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sábado, 29 de julho de 2023

He's too old for this shit


Sempre gostei de retornos triunfais. Podia jurar que a Ordem Jedi renasceria das cinzas numa eventual sequência de Star Wars. E que a SHIELD se reorganizaria no Universo Cinematográfico Marvel uma hora ou outra. Talvez por serem instituições tão canônicas e ainda com tantas possibilidades, que parecia o óbvio próximo passo. Me lasquei nos dois casos. Os igualmente canônicos Luke Skywalker e Nicholas Joseph Fury também têm muito em comum em suas versões mais velhas e cansadas. Aliás, cansadas é eufemismo... exaustas.

Invasão Secreta tem o objetivo de amarrar uma ponta solta deixada por Capitã Marvel: a situação Skrull. Prato cheio para analogias à manipulação da opinião pública e à geopolítica atual, com a Guerra Fria 2.0 e a crise global de refugiados. E consegue, na medida do possível para um produto Disney+. Nestes termos, surpreende uma minissérie com tantos tons cinzentos, torturas e mortes. O sangue – seja vermelho ou roxo – jorra sem cerimônia. E isso é ótimo. Mas não o suficiente.

Criada por Kyle Bradstreet e dirigida por Ali Selim, Invasão Secreta mostra Nick Fury e Talos lidando com um grupo terrorista Skrull liderado pelo ex-aliado Gravik. Ao seu lado, estão dezenas (centenas?) de Skrulls revoltados pela promessa não cumprida de reassentamento de sua espécie após 20 longos anos de espera. As semelhanças com os quadrinhos são apenas incidentais. Mesmo o plot pouco lembra o material original, de escopo vastamente maior.

Nas HQs, a saga de Brian Michael Bendis não era lá aquelas coisas, a despeito da construção interessante e da genial ação de marketing da Marvel – tudo foi bem até as derrapadas e inconsistências estourando nas páginas do ato final. Na série que abre a Fase 5 do MCU, sem o contingente de personagens do 1ª escalão e completamente despida do elemento cronológico, a maior parte das boas intenções ficou só no papel pisa-brite. Mas ainda escaparam algumas.

Nick Fury autoexilado na estação espacial S.A.B.R.E. foi um bom paliativo. Justifica muita coisa que passou sem o seu crivo no pós-Blip. O que deve soar grego para quem não acompanhou as séries e filmes da Fase 4. Outra sacada simples e bacana é a base dos terroristas Skrulls localizada numa usina nuclear russa abandonada e com altos níveis de radiação – da qual eles são naturalmente imunes.

E se não tem o Super-Skull Kl'rt (o original, com os poderes do Quarteto Fantástico), nem Rl'nnd (o Super-Skrull com os poderes dos X-Men), tem lá uma nova variação de Super-Skrull com os poderes de vários heróis dos filmes. Maior, melhor, mais rápido... você conhece o esquema.

A série cria um bom slow burn e mexe em alguns vespeiros do mundo real, especialmente em se tratando da terra de Putin, o Terrível. O elenco é afiadíssimo. Olivia Colman e Ben Mendelsohn, respectivamente Sonya Falsworth e Talos, matam a pau, literal e figurativamente. E têm muito menos tempo de tela do que eles e os espectadores mereciam. E boa estreia da Emilia Clarke no papel de G'iah, filha de Talos. Já o Gravik de Kingsley Ben-Adir é puro niilismo e tensão masculina. As referências do núcleo são os thrillers que misturam drama e espionagem, particularmente filmes sobre as ações do IRA ou do ETA durante os anos 1970/1980. Era só substituir os Skrulls por informantes e agentes infiltrados e voilá.

Uma pena que o roteiro a 10 mãos opte por decisões controversas, como as mortes estúpidas de dois personagens marcantes. Certamente para enxugar o elenco do MCU para as vindouras etapas. E não ajuda o fato de que as poucas sequências de ação sejam mal concebidas e incrivelmente mal filmadas. A do ataque à comitiva presidencial numa estrada é péssima.

Mas o que pesa mesmo é o grande astro da série.


Daquela sagacidade e energia habitual do Samuel L. Jackson dos primeiros filmes como o superespião caolho, sobrou pouco. Um tanto pela própria trama, com a proposta de um Fury ol' dog e relapso enfrentando pecados do passado (ou pecados pretéritos, à moda HQ). E outro tanto, me parece, pelo próprio L. Jackson, desmotivado e exaurido no papel, talvez ciente de que o melhor da festa já passou. Isso fica nítido quando ele divide as cenas com o Don Cheadle exercitando estilo furyosamente num take alternativo de seu James Rhodes.

No fim, quando Fury ascende mais uma vez aos céus (olha o spoiler do final) soa quase como um alívio. Ou uma aposentadoria merecida.

Ps: e, como bom aposentado, o pepino que ele deixou para trás é monumental...

terça-feira, 11 de julho de 2023

Raging Skrull

Ia comentar sobre Invasão Secreta só no fim da temporada, mas o 3º episódio, "Betrayed", acabou, hã, traindo essas expectativas.


Não parece, mas essa foi a deixa para um dos diálogos mais espirituosos e elucidativos do MCU. Aliás, foi praticamente um monólogo do Talos do excelente Ben Mendelsohn pra cima do velho Nick Fury de Samuel L. Jackson.

Além do paralelo inusitado, a catarse do Skrull jogou uma luz inédita sobre a obscura vida do espião caolho. E fez todo o sentido do mundo – inclusive, uma possibilidade que já cogitava desde Capitã Marvel.

A série não é perfeita, mas tem colecionado trocações memoráveis. No episódio anterior, teve uma cena entre Fury e o Rhodes de Don Cheadle que, na hora, me remeteu ao Grande Encontro. Sem falar na magnífica Olivia Colman, que dá um show solo a cada episódio. Literalmente.

