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sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Desafiadores do Conhecido

Onde estávamos mesmo? Ah, sim... no novo filme do Quarteto Fantástico.


Após seis décadas de quadrinhos, desenhos e sofridos quatro filmes (, na verdade), os primeiros passos de Quarteto Fantástico: Primeiros Passos seguem como os mais difíceis de trilhar. É uma ironia paradoxal. A cronologia é vasta e todos os seus clichês e arquétipos são reconhecíveis a parsecs de distância: um núcleo familiar, ou quase, protagonizando histórias que aliam fantasia, misticismo, mitologia e, claro, ficção científica a um contexto pop-aventuresco para toda a família. É um pacotão de entretenimento vencedor que sempre foi mantido atualizado.

Por algum motivo, no caso do Quarteto, a coisa invariavelmente adquire contornos complexos de concepção, transposição e execução. Talvez por lidar diretamente com o material bruto, bizarro e fantasticamente doidão criado por Jack Kirby e Stan Lee. Mais do que qualquer coisa que fizeram na Marvel, a química da dupla no Quarteto era da pura. A fine entry drug, difícil de reproduzir com integridade fora daquela mídia. Então, cada vez que se cogita um novo filme da "Primeira Família", é um drama, quase como se fosse algo infilmável. Primeiros Passos talvez seja o, arram, primeiro passo do mythos original rumo ao sonho descomplicado de uma franquia de verão.*

* não me refiro à performance nas bilheterias, onde o longa afundou drasticamente nas semanas seguintes, mas ao potencial escapista por excelência. A normalidade de sentar em frente à tevê, abrir uma cerveja e ver super-heróis viajando até um universo de antimatéria para sair no braço com um gafanhoto antropomórfico de metal. É pedir muito?

O diretor Matt Shakman é veterano de séries, de Game of Thrones e The Boys a Succession e WandaVision, quase um test drive da abordagem vintage de Primeiros Passos. Sabia exatamente como lapidar e conferir gravitas ao roteiro formulaico escrito a oito mãos (fora o aveludado par da Kat Wood, coautora da premissa). Particularmente, tinha minhas restrições com a ideia do filme se passar no ano de 1964 de um universo/realidade alternativa, apesar da jornada acachapante pelo Multiverso na série Loki – e não existe nada mais over-the-top no MCU do que Loki. Felizmente, a opção teve 99,9% de aproveitamento.

Os personagens parecem pertencer à tal Terra-828 bem mais do que à ilha de cinismo e irreverência da Terra-616 (ex-Terra-199999). A bela direção de arte futurista retrô à Syd Mead, além de um delicioso e irresistível guilty pleasure, também evidencia o impacto social, político e tecnológico causado pela existência de um Quarteto Fantástico naquele mundo. Algo bem Watchmen, se o Grande Barba me permitir a referência.

A trama é o basicão do sci fi pré-apocalíptico. Lá, o Quarteto Fantástico já existe há quatro anos, é adorado pelo público e, através de sua Fundação Futuro, tem parcerias com todos os governos (menos o da Latvéria!). Coisa, Tocha Humana, Mulher Invisível e Senhor Fantástico são celebridades pop defendendo o Silver Age Way of Life de supervilões da 2ª divisão. Isso até a chegada da Surfista Prateada anunciando a vinda de Galactus e o fim do mundo. A partir dali, a escala deixa de ser global e se torna cósmica.

A transição de escopo é sensacional. Dá pra sentir toda a tensão, medo e incerteza do Quarteto – em especial, de Reed Richards – frente ao imponderável pela 1ª vez. Pedro Pascal anda onipresente e triscando na hiperexposição (falta só fazer comercial da Bombril), mas tem uma grande vantagem: é um excelente ator. Transmite com maestria toda a frustração e impotência de Richards, com seu controle emocional e pensamento lógico ruindo diante de uma ameaça com tecnologia e poder vastamente superiores.

Já o Coisa de Ebon Moss-Bachrach (o Richie, de The Bear), visualmente, é o melhor Coisa que o dinheiro da renderização digital poderia comprar. Fidedigno. No texto e na caracterização de Moss-Bachrach, porém, deixa um pouco a desejar com a voz suave e um perfil bonzinho/paciente/conformado demais. Assim fica fácil para a Gangue da Rua Yancy. Prefiro o Michael Chiklis.

A Sue Richards de Vanessa Kirby, cheia do soft “girl” power, e o maninho Johnny de Joseph Quinn (keep metal, Eddie!) foram a primeira surpresa para mim. Além de cativantes, ambos têm as melhores cenas entre os quatro e decidem a partida com jogadas individuais em momentos-chave. São os grandes protagonistas do filme.

A outra surpresa foi a controversa Surfista Prateada Shalla Bal, numa escalação que se mostrou muito acertada no final das contas. Primeiro, porque Julia Garner é uma atriz espetacular, saltando do aterrorizante ao fragilizado com uma desenvoltura... fantástica. Segundo, a desconstrução da personagem ao longo do filme deixa sua figura ainda mais trágica e humana, com todos os seus erros, adversidades e superações. E terceiro, é dela as sequências de ação mais eletrizantes do filme, com a Surfista de fato surfando em um rio de lava, em perseguição faster-than-light ao Quarteto dentro de um buraco de minhoca e até no campo gravitacional de uma estrela de nêutrons. A tela grande ficou pequena.

E Galactus. Na cena em que ele é apresentado num crescendo nervoso, emergindo lentamente das sombras, confesso que até esqueci de respirar. Sonho realizado #385, check.

Pode ser a saudável influência de James Gunn em assumir o esdrúxulo para o mundo sem medo de ser feliz. O fato é que o velho Galan enfim saiu das páginas em toda a sua glória live action – armadura roxa e balde na cabeça inclusos. O vozeirão basso profondo do britânico Ralph Ineson confere um tom imponente, solene e ancestral ao Devorador de Mundos. O design segue o padrão clássico das HQs quase à risca, com linhas e detalhezinhos high tech ao longo da gigantesca armadura, lembrando a concepção do artista italiano Giorgio Comolo. Na Terra, ele é um arranha-céu ambulante, muito maior que nos quadrinhos.

Logicamente, algumas bolas batem na trave. Ao invés de consumir os planetas diretamente com o auxílio de seus conversores, Galactus tritura os astros em sua nave como se fosse o Unicron. Bem menos impressionante. A nave, aliás, parece ser a Star Sphere que Galactus usa quando sai de Taa II, sua nave-mãe-pai-e-avós com as dimensões de um sistema planetário. Pena não rolar ao menos uma frase com um fanservice maroto.

