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quinta-feira, 29 de maio de 2008

INDIANA JONES E O REINO DO ARQUIVO X


Já nos primeiros segundos, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, 2008) estabelece o primeiro contato entre o último grande herói fictício de Hollywood e o modo americano de fazer cinema atualmente. Olhei direto nos olhinhos virtuais daquela toupeira-ou-roedor-que-o-valha sem notar que o filme já havia começado, certo de que era mais um trailer da Pixar ou de algum concorrente da maratona do CGI. Mesmo que tal conexão tenha sido involuntária, é, sob qualquer ângulo, sintomática. Indiana Jones retorna após um auto-exílio de quase vinte anos. Em termos, é o que deu certo ontem se encontrando com o que está dando certo hoje. Indy e seu universo pertencem a uma era em que filmes de aventura eram bem-amarradas compilações de grandes sacadas e inteligência no emprego de ganchos clássicos, não pedaços do céu despencando com efeitos de som e fúria digital. Ao menos não ininterruptamente para disfarçar conteúdo ou falta de.

Então. Sabe o que falta hoje? Essência. Feeling. Espírito da coisa. Aquilo que, por exemplo, Piratas do Caribe fez bem em dois filmes e mandou direto pra descarga no terceiro. E em se tratando de Indy, tudo fica ainda mais emblemático - neste flagrante encontro do velho com o novo, já é lucro se uma lasquinha daquele passado memorável permanecer intacta na transição. Caso contrário, ainda que sob a gerência do tubarão Spielberg e do ewok Lucas, é porque as regras mudaram de vez, não tem mais volta e eu não passo de um velhote resmungão, carente e saudosista - porém limpinho.

Mas o legal é assistir ao filme e ver que ainda está lá. O que torna esse universo tão especial está lá, inoxidável, juntamente com relíquias astecas, maias, sumérias, hebraicas, Harrison Ford e Karen Allen - mais as saudáveis companhias de Cate Blanchett, John Hurt e Shia LeBeouf. Por outro lado, o que fez do cinemão de aventura essa coisa boboca e cara-de-mamão que é hoje tenta, a todo custo, sabotar este novo/velho filme, insistente tal qual um Dick Vigarista a serviço do mainstream corporativo.


Aforismos à parte, o primeiro ato é tão peculiar e refrescante quanto poderia ser. E já começa realizando um velho sonho: uma seqüência inteirinha passada no misterioso depósito que conclui Caçadores da Arca Perdida. Interessante ver que fica localizado numa espécie de Área 51 (ou talvez a própria) e que Indy sequer sabia de sua existência - a breve ponta da Arca da Aliança foi ironia da fina. Claro que o contexto da "visita" não permite detalhes, mas, em compensação, o clima, a dinâmica e o sexagenário ator parecem ter sido preservados em carbonita desde o último filme. Sem dúvida nenhuma, Indy is back! - mas a doce sensação esbarra na inacreditável cena do teste nuclear. A premissa rende uma situação até curiosa e engraçada, mas acho que, sei lá, um bunker para fugas de emergência não teria sido uma solução menos... menos? Esta foi a primeira sinuosidade em baixo relevo do filme, que não chega a ser uma montanha-russa, mas tem antagonistas russos. Ou melhor, soviéticos. Ou melhor ainda... comunistas!

É a presença deles que traça o perfil mais historicamente complexo do roteiro. Estão lá toda a histeria anticomunista da década de 1950 e a sombra de uma iminente guerra nuclear supermotivando a vilã Irina Spalko (Blanchett), espécie de "Ilsa, She-Wolf of the SS" versão KGB. Além disso, todos sabem que Spielberg tem um carinho especial pela época. Pela música, pela juventude, pela política e até pelos aliens da época. O racha que dá início ao filme e a ceninha genial (e hilária) da briga de playboys X motociclistas só poderiam ter sido dirigidas daquele jeito por um romântico da carteirinha.

Por fim, a composição do personagem Mutt (LaBeouf), quase um tributo ao Marlon Brando de O Selvagem, e as controvérsias de um suposto evento ocorrido dez anos antes (o filme se passa em 1957). Neste ponto, Caveira de Cristal - Lucas se superou com este título - inova de maneira até surpreendente para quem esperava outra caçada atrás de algum ícone místico/religioso/metafórico.

Há quem estranhe o fator 'Arquivo X' presente no filme, mas, como reza a Física Quântica, tudo depende do observador. Só posso dizer por mim: Planetary, eventuais sessões à base de Taken e do subestimado longa de Arquivo X me fazem enxergar a proposta com sincera naturalidade. Mas qualquer um que já tenha lido as presepadas de Eram Os Deuses Astronautas? (antes ou depois de Feliz Ano Velho, tanto faz) já está habilitado a considerar a idéia de maneira mais receptiva. Senão, tenta essa: boa parte da ufologia funciona como uma extensão vanguardista da arqueologia. Ou: a ufologia está para a arqueologia assim como a parapsicologia está para a psicologia.

No mais, o objeto em questão é um McGuffin tão fantástico quanto "uma arca que torna qualquer exército invencível" ou um "cálice que dá a vida eterna". E assim o notório ceticismo de Indy também ganha seu upgrade.