Estou quase a afirmar que a dialética de Invasão Secreta é puro Scorsese...

quarta-feira, 21 de junho de 2023

Secret AInvasion


"Sim, a cena de créditos de abertura de Invasão Secreta é produto-I.A."

Meus 2 réis: é feia, bizarra, defeituosa, um reflexo distorcido de nós mesmos. E faz todo o sentido do mundo. O problema é a Marvel sagazmente ligou seus Skrulls a um tópico tão na crista na onda, que a sacada periga passar batida.

Ou melhor, já passou.

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Faxina no Templo

Lá fora, aquele mar revolto de opiniões, das mais simplórias às mais complexa(da)s. Eu é que não vou dar a minha.


Não mesmo, não senhor...

quarta-feira, 27 de março de 2019

Girl, You'll Be a Danvers Soon


Às vezes, uma parte supera o todo. E no caso de Capitã Marvel, são várias as partes: o plot intrigante com flashbacks e reviravoltas, a origem simplificada que unifica toda a tralha cronológica da personagem nos gibis, o subtexto feminista pero sin perder la ternura, a ambientação na década do Nirvana, o orçamento parrudo garantindo um elenco de responsa, o CGI de grife. Por último, e o mais importante: uma Carol Danvers show-de-vizinha envergando delícia o uniforme da heroína.

Então por que Capitã Marvel é o filme mais sem sal da Marvel Studios até agora?

Antes, minha reverência ao mero fato de existir um filme da Capitã Marvel; também conhecida no dialeto marvete como Miss Marvel, Binária e Warbird. Isso era algo impensável até outro dia, fruto apenas de meus devaneios com a Feiticeira Joana Prado num maiôzinho preto cavado com um raio amarelo estilizado. "Depois dela, não tem pra mais ninguém..."

Mas claro, isso foi antes de mergulhar no mythos da heroína e no ethos de sua trajetória, o que me fez tridimensionalizá-la (droga). Em termos de carreira editorial, Carol Danvers é Amélia desde o Dia 1. Difícil não ficar penalizado após uma overdose de Miss Marvel safra 1968-2000 direto no lobo frontal. O mundo é machista, cinzento e cruel, mas graças a Stan Lee, os piores dias ficaram de fora da adaptação.

O filme tem início no outro lado da galáxia, no coração do Império Kree. Vemos a protagonista sendo treinada por seu mentor Yon-Rogg e integrando o grupo black ops Starforce. Amnésica e atormentada por déjà vus e pesadelos recorrentes, ela detém poderes vastos e quase incontroláveis. Por isso é vista pela entidade Inteligência Suprema como a chave para a vitória Kree na guerra contra os perigosos transmorfos Skrulls. Após uma missão conturbada, ela vai parar acidentalmente na Terra. Lá (ou aqui?), a heroína une forças com Nick Fury, Agente da S.H.I.E.L.D.®, e juntos investigam pistas que podem revelar a sua verdadeira origem.

Que um raio cósmico do Mar-Vell me parta se esse não foi um resumo conciso e sem spoilers.


Já elocubrei muito sobre como arrumariam a zona disfuncional que é a timeline de Carol Danvers nas HQs. Mas até que fizeram uma boa triagem do revamp setentista de Chris Claremont, eliminando a clicherama donzela-em-perigo prévia e usando a Guerra Kree-Skrull como ponte até a fase "on the road no espaço sideral" de Kelly Sue DeConnick, mais recente.

Isso rende até uma metáfora (de boteco) ao ilustrar o choque entre o feminismo clássico e o feminismo do milênio: no início, Carol luta para conquistar respeito em territórios tradicionalmente masculinos (corridas, exército, trabalho); no fim, tem a "iluminação": ela não precisa provar nada para ninguém e seu lugar no mundo - ou, no caso, universo - é onde ela bem entender. O sutiã em chamas de ontem é o "meu corpo/vida, minhas regras" de hoje. Isto posto em perspectiva sóbria, sem panfletos e não-intrusiva; embora deva passar reto para quem acha que mulher na vertical, só na frente de um fogão.

Méritos para o casal de diretores Anna Boden e Ryan Fleck, que assina o tratamento final do roteiro com Geneva Robertson-Dworet (do Tomb Raider 2018, naturalmente) e que, em muitos pontos, até revitaliza o surrado motif original. Um exemplo foi abrir o filme no planeta Kree com Carol tendo flashbacks da Terra, invertendo a ordem do que foi feito nos gibis e que era um porre.

Outra boa sacada foi a origem per se da Capitã Marvel, consumando a Jornada do Herói da Heroína com um ato de coragem, altruísmo e sacrifício. Bem mais digno que a explosão acidental que vitimou Carol nos gibis e a deixou em coma por quase 10 anos até ser reinventada. Ao meu ver, foi um dos melhores gatilhos de superpoderes da Marvel no cinema, senão o melhor. Simplesmente por uma questão de atitude. Some fuckin' attitude.

Estabelecer a trama na 2ª metade da década de 1990 serve aos propósitos da Fase 3 do Universo Cinematográfico Marvel e rende mais que o simples valor estético; o que inclui aí a camiseta do Nine Inch Nails, hoje até meio hipster se for analisar. Mas não muito. A trilha rádio rock FM é mais reconhecível e efetiva que o Best Of über-rebuscado dos Guardiões da Galáxia, embora se mostre pentelha em um ou dois momentos do filme - mas já volto aí.

As piadas envolvendo as maravilhas tecnológicas da época, como o modem 56k, o CD-Rom e o Windows 95, são tão inevitáveis quanto irresistíveis. Mesmo repetitivas, funcionam, talvez por serem podreiras ainda recentes na memória; particularmente, pelas pequenas tragédias diárias estreladas por essas divas high-tech em ambientes de trabalho. E com uma deadline esmurrando a porta...