Outro detalhe esquisito foi a fuga do Quarteto da nave. Como nas HQs, o Galactus do filme pode imobilizar seus oponentes com o pensamento, assim como faz com a Surfista em dado momento. Então não tem muito sentido aquela correria toda, senão o fruto de uma procrastinação galáctica.

Sobre a celeuma em torno da Mulher Invisível empurrando Galactus, posso listar umas notas de argumentação: 1) Sue é uma mãe defendendo o seu filho (além da Terra, óbvio); 2) A verdadeira extensão de seus poderes nos quadrinhos é tema de discussões a perder de vista e é algo que pode e deve ser aplicado à sua contraparte cinematográfica – e sabiamente evitaram o sanguinho no nariz; 3) Por fim, Galactus estava pronto para sua próxima lauta refeição e, portanto, com fome, enfraquecido e nessas condições, como todos sabemos...

Em suma, nada para ver aí, senão orgulho da Sue.

Me incomodou mesmo foi o Toupeira do canastrinho Paul Walter Hauser, numa repaginada clean e hipster do nosso grotesco favorito. E um desperdício pop do H.E.R.B.I.E. que Jon Favreau, Dave Filoni e, raios, James Gunn não deixariam passar.

Quarteto Fantástico: Primeiros Passos é o filme que os Quatro Fantásticos mereciam há tempos. Não é a Mona Lisa do audiovisual, nem a reinvenção do Universo Marvel nos cinemas, mas reinventa a Primeira Família de uma forma genuína e digna. Digna do legado, da influência, dos gibis e, o mais importante, da pipoca.

Ps: só me faltou mesmo o Balde-Galactus.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Trailer de família

Hoje é o dia dos trailers inesperados. Fantástico!


Quarteto Fantástico enfim numa adaptação live action decente e sem tergirversar o material original de Stan Lee e Jack Kirby. E com um crescendo climático que os Vingadores levaram dez anos para construir nas telonas. A Marvel Studios parece dar os primeiros passos para reencontrar o caminho.

É um alívio finalmente ver o Pedro Pascal menos gaiato e mais sério e cerebral com seu Reed Richards. Reed é um racionalista chatão arrogante, pô. Gostamos dele assim. Já Vanessa Kirby soa meio gélida e indiferente como a Sue Richards. A ver. Joseph Quinn acerta no alvo com o Johnny Storm e o Coisa visualmente perfeito de Ebon Moss-Bachrach carece de mais diálogos. A Shalla Bal/Surfista Prateada (já falei que é Luminaris!) ficou bacana e praticamente reedita o pique-pega com o Tocha Humana no filme do Quarteto de 2007. Não vi sinal do John Malkovich. E o rolê Galáctico pelas ruas de NY fecha com um tiro de Nulificador Total.

Além disso, a vibe de recap retrô me dá a impressão de que adotaram a ótima Quarteto Fantástico: História de Vida como bíblia de produção.


Expectativa lá no alto, portanto. Droga.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

A vinda do Fantástico

Trataram logo de tirar o Coisa do meio da sala.


Não passa despercebida a atitude Die Hard Silver Age à James Gunn no trailer de Quarteto Fantástico: Primeiros Passos. Não tenho a menor dúvida que o diretor Matt Shakman mergulhou de cabeça nessa fonte. Sem medo de ser feliz, a produção assume todo o colorido, o farsesco, o H.E.R.B.I.E. e o Ben Grimm mais fiel aos quadrinhos desde o Quarteto Furado do saudoso Roger Corman. Assume o fantástico, enfim.

Confesso não estava dando a mínima para a proposta. Mas até a estética retrofuturista, calcada no genial Syd Mead, ficou linda. Só perde mesmo para a Sue Storm Vanessa Kirby, uma mulher nada invisível para 400 talheres. Agora o filme tem a minha atenção.

Se bem que aquele Galactus, assim, na seca, sem nem um drinkzinho antes, ativou os sensores de alerta do Edifício Baxter...

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

A volta da Legião Alien


Quase não lembrava que o Predador e os Aliens são propriedade da Marvel desde 2020. Em que pesem dois crossovers de 2023 (Predator versus Wolverine e Predator versus Black Panther), a sensação de espera por material inédito com os Aliens foi de uns 57 anos. E finalmente veio, com pompa e muita circunstância: a mini em 4 partes Aliens versus Avengers tem roteiro de Jonathan Hickman com desenhos de Esad Ribić e a 1º edição chegou às lojas no finalzinho de julho, às vésperas da estreia de Alien: Romulus. Timing impecável. Esses editores Hyperdyne modelo 341-B com inibidores de comportamento são os melhores.

A trama se passa algumas décadas no futuro da "linha do tempo deslizante da Marvel"® e este primeiro capítulo é quase uma intro estendida. Após uma infestação sistematicamente plantada de Aliens, várias civilizações caíram, entre elas o Império Intergaláctico de Wakanda e a Terra. Mesmo os esforços dos meta-humanos foi insuficiente, dada a virulência da reprodução dos Xenomorfos. O planeta foi literalmente tomado por milhões de Aliens. Entre escombros de um mundo pós-apocalíptico, ainda persiste uma pequena resistência formada por Hulk, Capitã Marvel, Valeria Richards, o Homem-Aranha Miles Morales e por um sugestivo "Velho da Weyland".

Neste início, a pegada é de gibi cinematográfico, aos moldes do que Mark Millar fazia em seus tempos de Supremos. Muita ação, algumas dicas importantes espalhadas pelo caminho e um ou dois diálogos preparando os próximos rounds.

É bastante curiosa a efetivação da companhia Weyland no Universo Marvel. Parece que ela sempre esteve lá (e seu logo invertido para o "AVA" da capa reforça a impressão). O mesmo para a dupla de cientistas Shi'ar – e ainda considerando a real natureza de um deles – conduzindo experiências com Facehuggers impregnando Krees e Skrulls. É tão harmonioso e casual que chega a ser, putz, realista.

Esse "entrelaçamento quântico" de dois universos complexos chega a lembrar o mesmo mecanismo do clássico crossover dos X-Men com os Novos Titãs. Além de ser algo particularmente arriscado na perspectiva editorial.

Nos encontros dos Aliens com os super-heróis DC, como Batman, Superman e Lanterna Verde, foi dispensada a segurança do selo Elseworlds e a ação corajosamente se passa no presente da cronologia. Warren Ellis foi mais longe e usou os Aliens para fechar as contas do StormWatch.

