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segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Goodbye, Mighty Isis


Joanna Kara Cameron
(1951 - 2021)

Joanna Cameron (ou JoAnna, dependendo do crédito) não era muito conhecida pelas últimas gerações, mas tem seu lugar no rodapé da história da cultura pop. Iniciou a carreira de atriz no finzinho da década de 1960 e figurou em algumas poucas produções para o cinema —a TV logo se tornou seu habitat natural/profissional, mas quase estrelou Love Story (1970) no lugar de Ali MacGraw, o que seria uma dramática mudança de eventos. No fim, acabou concentrando sua atuação em participações em seriados, dos famosos Daniel Boone e Columbo a pérolas da obscuridade televisiva.

Seu grande momento, no entanto, foi protagonizando Poderosa Ísis, série produzida pela Filmation e co-criada pelo próprio Lou Scheimer (que certamente reaproveitou alguns elementos dali para sua She-Ra, anos depois). Ísis durou breves duas temporadas, de 1975 a 1977, mas a caracterização marcante de Joanna como a super-heroína/deusa egípcia rendeu um título próprio nos quadrinhos DC e um crossover no seriado Shazam!, além de um cult following canino através das décadas.

Depois disso, Joanna fez apenas cameos em algumas séries. Um deles, no notório seriado setentista do Homem-Aranha —de biquíni, com a benção de Rá. Seu último trabalho em frente às câmeras foi, ironicamente, no telefilme Swan Song, de 1980.

A partir dali, sua vida se passou distante dos sets de filmagem: trabalhou por 10 anos como enfermeira cuidadora e atualmente atuava como gerente de marketing em dois hotéis no Hawaii. No máximo, fez algumas raras aparições em comic cons. Mas o legado como a pioneira super-heroína já estava garantido na posteridade.

Não por acaso, a notícia de sua passagem foi divulgada por uma ex-companheira de set, Joanna Pang, a Cindy Lee de Poderosa Ísis.


A série era voltada ao público infantil, com narrativas simples, lições de moral e orçamento muito mais limitado do que a série da princesinha Marston. Mas a figura carismática de Joanna personificada como a super-heroína, mesmo com indumentária simplória, eclipsava demais complicações.

Joanna era magnífica.


E Poderosa...


Thank you for everything, JoAnna!

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Mestras do Universo


Muito se passou pela minha cachola enquanto assistia aos 5 primeiros episódios de Masters of the Universe: Revelation, de Kevin Smith. Mas acho que decepção define. O cineasta serve como criador, escritor, produtor executivo e, enfim, é o showrunner da série da Netflix. Além de notório entusiasta da década de 1980, não é segredo que ficou maravilhado com o revisionismo sagaz da ótima Cobra Kai. Em parte, isso já explica algumas das decisões equivocadas do novo desenho. O que me leva a uma das escadas mais pé-no-saco que já usei num texto.

Papeando com um amigo num grupo de e-mails que participo, comentei sobre minha frustração. "Tão falando super bem", foi a réplica. E resolvi dar um rolêzin por aí pra entender como isso era possível. Praquê.

Me deparei com aquele carnaval internético de sempre: ad hominem, radicalismo e zero noção de ridículo (e existe algo mais ridículo que um adulto nerd xingando alguém de adulto nerd?). Entre os principais "argumentos" a favor de Revelation estão coisas como "nerds quarentões criticando um desenho feito pra vender brinquedo", "o nome é 'Mestres do Universo' e não 'He-Man'" ou o bom, velho & presidenciável "é tudo mimimi".

O próprio Smith, cuja autozoação sempre foi o seu cartão de visitas, parece ter mudado de postura. Sai o Silent Bob, entra o Angry Bob.

