Alguns destes personagens irão morrer até o final da história. Não se apegue!
Na época do 1º filme do Capitão América, pensei como seria bacana um longa com as missões do
Comando Selvagem na 2ª Guerra —cheguei até a
divagar algo assim no texto. A inspiração imediata seriam os velhos clássicos de aventura de guerra como
Os Doze Condenados,
Os Canhões de Navarone e
Desafio das Águias. Ou seja, um bando de
dead men walking atirado no olho do furacão para defender o mundo livre. Por aí se vê que o conceito básico por trás do
Esquadrão Suicida não é original, tampouco recente. A própria gênese do grupo criado por
Robert Kanigher e
Ross Andru e depois "remasterizado" por
John Ostrander já remonta aos marcos deste subgênero.
Parecia simples, mas em 2016 veio
Esquadrão Suicida de David Ayer, que se embolou todo e foi um flop maior que o do Flamengo na última rodada. Já com
O Esquadrão Suicida de
James Gunn a história é bem diferente. Ainda que seja a mesma história.
O
The Esquadrão é muito mais divertido e empolgante que seu predecessor (o que não é difícil). Esperto, Gunn teve a sacada de que negar o direito do Esquadrão Suicida ser suicida é abrir mão da argamassa que segura o conjunto, com todo o gore, putarias e insanidades que o compõe. E que, provavelmente, foi a não sacada disso que levou a
Warner a cometer a pasmaceira do anterior. E que, provavelmente², Ayer tem mesmo uma carta na manga quando acusa o estúdio de ter metido o bedelho na produção e que há um
Ayer Cut vingador à espera de uma versão de 4 horas em formato IMAX. Começa abrindo uma conta no Vero, Ayer.
Esse abraço apaixonado na essência do Esquadrão também se estende à
parte ridícula dos quadrinhos de super-heróis —se você acha que Wolverine de cinema tem que ter chifres e colante amarelo, tem boas chances de ficar feliz com o filme.
O Esquadrão Suicida traz alguns dos maiores
fanservices visuais já cometidos em adaptações de gibis. Dos uniformes aos poderes, tudo é explosivamente colorido, extravagante e heterodoxo, sem medo assumir o carnaval quadrinhístico e de ser feliz bizarro. A mesma sensação mesmerizante que tive na época da
Liga da Justiça Sem Limites quando a retina fritava com os zilhões de cores dos novos super-heróis e supervilões.
E aqui finalmente chegamos à Terra
Colorida Prometida.
Na traminha, a
Força-Tarefa X é enviada até a ilha de Corto Maltese (
Hugo Pratt's rights reserved?) para destruir uma base científica comprometedora para os EUA. E pronto. O que importa é a jornada e, no caso, também a companhia.
Mesmo sendo de conhecimento geral que, neste ponto da História da Humanidade, a
Arlequina da deusa crocante
Margot Robbie é imorrível e imatável, é complicado comentar sobre os integrantes do Esquadrão sem incorrer num spoiler cara-de-mamão. Mas dá pra traçar umas considerações vagas de boteco.
Rick Flag não era um problema no 1º e continua bem representado pelo
Joel Kinnaman como o cara que comanda seguindo o manual, mas com algum senso de justiça pessoal.
Idris Elba é capaz de qualquer coisa neste mundo e encarnar o
Sanguinário é algo como pedir pra ele respirar. O alardeado
Pacificador do
wrestler good boy John Cena tem algumas boas tiradas reservadas pelo roteiro, mas sempre esbarrando no curto alcance interpretativo do maromba. De todo modo, o molde do soldado americano ultrapatriótico/cuzão (
tenho a revistinha) está lá e a canastrice Cênica até joga um tempero em cima. Dessa forma, Gunn enfileira nada menos que
três peões machos-alfa na linha de frente —um dia no escritório para a geração que cresceu assistindo
Predador, mas uma horrível morte por overdose de testosterona para os millennials (devidamente zoados no filme). E claro que isso também rende diálogos/disputas ótimas entre os brucutus.
E eis que aqui temos a mais bem escrita Arlequina da filmografia DC (a
Quinzel da Mia Sara não conta: Mia Sara é entidade). Divertida, doida e cativante em partes iguais. E com ótimas cenas —me deu um puta susto na hora daquele tiro. Mesmo com a sequência-de-pancadaria-solo/obrigação-contratual, finalmente acertaram o tom. A Robbie merece. E louvável o fato dela ter uma cena de sexo num filme que já conta com
tórridas cenas de nudez.
O que me leva à
Caça-Ratos 2... que codinome maravilhoso. Mais maravilhoso ainda é o fato de manterem assim. Ainda que a vibe
mellow yellow e introspectiva da portuguesinha
Daniela Melchior destoe dos demais, ela serve como um contraponto de humanização em meio a tanta casca-grossice. Também foi espirituoso o
cameo de
Taika Waititi como seu pai, o Caça-Ratos original, numa belíssima cena que me lembrou
A Cidade das Crianças Perdidas, do Jeunet. Mas nada que roube o brilho do "momento fraterno" entre o Sanguinário e sua filha
Tyla, quando esta o visita na prisão. Sinceramente, depois daquele diálogo-trocação inacreditável entre Elba e a guria
Storm Reid, a parada já estava ganha. E já torço por um filme só com esses dois.
Já
David Dastmalchian passeia como o simplório
Bolinha (pai e mãe do
Speedball, da Marvel), surpreendentemente funcional em ação e com
momentos impagáveis. E claro que não se pode esperar grandes arroubos dramáticos de um personagem como
Nanaue, o
Tubarão-Rei, além da ironia-mor que é a escalação de
Sylvester Stallone para a voz. Valeu pela sanguinolência em profusão.
Alice Braga, nossa brasileira titular em Hollywood, também comparece como a líder de um grupo revolucionário de Corto Maltese. E, como sempre, atua demais em um filme onde isso não é tão necessário e nem recomendável. Deve ser mal de família.
Gostei da maioria das piadas —a do figurante Milton foi uma das melhores, já que me perguntava mesmo de onde tinha saído aquele sujeito. E o ato final, com
Starro,
o Conquistador fecha com chave de ouro. Impossível não lembrar da
icônica cena do Stay Puft. Ao meu ver, foi homenagem até.
De ruim, são as partes que remetem ao primeiro: o momento-melô em que os integrantes do Esquadrão se veem como família (mas já?) e a trilha sonora metida a cool o tempo inteiro. Há tempos o Gunn anda precisando segurar a periquita nesse sentido. Também esperava mais do
Pensador do
Peter Capaldi, engessado como MacGuffin na maior parte do filme. E a
Amanda Waller da espetacular
Viola Davis precisa urgentemente de um filme solo. Nos arquivos DC existem premissas às baciadas para isso, todas com potencial para filmaços.
O Esquadrão Suicida é uma daquelas raras retomadas que cumprem seu objetivo como filme autocontido, como filme-franquia e como filme-pipoca. E nessa altura do acidentado DCEU, isso é como transformar o Mar Vermelho em Heineken.
Além disso, onde mais teríamos a chance de ver
O Cara Desacoplável em ação?
Ps: atenção para as ceninhas pré e pós-créditos.