Já Hickman, foi, digamos, mais conservador. Afinal de contas, a mini não é exatamente um What If...?. Não pegaria bem com os executivos da Disney um Xenomorfinho estourando o peito da Tia May e isso se tornando automaticamente canônico (viva!). Neste sentido, Aliens versus Avengers se aproxima do futuro sombrio da boa Saga dos Super Seven, da DC, com os super-heróis envelhecidos e derrotados num mundo tomado por uma invasão alien... ígena.

Quanto à adaptação, o próprio Hickman chegou a comentar: "foi complicado encontrar uma maneira de fazer essas duas coisas funcionarem juntas, mas acho que Esad e eu chegamos a algo que funciona para os fãs de ambas as franquias."

Ainda é cedo para um juízo de valor, mas, apesar da média alta, o roteirista parece ter sido pego na curva algumas vezes.

SPOILER

Por exemplo, se Valeria estava impregnada, por que os Aliens a atacavam?

FIM DO SPOILER

Evidente que é só a ponta do iceberg. E vindo da visão macro do Hickman, fiquei na pilha pelo escopo geral desse worst case scenario. O objetivo dessa edição #1 foi cumprido, portanto.

Aliens versus Avengers #2 chega às lojas (e às melhores importadoras do pedaço) em 6 de novembro. Looonge...

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

O cliente ficou louco!


Fiz sexo com o meu cartão hoje. A maioria saiu por quase metade do preço na promocha da Panini acumulando com o cupom HQBARATA – até o momento, ainda tá valendo.

Deu pra enxugar um pouco daquela lista de candidatos à zona de rebaixamento (= reimpressão só na próxima era geológica). Mais uma nóia para o gibizeiro pós-moderno...

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Vivendo o bastante para se tornar o vilão


Qualquer semelhança não foi mera coincidência. Robert Downey Jr. é o maior personagem dele mesmo. Foi exatamente como soou pra mim o anúncio de seu retorno ao MCU como o Dr. Destino sob a direção dos irmãos Russo no vindouro Avengers Doomsday. Notícia, aliás, que estourou bolhas mundo afora com uma virulência tão grande que quase arremessou o então hypado Superman de James Gunn de volta para Krypton.

Que a Marvel sabe causar, isso sabe. Com a internet abarrotada de memes, teorias e especulações (até a Forbes!), nunca o monarca da Latvéria ficou tão evidência e nem foi tão debatido desde a sua criação em 1962. O que é ótimo em certos aspectos, mas a que custo?

A escalação só não me surpreendeu mais do que a ovação da plateia, ao invés de ovadas na direção do Kevin Feige. O Doomney tem altíssimas chances de manchar o trabalho do ator no memorável primeiro run da Marvel Studios, além de comprometer a reestreia em grande estilo de um ícone da cultura pop – já contei que sem Dr. Destino, sem Darth Vader? Isso pra não falar nos outrora incensados Anthony e Joe Russo, despejando todas as suas fichas numa cartada pra lá de arriscada.

Por mim, esqueciam esse nonsense e resgatavam o Julian McMahon do limbo. Com todos os problemas de Quarteto Fantástico e Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado, o australiano certamente não era um deles. Quem não o assistiu em Nip/Tuck, recomendo uma espiadela.

Claro, o objetivo era abalar as estruturas da SDCC com uma reescalação-bomba e provocar aquele impacto que a Disney/Marvel buscam – e precisam – tão desesperadamente. Sem problema. Duvido que o telefone do Michael Fassbender estivesse tão ocupado.

O que não pode é misturar os transistores. Aí vira Amálgama (embora, admito, tenha algum guilty pleasure por essa trasheira). Isso já sabia desde guri. O máximo de interação que o Homem de Ferro e o Dr. Destino deviam se permitir estava impresso em Grandes Heróis Marvel #11 e em sua "continuação", na edição #41.


São duas aventuras divertidíssimas. Leitura altamente recomendável para curar a ressaca pós-anúncio.

Foi criado ali um antagonismo redundante, porém bacana: Victor von Doom tinha em Tony Stark um 2º rival na seara tecnológica, para os períodos em que Reed Richards estivesse, sei lá, na Zona Negativa combatendo o Aniquilador, em alguma incursão pelo Omniverso ou algo parecido. O componente de espionagem industrial/política vinha de bônus e sem a maletice, arram, cu de ferro do marido da Sue.

Se quisessem mesmo reaproveitar bem o Downey Jr., poderiam simplesmente produzir um prequel nos moldes de Viúva Negra. Material bom é o que não falta. O 1º da minha lista seria a sensacional fase de David Michelinie, Bob Layton e John Romita Jr. no título do Latinha.


Thriller de ação/espionagem com os irmãos Russo na direção. Não tem como errar. De nada.

Do jeito que está, fica difícil passar pano para a demolição de um legado. Aí só posso concordar com nosso croata favorito.


The most adequate thing I can post today! I am only sorry I haven't put more pigeons there.

Publicado por Goran Parlov - Art em Domingo, 28 de julho de 2024


Tão cruel quanto pessimista. Fico com o relator-desenhista.

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Superleituras Marvel

“Tudo bem. Ninguém deve ler tudo. Não é assim que a obra deve ser vivenciada. Então, obviamente, foi o que eu fiz. Li todas as mais de 540 mil páginas da história publicadas até hoje...”
Não faltam ambições para Douglas Wolk em seu livro Todas as Aventuras Marvel (Conrad, 2023). E talvez a maior delas seja reconectar o velho leitor à essência da Casa das Ideias. Só por isso já valeu o mergulho em suas 415 páginas. Pra mim, foi restaurador. Finda a leitura, era palpável o senso de uma perspectiva renovada e ampliada. A vontade era de catar o 1º calhamaço de gibis pela frente e devorá-lo imediatamente. Não era um sentimento de urgência, mas de volta a um pertencimento. Como nos tempos em que folheava, deslumbrado, meus primeiros quadrinhos do Hulk, do Homem-Aranha e dos Vingadores.

Ok, para um leitor de longa data, a premissa do livro não é estranha. Ler tudo, tudo mesmo, é um devaneio recorrente. O escritor e quadrinista de Portland, por sua vez, foi à luta e leu cada um dos cerca de 27 mil gibis publicados pela Marvel desde 1961 até o fechamento do livro, em 2021. Moleza.

Segundo Wolk, a empreitada durou cinco anos e foi administrada com o mindset mais Tracy Lawless possível: com exemplares de sua coleção particular, de gibis emprestados de bibliotecas e amigos, por tablet, brochurões Essential em p&b, scans do Jack Sparrow (evidente!), pelo acervo digital da própria Marvel, em relançamentos deluxe, sebos, convenções e de onde mais brotassem revistas. Tática de guerra.

