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domingo, 21 de setembro de 2025

Uma eterna serenata noturna


Sempre achei fascinante o trabalho de personagens durante a primeira metade de Alien (1979), antes das coisas irem, sem trocadilho, para o espaço. Naquelas interações, a história de Dan O'Bannon e Ronald Shusett e a direção cirúrgica de Ridley Scott tecem uma especulação pragmática do que seria a rotina e a dinâmica da tripulação de um cargueiro espacial em 2122. São ínterins pródigos em detalhes.

O maquinário velho e gasto, o software rudimentar com uma I.A. quase não-responsiva (o que faz todo o sentido na lógica espacial-corporativa-ultracapitalista; o USCSS Nostromo não era um cruzeiro de luxo), compõem o cenário perfeito para o curioso estudo comportamental em meio aos contratempos da missão. Igualmente reveladores são os momentos de calmaria, quando os personagens têm tempo para respirar.

Gosto particulamente do breve interlúdio em que o Capitão Dallas do grande Tom Skerritt curte um "me time" no cockpit da nave. Com uma bela melodia de música clássica ao fundo, Dallas parece imerso em reflexões sobre outro tempo e espaço, muito distantes das tensões daquele malfadado cargueiro.

A música liberta. E ele, mais do que ninguém, precisava disso.

Graças ao Tapatalk, descobri a origem do excerto.


"Eine Kleine Nachtmusik" ("Uma Pequena Serenata Noturna") foi composta por Mozart em 1787 e publicada postumamente em 1827. É uma das composições mais celebradas do músico, ainda hoje, 234 anos após sua morte. Uma impressionante resiliência para um material de uma época em que a única forma de registro físico era o papel e o nanquim – ou talvez seja esse mesmo o segredo.

Por tudo isso, é muito fácil acreditar que a clássica serenata poderia embalar o devaneio de um capitão do espaço sideral daqui a meros 97 anos. Zero suspensão de descrença.

O mesmo não se pode dizer da cena em Juiz Dredd com "Super-Charger Heaven" (1995), do White Zombie, estourando os alto-falantes de um carrão em 2139. Ou da cena com "Sabotage" (1994), dos Beastie Boys, rolando em Star Trek nos anos 2240 – mesmo com a desculpinha de se tratar de uma relíquia automobilística (um Chevrolet Corvette) que vinha com um mp3 player ainda funcional de brinde. O fato é que o gap é muito grande para se sustentar.

Talvez pela tradição do legado, talvez pelo status de arte, a longevidade de obras como a de Mozart (e Beethoven, Brahms, Wagner, etc) se sobressaiu e parece irreplicável. Principalmente quando a Geração Z não cansa de assustar os quarentões com a sua ignorância abissal sobre as décadas de 1980, 1990 e até de 2000. Logo ali.

O próprio Ridley Scott quebrou alguns ovos desse omelete cultural-temporal. Prometheus, que se passa entre os anos de 2089 e 2093, não se atém a suas analogias ao filme Lawrence da Arábia (1962) e chega a reproduzir trechos do clássico de David Lean. Da mesma forma que a serenata de Mozart, o épico teve sua origem no papel: a autobiografia Seven Pillars of Wisdom ("Os Sete Pilares da Sabedoria"), publicada em 1926. Seguindo a boa lógica, talvez fosse mais crível ver o sintético David estudando o livro do que assistindo a "versão para o cinema".

Isso acontece, com ainda mais intensidade, na série Alien: Earth, de Noah Hawley. A base da história é a mítica de Peter Pan. E como Prometheus, não se limita à estrutura narrativa e à caracterização de personagens. A produção faz questão da redundância.


Logicamente, a famosa animação lançada pela Disney em 1953 teve a preferência no placement. Não apenas sobre o livro original escrito pelo escocês J.M. Barrie em 1902, mas sobre todos os vários longas live action, séries animadas (inclusive um ótimo animê), musicais, peças de teatro, livros e gibis baseados no universo do personagem.

A se destacar o nível de excelência das animações da Era de Ouro da Disney, o que favorece a ideia de sua longevidade até a percepção pop de 2120, ano em que se passa Alien: Earth. Mas ainda soa bem inverossímil. Basta perguntar para qualquer Gen Z se já assistiu ou sequer ouviu falar da animação cinquentista. E o que dirá as próximas gerações. De qualquer forma, regras da casa. Ou melhor, política da companhia. Brrr.

Ridley Scott foi perfeito em 1979. E mais ainda em 1982...

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

O pai da invenção

Esquadrinhar a vida, a obra, a genialidade e a transgressão do signore Frank Vincent Zappa é impossível para uma produção de duas horas. Para arranhar a lataria, seriam necessárias algumas temporadas de uma série padrão HBO. Enquanto isso não acontece, Zappa parece ser um ótimo aperitivo. E ainda periga ser o documentário musical mais necessário de 2020.


Só esse trailer já me abriu um sorriso de uma orelha cansada até a outra orelha cansada.

Zappa é escrito, produzido e dirigido por Alex Winter (o Bill, dos filmes da série Bill & Ted), que é curtista e documentarista de longa data. Pelas cenas, dá para ver alguns highlights obrigatórios: a obsessão com a teoria musical, a fase The Mothers of Invention, os shows surreais, a iconoclastia sem prisioneiros, a briga histórica com a PMRC e o ativismo político, quando já alertava para o perigo de um estado democrático se tornando uma "teocracia fascista".

Claro, é só a ponta do iceberg. O terrível incidente em Montreux (a mais famosa citação da História do Rock), o atentado quase fatal que sofreu durante uma apresentação em Londres apenas seis dias depois, a amizade com o presidente (e fã) da antiga Tchecoslováquia e por aí vai. Tudo isso já se encontra do excelente doc Eat That Question: Frank Zappa in His Own Words (Thorsten Schütte, 2016), obrigatório para quem se interessa minimamente pela cultura pop e pela política do século 20 e como elas estão ligadas ao cenário atual. O longa é recheado de trechos de shows, entrevistas raríssimas e filmagens de arquivo até então inéditas – o que me deixa com o pé atrás com a mesma oferta sendo vendida no trailer de Zappa.

Olha lá, Bill...