Mas o troféu cata-piolho noventista vai para a ponta do eterno Stan Lee lendo o script do crássico Barrados no Shopping (Mallrats, 1995). Kevin Smith deve estar liquefeito até agora.

Ok, ok, mas plenos anos 90 e não rola uma ceninha da Capitã Marvel com um pôster "I Want to Believe"? É como perder um gol daqueles que não se perde...

Porém, essa mesma cara noventista reverbera na dinâmica narrativa e faz a canoa virar, olê olê olá. O storytelling é burocrático e boa parte da trama é dedicada à tal investigação de Carol e Fury, que, além de tediosa, é inútil àquele ponto: toda a verdade será entregue de bandeja num momento-chave logo mais e reiterada depois num flashback estendido. Bem diferente da subtrama investigativa de Capitão América 2: O Soldado Invernal, só pra ficar num paralelo tramado de forma eficiente.

Mesmo as cenas de ação são bastante datadas em conceito e executadas no piloto automático. A esta altura, quantas vezes já vimos sequências com heróis e super-heróis lutando em cima, dos lados e dentro de um trem? Ou perseguições de carros num centro urbano? Isso até funcionaria, pela enésima vez, em toda a sua glória noventista clichê-bagaceira, se fosse conduzido com inspiração em craques como John McTiernan, Richard Donner, John Woo, Walter Hill e o saudoso John Frankenheimer. Ou até mesmo o Jan de Bont na veia absurda e divertidíssima do 1º Velocidade Máxima.

Infelizmente, o que temos pra hoje é o casal Boden/Fleck, que decididamente tem pouca intimidade com cinema de ação.


As sequências/coreografias de luta estão no padrão, com uma estrelinha na testa da protagonista. É bem convincente no quesito garota-chutando-bundas-de-marmanjos, o calcanhar de Aquiles de toda película com garotas-chutando-bundas-de-marmanjos. Talvez seja o resultado dos treinamentos, mas o mais provável é que tenha gostado da brincadeira.

No campo dos superpoderes, o processo é desenvolvido gradualmente, o que aumenta o impacto na reta final, com a Capitã detonando cruzadores no espaço como se fosse o Surfista Prateado - e visualmente lembrando a Fênix Negra, apesar da referência ser a fase Binária. De fato, parece a personagem mais poderosa do UCM, superando até o Thor com o Rompe-Tormentas em Vingadores: Guerra Infinita. E aí surge outro problema - e grave: a ausência de um antagonista à altura. Lembra de Hancock?

Capitã Marvel faz parte da lista de filmes vacilões que não providenciaram um supervilão para seus super-heróis. O silêncio da contrapartida inexistente é gritante (daqui a dois minutos não lembrarei o isso significa, mas neste momento faz sentido). Uma boa opção teria sido Ronan, o Acusador, reprisado no filme pelo ótimo Lee Pace, mas é criminosamente desperdiçado. Sobrou o quê? Os dublês da Starforce. Os Skrulls que já apanhavam de Carol quando ela suprimia seus poderes. A paciência do espectador.

Outra bobagem é o hype marketeiro montado ao redor da gatinha Goose, interpretada pelos promissores felinos Gonzo, Rizzo, Archie e Reggie (olho neles). Achava que o bichano seria um MacGuffin ao estilo Orion, do 1º M.I.B., mas é uma cruza de The Thing com o Groot adulto. E tiveram a desfaçatez de copiar uma cena antológica do Groot no 1º Guardiões, quando Goose abate uma fileira de soldados Kree num corredor.

Isso me leva às derrapadas individuais. Samuel L. Jackson exagera no humor de seu Nick Fury. Não é como se o agente fosse um novato com zero traumas. Ele inclusive lista as várias zonas de guerra em que já esteve, então é no mínimo estranho seu perfil gaiato apenas 12, 13 anos antes de Homem de Ferro. Mas aqui ele é somente um alívio cômico às raias do pastelão.

E cá pra nós... que razão tosca pro Fury ficar caolho, hein. Faça-me o favor.

Jude Law até começa bem como Yon-Rogg, mas é prejudicado pela reviravolta no meio da história, que ignora todo o conflito pessoal/ético inerente à situação e o obriga a zerar completamente sua relação com sua ex-protegée/colega/talvez-ficante. Maniqueísmo total.

Da mesma forma sucumbe o excelente Ben Mendelsohn no papel de Talos, o líder Skrull. Inicialmente disposto a tudo para cumprir sua missão, Talos muda de personalidade a partir da fatídica reviravolta. Ele até comenta que toda guerra tem muitos lados, como que preparando o terreno - até aí tudo bem. Mas Skrull bonzinho e conciliador logo na estreia, não dá. Nem ambiguidade moral rola; e deveria rolar, já que é uma guerra, oras. E são Skrulls, pelo amor do Kirby.

Piora-plus: conforme visto na prévia, o visual Skrull ficou mesmo a dever e quase não dá para associá-los aos aliens queixudos dos gibis.

Piora-extra-plus: além de tudo, a prótese/máscara engessa o rosto dos atores, atrapalhando bastante a fala. É constrangedor ver o Mendelsohn lutando pra cuspir algumas palavras pra fora da mordaça de látex. Inacreditável.

Lashana Lynch faz o possível pela sua Maria Rambeau, velha amiga de Carol (e mãe da pequena Monica, outra Capitã Marvel dos quadrinhos). O problema, mais uma vez, é a narrativa pontuada por flashbacks: apesar da grande entrega da atriz, não há uma química entre as duas, simplesmente porque Carol tem pouca ou nenhuma ligação emocional com sua vida pré-Kree. Sem troca, sem cumplicidade. O que vemos são apenas fragmentos da amizade entre as duas e Carol aceitando este fato de forma impessoal.