Sobre a metodologia, o autor não fornece grandes detalhes. Esta, IMHO, era uma história que merecia ser contada, inclusive com fotos, diários e rascunhos. Tenho lá uma imagem mental da cena, mas o mesmo afirma reiteradamente que o processo foi muito espontâneo e informal. Inclusive me parece bem estoico a respeito.
“Mais uma vez, a incompletude faz parte da diversão dessa história interminável, imperfeita e criada de forma colaborativa.”
A cronologia Marvel é, provavelmente, o maior cadáver esquisito já elaborado na História.

A criação do universo compartilhado foi o divisor de águas da editora – cujo ponto zero é fantasticamente triangulado no livro como sendo em Kathy #14, Patsy and Hedy #79 e Patsy Walker #98, todas de dezembro de 1961. São HQs sobre romances adolescentes e jovens modelos e que, pela 1ª vez, interagiam entre si. Nascia ali o crossover.

Com o passar das décadas, esse universo foi ganhando contornos meio vilanescos, afastando neófitos que julgavam imprescindível a leitura de tudo o que havia sido lançado até então. “Por onde eu começo a ler tal HQ...?” ainda é uma das perguntas mais frequentes no meio.

Wolk, com poucas exceções, abriu mão da leitura por ordem de publicação. Lia o que queria (e o que podia) no momento, partindo da teoria de que cada HQ é formatada como uma potencial porta de entrada para novos leitores. Na Marvel, inexistem hermetismos ou longos períodos no escuro. Tudo é feito para facilitar o entendimento em uma saga de 60 anos de cronologia ininterrupta. Só assim para garantir a renovação e o fluxo de leitores. Por mais confusa e caótica que uma história em andamento possa ser, ela nunca será intransponível e nossa habilidade de juntar as peças de um quebra-cabeça, seja em alguns meses ou em alguns anos, é tão natural quanto respirar.

O que tira algumas toneladas de obrigação conceitual das minhas costas. Me lembrou que posso pegar qualquer HQ da pilha e me divertir, sem maiores elucubrações. Pela capa que seja, como nos velhos tempos. E aí vai mais um ponto para o escritor.

O livro guarda uma tensão inicial sobre como Wolk irá destrinchar sua experiência em texto. O modo como ele mapeia o sequenciamento criativo da Marvel é muito eficiente e com alguns sacrifícios dolorosos já esperados. Faz parte. Não dá pra contar tudo. Já fiquei muito satisfeito com os capítulos sobre Quarteto Fantástico, Homem-Aranha, Shang-Chi (meu segmento favorito), X-Men, Thor & Loki, Pantera Negra (meu 2º favorito), Walt Simonson, Jonathan Hickman e outros. Foi um trabalho hercúleo.

O escritor também destaca o fato da Marvel reverberar as mudanças culturais de cada zeigeist com seus aspectos cada vez mais diversos e pluralistas – da forma mais esforçada possível para um produto desenvolvido majoritariamente por homens brancos e americanos. Quase todo o escopo da “Montanha da Marvel" (como ele mesmo se refere ao projeto) é sedimentado sobre observações sociais e políticas*.

* pois é, a Marvel sempre foi política. E seu gibizinho nunca te enganou a esse respeito. Não seja aquele cara.

Há um trecho notável em “Norman Osborn e seu Reinado Sombrio” onde ele parte kamikaze rumo à reflexão:
“A melhor obra de ficção que já vi a respeito da vida durante o governo Donald Trump — a que capta com mais precisão o lento avanço do desespero e da tensão daquele período na cultura americana — é Reinado Sombrio...”
Palavras dele com a precognição da Marvel respingando nas teclas. Reinado Sombrio rolou de 2008 a 2009, oito anos antes daquela administração, mas os esquemas de conspiração e desinformação em massa denunciam as similaridades entre o Duende Verde e o Duende Laranja.

Na reta final, chega a ser inusitado como Douglas Wolk consegue encontrar emoção genuína na série da Garota-Esquilo (!). E continua, em “Passando o bastão”, num relato mais intimista de suas experiências de leitura ao lado do filhinho de 10 anos. É comovente e simplesmente espetacular. Na saideira, os agradecimentos e, de voleio, um apêndice-intensivão onde ele sumariza toda a Saga da Marvel até aqui. De novo, a escala é mesmerizante.

Tirando a capa (há outras melhores), só elogios para a edição da Conrad. Especialmente o trampo minucioso de André Gordirro. Além de traduzir e adaptar, ele garimpou nomes de personagens, histórias, sagas e títulos espalhados em várias editoras brasileiras e cruzou com as referências metralhadas em mais de 400 notas de rodapé. Neste quesito, o e-book sai ganhando com seus práticos links indo e voltando de cada notinha – aliás, confesso que Wolkeei e li parte da obra na versão física e parte na versão digital.

Todas as Aventuras Marvel é tão divertido, informativo e analítico quanto se propõe. Não tem a pretensão de reivindicar a verdade absoluta em suas teorias, mas ajuda demais a vislumbrar a complexidade deste imenso quadro que é a cronologia Marvel. É uma volta à jornada fantástica e incipiente que nos encantava e uma oportunidade singular para reavaliar esta mesma jornada como um todo.

Que venha o volume 2, 3, 4... Vamos lá, Doug. Ainda sobraram muitas aventuras pra contar.

Site oficial
Podcast Voice of Latveria
Entrevista no TCJ

quinta-feira, 1 de julho de 2021

Moby esteve aqui

Eu achando que a Marvel Studios estava fazendo média escalando o Owen Wilson na série Loki.

Não é que Mobius M. Mobius era coisa dos quadrinhos mesmo?






Sabia que devia ter lido a fase do Walt Simonson no Quarteto Fantástico com mais atenção.

Mobius – Moby, para as variantes íntimas – e a passagem da Autoridade de Variação Temporal estão em Superaventuras Marvel #150-152, a quem interessar. Lisérgico arco.

Ps: o som da ficha caindo parecia uma onomatopéia do Simonson!

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Os tempos mudaram desde Capitão América #100

Já prevista no cronograma de pré-venda, semana passada foi a Semana Oficial de Ostentação do Omnibus do Quarteto Fantástico de John Byrne. Boa parte da internerd brasileira (1%?) bombardeou as redes sociais com selfies ao lado da lombadona preta com o selão MARVEL OMNIBUS no topo — alguns chegaram a jurar que devoraram o tijolão inteiro na mesma tarde (arram, Claudia, senta lá). Em suma, foi uma indecorosa festa dos Omnibuses, em plena economia do Posto Ipiranga.

