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segunda-feira, 27 de março de 2023

Rápido & rasteiro: demônios, lobisomens, psicopatas e fembôs assassinas

Ao lado da pilha de livros e gibis, também há uma pilha de filmes empalando o firmamento. Então, nada como reativar a velha seção "Rápido & rasteiro" para despachar algumas impressões a jato, talvez expandidas mais pra frente em posts dedicados. Ou não.

Simbora!


NO EXIT (Damien Power, 2022) — Fugitiva de um rehab, jovem pega a estrada e, durante uma nevasca, acaba isolada num abrigo com mais quatro viajantes. Lá, ela descobre que há um sequestro em andamento, mas não faz ideia de quem está envolvido. Suspense tenso e engenhoso, funcionando em sua maior parte em dois cenários fechados. A iniciante Havana Rose Liu é um achado. E é bom demais rever o sumido Dennis Haysbert.


THE DARK AND THE WICKED (Bryan Bertino, 2020) — Dois irmãos retornam à fazenda onde cresceram para ajudar sua mãe a cuidar do pai moribundo. Logo eles percebem que alguma coisa descambou para o lado do tinhoso durante o tempo em que estiveram afastados. Slow burn com atmosfera densa e perturbadora, elenco afiado, sustos bem colocados e ao menos uma cena genuinamente arrepiante (a do padre). Promissor esse diretor e roteirista Bryan Bertino.


THE CURSED (Sean Ellis, 2021) — Em uma área rural da França no final do século 19, um assentamento cigano é massacrado a mando de um grupo de landlords. A sequência, diga-se, é de uma cinematografia tão brutal quanto genial. E lógico que, em meio à carnificina, rola aquela maldição vingativa contra os algozes. Terrorzão de época cruzando lobisomens, The Thing e Os Invasores de Corpos '78 (!) num mix bizarro, mas eficiente.


ANYTHING FOR JACKSON (Justin G. Dyck, 2020) — Casal sênior sequestra uma jovem grávida para um ritual satânico que trará seu netinho de volta à vida. A dupla de atores é ótima: Sheila McCarthy e o carismático Julian Richings, o "Morte", da série Sobrenatural. É bem inusitada a situação dos dois personagens: pragmáticos (e aparentemente ateus convictos) apelando para magia barra-pesada como crianças tentando dirigir um caminhão. É claro que só pode dar merda. Boa diversão, apesar da produção a toque de caixa ofuscar alguns momentos.


ALONE (John Hyams, 2020) — Thriller survival horror de John Hyams, filho do grande Peter Hyams. O primeiro ato é uma espécie de versão feminina de Encurralado, do Spielberg, mas em vez de um magrinho de óculos às voltas com um provável bully, é uma mulher às voltas com prováveis abusadores. O diretor consegue nos colocar atrás dos olhos da protagonista e é aterrorizante a sensação de medo, paranoia e impotência, mesmo em situações simples e cotidianas. A tensão me manteve engajado até o último segundo. Não conhecia o trabalho da atriz Jules Willcox e foi uma grata surpresa, bem como a presença assustadora de Marc Menchaca (o Russ Langmore, de Ozark). O filme está disponível na Apple TV, Telecine e Globoplay com o título Sozinha.*

* não confundir com outro Alone, também de 2020 e remake de um zombie movie sul-coreano com trama copiada de um dos segmentos mais bacanas de World War Z — o do carinha que fica ilhado em seu apê durante um apocalipse zumbi. Prefira o livro.


ORPHAN: FIRST KILL (William Brent Bell, 2022) — O caso do prequel que supera o original. O filme começa mostrando a primeira "adoção" da vilã eternizada pela ótima Isabelle Fuhrman e fecha a primeira metade seguindo o mesmo padrão do anterior (de 2009!). Quando você está prestes a bocejar, o roteiro te dá um carrinho criminoso e a história então se torna completamente imprevisível. Surpreendente. Daria até para elaborar a ideia e desenvolver uma temporada de uma série. Hmm...


M3GAN (Gerard Johnstone, 2022) — Atualização ChatGPT de Brinquedo Assassino. O filme traz algumas breves discussões sobre o uso indiscriminado da tecnologia no dia a dia e algumas referências pop (a boneca tocando a melodia de "Toy Soldiers" no piano vai passar despercebida pela molecada). O problema é que se limita a ser divertidinho. E é praticamente censura livre. Pouquíssimo sangue à mostra, para abranger audiência mesmo. Pena. Mas a dancinha já é icônica.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Tudo sobre minha mãe


O release do filme de Almodóvar trazia uma passagem intrigante:

"Um ditado grego diz que apenas as mulheres que lavaram os olhos com lágrimas podem ver claramente".