Já Annette Bening é apenas uma coadjuvante de luxo. Não ao exemplo das coadjuvadas de luxo de Michelle Pfeiffer em Homem-Formiga 2 e Robert Redford em Cap 2, onde eram relevantes e cruciais para o enredo, mas de forma titular, quase reverente. Mal dá para especificar de maneira concreta os papéis que ela desempenha, visto que um deles é uma lembrança distorcida e o outro é um holograma da Inteligência Suprema.

E voltando à deixa musical, "Come as You Are" rolando num toca-discos durante seu confronto com Carol foi um exagero estético. Sem contar a contradição da letra para aquela situação... Quem queria ver o Wilson Fisk versão amoeba alienígena se revelando em algum momento, saiu emburrado da sala.


E Brianne Sidonie Desaulniers, a Brie Larson. Pra mim foi surpreendente a escolha da atriz de O Quarto de Jack e Free Fire: O Tiroteio. Mesmo que a aura de musa indie não se traduzisse em "plano de carreira cult" (vide Kong: A Ilha da Caveira, que ela protagonizou de topzinho molhado ao lado do L. Jackson), um blockbuster-de-super-herói-da-Marvel era anos-luz além do que eu esperava dela pelos quadrantes mainstream. Adorei.

Sua Carol Danvers é teimosa, impulsiva e sagaz. É única. Há um certo desencontro entre seu tom discreto e cool com o clima frenético da produção, mas ela está à vontade no uniforme azul e vermelho. E com um carisma provavelmente maior do que qualquer uma das tentadoras opções; Amber Heard, a Mera, me vem à mente agora... mas tal qual um canto da sereia, não creio que resultaria em um final feliz, especialmente quando se exige maiores recursos dramáticos.

Para melhorar, o timing pessoal da Brianne é admirável, inclusive ao despertar a ira de fanboys analfabetos funcionais. Nada melhor para esquentar os ânimos. Considerando que um dos primeiros inimigos de Carol Danvers nas HQs se chamava Patriarca, fecha-se aí mais um ciclo.

No geral, Capitã Marvel fica a dever. Longe de ser ruim; tem seus momentos e conceitos bacanas que, trabalhados a contento, teriam dado um filmaço. Mas no fim, a falta de ousadia e de culhões na direção cobra seu preço: é só um passatempo agitado e fugaz no espectro aventura/sci-fi, coisa que nem os debuts medianos do Thor, do Capitão América e do Dr. Estranho foram.

É, portanto, um filme sem sal.

Mas confesso: assim como certas coisas na vida, também tenho uma quedinha por filmes sem sal. Depois da 1ª vez, só melhora...

Ps: ao menos o Killing Joke embolsou um gordo royaltiezinho.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Top Girl


Num futuro próximo talvez caia a ficha sobre a existência de uma superprodução cinematográfica da Miss Marvel. Ou melhor, Capitã Marvel. Se é que Carol Danvers assim será chamada em Captain Marvel (2019). Seria, nas palavras do Rocky, a bit much.

Ou não, a este ponto?

O trailer é no esquemão old school: clima, design, dinâmica e mais nada. Ou quase. Uma palhinha de premissa é jogada ali pra servir de guia. Tem lá a influência óbvia da fase Kelly Sue DeConnick, mas também do 1º run solo da heroína (1977-79) escrito quase inteiramente pelo Chris Claremont. O que parece ter pesado forte no resultado final - só que não do modo, digamos, normal.

Naquela época, Claremont ainda estava trabalhando o tom da personagem. Não era fácil: ex-damsel in distress resgatada do esquecimento, ela virou aposta grande da Marvel da noite pro dia. Disputava com a distinta concorrente um nicho pop muito específico e carregava uma bandeira de libertação feminista light (ainda eram os anos 70) enquanto tentava agradar os fanboys mais conservadores. No meio disso tudo, o autor buscava emplacar uma origem 2.0.

Em parte, foi um voo bem sucedido, mas no geral bastante turbulento. Carol Danvers mantinha com sua contraparte heróica uma nauseante relação de dupla personalidade, sofrendo com apagões umas quatro vezes por edição.


Poor thing

E pior, tinha duas origens operando ao mesmo tempo: a clássica, da loirinha normalista, oficial da USAF e ex-paquera do Capitão Mar-Vell que ficou Super - ou Marvel - após um acidente; no outro, da colunista do Daily Bugle acometida por flashes de memórias suprimidas sobre ser uma agente militar kree em missão na Terra, spaghettizando assim as raízes do Mar-Vell com a sua própria e criando vários rombos de cronologia no processo.

Não sei se já comentei isso antes, mas a vida de Carol Danvers é um exemplo de tenacidade.

No fim, essa última opção foi descartada sem maiores cerimônias. E, pelo visto no trailer, reaproveitada agora. Talvez tenha sido a ideia certa no tempo errado, afinal.

Acho que eu vi um gatinho

Vamos aguardar o que aprontarão o casal de diretores Anna Boden e Ryan Fleck em março do Ano de Nosso Senhor Stan Lee 2019. Até lá vou encostando galantemente e bem devagar nos bastidores da Capitã.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Soldado Invernal sob o comando dos Russos

Anthony e Joe Russo parecem os típicos nerds-alfa. Pelo menos é essa a impressão quando se vê os vários episódios de Community e Arrested Development constantes na ficha dos irmãos cineastas. Que também têm suas porcarias (quem não as tem, não é mesmo?). Sendo assim, eu podia até esperar por certa sobriedade fanboy na direção do novo Capitão América 2: O Soldado Invernal...

