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terça-feira, 12 de novembro de 2024

A marcha do Pinguim


Numa das cenas mais absurdistas de Gotham, o Pinguim é trancado em um carro e enfiado numa prensa de sucata. Entre vidros estourando, metal se retorcendo e um fiapo de esperança, o malandro se salva usando apenas a lábia e o celular. A cena é impagável. Da mesma forma, o Pinguim-lixeiro de Danny DeVito em Batman: O Retorno também já exibia sua notável habilidade de improvisação e adaptação contra todas as probabilidades. Houve até quem o desconstruísse minuciosamente como uma boa tese sociológica.

Pinguim eleva as apostas e é de longe o maior produto artístico e comercial do personagem. Quadrinhos inclusos, desculpe. A HBO se esforçou. A minissérie em 8 partes vai até mais longe – não consigo pensar em nenhuma outra melhor neste ano. A criadora e showrunner Lauren LeFranc, que roteirizou vários episódios de Chuck e Agentes da S.H.I.E.L.D., estava acostumada com o suprassumo do enlatado esquemático e seguro para as crianças, mas a julgar pelo território sombrio e impiedoso de Pinguim, parece que ela saiu direto de um The Wire ou de um Sopranos.

O elenco é um primor. Colin Farrell desaparece dentro de toneladas de enchimento, maquiagem, ambição, carisma e sociopatia de seu Oswald "Oz" Cobb (gosto de pensar que seu papel igualmente grotesco em The North Water foi um protótipo bem sucedido). Que ator. Ele e a incrível Cristin Milioti, como Sofia Gigante, ex-Falcone, conduzem as danças de vida e morte da história. E ainda tem a veterana Deirdre O'Connell como Francis Cobb, a mãe do Oz, Clancy Brown como Sal Maroni, Shohreh Aghdashloo como a sua esposa, Nadia, e uma ponta de luxo de Mark Strong como Carmine Falcone, papel que pertencia a John Turturro em Batman, mas que ele declinou do repeteco.

Entre os nomes menos conhecidos, o destaque inevitável é do promissor Rhenzy Feliz como Victor Aguilar, um quase-Jason Todd do Pinguim. E Carmen Ejogo, que dá show (no bom sentido) como a prostituta Eve Karlo. Mas é visível que todos estavam numa sintonia finíssima ali, de Farrell até o estagiário que serve o cafezinho.


Havia um teto máximo a respeitar, afinal, a franquia DC é logo ali. Os roteiristas precisavam lidar com liberdade parcial e a inevitável barrigada. Não era surpresa nem para o gafanhoto mais bobinho que a coisa teria que terminar mais ou menos como começou. Um pouco atualizada, talvez, mas com o status quo intacto. Por mais que o Pinguim fosse ameaçado, espancado, baleado, apunhalado, eletrocutado, etc, ele não poderia morrer numa minissérie. Os demais, no entanto... E esta foi a deixa para brincadeiras cada vez mais nervosas. E algumas boas escadas também.

Só no episódio 6, "Gold Summit", existem dois momentos espetaculares, com Ejogo e Milioti brilhando no tenso diálogo entre Eve e Sofia, e Farrell subindo pelas tabelas de todas as premiações possíveis com um discurso para os chefes das Tríades de Gotham. A situação, com Oz propondo uma aliança em ambiente hostil, me lembrou do mesmo cenário adverso de Al Pacino e seu antológico discurso em City Hall – ressalto, "me lembrou", não que é igual, pelo amor do Bart. Pacino ali vociferou para os deuses. Mesmo com um personagem tão picareta e corrupto quanto o Oz.

Curiosamente, Pinguim é bem mais violento na sugestão e na atmosfera do que na violência explícita per se. Ok, é violento, é HBO, mas a exaustão sensorial após cada episódio não nega: é um genuíno assalto psicológico. Gatilhos são disparados por pessoas quebradas, gananciosas, ambíguas ou simplesmente perversas. É isso é ótimo.

Por mais que seja divertido acompanhar as aventuras de Oz e por mais empatia que algumas de suas convicções possam gerar, a minissérie reafirma seguidamente a sua natureza monstruosa. O arrepiante flashback dele com seus irmãos e a reveladora cena do dedo no cortador de charutos não deixam dúvidas.

E muito menos a soturna cena no final, à beira-mar. Lembrando que aquilo não foi o seu pièce de résistance...


