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sábado, 25 de janeiro de 2025
A longa caminhada
Pareceu uma eternidade. E foi. Em 2023, quando Silo fechou sua excepcional 1ª temporada, não economizou no cliffhanger. Deixou o espectador perdido num limbo de tensão, incerteza e horror, com um de seus personagens mais queridos marchando para a morte certa. Em outras palavras, fez o dever de casa com proficiência sádica. A expectativa, já alta, foi ampliada pela greve da SAG-AFTRA, que paralisou a indústria e atrasou o lançamento da 2ª temporada em mais de um ano.
De lá pra cá, não teve fórum e lista de discussão que suavizasse a abstinência. Estávamos todos no mesmo barco. Ou melhor, silo.
A série da Apple TV+ é uma adaptação da trilogia escrita por Hugh Howey, composta pelos livros Silo, Ordem e Legado, todos publicados no Brasil. A saga será condensada em 4 temporadas (a 3ª está sendo filmada neste exato momento). Se o mundo não acabar até lá, é provável que saia pelo 1º semestre do ano que vem. É tentadora a vontade de cair logo de cabeça no material original. Porém, o esmero na produção, a construção dramática, a dinâmica em tela daquele universo e o nível absurdo das atuações garantem o payoff. Mas será difícil resistir. Ainda mais após este season finale arrasador em que as apostas foram triplicadas.
É verdade que os mecanismos do roteiro estão mais visíveis, utilitários. A pegada é bem diferente da ação e da urgência impressas na eletrizante 1ª temporada. O desafio agora era realocar toda a premissa do ponto A até um ponto B para estourar num ponto C. O resultado foi uma desacelerada no ritmo da série e a evolução do plot em detrimento da evolução individual de cada personagem. É temporada-entressafra.
Apesar da puxada no freio de mão, foi um movimento necessário. Como sabemos, adaptação de livro não é bolinho. Mesmo assim, esta 2ª temporada traz as pauladas mais contundentes da série até aqui.
Spoilers às 12 horas apenas para membros do Clube do Silo.
Um dos melhores aspectos da série é não embromar no pós-cliffhanger. Em regra, a história é retomada exatamente do ponto onde parou, sem enrolação ou elipses safadas. A 2ª temporada já começa a mil, respondendo várias questões que assombravam o espectador e outras que ele sequer sabia que existiam. A sequência de abertura, com o clímax da revolta civil de um silo, é tão espetacular quanto trágica. A transição da cena para a protagonista Juliette Nichols caminhando pela Terra devastada é nada menos que arrepiante. Personagem esta, não custa lembrar, defendida com sangue, muito suor e lágrimas pela maravilhosa Rebecca Ferguson.
Aliás, pobre Juliette. Pobre Rebecca.
Com o foco mais na trama do que nos personagens, elas foram as maiores prejudicadas. Assim mesmo, no plural com TDI. Presa a uma interminável lista de side quests e outros contratempos (de infecção e doença descompressiva até uma flechada!), Juliette não tem nenhuma evolução pessoal durante a temporada. Tudo é arquitetado para adiar até o último episódio seu retorno triunfal ao Silo. Dá pra sentir na pele toda a sua frustração e inconformismo sempre que é obrigada a resolver mais um perrengue complicado justo quando precisa correr contra o tempo.
Em contrapartida, é nestas cenas que a atriz supervaloriza seu passe numa performance física invejável – em boa parte sem dublês, trabalhada na força do Girl Power mesmo. Do primeiro ao último episódio, a mulher só faz trabalhar e arriscar o seu lindo pescocinho. Sem dúvida, suas participações na franquia Missão: Impossível renderam frutos.
O contraponto da Nichols nesta 2ª temporada é novamente Bernard Holland, chefe de TI do Silo e o real manda-chuva do faraônico construto. Interpretado de forma brilhantemente paranoica por Tim Robbins, ele luta contra o símbolo de liberdade que Juliette se tornou após seu exílio mortal. Um símbolo que não fica nada a ver para a máscara de Guy Fawkes. Bernard, o retrato da máquina fascista, é um personagem ambíguo em seus extremos. Tem o dom de enxergar o grande quadro, porém isso o arrasta para sacrifícios cada vez mais hediondos em nome da integridade do Silo. As cenas que ele divide com a Juíza Mary Meadows (da austera e classuda Tanya Moodie) são uma pintura dramática. Particularmente, a belíssima e comovente cena do jantar. Uma obra de arte em movimento. Que atores.
