Muito se passou pela minha cachola enquanto assistia aos 5 primeiros episódios de
Masters of the Universe: Revelation, de
Kevin Smith. Mas acho que
decepção define. O cineasta serve como criador, escritor, produtor executivo e, enfim, é o
showrunner da série da
Netflix. Além de notório entusiasta da década de 1980, não é segredo que ficou
maravilhado com o revisionismo sagaz da ótima Cobra Kai. Em parte, isso já explica algumas das decisões equivocadas do novo desenho. O que me leva a uma das escadas mais pé-no-saco que já usei num texto.
Papeando com um amigo num grupo de e-mails que participo, comentei sobre minha frustração.
"Tão falando super bem", foi a réplica. E resolvi dar um rolêzin por aí pra entender como isso era possível. Praquê.
Me deparei com aquele carnaval internético de sempre: ad hominem, radicalismo e zero noção de ridículo (e existe algo mais ridículo que um adulto nerd xingando alguém de adulto nerd?). Entre os principais "argumentos" a favor de
Revelation estão coisas como
"nerds quarentões criticando um desenho feito pra vender brinquedo",
"o nome é 'Mestres do Universo' e não 'He-Man'" ou o bom, velho & presidenciável
"é tudo mimimi".
O próprio Smith, cuja autozoação sempre foi o seu cartão de visitas, parece ter mudado de postura. Sai o Silent Bob, entra o
Angry Bob.
Primeiro, o(s) óbvio(s).
TUDO na cultura pop é feito para vender brinquedo (e acessório, material escolar, alimento, merchandising de todo tipo, etc). Isso, por si só, não é demérito para o desenho, o filme, o quadrinho ou o que seja. O gibi do ROM, por exemplo, foi produzido pela Marvel por encomenda pra vender 1 action figure (
fracassado, ainda) e rendeu uma saga espetacular. E nem vou mencionar o Esquadrão Atari.
No caso de
He-Man e os Mestres/Defensores do Universo, a coisa foi muito além. Já nos
Minicomics, haviam nomes como Alfredo Alcala, Tim Seeley, Gary Cohn, Steven Grant, Mark Texeira e Bruce Timm. E no desenho da
Filmation, batiam ponto Paul Dini (
Batman/Superman: The Animated Series), Michael Reaves (
Os Gárgulas, Batman: The Animated Series), J. Michael Straczynski (bem...) e Dorothy C. Fontana (
Star Trek, o seriado original), entre outros. De um veículo puramente comercial, passa-se a agregar
qualidade.
Pra arrematar a questão, basta revisitar episódios como
"A Origem de Tila", "O Problema com o Poder", "A Semente do Mal", "Príncipe Adam Nunca Mais", "O Tio Favorito de Gorpo", "Problemas em Arcádia", "O Julgamento de Tila", "O Feiticeiro e o Guerreiro" e
"A Busca pela Espada", só pra ficar na 1ª temporada.
Esse desenho tinha
coração, pelo amor de Lou Scheimer.
Em relação a
Revelation, nada contra o protagonismo dado à
Teela, sua parceira
Andra (personagem dos quadrinhos estreante no
MOTU animado) e
Maligna. Pelo contrário. Era mais do que merecido. Teela foi uma das primeiras personagens femininas daquela geração a demonstrar força, tridimensionalidade e independência – embora aquela descabelante mistura de Barbarella, Dejah Thoris e Red Sonja tenha ficado para trás,
compreensivelmente (
idem para a Maligna). O problema é o gatilho.
A premissa de Smith era unir todas as pontas soltas deixadas pela série original. Mas, de cara, as consequências da "revelação" do título saem atropelando toda a coerência daquele universo e, especialmente, o perfil dos personagens. É inconcebível Teela, a orgulhosa Capitã da Guarda Real, recém alçada ao posto de
Mentora, abandonando tudo e e todos (inclusive o
Mentor, seu pai) pelo motivo que fosse. E abandonando pra vida, já que logo na sequência rola um gap de pelo menos uns 20 anos. O termo perfeito pra isso é
overreact.
A apelação ao melodrama nostálgico chega a inventar coisas que contradizem o original, por mais paradoxal que seja. Um exemplo é o background de
Gorpo, contado chorosamente pelo próprio, decepcionando seus pais com sua mágica atrapalhada. Só que era o contrário: apesar de ser um mágico medíocre em
Etérnia, Gorpo era poderoso em
Trolla, sua dimensão natal. Porém, abriu mão de seus poderes e de um grande futuro lá para ficar ao lado de seus amigos (olha a lição de moral perdida!). Isso invalidaria sua subtrama triste de redenção em
Revelation, então foi "esquecido."
Uma boa ideia foi promover o capanga
Tríclope (dublado pelo
Henry Rollins!), agora líder de um tecnoculto radicado na
Montanha da Serpente. O embate
Magia Vs. Tecnologia sempre foi um dos aspectos mais divertidos, Kirbyanos e bizarros da franquia, infelizmente nem sempre bem aproveitada no novo desenho. Em certo momento, Mentor destrói uma armada inteira de drones inimigos com um único tiro, na maior facilidade.
A ação é apenas genérica, sendo bondoso. Com exceção de um breve entrevero entre Teela e um He-Man ilusório, é tudo bem superficial e esquecível. Talvez ajudasse incorporar a icônica trilha sonora original (ou trechos dela) para dar um 'mojo' às sequências. Provavelmente seria um perrengue burocrático licenciar esse material dos herdeiros da Filmation, embora a Netflix tenha cacife de $obra pra isso. Mas nada de trilha clássica – e muito menos da
trilha psicodélica...
Aliás, confesso que, quando o projeto foi anunciado lá na Power-Con 2019, alardeando fidelidade conceitual à série de 1983, viajei alto. Pensei logo na possibilidade mais extrema: uma continuação com as
células originais e aquela manjada rotoscopia reutilizada pela Filmation trilhões de vezes. Seria lindo.
E sim,
isso é possível e com troco de padaria ainda.
Com barrigadas narrativas, excesso de referências inúteis (pra quê finalmente apresentar
He-Ro,
Grayskull e até um
Conan-wannabe se não trazem peso ou relevância narrativa?), nesses cinco episódios fica evidente que os "arcos" servem apenas para preparar o terreno para reviravoltas pontuais e pretensiosas até o talo. Ah, mas foram apenas 5 episódios. E por outro ângulo,
já foram 5 episódios.
Se não melhorar, será 7 x 1 no segundo tempo também.
Ps: tive os bonequinhos do Stratos e do Príncipe Adam com o colete de veludo por causa do desenho. Mas isso não prova nada! Nada!!