O que eu não esperava mesmo era ver um trailer tour-de-force à Michael Mann-dirige-um-Bourne-movie altamente climático e com cara de filmaço às 12 horas.


Só dia desses fui saber que existem firmas especializadas em montar trailers para cinema. Altamente profissional. E frio. Brr. Mas mesmo se os caras que fizeram esse forem os gênios da raça, de algum lugar eles tiraram essas cenas.

E só a do diálogo entre Robert Redford (!) conversando com o Capitão América (!!) já vale o filme em 3D inútil com a pipoca ruim do Cinemark.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

OMNI Produtos para o Consumidor® orgulhosamente apresenta:


Diretivas parciais:

1. Sai Capitão Nascimento, entra Neill Blomkamp e Dredd 2012;

2. Efeitos, ação e sci-fi genéricos + iRoboCop 5G + longas apresentações em flash holográfico;

3. Peter Weller > Joel Kinnaman | Michael Keaton = Steve Jobs;

4. ?


Ps: só lembrando do tempo em que as reuniões da OMNI eram mais animadas...


...e nada PG-13.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Tony Stark 2 (Retro-review)


Homem de Ferro 2 (Iron Man 2, 2010) foi sintomático no que tange ao bem sucedido processo de adaptação do herói para o cinema. É um legítimo blockbuster com cara de blockbuster e gostinho de verão, pipoca e feriado de 4 de julho yankee. Entre uma coisa e outra, vêem-se as virtudes, sintetizadas no tratamento de luxo que só uma marca de sucesso tem o direito, como também os defeitos. Aqueles mesmos que acometem o cinemão do Tio Sam temporada após temporada e que tem um pouco a ver com o mercantilismo agressivo em cima da arte e a facilidade de informação gerando um contraditório emburrecimento das novas gerações. Um pouco, porque o ingrediente principal trouxe um princípio ativo tarja preta: o hellraiser Robert Downey Jr.

Se no filme original o estilão solto e desencanado do diretor Jon Favreau fez do Latinha um personagem de cinema viável e carismático, em Homem de Ferro 2 ele quase rodopiou na pista. Todas as traquitanas high tech inacreditáveis, os dilemas morais advindos da parceria com os militares e o pega-pra-capar dos bastidores da alta classe executiva ficaram minúsculos diante do personagem magnético e larger-than-life que é Downey Jr./Tony Stark, alter-ego do herói. Favreau, talvez percebendo que o roteiro de Justin Theroux (Trovão Tropical) não daria conta sozinho, recorreu ao que funcionou melhor no 1º filme, que foi o bom-humor e a despretensão. Que em Homem de Ferro 2 traduziu-se em quase desleixo e um pé no besteirol.

Talvez fosse o caso de terem apostado numa abordagem mais sombria e menos piadista, um "O Império Contra-Ataca" versão Latinha. O timing era apropriado. Mas preferiram seguir a velha receita hollywoodiana do "bigger, stronger & faster". Afinal de contas, Downey Jr. e Stark eram agora grandes e ensolarados astros pop, certo? Mais ou menos. Grandes sim, mas ensolarados só na crosta. O fator que alçou ambos ao sucesso foi justamente suas nuances mais obscuras e lascivas. Quando anunciaram o 1º filme não faltou quem relacionasse o estilo de vida de Downey Jr. a de um certo hedonista ficcional envolto em escândalos com mulheres, alcoolismo e altas cifras. Eles nasceram um pro outro.

Não que eu esperasse uma dramatização deprê de O Demônio na Garrafa, queria apenas ver o protagonista soando mais humano e não tão acima do bem e dos maus. Mas no final das contas, até que o estrago não foi tão grande assim. Poderia ter sido muito pior.


Um aspecto positivo do filme foi expandir o cenário corporativo em torno das empresas Stark, algo bem recorrente nos quadrinhos que rendeu (e ainda rende) uma galeria de CEOs rivais do herói - dos irmãos Desmond e Phoebe Marrs, da Corporação Marrs, até Edwin Cord, dono da Cord Conglomerate, além de Ezekiel Stane, filho do aparentemente finado Obadiah "Iron Monger" Stane. O escolhido da vez, no entanto, foi um inimigo mais tradicional: Justin Hammer, encarnado pelo sempre ótimo Sam Rockwell. Providencialmente rejuvenescido, motivado e sem escrúpulos como manda o figurino Armani dos jovens multi-bilionários empreendedores. É mais um concorrente do que propriamente um arqui-inimigo. Mas carece da malícia e do intelecto que já fez o Tony Stark dos gibis comer o pão que Mefisto amassou várias vezes. O que é um pouco frustrante e se fez sentir quando Hammer é ingenuamente levado no papo pelo 2º vilão constante no filme.

Ivan Vanko foi interpretado laconicamente pelo freak Mickey Rourke, escolha tão estranha quanto o mix no qual foi criado. Vanko é uma mistura do bandido de 5ª Chicote Negro com o manipulador e vingativo Kearson DeWitt (de Guerra das Armaduras II), cujo background e motivações foram transpostos integralmente para o filme. Munido com um visual de figurante de Mad Max e um sotaque atroz - ah sim, e com dois chicotes de energia - Vanko até ameaça um páreo mental interessante com Stark. A cena em que Tony vai vê-lo na detenção e comenta onde ele errou na luta é de um cinismo faiscante. Poderia ser o início de um belo embate entre dois talentosos inventores, mas a coisa segue por um caminho um pouco mais rasteiro.

Uma notinha bizarra (outra) vai para o destoante bichinho de estimação de Vanko, uma cacatua ou algo parecido. Coisas de Mickey Rourke, sem sombra de dúvida.