SPOILER — ...afinal, sua mãe o fez jurar que a mataria caso ela ficasse irreversivelmente doente. Coisa que ele não faz e dá outra dimensão àquelas lágrimas. Mais do que Vic e Sofia, ela é, de longe, sua maior vítima.


Apesar da leve pisada no freio no último episódio, Pinguim manteve a alta octanagem até o fim. Excelente que o Batman não deu as caras. Uma das piores coisas dos quadrinhos é quando o mundo é tratado com se fosse um ovo de codorna, com todos se esbarrando e heróis oniscientes e onipresentes, prontos para estragar toda e qualquer negociata suspeita de esquina. Oito milhões de pessoas vivem em New York. São Paulo tem 11 milhões e meio. Faça as contas. Além do mais, o Batsinal fica ainda mais brilhante no céu quando o desafio sobe de nível. E subiu. Muito.

Plano de carreira reestruturado, o Pinguim hoje goza o status de anti-vilão. Por essa nem Burgess Meredith esperava.

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

A mágica de Oz


Normalmente comento séries só quando acaba a temporada. Por melhor que possa parecer no início, a coisa pode virar e terminar de uma maneira bem diferente. Mas vez ou outra é preciso abrir uma exceção: a estreia de Pinguim, da HBO, foi uma das premieres mais bacanas que já assisti. E não apenas no segmento das adaptações de HQs, mas no geral. Pura mágica narrativa da velha Hollywood.

O episódio "After Hours" se passa imediatamente após Batman (Matt Reeves, 2022). A trama se concentra no novo status quo de Gotham City após sua trágica inundação e a morte do chefão do crime Carmine Falcone, interpretado aqui por Mark Strong. O roteiro da showrunner Lauren LeFranc e a direção de Craig Zobel são cirúrgicos. Grim & gritty com gordura zero, o episódio segue a pegada dos grandes thrillers de crime e máfia. Tem uma estrutura meio Os Sopranos, é verdade, mas também bebe na jornada dos underdogs de Al Pacino em filmes do Brian De Palma como Scarface e O Pagamento Final.

Tudo nos seus devidos limites, evidente, mas sempre honrando as referências.

Colin Farrell, excepcional, mais uma vez desaparece em seu Oswald "Oz" Cobb. Se o episódio fosse apenas seu diálogo na antológica cena de abertura já sairia com o jogo ganho. A história também traz boas surpresas como o jovem dominicano Rhenzy Feliz no papel de Vic Aguilar e a participação especialíssima de Clancy Brown como Salvatore Maroni, antigo rival de Falcone.

Mas o grande trunfo neste início foi a Cristin Milioti assustadora no papel da psicopata Sofia Falcone. Uma força da natureza e uma ladra impiedosa de cenas.

Até aqui, uma horinha e pouco de um crime perfeito.

quarta-feira, 20 de setembro de 2006

BUENA VISTA VICE CLUB


Dois anos após o ótimo-e-ficando-melhor-a-cada-assistida Colateral, Michael Mann retorna ao campeonato jogando em casa. É ponto pacífico que a série foi um case símbolo de sua era. Não que isto seja depreciativo, não totalmente. Talvez em termos de estética - mas até aí, mullet e blazers brancos não são tão mais ridículos que a obsessão por celulares e modinhas tenebrosas que duram menos de uma semana. O que importa mesmo é o conteúdo (caso você ainda não tenha ouvido isto hoje). E neste ponto, o material aqui sempre se garantiu, com ou sem Phil Collins. Mas a verdade é que sou suspeito pra falar. Gostava da série. Muitas vezes, até pelos seus defeitos e - por mais estranho que isto soe - aprendi a beber e degustar Michael Mann (coisa que não consegui com a tal da Campari). Hoje, sou um "somMannlier" profissional e, obviamente, fui ao cinema me sentindo o próprio Tommy Vercetti. A barba de três dias e o cabelão cultivado por meses à fio eu já tinha, faltaram só o blazer branco e, principalmente, uma Testarossa ao redor do meu corpo. Todo esforço era pouco para prestigiar o retorno do SuperMann.

Miami Vice (2006) é, antes de tudo, o flagrante da evolução de um profissional cujo nível técnico já era absurdamente alto. E marca o segundo grande passo do diretor/roteirista rumo àquela idiossincrasiazinha autoral que destaca um gênio das cigarras preguiçosas que somos. Se em Colateral o cineasta se mostrou encantado pela infinidade de texturas possibilitadas pelas belezinhas da Viper FilmStream e experimentações com filtragem digital, em Miami Vice ele lança a versão Beta de sua tese sobre o assunto. Ao contrário da libertinagem putesca de Tony Scott em Domino, Mann utiliza tais recursos off-road como uma poderosa ferramenta de amplificação para a atmosfera densa e visceral proposta pelo roteiro.