A trajetória de Bernard nesta 2º temporada é um passo a passo de como os regimes autoritários, por mais equipados e eficientes que sejam, inevitavelmente caem. Irônico como as instruções do Pacto para desarticular rebeliões a cada 20 anos se encerram num ciclo dentro de um ciclo – afinal, Bernard também descobre que não está e nunca esteve no topo da pirâmide, sendo ele próprio uma parte descartável das engrenagens.
O que nos leva ao inesperado retorno do personagem Lukas Kyle.
Nem de longe antevia sua volta e muito menos a importância que teria nos rumos da série. Lukas é como aquele reserva recém-saído da base que entra aos 43 minutos pra marcar o lateral e acaba fazendo o gol do jogo. Interpretado com inteligência e discrição por Avi Nash, o personagem protagoniza o momento mais revelador e impactante da série. E, adivinha, uma das únicas exceções àquela regra da elipse pós-cliffhanger. Foi por uma boa causa, já que este segredo é revelado aos poucos e, literalmente, até os últimos segundos do season finale.
Dica importante: vale a pena um recap, ao menos das cenas-chave. Muitos fragmentos de informação pertinente são espalhados ao longo da temporada e só são plenamente compreensíveis quando se encaixam. E ao menos que você tenha memória eidética, vai se embolar. Ao rever algumas partes, me surpreendi com a quantidade de pistas valiosas soterradas pela trama principal. Novamente, aquele negócio: narrativa literária versus transposição live action.
Do elenco regular, Chinaza Uche com seu Xerife Paul Billings mantém a passividade da temporada prévia, agora resvalando na quase irrelevância. Pena. O mesmo pode ser dito em relação a Common como (!) o agora Juiz Robert Sims. Seu trunfo, no entanto, é sua esposa Camille, interpretada com diligência por Alexandria Riley. Astuciosa, com uma inteligência emocional e uma visão estratégica afiadíssimas, Camille passeia com facilidade pelos territórios mais cinzentos. Aos poucos, se mostra um dos segredos mais bem guardados da série. Já Shane McRae como Knox e Remmie Milner como Shirley, os líderes revoltosos da Mecânica, continuam naquele mix de coragem, impulsividade e burrice. Com o passar dos episódios, acabam se afinando (inclusive, entre eles). E a inglesa Harriet Walter segue roubando cenas como Martha Walker, mecânica veterana e a mãe postiça de Juliette. E rende algumas cenas de confronto memoráveis com Tim Robbins.
A novidade da vez é a participação especial do sumido e subestimado Steve Zahn no papel de Solo, último sobrevivente original do silo vizinho. Dá para presumir o mistério que o cerca com alguns episódios de antecedência, mas seu desenrolar é pontuado de forma magistral. Chocante até. E está diretamente ligado à épica sequência de abertura da temporada. Quanto ao grupinho dos "Garotos Perdidos" é meramente funcional. Está lá apenas para atrasar o corre da Juliette. E encher o saco do espectador.
Não dá pra deixar de mencionar também o surpreendente epílogo da temporada. Sendo sincero, achei que era alguma falha de streaming – ou, no caso, compressão. Após trocentas horas imerso em tons sépias e escuros (nota: assistir Silo de dia, sem cortina blackout, é impossível), foi surreal ver cenas dos dias atuais na série. Acachapante a sensação de irrealidade. E adicionou uma generosa leva de peças faltantes ao quebra-cabeça.
Não faço a menor ideia de como isso vai acabar. Mas a jornada está incrível.
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quarta-feira, 23 de agosto de 2023
O Silo da Caverna
Assisti a 1ª temporada de Silo há alguns dias e minha cachola ainda está fervilhando. Vou além: neste momento, tudo o que queria era contratar os serviços da Lacuna, de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, e apagar esses 10 episódios da memória. Só para experimentar tudo de novo do zero, clean install. Não que a série de Graham Yost seja um diamante perfeito, não mesmo. Mas ela envolve até a medula. Já chego lá.
Silo é co-produzido pela AMC para a Apple TV+, cada vez... +... ganhando terreno da concorrência com seu catálogo diversificado e interessantíssimo.