Uma prática superficial, exibicionista, burguesa e cara de mamão, à qual faço coro agora, com a poeira abaixo da linha da cintura. Crime pior é receber essa Arca da Aliança quadrinhística em casa e não tirar nem uma 3x4 pro álbum de família.


A ironia é que tenho todas as Maiores Clássicos da 1ª Família, fora os formatinhos do Jotapê. Então, pra mim, é tudo repeteco. Porém, uma vez o foda-se ligado, o inferno é o limite.

E se bobear, meto uma calota nesse busão. Vai bombar no TikTok.

Ps: já aguardando faminto pelo busão da Sue-Malice.

domingo, 15 de novembro de 2020

Mural da vergonha

Ok, podia colocar a culpa na euforia deste dia de "festa da democracia" e na quantidade obscena de latões de Ecobier matadas logo após o dever cívico (e todo mundo sabe que cervejas ficam 300% mais deliciosas durante a lei seca), mas a verdade é uma só: sou um verme.


Como parte confessa do problema e um maldito corrompido pelo sistema, só me resta apelar a alguns atenuantes.

Os 25% de alívio do último dia da Esquenta Black foram um anzol magnético. E mesmo já possuindo quase todo o material do omnibus na complicada e perfeitinha Os Maiores Clássicos do Quarteto Fantástico, as Marvel Team-Up #61-62 e Marvel Two-in-One #50, inéditas na defunta supracitada, protagonizavam meus pesadelos mais completistas.

Causa e circunstância, seu juiz. Mantido, espero.

Próximo capítulo: "sou uma vítima da genialidade do John Byrne dos anos 80."

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Hulk esmaga o Coisa!


Certa vez, Rick Jones deu uma ideia do quão aterradora é a sensação de estar perto do Hulk. O velho e bom Rick é o melhor amigo do Verdão, mas mesmo ele não hesita em compará-lo a um caminhão se aproximando em alta velocidade. Com essa adorável visão em mente, o que seria então um confronto entre o Hulk e o Coisa?

Uma frota inteira de caminhões. Mineradores. Descendo a ladeira. Direto para um penhasco.

Benjamin Jacob Grimm, o Coisa (e sobrinho favorito da saudosa e gostosa Tia Petúnia), é o maior veterano da história das pancadarias gama. É uma rivalidade que remonta à Era de Prata da Marvel, sendo ele e o Golias Verde as duas primeiras powerhouses da editora – e, ainda em pleno Mês das Bruxas, os dois maiores monstros da Casa das Ideias.

Claro, é senso comum (e oficial) que o Hulk é "o mais forte que existe!!" e, portanto, o mais forte dos dois. Mas considerando a diferença relativa de seus estados iniciais de força e as variáveis a favor do Coisa, como destreza, resistência, sagacidade e proficiência em vários estilos de luta, é seguro dizer:

"Yes. Ben can."

É muito difícil, mas já aconteceu antes, num momento antológico do Latinha. E, recentemente, num momento igualmente antológico do próprio Coisa contra o Imortal Hulkcontrolado, mas ainda assim um Hulk. E que, por sinal, acabou de ser publicado aqui.

Do lado psicológico, o embate com o Hulk é uma das poucas ocasiões em que Ben se sente orgulhoso de ser o Coisa, superando até mesmo sua notória autopiedade. Afinal, é uma oportunidade de ouro para usar toda a sua força sem restrições, de descontar a sua raiva e frustração num oponente que não só vai aguentar o tranco, como irá revidar à altura – e acima...

Com o decorrer dos anos e após tantas batalhas contra o Golias Esmeralda, Titio Benji acabou cultivando algumas marcas de guerra. Não são raras as longas e melancólicas reflexões pré-confronto, tal qual um pugilista submerso na solidão e tensão do vestiário, minutos antes de subir ao ringue para a luta de sua vida.

Como se aquilo fosse uma grande luta de boxe, alegoricamente falando. Ou quase.


Ben é bom de metáfora

Daí que após o incrivelmente espetacular "hardcover virtual" Hiper-Almanaque Marvel - Hulk Esmaga o Homem-Aranha, nada mais lógico que Hiper-Almanaque Marvel - Hulk Esmaga o Coisa!® seja o próximo passo do brainstorm-gamma com o parceiro VAM!, da Batdeira. O VAM!, logicamente, com a concepção gráfica (Deluxe, diga-se... custaria uns 600 paus na promocha) e eu, com o papo-de-buteco sobre cada edição.

Que, modéstia à parte, poderia até entrar como extra em nosso Omnibus imaginário. Hoje em dia, qualquer um escreve "matérias", "prefácios" e "editoriais", não é mesmo?

Behold the cover!


Clique para ampliar

No primeiro volume, fizemos uma seleção com os melhores encontrões do Homem-Aranha com o Gigante Esmeralda, o que já é um tremendo contraponto em termos de dinâmica. O Teioso nunca teve intenção de encarar o Hulk diretamente; e o Coisa, apesar de reconhecer o perrengue, quase sempre segue em rota de colisão com o Golias Verde, invariavelmente com resultados imprevisíveis e pra lá de divertidos. A ideia básica pode até não ser original, mas a nossa versão é muito melhor, mais forte e mais rápida!

Mas chega de papo, porque... Tá na hora de esmagar!

Err...


Fantastic Four #12 (mar/1963)


A estreia foi já na edição #12 do Quarteto Fantástico. Na capa, uma amostra de como o Hulk era retratado em seus primeiros dias, traiçoeiro e amoral, se esgueirando para atacar a Primeira Família de surpresa. Produzida pela dupla Stan Lee/Jack Kirby, a história é simplesmente entitulada "The Incredible Hulk" (minimalismo é isso aí) e começa com o Coisa sendo confundido com o monstro - uma constante. A partir daí, o Quarteto é contatado pelo General Ross para auxiliar na captura do Verdão. O grosso da trama é ocupado por uma conspiração arquitetada pelo subvilão Destruidor; a luta em si é curta e inconclusiva, mas não faltam emoção e trash-talks disparados pelo Coisa, pelo Hulk e até pelo Titio Stan nos recordatórios. Ouro puro.

Por incrível que pareça, esse quadrinho clássico - ou, como anunciou hiperbolicamente nosso eterno fanfarrão Stan, "um dos momentos mais dramáticos da História da Fantasia & Aventura" - só foi publicado aqui duas vezes, pela RGE e pela Abril.

