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domingo, 5 de setembro de 2021

“O pior pesadelo da América branca”


Difícil esquecer o impacto da capa do álbum de estreia do Body Count, de 1992. Na época, o mundo assistia estupefato à onda de violência que varreu as ruas de Los Angeles após a absolvição dos cinco policiais que espancaram Rodney King. Além do próprio vídeo da brutalidade policial que circulava há um ano pelos telejornais do mundo inteiro, algumas cenas dos ataques são hoje históricas, no pior sentido da palavra. O clima era de total convulsão social, política e racial. E, bem no olho do furacão, nenhuma imagem foi tão provocativa quanto aquela capa.

Era como assistir alguém jogando gasolina em um incêndio. Em entrevista para o Metal Injecion, o artista e designer californiano Dave Halili relembrou o brainstorm da obra:
“Queríamos um símbolo de um anti-herói/vigilante — um defensor contra abusos de poder autoritários. A imagem do pesadelo do Cop Killer é uma síntese da angústia urbana, um Frankenstein de Tookie Williams [o fundador da infame gangue Crips] misturada com práticas centrais dos Panteras Negras e outros motivos sinistros. (...) Então, com o que Ice e eu discutimos em reuniões a portas fechadas, tive permissão para desenvolver um simulacro de fantasia para representar a visão e o esquema do Body Count: chocante, hediondo, apavorante, amedrontador, ofensivo, repulsivo, ardente, efetivo, verdadeiro, bela escuridão ou qualquer sinônimo que você deseja adicionar era o nosso compromisso...”
Até aquele ponto, já havia visto minha cota de capas intensas e controversas dentro do punk/hardcore e do thrash/death metal até do 'classic rock' e da música pop. Mas quando vi a ilustração de um gigante negro pronto para a guerra e com a frase "Matador de Policiais" tatuada no peito, já sabia que daria B.O.. Um negro forte, livre, incontrolável e indo atrás de retribuição? Nada é mais aterrorizante para a elite branca, seja de qual país for —o que me lembra os outdoors de um clube de tiro local, estampados com fotos de homens, mulheres e até idosos caucasianos ostentando pistolas com um belo sorriso nos rostos, mas nenhum com uma mísera foto de uma pessoa negra portando as mesmas armas. Risível de tão óbvio.

De alguma forma, a arte de Halili conseguiu transcender a mera apelação e catalisar toda aquela frustração e urgência por justiça, além de levantar uma discussão sobre as consequências da falta de lisura das instituições. Claro, pra mim, também era uma peça altamente influenciada pelos quadrinhos. Desde o 1º momento, olhar para aquela ilustração era como vislumbrar um "What If..." Luke Cage se tornasse o Justiceiro? A tempestade perfeita jamais quadrinhizada.

Além do timing surreal —o disco foi lançado apenas 1 mês antes dos chamados 1992 Los Angeles riots— e da já tensa relação do vocalista Ice-T com as autoridades, a capa teve todo o alcance que pretendia na mídia americana. E além. Halili comentou:
“Quando a controvérsia de Cop Killer atingiu sua massa crítica, eu vi minha pintura de capa sendo exibida nas redes de TV como uma peça de evidência de uma cena de crime pelas mãos do vice-presidente dos EUA Dan Quayle. Até Charlton Heston segurou minha arte na TV. Eu tinha 22-23 anos naquela época.”
E aquele B.O. acabou chegando de fato.

Desesperada com a polêmica, a Sire/Warner Bros. optou por uma nova tiragem com a capa completamente preta e apenas com o nome da banda. Depois, alterou a pintura original por conta própria, removendo o "Cop Killer" do peito do vigilante e inserindo digitalmente o nome do grupo.


Tão icônico quanto a capa é esse exemplo de censura sofrível para a posteridade.

Halili ainda trabalhou em vários projetos de Ice-T, incluindo outra capa bastante polêmica, cuja nova tentativa de censura culminou com sua saída definitiva da Warner. Curiosamente, é dele também a capa de Born Dead, o 2º disco do Body Count.

Desta vez, a ilustração mostrava vários bebês brancos deitados em seus berços e um único bebê negro... num caixão. Uma imagética muito mais chocante e terrível que a anterior, mas que, evidentemente, não teve um décimo da repercussão...

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Mr. Catra's in the House


Deu no feice: tudo certo pro álbum de estreia do Mr. Catra & Os Templários, a banda de metal e hardcore do digníssimo embaixador/engenheiro/diplomata Wagner Domingues da Costa, vulgo Mr. Catra - e dou o serviço, foi o Wikipédia quem caguetou essa informação. Quem estava acostumado com o folclórico cancioneiro do MC, abordando de conduta moral à crise na instituição do casamento até relações trabalhistas, vai arrepiar os cabelos descoloridos, franzir as tocas ninja e inverter os sorrisos de suas tatuagens do Jóker. 

Ao que parece, as músicas realmente não fazem a menor concessão pra malandro (e muito menos pra mané) e mostram que Catra & cia não vêm pra perder viagem. O som é papo reto!






O que normalmente pareceria mais um atentado ao rock 'n' roll nosso de cada dia, se desenha não como sua salvação, mas como a injeção de sangue quente que o pop brasileiro vem implorando há muito tempo. Sim, o underground é fervilhante, só que aquela ponte para o mainstream continua no fundo do rio. Catra, por sua vez, é um dos artistas nacionais com maior exposição na grande mídia - agora mesmo ele está lá, distribuindo seus vaticínios pra revista grande. E com público próprio e fidelizado garantido a autossuficiência comercial.

Usando todo esse alcance pra tocar o terror num programa dominical, ou mesmo sabático, o estrago seria antológico.

Habitué em qualquer atração da TV aberta, seja pra falar de maconha, do funk proibidão ou de seus 788 filhos e 354 esposas, a correção política é a menor de suas preocupações. Não é balela poser, o cara vive isso. Fosse na gringolândia, certamente seria parte da turminha do Lil Jon, Big Boi e Snoop Dogg. Transposto para o idioma do rock pesado, acaba adquirindo contornos de autêntico bad boy, saído direto da favela/gueto/trenchtown. Um Ice-T dos trópicos - e olha que Ice é um chihuahua perto da besta-fera carioca. 

Marrento que só, diz que "curte e respeita" Led Zep, Biohazard e Body Count. Sem descansar a artilharia, se compara a David Coverdale. E antes que alguém leve à ponta da faca, é bom frisar que isso também tem tudo a ver com a melhor tradição malaca do rockstar.

Trash talk, inadvertido que seja. E se for, melhor ainda.


Pra quem está de saco cheio de rockinho cara limpa, Chicos Buarques de CCE universitário e indies de SESC, o álbum do Catra (e d'Os Templários) parece até providência divina. Chuva de fogo e enxofre pra cima de uma ceninha de bastardos bossa-novistas e penetras no Clube da Esquina. 

Ou como ele mesmo explica numa síntese que só as mentes mais aerodinâmicas são capazes:

"Acho que esse disco vai acabar com a brincadeirinha que virou o rock. Agora é porrada. O rock voltou. Acabou o colorido. Acabou a matinê."