A história é uma adaptação da série de livros Wool, iniciada em 2011 pelo self-made bestseller Hugh Howey. O escritor é relativamente novo no mercado – suas primeiras publicações datam de 2009 – e já registra um volume de produção impressionante. Molly Fyde, The Sand Chronicles, Beacon 23 e Wayfinding são algumas das séries de livros que ele vem lançando sem parar. Todas autopublicadas em parceria com a Kindle Direct Publishing, do nosso tubarão do varejo predileto, e em acordos diretos com distribuidoras. Mas foi Wool, com seus nove títulos (e mais um a caminho), que acertou em cheio a Maçã.
Inicialmente, a obra seria adaptada para o cinema pela finada Fox. Graças aos céus pela fome do rato corporativo. O conceito de um mundo fechado, opressivo, Orwelliano, pós-apocalíptico, se desenvolve muito melhor de forma seriada. É um caso que lembra, inclusive em premissa, a graphic novel O Perfuraneve, de Jacques Lob e Benjamin Legrand, adaptada para os dois formatos live action.
Wool também ganhou quadrinização escrita por Jimmy Palmiotti e Justin Gray com desenhos de Jimmy Broxton. Saiu pela Grande Irmã mesmo.
Rebatizar Wool para Silo foi, sobretudo, providencial. Além de funcionar igual para uma porrada de idiomas, é uma palavrinha que captura a essência da série, inclusive sua natureza misteriosa e claustrofóbica. O tal Silo é uma estrutura subterrânea abismal que abriga 10 mil pessoas distribuídas em 144 níveis. É uma comunidade autossustentável administrada pelos xerifes de cada setor, pela prefeita, pelo chefe de TI e pelo temível Judicial. Tudo é controlado com rédea curta, da taxa de natalidade ao acesso à informação, inclusive as de natureza histórica.
A ambientação e as condições são muito similares às do filme Cidade das Sombras (City of Ember, 2008), com Bill Murray e Saoirse Ronan. Que também foi adaptado de um livro, The City of Ember, de Jeanne DuPrau, lançado em 2003, oito anos antes de Wool. 🧐
🧐 E se fosse elaborar mais, apontaria que o caso repete ipsis litteris o que ocorreu com o livro/filme Running Against Time (1986/1990), e o livro/série 11.22.63 (2011/2016). Mas isso é papo para outra vez.
O Silo existe há gerações imemoriais. Ninguém sabe quem o construiu, nem por quê. O que se sabe é que houve uma grande revolução interna em determinado momento. Para prevenir novos distúrbios, os chamados Fundadores criaram o Pacto, um calhamaço de leis draconianas para serem seguidas à risca. Entre os maiores crimes, estão a posse de objetos pré-revolução, de brinquedos a HDs (comumente ligados ao passado pré-Silo), a busca por informações sobre as origens do lugar e até avanços tecnológicos/científicos não autorizados.
Mas ainda existe a ofensa mais grave, que parafraseia o nosso Capitão Nascimento: pedir para sair.
Tudo o que os habitantes do Silo conhecem do mundo exterior está exibido em monitores ligados a uma única câmera. O alcance do equipamento é limitado: o pouco que se vê é uma paisagem estéril e inóspita. Quem se atreve a sair, mesmo com traje de proteção, morre fulminado após 1 ou 2 minutos. Mas não sem antes atender um último pedido dos residentes, que é levar um pano para limpar a lente da câmera, já bastante empoeirada (por motivos óbvios) – daí o substantivo "Wool", de tecido de lã, em contraponto com a gíria "Wool", de coragem, determinação, caráter.
Isso parece remeter diretamente à engenheira Juliette Nichols, personagem defendida pela atriz sueca Rebecca Ferguson.
Em Nichols, Ferguson desenha uma autêntica anti-heroína, mas orgânica, com seus traumas, falhas e valores pessoais lhe servindo de guias – ou obstáculos, dependendo da situação. Já é uma das minhas personagens favoritas dos últimos anos. Infelizmente, não dá para esmiuçar os detalhes sem comprometer a experiência inteira.
Em geral, costumo fugir de premissas mystery box que enrolam o espectador ad eternum, mas o caso de Silo, assim como o de Ruptura, é de puro talento mesmo. Cada episódio é, no mínimo, um espetáculo técnico e artístico. O design de cenários e figurinos é absurdo, com muita influência steampunk. E o elenco brilha na escuridão.