Momento Tá na Hora do Pau!: o Ben, a voz da emoção, e Sue, a voz da razão.


Fantastic Four #2526 (abr–mai/1964)


Hulk e Coisa são levados de volta ao ringue por Lieber-Kurtzberg apenas 1 ano após o primeiro combate. Menos por um tira-teima e mais para promover a nova formação dos Vingadores, agora liderados por um recém-descongelado Capitão América. Na história "The Hulk Vs. The Thing" (Fantastic Four #25), o Golias Verde decide ir até New York trocar uma palavrinha com os Vingadores após saber que foi substituído pelo Bandeiroso. Chegando lá, é recepcionado por 3/4 fantásticos: Tocha Humana, Mulher Invisível e nosso esforçado Coisa. Claro que o abacaxi acaba sobrando pro Ben numa luta divertida e com soluções criativas recicladas ad nauseum nas décadas seguintes. Na edição seguinte - aquela, da capa do Hulk Donkey Kong – com a auto-explicativa "The Avengers Take Over!", os Vingadores... tomam conta. Mas no final quem vence o Incrível Hulk é o Incrível Rick!

O detalhe é que Stan Lee estabelece de vez a superioridade física do Hulk; e foi o 1º registro da força do Verdão aumentando junto com seu nível de raiva/stress - mais de 1 ano antes da máxima "quanto mais furioso, mais forte o Hulk fica" estrear, portanto. Também ali o bom Doutor é sempre chamado de Bob Banner... eles estavam mesmo tentando evitar o, na época, "suspeitíssimo" Bruce.

Essas duas edições só saíram aqui pela EBAL, em preto e branco, num longínquo ano de 1971. Ainda há muito o que fazer, muito o que relançar...

Momento Tá na Hora do Pau!: Ben fazendo um ultimato pro Hulk enquanto foge de barco é o fino, mas fico com o... GERONIMO!


The Incredible Hulk #122123 (dez/1969–jan/1970)


De cara, essas edições tem alguns dos melhores desenhos do meu desenhista ruim favorito, Herb Trimpe. Ainda na veia Kirbyana, o artista não economiza nos detalhes e nos gadgets do laboratório do Quarteto Fantástico. Também fica evidente quando um roteirista fora da curva assume as rédeas do Verdão: nas histórias "The Hulk's Last Fight!" e "No More the Monster!", Roy Thomas não apenas se torna o 1º autor a "curar" o Hulk (temporariamente, claro), mas também o 1º a manter a personalidade e inteligência de Banner após sua transformação no Gigante Esmeralda. Mas o que interessa aqui é a porradaria e o Coisa tem que se virar quando o Hulk fica descontrolado em pleno Edifício Baxter. E se vira muito bem, diga-se!

Essas histórias saíram aqui pela EBAL em 1971 e pela Bloch em 1975 – milagre não pintarem o Hulk de amarelo.

Momento Tá na Hora do Pau!: Coisa dando um olé no Hulk duas vezes seguidas. É um craque!


Fantastic Four #111112 (jun–jul/1971)


O confronto da vez foi em grande estilo: "Big" John Buscema no traço, Joe Sinnott finalizando e o Tio Stan de volta ao roteiro. Nas histórias "Thing -- Amok!" e "Battle of the Behemoths!", Reed Richards consegue reverter Ben à sua forma humana, mas, claro, com um revés: ele se torna um sociopata. Provavelmente por isso, o Pedregulho não se segura e rende uma das batalhas mais equilibradas com o Golias Verde. Ora apostando nas diferenças físicas (força X velocidade), ora invertendo os papéis (Coisa esmagando tudo pela frente e Hulk usando estratégias!), é perceptível o carinho (e a torcida) que Lee tinha pelo Ben. Não fosse por uma pequena bobeada... Seja como for, é uma das tretas mais eletrizantes da dupla.

Fantastic Four #111 foi editada aqui pela GEA (Grupo de Editores Associados) em 1972. Já Fantastic Four #112, com a luta propriamente dita, segue inédita até hoje, mesmo com a GEA prometendo o "Duelo de Monstros!" para o próximo número – que nunca veio. Queria o quê, por 1 cruzeiro e 50 centavos?

Momento Tá na Hora do Pau!: Vem pro papai!


Marvel Feature #11 (set/1973)


A história "Cry: Monster!" tem argumento de Len Wein, desenhos de Jim Starlin e arte-final do operário-Marvel-padrão Joe Sinnott. É o 1º contato de Starlin com o crossover laranja-esverdeado – e parece que tomou gosto pela coisa, já que comandaria outros encontrões impagáveis da dupla no futuro. Fora que é dele o meu visual predileto do Coisa (sorry, Byrne & Pérez). Na trama, o Líder e Kurrgo – subvilão que o Quarteto baculejou em priscas eras – disputam o "direito" de controlar o Hulk e o Coisa. E para isso, nada mais racional que provocar uma briga entre os dois e fazerem uma apostinha entre cavalheiros!

Essa edição foi publicada pela Abril em 1992, no 1º volume da mini A Saga de Thanos (?!). Segundo o recordatório no final, tinha a ver...

Momento Tá na Hora do Pau!: Hulk acha "Hora do Pau" idiota!


Giant-Size Super-Stars #1 (mai/1974)


Não, os balões não estão trocados

Com roteiro de Gerry Conway, traço Kirbyano de Rich Buckler e arte-final de – adivinha!Joe Sinnott, a história "The Mind of the Monster!" traz Bruce Banner fazendo pior que Reed Richards ao tentar curar Ben Grimm e a si próprio: sua mente Hulkificada vai parar no corpo do Coisa e vice versa. Seria a chance do bom e velho Ben espancar o Verdão até 2040, mas sua adaptação lenta somada à fúria incontrolável do Coisa-Hulk pesaram na dinâmica e ele leva uma das maiores surras da vida... no corpo do Hulk. Então, pode-se dizer que o Coisa arrebentou o Hulk dessa vez, se é que você me entende.

Esse gibi nunca foi publicado no Brasil. Aliás, a única Giant-Size Fantastic Four que saiu aqui foi aquela do Madrox.

Momento Tá na Hora do Pau!: o Coisa-Hulk socando a Tundra achando que era um cara...


