado pelo baixo de Tom Araya invoca Satanás para a destruição! Não tem música melosa! A mais lenta faz qualquer um sair por aí chamando urubu de ‘Meu Loro’ e Jesus de Jenésio.”

Créditos da resenha headbanger-true-of-death: Berrah de Alencar (sério²).


Como vociferava o Gordo nos bons tempos do Garganta e Torcicolo...

SLAAAAAAAAAAAAYEEERRRRR!!!