Primeiro, o(s) óbvio(s). TUDO na cultura pop é feito para vender brinquedo (e acessório, material escolar, alimento, merchandising de todo tipo, etc). Isso, por si só, não é demérito para o desenho, o filme, o quadrinho ou o que seja. O gibi do ROM, por exemplo, foi produzido pela Marvel por encomenda pra vender 1 action figure (fracassado, ainda) e rendeu uma saga espetacular. E nem vou mencionar o Esquadrão Atari.

No caso de He-Man e os Mestres/Defensores do Universo, a coisa foi muito além. Já nos Minicomics, haviam nomes como Alfredo Alcala, Tim Seeley, Gary Cohn, Steven Grant, Mark Texeira e Bruce Timm. E no desenho da Filmation, batiam ponto Paul Dini (Batman/Superman: The Animated Series), Michael Reaves (Os Gárgulas, Batman: The Animated Series), J. Michael Straczynski (bem...) e Dorothy C. Fontana (Star Trek, o seriado original), entre outros. De um veículo puramente comercial, passa-se a agregar qualidade.

Pra arrematar a questão, basta revisitar episódios como "A Origem de Tila", "O Problema com o Poder", "A Semente do Mal", "Príncipe Adam Nunca Mais", "O Tio Favorito de Gorpo", "Problemas em Arcádia", "O Julgamento de Tila", "O Feiticeiro e o Guerreiro" e "A Busca pela Espada", só pra ficar na 1ª temporada.

Esse desenho tinha coração, pelo amor de Lou Scheimer.


Em relação a Revelation, nada contra o protagonismo dado à Teela, sua parceira Andra (personagem dos quadrinhos estreante no MOTU animado) e Maligna. Pelo contrário. Era mais do que merecido. Teela foi uma das primeiras personagens femininas daquela geração a demonstrar força, tridimensionalidade e independência – embora aquela descabelante mistura de Barbarella, Dejah Thoris e Red Sonja tenha ficado para trás, compreensivelmente (idem para a Maligna). O problema é o gatilho.

A premissa de Smith era unir todas as pontas soltas deixadas pela série original. Mas, de cara, as consequências da "revelação" do título saem atropelando toda a coerência daquele universo e, especialmente, o perfil dos personagens. É inconcebível Teela, a orgulhosa Capitã da Guarda Real, recém alçada ao posto de Mentora, abandonando tudo e e todos (inclusive o Mentor, seu pai) pelo motivo que fosse. E abandonando pra vida, já que logo na sequência rola um gap de pelo menos uns 20 anos. O termo perfeito pra isso é overreact.

A apelação ao melodrama nostálgico chega a inventar coisas que contradizem o original, por mais paradoxal que seja. Um exemplo é o background de Gorpo, contado chorosamente pelo próprio, decepcionando seus pais com sua mágica atrapalhada. Só que era o contrário: apesar de ser um mágico medíocre em Etérnia, Gorpo era poderoso em Trolla, sua dimensão natal. Porém, abriu mão de seus poderes e de um grande futuro lá para ficar ao lado de seus amigos (olha a lição de moral perdida!). Isso invalidaria sua subtrama triste de redenção em Revelation, então foi "esquecido."


Uma boa ideia foi promover o capanga Tríclope (dublado pelo Henry Rollins!), agora líder de um tecnoculto radicado na Montanha da Serpente. O embate Magia Vs. Tecnologia sempre foi um dos aspectos mais divertidos, Kirbyanos e bizarros da franquia, infelizmente nem sempre bem aproveitada no novo desenho. Em certo momento, Mentor destrói uma armada inteira de drones inimigos com um único tiro, na maior facilidade.

A ação é apenas genérica, sendo bondoso. Com exceção de um breve entrevero entre Teela e um He-Man ilusório, é tudo bem superficial e esquecível. Talvez ajudasse incorporar a icônica trilha sonora original (ou trechos dela) para dar um 'mojo' às sequências. Provavelmente seria um perrengue burocrático licenciar esse material dos herdeiros da Filmation, embora a Netflix tenha cacife de $obra pra isso. Mas nada de trilha clássica – e muito menos da trilha psicodélica...