Fantastic Four #166167 (jan–fev/1976)


Escrita pelo grande Roy Thomas, a dobradinha "If It's Tuesday, This Must be the Hulk!"/"Titans Two!" tem algumas das maiores forçadas de barra já registradas numa HQ – e olha que estamos aqui em plenos anos 1970. Na premissa, o Hulk é derrotado pelo Quarteto Fantástico em tempo recorde (!), mas o piedoso Ben toma as dores do velho desafeto e o liberta. Na sequência, os dois fogem num jato e team-upeiam contra o Quarteto e, claro, o exército. Mesmo com momentos descendo quadrado (ah, a parte do avião...), a parte on the road – ou on the air – dos brutamontes tem boas tiradas. Traço do George Pérez de várzea nas duas edições. Na 2ª parte, Joe Sinnott, lógico, faz uma eficiente finalização; provavelmente para compensar a 1ª parte, onde Vince Colletta só reforça a munição de seus detratores.

Até hoje essas HQs não foram publicadas por aqui. E aposto que nunca serão...

Momento Tá na Hora do Pau!: SMRAASHH!


Marvel Two-in-One #46 (dez/1978)


Pra dar uma relaxada, uma história (ainda) mais fugaz e bem humorada. Em "Battle in Burbank!", o Coisa, em mais um de seus clássicos rompantes "tempestade em copo d'água", fica revoltado com um seriado televisivo com a cocotinha Karen Page estrelando ao lado do Hulk... quer dizer, não O Hulk, mas um dublê bom de imitação. Indignado, Ben parte pra Hollywood para cobrar dos produtores o seu próprio show de TV! E na mesma hora em que o verdadeiro Hulk está indo pra lá, furioso com o modo como foi representado na telinha!! E ao mesmo tempo em que a estrela Karen Page está sendo sequestrada!!! Pô!!!! Roteiro absurdista de Alan Kupperberg com um timing cômico que lembra as revistas satíricas da Marvel, tipo a Crazy e a Not Brand Echh. Aliás, a bela capa (de Keith Pollard com arte-final do Bob Layton!) engana, já que Kupperberg também desenha a história com pegada tosca e algo estilizada.

A edição foi publicada no Brasil pela RGE em 1979. E o pior é que tive essa, não muito tempo depois.

Momento Tá na Hora do Pau!: impossível não associar a Karen da fase pornstar com a manchete do jornal e o célebre grito de guerra do Coisa...


Marvel Two-in-One Annual #5 (set/1980)


A "Marvel Dois-em-Um Anual" #5 conta com roteiro e desenhos de Alan Kupperberg (ainda assinando "Kupperburg") salvos pela arte-final do grande Pablo Marcos, o artista peruano famoso pelas colaborações no Conan clássico da Marvel. Na trama, o estranho Estranho coopta o sobrinho mais famoso da Tia Petúnia e o Golias Esmeralda para ajudá-lo a impedir a destruição do Universo pelo vilanesco Plutão, o "Rei do Inferno"... mas não conte para Hela, Lúcifer, Zarathos, Belasco e muito menos para Mefisto e o novo capeta-sensação Aquele Abaixo de Todos. Como esperado em se tratando do título, rola aquela brodagem do trio contra um inimigo em comum, mas os dois brutamontes não deixam passar a oportunidade de um tira-teima (mais um) lá pelas tantas. Não que isso tivesse alguma relevância para a história.

Saiu aqui no Almanaque do Hulk #3, da RGE, há exatos 40 anos. Mano...

Momento Tá na Hora do Pau!: Benjy, Campeão Mundial de Trash-Talk a uma Distância Segura.


The Incredible Hulk #293 (mar/1984)


Em "Assassin!" não há um quebra real entre o Hulk e o Coisa, mas um quebra onírico, passado num baita pesadelo do pobre Dr. Banner. De fato, é uma história perturbadora, a começar pela famosa capa de Bret Blevins com o Verdão despedaçando o queixo do Ben. A trama escrita por Bill Mantlo, apesar de protagonizada pelo Hulk inteligente, tem um tom melancólico e amargo, com o personagem atravessando um tipo de PTSD-gama, após tantos anos de destruição e fúria. O traço de Sal Buscema também passava por uma profunda evolução (estava a meio passo da pegada mais sombria que adotou na fase da Encruzilhada), o que, sem dúvida, reforçou o clima taciturno. O título dessa história no Brasil era bem mais acurado: "Remorso".

Foi publicado aqui duas vezes. No formatinho da Abril e na abençoada Coleção Histórica Marvel, da Panini.

Momento Tá na Hora do Pau!: Hulk entregando um conjunto habitacional que ele destruiu anos antes. Redenção com gostinho de Minha Casa Minha Vida.


Marvel Fanfare #2021 (mai-jul/1985)


Sem a menor sombra de dúvida, as duas partes de "The Clash" seriam o carro chefe do compiladão. Fácil, um dos quadrinhos divertidos que já li na vida. Aliás, Jim Starlin escrevendo o Hulk e o Coisa já merecia um TPzinho honesto por si só. A exemplo daquela histórica Graphic Marvel #1, é sempre imperdível. Na história, o Coisa é convocado pelo Dr. Estranho para deter o demoníaco mago Xandu. Xandu, por sua vez, convoca o Verdão direto da Encruzilhada para equilibrar as coisas (ou o Coisa). As piadas são sensacionais e funcionam até hoje, os diálogos são afiadíssimos e a pancadaria corre lindamente por páginas a fio, sem apelar pro lugar comum. O roteiro e o traço de Starlin estavam irradiando inspiração. São tantos os momentos inusitados e impagáveis que dá vontade de citar cada página da HQ (na verdade, apaguei uns 15 parágrafos em que estava fazendo exatamente isso!). Li quando saiu e, desde então, reli um milhão de vezes. Definição de clássico? Isso aqui.

Absurdamente, a aventura saiu no Brasil uma única vez, nos formatinhos do Hulk da Abril. Já passou da hora de uma reedição marota em formato americano, capa cartão & papel offset filezinho.

Momento Tá na Hora do Pau!: Coisa espancando o Hulk como se não houvesse amanhã. Na hora, o Verdão estava zumbificado, mas foi bom enquanto durou.


Fantastic Four #320The Incredible Hulk #350 (nov-dez/1988)


As histórias "Pride Goeth..."/"Before the Fall" trazem uma quase redenção para o perseverante Ben. Na época, o Coisa estava curtindo os benefícios de uma estranha mutação. Embora estivesse com um visual ainda mais disforme, cheio de esporas e pontas pelo corpo, também estava muito mais forte e resistente. E o Hulk estava em plena fase "Sr. Tira-Teima", com terno, gravata, pele cinza e consideravelmente mais fraco. É nesse contexto que o Dr. Destino chantageia o Verdão, ou melhor, o Cinzão para que ele ataque o Super-Ben. Na 1ª parte, escrita por Steve Englehart, Ben atropela o Golias Cinza (sem saber que era o Hulk!), descontando com juros os anos de murros e voadoras que aguentou até ali. Tudo com a arte magnífica do Keith Pollard. Um sonho do Grimm realizado. Já na 2ª parte, o roteiro de Peter David vira o jogo e o Sr. Teima usa o que tem de melhor, a malandragem. Resultado: o Super-Ben quase vai pro saco e, o que é pior, na arte tosquíssima do Jeff Purves. Damn, Ben.