O filme não escapa incólume às turbulências do roteiro, principalmente na tradicional seqüência de Indy atacando o comboio dos vilões. Nem mesmo a melhor equipe de 2ª unidade do mundo - e não duvido que fosse o caso - conseguiria convencer com uma floresta amazônica cujo solo é um tapete de tão nivelado, nativos peruanos que parecem treinados pelo Clã da Lótus Branca e uma péssima referência ao Greystoke remanescente. Isso sem falar na boca-de-fumo de formigas botocudas (a siafu africana), me lembrando imediatamente o ataque dos besouros assassinos de A Múmia, inclusive com uma das mortes idêntica. Decepcionante lugar-comum.

Cate Blanchett, atriz que engrandece a profissão a cada papel, recebeu uma missão ingrata. A natureza de sua personagem é por demais unidimensional e acaba se revelando insuficiente em seu lado da balança - ainda mais se compararmos com o primeiro e terceiro filmes da franquia, que contavam com uma variedade generosa de vilões se revezando no comando. Já o venerável John Hurt é uma escola dramática, mas também um completo outsider na escolha de papéis (ele foi o Homem-Elefante, oras!). Portanto tudo OK se a sua participação aqui acontece em 1ª marcha. E sem maiores comentários sobre Ray Winstone, como o vira-folha Mac. É um coadjuvante cômico ganancioso com o destino dos coadjuvantes cômicos gananciosos.

Todos os problemas que senti em relação à Caveira de Cristal refletem exatamente um típico clima de reencontro de veteranos. É a ressaca da festa da classe de 81. A curtição dos caras - e Karen Allen - em estar ali, juntos novamente, está estampada em cada frame dos 124 minutos do filme. E aos moldes antigos, sem readaptações na narrativa, sem urgência. A química volta a acontecer, mesmo que seu resultado se atenha à mais deslavada diversão sem compromissos que a série poderia se permitir antes de arriscar sua qualidade.

Rever Harrison Ford na pele de Indiana Jones é como rever um velho amigo que nunca nos decepcionou. Merecia um filme melhor, mas nesta altura do campeonato, isso já é tão valioso quanto um Santo Graal.

terça-feira, 26 de setembro de 2006

Operação Festival: BABEL


Compaixão. Segundo um dicionário online, trata-se de dor perante o mal alheio; pena; comiseração; lástima. Segundo Alejandro González Iñárritu, trata-se do elemento que falta à humanidade para convivência pacífica. Pelo menos foi o que disse no palco do Odeon antes da premiére de seu filme no Festival do Rio. Ainda segundo o diretor, o filme trata também de fronteiras; aquelas que todos conhecemos e aquelas que são guardadas em nossas cabeças, que afloram quando tomamos posturas em relação ao próximo.


Um moleque no meio do deserto do Marrocos dispara um tiro. Quatro famílias em três continentes têm suas vidas afetadas por este evento. Esta é a sinopse de Babel (idem, 2006). Tentar encaixar esta sinopse nas palavras do parágrafo anterior parece, à primeira olhada, tão fácil quanto esbarrar com a Scarlett Johansson na porta da minha casa. Uma família no Japão, outra no Marrocos, uma terceira no México e uma quarta dividida nestes lugares. Cinco línguas, dentre elas a dos surdos-mudos. Um tiro. Vamos combinar que o plot não é simples, mas Iñárritu (pronuncia-se Inarritú - aprendi ontem quando a mestre de cerimônias o apresentou) mostra competência para contar esta estória de forma convincente e tocante, sem em nenhum momento resvalar no piegas. É mais um daqueles filmes onde não há protagonistas, todos coadjuvam, ninguém tem destaque sobre ninguém, mesmo que no elenco tenhamos um Brad Pitt, uma Cate Blanchett e um Gael Garcia Bernal contracenando com Adriana Barraza (Quem?), Rinko Kikuchi (Hã?) e Said Tarchani, o garoto marroquino que nem creditado no IMDB está, mas é quem rouba a cena a cada vez que aparece.