Do lado dos aliados, a coisa rende melhor. Clark Gregg novamente preenche as lacunas como o intrigante personagem agente Coulson, mas não está só. Além da presença mais frequente do Nick Fury de Samuel L. Jackson - finalmente liberto do gueto end credits - Homem de Ferro 2 marca a improvável estreia da Viúva Negra nas telonas. Scarlett Johansson, sempre eficiente e bombshell toda vida, não tem a postura e o olhar de quem já passou um dobrado com lavagens cerebrais, treinamentos desumanos e missões suicidas. Nem cara de russa ela tem. E admito que, apesar de adorar a Scarlett, eu torcia por Emily Blunt, a primeira atriz considerada para o papel. Seria perfeita, mas o agente dela não fez o dever de casa, então estamos aqui com uma boa Viúva, mas não a Viúva dos meus sonhos.

Em que pese a favor da menina a evidente dedicação nas cenas de luta, bem frenéticas, coreografadas e visualmente generosas, se é que você me entende.


Mas a escalação mais complicada talvez tenha sido para o tenente-coronel James "Rhodey" Rhodes, amigão de Stark e seu eventual insider nos círculos militares. No 1º filme Terrence Howard havia oferecido uma atuação discreta, mas marcante. Mesmo o gancho que teve com a armadura do Máquina de Combate ganhou em proporção e acabou gerando certa expectativa. Que, graças a desacordos financeiros, ficou no vácuo. Então, por mais que o novo titular, Don Cheadle, fosse um bom ator - não é; é um brilhante ator; dê um play no seu DVD de O Diabo Veste Azul e fuce nos extras o teste de elenco que o homem fez em 1995, mas segure o queixo - o desafio seria considerável ao lidar com um personagem que já tinha rosto, tom e personalidade.

Se Howard era mais informal e flexível ao administrar a ponte Stark-Exército, Cheadle é mais austero e comprometido com os irmãos de farda. Querendo ou não, o perfil psicológico do personagem acabou redesenhado. E acaba sendo irônico o fato dele protagonizar com Tony a sequência mais dispensável e nonsense do filme: a treta do Homem Bêbado de Ferro com o Máquina Militar de Combate numa festinha privada na bacanuda casa de Stark em Malibu - poderia ser o Charlie Harper vomitando ali na armadura.

Camp até o talo, a tal cena remete às brigas de herói versus herói mais forçadas e sem sentido dos quadrinhos. Não sou um patrono da minha querida 9ª arte, mas não gostei de ver uma de suas piores facetas indo parar na telona quando tem coisa bem melhor esperando a vez. Nesse ponto, pensei que o run do Jon Favreau na franquia já estava mesmo de bom tamanho.

Aliás, é bom ver as pequenas participações do 1º filme sendo mantidas, como o próprio Favreau como o buddy-driver Happy Hogan e mesmo a teteia Leslie Bibb como a jornalista que Stark papou logo na arrancada. E Gwyneth Paltrow faz o que pode pela Pepper Potts que é ser, rigorosamente, Gwyneth Paltrow. Não a Gwyneth Paltrow enigmática e cool de A Força de um Passado, mas a Gwyneth Paltrow pós-Oscar, facinha e pura brisa de verão. Geralmente não sou de aplaudir casaizinhos em tela - acho isso um passo e meio para o fim - mas considero acertada a união dos pombinhos hesitantes aqui presentes.

Ainda que bastante previsível, o ato final é bastante divertido e guarda lá sua cota de referências futuras (Mandróides da Shield?) ou alternativas (o que não é aquele exército de robôs militares senão uns Sentinelas prontos pra arrebentar os malditos mutunas?). Justin Hammer paga por sua mediocridade nesta encarnação e Ivan Vanko volta para o mesmo lugar de onde saiu - ou talvez até pra outro melhor.


Homem de Ferro 2 está longe de ser ruim, mas acaba prejudicado por um excesso de situações em tela e pouco controle sobre elas. As subtramas envolvendo envenenamento por paládio e a mensagem ultra-mega-insanamente-truncada que o pai de Stark deixou pra ele soam tão esticadas quando vazias. Talvez Favreau não seja talhado para temas mais dramáticos e sérios. Ou talvez o roteiro não soube como matar essa bola dentro do contexto de um filme pop.

Favreau despediu-se do comando com uma tremenda façanha no currículo (Homem de Ferro, ícone pop? Get outta here...), o universo Marvel nos cinemas expandiu-se para além de Midgard e a Marvel Studios/Robert Downey Jr. garantiram a faculdade de seus trisnetos. O filme em si não é aquelas coisas, mas o terceiro lugar no pódio ninguém tasca.

Fase 2 aqui vou eu.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

ULTIMATES ASSEMBLE!


Logo no início de Ultimate Comics Avengers #1, um estarrecido Nick Fury resume o sentimento dos leitores (em geral) após Ultimates 3 e Ultimatum - ambas escritas, ou melhor... excretadas por Jeph Loeb e seus desenhistas sem-mente de estimação. Mais que isso, a cena ilustra o espanto do próprio roteirista Mark Millar frente ao caos instaurado em sua cria mais notória. É a velha e boa ironia escocesa de volta ao batente Ultimate - e pra quem sabe ler, um %@#& é letra. Ainda olhando para um Triskelion em reconstrução, Millar-Fury emenda: "eu sumo por dez minutos e o lugar inteiro vai pro inferno". Pode crer que ele não estava se referindo só ao QG dos Supremos.

Após aquela fatídica primeira edição de Supremos 3 eu achei sinceramente que Joe Quesada estava de sacanagem. Que aquela escalaçãozinha Loeb/Madureira rebuscando toda a tralha noventista da era Image foi mais um plano sórdido do rotundo editor. Autosabotagem declarada para, talvez, enxugar a linha Ultimate, mantendo só o baratinho e rentável Homem-Aranha teen - com entregas sempre no prazo e um comercialmente saudável público unissex. Conspiração demais? Pode até ser, mas nada explica essa line-up sucedendo uma das duplas mais sensacionais dos quadrinhos da última década. E mais uma vez, Quesada e sua gangue fizeram muito bem aos cofres da Marvel e muito mal pro bolso do leitor.