Ou seja: sem resquício de virtuosismo egocêntrico, seu THC visual realmente obtém resultado prático perceptível no que se vê na telona. Se algum dia houve glamour em levar um tirambaço em cena, aqui esta impressão passa bem longe.

Se for parar pra pensar, a festança do HD que houve na sala de edição é bem compreensível, já que a temática The Mann conhece bem. O universo de Miami Vice é do tipo que não envelhece. Ao menos, não enquanto crime organizado, cartéis do narcotráfico, caos urbano, corrupção policial e todo tipo de escrotitude humana estiverem na pauta do dia.


Na página dedicada ao filme no IMDb, alguns fãs da série original reclamaram que boa parte da história se passa fora de Máiâmi, opção que achei curiosa. De fato, esta década e meia de globalização galopante rendeu alguns momentos inusitados (e outros, bizarros mesmo). Precisou um irlandês para se atualizar o estereótipo do californian boy dos anos oitenta, com uma dose de cinismo e atitude à tira-colo. A mistura etno-cultural já começa aí e, embora o Detetive "Sonny" Crockett fosse mais gaiato e canalha com o Don Jonhson, Colin Farrell (o tal irlandês) entra no clima e atinge lá a sua cota de estilo. Mais interessante ainda é ver que Ricardo "Rico" Tubbs agora é o talentoso Jamie Foxx - e lá se vai a afro-latinidad sugerida de Philip Michael Thomas. Em compensação, o filme passeia por alguns países da América do Sul e ainda faz umas escalinhas em Cuba. Os vice-guys estão agora globalizados. Cresceram e deixaram as guerras de gangues pra caçar os verdadeiros tubarões em mar aberto.

...que, por sinal, estão mui bien representados pelo hiper-mega-narcotraficante - saca o nome - Arcángel de Jesús Montoya, interpretado por Luis Tosar com tal frieza e crueldade que faria Noriega e Don Escobar o chamarem de el patrón. Sabe aquele episódio velhusco da série que você mal se lembra? Então... este serve como sinopse. Sonny e Rico se infiltram em um esquema de transporte de drogas para os EUA, controlado por uma importante quadrilha do tráfico internacional. No topo da cadeia, o narco-CEO Montoya delega o ativo circulante lá de sua mansão no meio da selva e na "contabilidade", estão o desconfiado cabrón José Yero (John Ortiz) e la bella Isabella (Gong Li, bela) gerenciando o franchising no país do Tio Sam.

Cabe dizer que as duas cenas de sexo existentes no filme são primorosamente filmadas e remetem (sem trocadilhos) à seqüência memorável entre Al Pacino e Diane Verona, no início de Fogo Contra Fogo, também obra do Mann. Realismo é o que há. E, mesmo que não tenha nenhum tiroteio no nível do que acontece naquele filme (o melhor que já vi, por sinal), todos eles têm um impacto tão efetivo e necessário à narrativa, que as balas mereciam uma indicação ao Oscar. A trilha esperta de John Murphy é cúmplice e prepara o terreno carregando na dramaticidade pré-pancadaria. Dependendo do tom, sabemos que o tempo vai fechar feio. Isto é ilustrado com maestria na cena que antecede o cerco ao trailer da gangue neonazista. Cena, aliás, que pertence a um ato em três movimentos - o último deles, tracionado por um silêncio de fazer nervo pedir demissão.

É surreal ver que, sem propor qualquer inovação estrutural, Miami Vice faz miséria no mesmíssimo terreno de pieces of shit como + Velozes + Furiosos e Bad Boys 2. Apontar algum destaque isolado no meio de tantos acertos é complicado, mas talvez o tom de seriedade e o fato de que, em nenhum momento, o filme faz pouco caso da inteligência do espectador, sejam um belo ponto de partida. Direcionamento mantido até a conclusão, que reserva a um dos personagens o destino mais verossímil que eu vejo desde o finalzinho de Operação França. Uau.


No playlist: a Vice Soundtrack. Uma ótima seleção. E, claro, os temas clássicos do Jan Hammer - Miami Vice Theme & Crockett's Theme.