Aliás, confesso que, quando o projeto foi anunciado lá na Power-Con 2019, alardeando fidelidade conceitual à série de 1983, viajei alto. Pensei logo na possibilidade mais extrema: uma continuação com as células originais e aquela manjada rotoscopia reutilizada pela Filmation trilhões de vezes. Seria lindo.

E sim, isso é possível e com troco de padaria ainda.


Com barrigadas narrativas, excesso de referências inúteis (pra quê finalmente apresentar He-Ro, Grayskull e até um Conan-wannabe se não trazem peso ou relevância narrativa?), nesses cinco episódios fica evidente que os "arcos" servem apenas para preparar o terreno para reviravoltas pontuais e pretensiosas até o talo. Ah, mas foram apenas 5 episódios. E por outro ângulo, já foram 5 episódios.

Se não melhorar, será 7 x 1 no segundo tempo também.

Ps: tive os bonequinhos do Stratos e do Príncipe Adam com o colete de veludo por causa do desenho. Mas isso não prova nada! Nada!!

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Etérnia Psytrance Rave Party '84


Normal que todo mundo tenha um pouco de bagagem bizarra da infância escondida nos recôntidos mais obscuros da mente. E que muitos desses baús sinistros e empoeirados tenham sido finalmente destrancados e desmistificados conforme o avanço da internet. Eu mesmo tenho vários fantasmas pop que me acompanham desde a pré-adolescência. Uns viraram sonho de consumo, outros foram esclarecidos ou exorcizados. E claro, ainda há um naipe variado e numeroso de mistérios a serem desvendados em seu devido tempo. Um deles finalmente chegou ao fim, após décadas de perguntas sem resposta.

Primeiro, historinha de fundo pra criar clima.

Meados dos anos 80, lá estava eu, um pequeno zumbizinho, assistindo "He-Man e os Defensores do Universo", o último desenho antes da escola. Nada demais, até que num desses dias o desenho (um fenômeno na época) trouxe algumas surpresas. Era um raro episódio duplo, com uma atípica trama de horror. O vilão da vez não era o Esqueleto e nem seus lacaios, mas uma bruxa vampiresca de nome Shokoti. Que, por sinal, quase me fazia mijar nas calças. Hoje a acho até bem gostosa, no estilo undead byatch de Lady Death/Vampirella. Eu ia ali tranquilo, mas isso não vem ao caso agora.

O lance é que na 2ª parte do episódio a trilha sonora estava diferente, incorporando elementos de música eletrônica, ambient e muito experimentalismo. Como eu era um analfabeto musical, não sabia precisar o que estava fora do lugar, apenas que a história, já bem macabra para aquele guri impressionável, ficou seiscentas e sessenta e seis vezes mais aterrorizante!


Nos episódios seguintes a trilha retornou ao seu motif heróico habitual. Mas não em todos. Alguns poucos ainda voltavam àquela trilha de fundo misteriosa e estranhamente evocativa. Curiosamente, era sempre nas histórias onde He-Man enfrentava adversários diferentes de seu arqui-inimigo Esqueleto. Não raro, estreantes em sua galeria de vilões, como Mestre do Jogo, Semente do Mal e o Conde Marzo, além da citada Shokoti (ou "Chucrute", segundo o Aríete). Todos esses fatores juntos conferiam uma sensação de perigo num nível até então inédito, como se o campeão de Etérnia finalmente enfrentasse uma ameaça de fato mortal.

Conspirando contra essa coincidência - à primeira vista (e ouvida) planejada - a nova trilha era nitidamente invasiva, às vezes se sobrepondo à trilha original e tomando seu lugar em fade in. Em vários momentos, as duas trilhas eram executadas simultaneamente, criando uma cacofonia melódica difícil de descrever - era mais ou menos como uma versão sonora do efeito Pokémon. Também era perceptível o sumiço do áudio da ação em certas cenas, deixando apenas a dublagem em português e a trilha freak cobrindo os espaços vazios.