É impossível não passar a temporada inteira pensando no Xerife Holston, personagem de David Oyelowo, e sua esposa, a técnica de TI Allison Becker, da talentosa Rashida Jones. Só assistindo para entender a extensão desse elogio. Outro destaque é a britânica Harriet Walter, que confere humanidade e sabedoria como Martha Walker, veterana engenheira elétrica e uma figura materna para Juliette. Já o ator e rapper Common, mesmo carismático, se limita a uma austeridade meramente clichê com seu Robert Sims, o ameaçador chefe de segurança do Judicial.
Quem é escolado, sabe exatamente por que o Will Patton está ali no meio, como o Delegado Marnes. Provavelmente o telefone do Sean Bean estava ocupado. O exato oposto é o ator escocês Chinaza Uche, como o delegado aspirante Paul Billings. Pai de família exemplar, Billings é um ex-associado do Judicial. Apesar de adepto fervoroso do Pacto e do sistema, ele esconde que é portador da Síndrome, uma condição que causa tremores e o desqualifica para o cargo. Papel ambíguo e repleto de camadas, que Uche potencializa com discreta maestria. Uma atuação imensa que vai se revelando (bem) aos poucos.
Sem maiores comentários sobre o grande Tim Robbins no papel de Bernard Holland, o pragmático chefe de TI. Apenas que Robbins não é um calouro em futuros autoritários e distópicos. E que, além disso, também figurou no elenco subterrâneo de Cidade das Sombras...
Claro que é preciso comentar sobre o início, o meio e o fim com aqueles SPOILERS MOLEQUES NO TEXTO OBSCURECIDO.
No desktop e notebook é só marcar o texto. No celular, é Até a próxima, pessoal!
Para mim, David Oyelowo e Rashida Jones entregaram as melhores atuações da série. E isso é um problema, já que ambos vão para o céu distópico logo nos dois primeiros episódios (!). O trabalho dos atores foi tão marcante que fica a expectativa de que eles retornarão vivos e serelepes na reviravolta final. Vai querendo.
Amo a Rebecca Ferguson (ei, Becky, luv u!). Até hoje, sua assustadora e sexy Rose Cartola, de Doutor Sono, não sai da minha cabeça. Mas Juliette e seu tom introvertido, com um certo TEPT, não coaduna com o de sua contraparte mirim, interpretada pela ótima Amelie Child-Villiers. Nada que atrapalhe, porém.
Toda a sacada da Martha Walker mobilizando esforços da Mecânica para trocar as fitas de vedação e salvar a vida de Juliette no mundo exterior foi antológica e emocionante. Mas nunca é explicado por que o ar externo é tão letal. Pela velocidade das mortes, dá para descartar radiação e patógenos. Só pode ser algum agente químico, desses de uso militar. Porém, quando Juliette cruza a borda da cratera, se vê ao longe a silhueta de uma metrópole em ruínas (que já descobriram ser Atlanta — https://imgur.com/a/KwSPW1i ), o que inviabiliza minha teoria. Em parte.
Outra tese que foi para o vinagre é a de que tudo não passava de um O Show de Truman pós-apocalíptico. E que o personagem de Robbins exercia o mesmo papel de Ed Harris naquele filme(aço). Parecia uma boa.
Fica claro que o holograma de uma Terra verdejante e cheia de vida é exibido apenas no visor do capacete (que tecnologia, hm?). Mas não explicam a motivação de todo esse engodo para alguém com apenas mais alguns segundos neste plano. Conforto na hora da morte seria uma explicação, se o Judicial ou o TI tivessem alguma empatia por alguém. É mais provável que seja um incentivo para o condenado limpar a câmera e revelar para todos os internos a linda paisagem que só ele está vendo. Que sacanagem.
Na cena final, é revelado que eles são vizinhos de vários outros Silos – no mínimo 18, se considerar a numeração do HD-MacGuffin com o desenho estrutural da edificação. Inclusive a porta gigantesca que jaz nas fundações do Silo deve ser a ligação com os demais. Neste caso, eles são, literalmente, "vizinhos de porta".
E por que a tal porta sempre foi mantida fechada e deliberadamente apagada dos registros? O que escondem os outros Silos? Ou quem...
Se na próxima temporada (já confirmada) ao menos metade destas questões for respondida, topo até um tour pelo Silo.
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