É um baita administrador, vamos combinar. Pode não ser o cara que controla o abre e fecha da carteira, mas é quem a enche. Não fosse ele, a Marvel, se ainda existisse, seria propriedade da Wal-Mart ao invés da Disney. Vi-va.

Mas antes de tecer previsões apocalípticas sobre como a casa do Mickey irá descaracterizar o Universo Marvel ao longo dos anos que virão, vou tentando entender como Millar vai restaurar sua fabulosa sátira ao american way. Porque tá difícil. Mas essa primeira (e curtíssima) edição já traz algumas pistas.


O plot básico é aquele novelão cheio de cliffhangers pontiagudos que Millar fez tão bem nos dois primeiros volumes dos Supremos. Começa com Fury sendo cicceroneado pelo Gavião Arqueiro de volta ao Triskelion ("quase 75% operacional"), não para reassumir seu velho posto, mas para resolver uma antiga merda envolvendo o Capitão América, agora um renegado. Corta para um dia antes. Cap e Gavião estão em perseguição aérea a uma unidade de assalto da I.M.A. (Ideias Mecânicas Avançadas - até onde sei, em seu debut no universo Ultimate). O ato termina com Cap confrontando seu mais clássico inimigo, o Caveira Vermelha, e também com uma revelação-bomba daquelas de fazer o chão desaparecer. Existem novelas na Escócia?

Coube ao artista Carlos Pacheco a difícil missão de substituir Bryan Hitch e dar vazão às epifanias cinematográficas de Millar. Pacheco sempre foi competente, mas vive hoje seu melhor momento, de longe. Da grandiosa capa e do Triskelion de tirar o fôlego na primeira página à sequência de ação desenfreada da metade pro final, o cara foi arrasador. Existe alguma emulação da linguagem visual de Hitch aqui, mas usada como uma ferramenta para deslanchar sua própria dinâmica. Os melhores momentos, claro, são os que trazem recursos mais hollywoodianos (pular com uma moto de um edifício em direção a um helicóptero e uma queda livre sem paraquedas nunca soam cansativos), neste ponto lembrando um pouco a antológica "edição Matrix" do volume um (Ultimates #8).

O texto nem um pouco sutil de Millar traz de volta aquele coice anárquico dos personagens e seu eterno sarcasmo em relação à malaquice republicana dos EUA. Como não podia deixar de ser, o astro principal é o Cap, com as conhecidas frases de efeito reafirmando suas convicções de macho-man militarista ("que tipo de garota é detida por uma bomba?" - adivinhe a autoria e ganhe uma bandeirinha do exército confederado) e seu modus operandi discutível no combate ao terror - vide a cena em que ele joga soldados inimigos desacordados de um helicóptero a trocentos pés de altura com a serenidade de quem põe o lixo pra fora.

A interação com Pacheco destila fluidez e ainda resgata aquelas boas sequências de briga quadrinhística, como no momento em que o Cap leva uma surra homérica do Caveira. Destaque também para o diálogo de Carol Danvers, atual comandante da SHIELD, tentando em vão reconvocar Stark, que está chapado num puteiro bondage.

Uma primeira edição que é um colírio para os olhos e uma injeção de adrenalina para a alma. É Millar no seu mais tradicional: iniciando um arco no auge e cheio daquela energia insana e irrefreável para terminar Deus sabe como. Só não entendi porque mantiveram a infame máscara do Gavião. Apesar dele ter participação ativa nas cenas mais eletrizantes, não dá pra olhar pro personagem sem antes confundi-lo com algum integrante do Youngblood. Provavelmente Millar esteja preparando alguma catarse antes de desmascará-lo definitivamente - bem como a bagunça que fizeram durante a sua "saída de dez minutos" - e talvez assim, deixar de vez os anos noventa lá nos anos noventa.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

IRON, IRON MAN


Stan Lee já dizia que Tony Stark era a persona quadrinizada de Howard Hughes, cujo talento pra fazer dinheiro só era comparável ao vício por adrenalina. Ou, nas palavras do homem, "um inventor, aventureiro, multibilionário, um sedutor e, finalmente, um maluco". 'Nuff said!

Homem de Ferro (Iron Man, EUA, 2008) parece buscar justamente essas coordenadas do mestre. E fica evidente que o grande achado do filme foi a escalação de Robert Downey Jr. Poucos atores são tão qualificados para personificar o playboy quanto ele - que conta, inclusive, com uma "valiosa" "experiência de campo", ao melhor estilo live fast, die young, que vitimou tanta gente boa ainda na curva ascendente. Mas onde Stark tem um quê de Willy Wonka, Downey tem de Keith Richards: talentoso, carismático (menção honrosa à Chaplin, de 1992) e quimicamente imortal. Um super-anti-herói da vida real, perfeito para o cargo - já comentei que ele aparenta ser um sujeito bacana?

Faço questão de destacar isso, pois nada pode ser tão definitivo numa adaptação. E raramente esses filmes têm acertado nas caracterizações. Felizmente, agora tem o Downey para engrossar a lista. Parece que já o estou vendo decidir entre a garrafa e a armadura. No filme, Stark se notabiliza por uma inesperada identificação com o espectador, senão na conta-corrente, ao menos no cinismo e falhas de caráter. Um ser humano de carteirinha, bon-vivant, mulherengo e um adorável calhorda.

Em outras palavras, um papel que é um verdadeiro presente para qualquer ator, mas não para qualquer ator.