Era muita loucura. E uma verdadeira tortura para um moleque sem Google ou Wikipédia e com professores estressados que não assistiam He-Man.

Décadas passaram (e rápido!). Com a internet, eu ocasionalmente garimpava por infos sobre isso, sem direção e sem sucesso. Achava mesmo que nunca chegaria a descobrir nada a respeito. As buscas, que eram mensais, viraram semestrais, depois anuais, depois... Até que um dia, no lugar mais improvável - numa reprise de Laranja Mecânica - se fez a Luz! Inacreditavelmente, uma das "músicas do He-Man" tocava no filme. Munido com novos parâmetros de busca, voltei à lida e pronto: os primeiros resultados positivos deram as caras. Finalmente.

São três músicas no total. Duas são do grupo Azul y Negro, precursores do tecnopop espanhol (!!). São as instrumentais "Fantasia de Piratas" e "Fu-Man-Chu", ambas do álbum La Noche, lançado em 1982.

Seguem:







Fiz uma pequena busca reversa pra identificar as fontes originais dessa informação. Aparentemente, elas foram destrinchadas primeiro numa comunidade do Orkut especializada em rock progressivo. Os créditos arqueológicos são dos usuários Geraldo Júnior e Rivaldo Lima.

A terceira música, bem mais dark, é uma piração electro/industrial/ambient do compositor norte-americano Walter Carlos. É aí que a coisa fica bizarra meeesmo.

Segue:




"Timesteps" foi composta para a trilha sonora do filme de Kubrick. No álbum oficial da trilha, lançado em 1972, a faixa foi compilada numa versão "excerpt", com pouco mais de quatro minutos. Em sua versão completa, "Timesteps" tem quase 14 minutos, com trechos diferentes que também rolavam no desenho. Sendo assim, essa foi a versão inserida na animação. O detalhe é que essa versão integral só foi lançada no álbum solo de Walter Carlos, lançado também em 72.

Bônus-track sensacionalista: naquele mesmo ano, Walter Carlos mudou de sexo e virou Wendy Carlos!

Alguns episódios com a trilha from hell: "A Semente do Mal", "A Busca pelo O.V.A.F", "A Casa de Shokoti (Parte 2)", "A Busca de He-Man", "O Primeiro e Futuro Duque", "Patas do Mestre do Jogo", "Discos Dourados da Sabedoria" e "Coração de um Gigante". Todos da 1º temporada. Esses eu identifiquei entre downloads e plays no YT. Certamente existem outros.


O consenso (e o bom senso) é que essa trilha - que alterava de maneira sensacional a percepção do desenho - foi inserida apenas na versão brasileira mesmo, pela própria Herbert Richers. Corrobora para isso o fato de que os mesmos episódios na versão original norte-americana (disponíveis no YT) têm a velha e clássica trilha sonora inalterada. Há uma teoria corrente, não confirmada, de que o estúdio brazuca recebeu cópias do desenho com falhas no áudio, então eles tiveram que improvisar durante os processos de dublagem e engenharia de som.

Mas são só especulações que ainda aguardam (muitas) elucidações. Enquanto isso não acontece, vamos imaginando quem era o funcionário maluquinho da Herbert Richers na época que era chegado num tecnopop espanhol e no disco solo experimentalzão do Walter... ou melhor, da Wendy Carlos - e que ainda teve uma malandragem Boss level para incluir esses sons na trilha de um inocente desenho infantil.

Em tempo: entre os fãs, se convencionou chamar os desenhos que tinham essa trilha de episódios psicodélicos do He-Man. O que é até subestimar um pouco o quadro geral. Mesmo sem a trilha "psicodélica", o desenho já era bem doidão e lisérgico por si só...