As histórias foram publicadas aqui em O Incrível Hulk #108 e #109, da Abril.

Momento Tá na Hora do Pau!: Coisa, o cara mais forte da cidade!


Hulk #9 (dez/1999)


A história "Chip on my Shoulder" (por aqui, "Acerto de Contas") abre e fecha com aquele solilóquio de Ben sobre seus encontrões com o Hulk – e traçando um paralelo muito bacana com a rivalidade entre os pugilistas Muhammad Ali e George Foreman. Ponto para o roteiro co-escrito por Jerry Ordway e Ron Garney. A mesma inspiração não se repete no miolo, mas o embate entre os nossos gigantes guerreiros é praticamente garantia de diversão. Pra sorte do Coisa, o Hulk aqui está sendo controlado pelo vilão rerererecorrente Tyrannus (já perdi as contas de quantas vezes esse cara morreu!), o que dá certa vantagem ao Pedregoso. Mas é o Hulk de qualquer modo e se Rick Jones o comparava a um caminhão se aproximando, a certa altura o velho Ben parte pra cima dele com um caminhão maior ainda. A fina ironia fica por conta da onomatopeia: RUMMBBLLE ...in the Jungle?

Essa edição saiu por aqui em Grandes Heróis Marvel #10, da infame linha Super-Heróis Premium da Abril, pioneiríssima no conceito de gibi gourmet. Conheço um cara que tem todas. Ah, playboy.

Momento Tá na Hora do Pau!: o Coisa jogando fora sua medalha de boa conduta. Quase deu certo. Wotta revoltin' development!®


E.... C'est fini.²

Editoras interessadas, ainda estamos abertos a propostas.



Panini, para negociações sobre um Omnibusaço disso aí, direto em pvt. Nem precisa traduzir.

Ps: meus sinceros agradecimentos aos srs. Benjamin Jacob Grimm, Robert Bruce Banner, à Tia Petúnia e, principalmente, ao VAM! Ilustrador, por mostrar um nível de paciência que nem imaginava que existia!

domingo, 15 de março de 2020

Balão, papel & tesoura


De todas as idiossincrasias editoriais da Abril nos quadrinhos da Marvel e da DC, uma das mais curiosas, pra mim, era a supressão de textos. O objetivo, reza a lenda, era dar conta da enorme carga narrativa em formatinhos de 13,5 x 19 cm contra os folgados 17 x 26 cm dos originais. Dependendo do roteirista, não era mole mesmo. Chris Claremont que o diga. E Marv Wolfman, Steve Englehart, Len Wein, Bill Mantlo e mais uma caçambada de autores não muito conhecidos pela objetividade e poder de síntese.

Mas isso era só um detalhe de um expediente muito corriqueiro nas redações: o copy desk. Resumindo muito (ops), é a lapidação de um material previamente redigido - seja uma notícia, um artigo ou os diálogos de um gibi - até se tornar dinâmico e palatável para o leitor médio. É um processo que envolve várias etapas, da edição à revisão à remontagem à diagramação.

No caso das HQs da Abril, isso ia de um extremo ao outro. Podia ser uma adaptação comprimida de uma fala sem grandes prejuízos à trama, a omissão de referências a eventos não publicados anteriormente (criando uma bola de neve inevitável) ou a alteração e até a remoção de balões/recordatórios, já arranhando a lataria do material original - como foi o caso do nosso estimado Galactus multifacetado de John Byrne.


E, claro, isso chegava ao famigerado corte de páginas. Em alguns casos, parecia que o gibi era editado pelo próprio Edward Mãos-de-Tesoura!

Hoje, alguns leitores antigos não apenas defendem a supressão de texto, como vão além e elogiam os cortes de páginas da Abril. A alegação é que supostamente melhorava leituras que sofriam com textos prolixos e expositivos. Pura Síndrome de Estocolmo quadrinhística, ao meu ver.

Sempre preferi apreciar uma obra em sua totalidade, com todos os seus requintes e anacronismos, erros e acertos, partes legais e partes chatas (e o que seria das partes legais sem as partes chatas?). Enfim, a experiência Chris-Claremont-on-crack completa.

Essas malandragens de edição já existiam antes da Abril. Em muitos aspectos, a EBAL, a Bloch e a RGE faziam até pior. Mas também é inegável que foram os editores/tradutores Jotapê Martins e Hélcio de Carvalho que "aperfeiçoaram" o artifício quando a Abril adquiriu o licenciamento da Marvel em 1979. Inclusive isso é destrinchado sem nóias pelo próprio Jotapê quando está com bons entrevistadores (ao invés de ser lambido por algum youtuber) chegando mesmo a oferecer uma outra perspectiva do complexo cenário da época.

A verdade é que a cronologia fidedigna era impossível de ser transposta e mantida. O relógio estava correndo e algo precisava ser feito. Eram homens desesperados em tempos desesperados, goddamned! Mas esse é assunto pra outra hora.

(em alguma realidade paralela, Jotapê e Hélcio não copydeskaram nada, SAM, Heróis da TV e Capitão América foram canceladas após 6 meses e ficamos muitos anos sem material Marvel/DC no Brasil... acredite se puder)

A única certeza que tenho é da minha imensa admiração pelos letristas da época - profissionais como Edison Gasparim, Lilian Mitsunaga, João Anselmo N. Menezes, o pessoal do Estúdio Artecômix (de Jotapê, Hélcio e Dorival Lopes - os dois últimos fundadores da Mythos), etc. Mesmo recebendo um conteúdo consideravelmente reduzido, é quase inacreditável o fato de tudo aquilo ter sido feito à mão, balão por balão, recordatório por recordatório. Imagino que os ataques de LER eram frequentes ali - e não me refiro à leitura.

Mais embasbacante ainda são os tradutores e letristas franceses da Les Éditions Héritage, que, também à mão, traduziam tudo verbatim do original, sem pular uma única palavra e sem encostar nos balões e recordatórios. E ficava um troço espetacularmente zoado.




Pensou que aquele "F" era de "Brasil"?

Ps: esse post não foi copydeskado. Mas tenha uma ótima...