Iñarritu é um diretor cuja carreira é interessante. Não há muito no seu background para ser comparado, mas, do que ele já fez, pode-se afirmar que tudo preza pelo equilíbrio e uniformidade. Dirigia algumas produções da Televisa até realizar Amores Brutos e receber nomeação ao Oscar por melhor filme estrangeiro. Descoberto pela indústria dos EUA, realizou, sempre em parceria com o roteirista Guillermo Arriaga, 21 Gramas , que ganhou nomeações para melhor ator coadjuvante e atriz. E agora Babel. 3 filmes. Só. No entanto, percebo que ele, mesmo com filmografia tão discreta, já consegue aquilo que muita gente persegue e não alcança: fazer cinema autoral. Ver seus filmes dá a sensação de que a cada quadro temos uma assinatura no cantinho inferior mostrando quem está por trás da obra. Não à toa, seus dois trabalhos na grande indústria já lhe renderam a possibilidade de escalação de atores reconhecidamente seletivos quanto à qualidade do que estrelam. Indo além, ele não só consegue fazer cinema autoral na grande indústria com apenas três filmes, como também os classifica como uma trilogia, tipo de indulgência só possível para gente já conceituada (ou obra adaptada, vide SdA). O primeiro tinha um acidente de carro e um cachorro que interconectava 3 estórias. O segundo também tinha um acidente de carro que perpassava os dramas de núcleos distintos. Agora o acidente mudou, mas mudou também a força do tapa na cara. Antes os eventos eram focais. Ali no bairro, acontece com qualquer um. Página 8 do jornal. Até aí, muitos outros diretores já se arvoraram na mesma seara, com mais ou menos competência, sendo que antes esta competência era mais destacável pela segregação de culturas. Com as relações globais de hoje, mostrar o mesmo drama existencial exige outro tato e, de uma forma geral, este “tato” opta pelos mecanismos dos sistemas e corporações (vide Syriana), em detrimento dos mecanismos da alma. Em Babel, mesmo com as proporções intercontinentais, o filme não perde a característica de retratar o drama também das coisas pequenas, só que mostrando como estas individualidades são reflexos puros das tais fronteiras internas influenciadas por nossa imersão cultural, como falei no começo do texto.



Nesta linha, Babel também não perde a oportunidade de cutucar os EUA, assim como 15 entre 10 produções sérias vêm fazendo ultimamente, mas ao menos não se prende ao maniqueísmo dos “americanos maus” vs “resto do mundo bons”. Sim, em diversos momentos nos mostra como o americano é capaz de ser cruel com seus vizinhos, seja na relação pessoa x pessoa ou na relação governo x pessoa, mas mostra também que eles são cruéis até mesmo com seus próprios cidadãos, como no embate entre Pitt e os outros turistas do ônibus, ou quando o governo, no afã de arranjar uma justificativa para rotular o acidente idiota como terrorismo, impede o envio de uma ambulância para atender uma cidadã. Mas vemos também que o mundo tem bem mais tons de cinza do que os jornais costumam mostrar. Quando vemos a postura da polícia marroquina no tratamento de suspeitos, fica bem claro que a intolerância não é trademark yankee – e não estamos falando aqui de grupos radicais, mas de uma força policial integrante de um sistema de um país soberano. Em contraponto, temos também o drama da japonesa surda-muda; a retratação de seu mundinho silencioso que contrasta com as impressões visuais mais “ensurdecedoras” que conseguem ser, a juventude e os hormônios tentando arrombar a porta da sua sexualidade e esbarrando na angústia desesperada para ser aceita como mulher completa; as humilhações às quais se sujeita e o encontro da compaixão no ombro de um policial japonês, escolha esta interessante para polarizar as posturas policiais de um local e de outro, mas ambos orientais, mostrando que toda generalização é idiota. Esta sub-trama do filme é a que, numa tacada só, tem a menor e a maior ligação com o evento central da trama. É também o núcleo que me passou os sentimentos mais essencialmente humanos, em contraposição às questões mecanizadas que orientavam os outros 3 cenários. Em outra polarização, agora ocidental, Iñárritu coloca duas crianças americanas by the book no meio de um casamento mexicano. Por serem crianças, suas “fronteiras” ainda não estão construídas. Aquele ambiente seria visto como uma taverna de bárbaros se já estivessem institucionalizadas, mas transforma-se rapidamente num playground sem diferenças à medida que os preconceitos culturais são demolidos.



Iñárritu é muito competente. Dirigiu atores em cinco línguas diferentes e com todos desempenhando bem seu papel (deve ter algum significado isto, mesmo que japonês, para mim, seja um mero agrupamento de fonemas desconexos). E humilde. Não sei se foi apenas devido ao fato de ser uma premiére e pela presença do diretor no cinema, mas as palmas efusivas que seguiram os créditos mostraram que um pouco mais de compaixão contribuiria muito para um mundo mais agradável de se viver.

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Observações adicionais: Nunca fui numa premiére antes. Não uma destas. Sabia que o diretor do filme estaria presente, mas não imaginava que teria toda aquela pompa. Tapete vermelho, cinema lotado, gente sentada nas escadas nos dois andares do Odeon (aliás, lindíssimo... há tempos não colocava os pés lá). Dá um clima interessante ao evento, diferente de quando vamos ao cinema normalmente. Vem um sentimento de que tem alguém ali apresentando o trabalho dele para você, diretamente, submetendo-se à sua avaliação. Humildade. Muito interessante. Em sua apresentação, o diretor falou no espanhol mais português que ele conseguiu, de modo que todos entenderam tudo, além de ter passado pelos lugares comuns que todos passam quando aqui vêm: “A cidade mais bela do mundo”, “torço pelo Brasil na copa (depois do México sair na primeira fase)”, “tenho grande amigos brasileños” etc, até falar do que se tratava realmente o que estávamos por assistir. O que é bom, pois o cara está ali dizendo para você, momentos antes do filme, o que passou pela cabeça dele quando resolveu realizar aquilo. Simpatia pura.

Ah... teve os peitos da Danielle Winnits tb, mesmo cobertos, mas estes eu já tinha visto numa sessão especial de Homem Aranha no UCI.