O roteiro faz um mix bem resolvido do universo do personagem nos quadrinhos, desde a origem atualizada (à frente da ótima releitura de Warren Ellis, em Extremis) até citações para quadrinhófilos colecionarem e o ótimo desenvolvimento dos personagens secundários. Muitas informações em um curto espaço de tempo fluindo sem maiores desníveis narrativos, o que é, sem dúvida, sua maior virtude. Um grande trabalho do quarteto de roteiristas Mark Fergus, Hawk Ostby (ambos de Filhos da Esperança), Art Marcum e Matt Holloway.

O início da história é colocado para apresentar o espectador não-iniciado ao sempre espirituoso Tony Stark. Gênio inventor, bilionário e dono da Stark Enterprises (uma das maiores fornecedoras de armas para as forças armadas), ele é seqüestrado por um grupo de terroristas denominado "Os Dez Anéis" (boa!). Gravemente ferido, o magnata é salvo pelo Dr. Yinsen (Shaun Toub), também prisioneiro. No cativeiro, Stark se surpreende com o farto arsenal da guerrilha, fabricado pela sua própria companhia, e é forçado a reproduzir seu novo míssil tático, Jericho. Mas com ajuda de Yinsen, ele constrói na surdina uma armadura rudimentar à prova de balas e equipada com algumas armas.

Após uma fuga conturbada e de volta aos EUA, ele se dedica a aperfeiçoar o conceito da armadura (Projeto Mark) e dar fim à divisão de armas da Stark Enterprises. Para isto, tem de enfrentar seu sócio, o ambicioso e perigoso Obadiah Stane (Jeff Bridges). Ao seu lado, estão o Cel. Jim Rhodes (Terrence Howard, de Valente), seu melhor amigo, e Virginia "Pepper" Potts (Gwyneth Paltrow), sua leal assistente e um quase interesse romântico.


Homem de Ferro é um PG-13 de altíssimo nível e que não se deixa mutilar em criatividade por causa disso. Que nem antigamente. Existe aqui uma violência física considerável e algumas mortes, mas enquadradas de maneira implícita e até com certo bom humor, algo que Hollywood parece ter desaprendido nas últimas décadas. Há tempos eu me pergunto onde foram parar aqueles filmes tão divertidos que eu curtia na adolescência. Por esta facilidade em lidar com abordagens mais pop, o ator/diretor Jon Favreau se revela um cineasta da velha escola - mesmo sem pertencer à velha escola. Isto já era perceptível no ótimo Zathura: Uma Aventura Espacial (2005), bem como a sua simpatia por Caos & Destruição, aqui orquestrados com gosto de gás pela gigante ILM em associação com a Orphanage e a Embassy.

De fato, os efeitos são bem mais moderados que os de um Hulk (2003) ou de qualquer Homem-Aranha, no entanto, soam muito mais verossímeis, facilitados pelas composições geométricas do vilão e do herói. Que, aliás, conta com um elegante design, casando a concepção do artista Adi Granov com elementos de sua armadura clássica. Já o Monge de Ferro (apelido com que Obadiah se refere aos fabricantes de armas), que tem uma clara inspiração cinética no Cain, de RoboCop 2, é um protótipo maior e atualizado da armadura que Stark construiu precariamente. O que nivela o confronto final, onde Stark/Homem de Ferro se apresenta em péssimas condições - caso contrário, ele venceria facilmente com sua armadura, muito mais sofisticada. Uma boa sacada que talvez tenha arrefecido um pouco as possibilidades da seqüência. Decisão difícil, hein?

Um problema: Stark poderia ter sido mais poupado naquela aterrissagem de nariz, durante a fuga do cativeiro. Aquele trechinho sugeriu um direcionamento estilizado que pra mim teria sido o horror, o horror. Só pra não estragar a criança. Afinal, é o primeirão totalmente indie da Marvel Studios.


Acima de tudo, o que faz todos os mecanismos de Homem de Ferro funcionarem como um motor de uma Ferrari, é a interação do cast principal (incluindo aí as pontes que o roteiro cria entre os personagens e a direção técnica dos atores). Invejável. Aqueles quatro são a força do filme. Não vejo Gwyneth Paltrow soar interessante desde... desde... A Força de um Passado (sem trocadilhos, 1993). Pepper é tridimensional, frágil, corajosa e cativante. A cena em que ela dá uma "mãozinha" a Stark é uma das minhas preferidas, com humor - negro até - e uma boa troca dramática. Terrence Howard, apesar do espaço limitado, se sobressai ao espectro do mero sidekick, mesmo ao lado do magnético protagonista. Não é surpresa que tanto Pepper quanto Rhodes salvem o traseiro metálico de Stark em momentos-chave.

Outra boa idéia foi o JARVIS, acrônimo de "Just A Rather Very Intelligent System" (voz de Paul Betanny, o sujeito mais sortudo do mundo), e seus diálogos sutis e mordazes com o dono da festa.

E Jeff Bridges... é uma força da natureza. Sua caricatura vilanesca é uma delícia de se assistir, subvertendo aquela aura bom-mocista que predominou em sua carreira. Valeu cada fio de cabelo tosado. Com certeza, é o campeão do elenco - Downey Jr. não conta... é o próprio Stark cuspido pra fora dos quadrinhos.

Se esse filme fosse uma armadura, me serviria perfeitamente. Sem exageros: não saio do cinema tão satisfeito desde os anos 80, quando tudo parecia mais legal.


Mais uma coisa...


Não esqueçam do final dos créditos. Cameo mais cool do L.J. desde Irresistível Paixão?

A arte imita a arte que imitou a vida.


Na trilha: por coincidência, "Institucionalized", do Suicidal Tendencies, que rola no filme. Que trilha, hein.