Isso descreve bem a personagem Mother em Raised by Wolves, série recém lançada pela HBO Max. Mother é uma andróide (termo também originado do grego) e o tempo todo tem a lógica inflexível de sua programação bombardeada por experiências perturbadoramente humanas. Uma metáfora-tempestade-perfeita sobre a natureza da maternidade. E as metáforas não param por aí.

Na literatura, é comum autores recorrerem a outros planetas ou realidades alternativas para falar de suas visões políticas, sociais, filosóficas, etc. Ridley Scott sempre inseriu o artifício em suas incursões sci-fi e sempre se utilizando dos andróides como pivôs. São os seus peregrinos enviados a terras estranhas.

Apesar de criados à nossa imagem e semelhança, não são reféns dos mesmos princípios éticos e/ou religiosos – sendo a clássica regrinha de três nada mais que linhas de comando obsoletas prontas para serem reescritas. Foi assim com Ash (Alien), que classificou tais princípios como "ilusões de moralidade", com o replicante Roy Batty (Blade Runner) e seu resignado monólogo "Tears in the Rain" e com o David e sua necessidade de transcender a condição de filho/criatura (Prometheus) para se tornar também pai/criador (Alien: Covenant).¹

1 – Mitologicamente falando, praticamente um remake. Malditos gregos.

Foi uma jornada e tanto. E continua sendo.

Já nos primeiros três episódios, Raised by Wolves traz Ridley Scott em sua experiência mais intensa de humanidade sob os olhos de um andr... uma "pessoa artificial". E também a 1ª gynoid da vida do cineasta. Foi mal, Pris.


Ele é um dos produtores executivos e dirige os dois primeiros episódios. Seu filho, Luke Scott, dirige o terceiro. Mas apesar dos temas e da ambientação bem familiares, a série é criação de Aaron Guzikowski, que roteiriza os 4 primeiros episódios.

Em se tratando de HBO, é até redundância mencionar o alto nível da produção, mas vamos lá assim mesmo: efeitos especiais grandiosos, cinematografia que sobrecarrega a retina e muita inspiração na estética eternizada na franquia Alien, incluindo aí as artes do mestre H. R. Giger, ainda que ligeiramente diluídas pra não dar muito na cara.

Descontando o fato de que Ridley Scott segue em sua fixação de destruir naves espaciais gigantescas, não dá pra evitar certas conexões. Várias, aliás.

A premissa é um exercício de futurismo sombrio e, ao meu ver, uma extrapolação flagrante do que vivemos na atualidade. No ano 2145, a Terra foi devastada por uma guerra entre religiosos e ateus. Os poucos sobreviventes ganham o espaço em busca de um novo lugar para recomeçar.

Em segredo, os andróides Mother (Amanda Collin) e Father (Abubakar Salim) são enviados com um grupo de crianças a um planeta promissor e aparentemente desabitado. A missão é estabelecer uma colônia humana regida pelo ateísmo e com valores estritamente científicos. Os anos passam com uma cota acachapante de percalços que é pontuada pelo maior deles: uma nave com um contingente de religiosos chega ao planeta.

Comentar mais é desnecessário, mas já dá pra perceber o caminho arriscado – e riquíssimo – que Raised by Wolves escolhe trilhar.


Mesmo sem travar uma hard talk entre religião e ciência, o roteiro consegue deixar claro o que está em jogo ali. Tão interessante quanto observar a predisposição (genética?) de uma criança à crença em um poder superior invisível é acompanhar a incansável retórica de Mother. Sentenças como "a crença no irreal pode confortar a mente humana, mas também enfraquecê-la" ou "nunca avançaremos, a menos que resistamos ao impulso de buscar consolo na fantasia" parecem extraídas de anotações do Richard Dawkins.

Se o modelo Hyperdyne 120-A-2 era disfuncional, o caso de Mother é a completa experiência materna on crack. Um elo perdido entre a precursora Maria (com referência no design em seu modo Necromancer/Mamãe É de Morte), a Banshee do folclore celta (embora tenha me lembrado mesmo a Banshee Prateada!) e, obviamente, a zelosa Sra. Norma Bates. Ainda assim, Mother é capaz de emocionar em momentos de notável sensibilidade ao lidar com questões como luto, culpa e redenção. Como toda mãe tridimensional que se preze.

Amanda Collin brilha. Sua atuação é visceral e performática, evidente em cada pêlo eriçado e veia saltada de seu rosto. Sistema Stanislavski adaptado de algum tablado hardcore dinamarquês, com certeza. Este post é dela, por obséquio, mas um grande jogador precisa de um grande time. E isso ela teve.

Abubakar Salim executa com perícia um trabalho dificílimo como o passivo e circunspecto Father, que, ao mesmo tempo em que administra os excessos de Mother, evita sucumbir à força da natureza que ela representa. Impossível não lembrar daquele antológico James Woods de As Virgens Suicidas.

O garotinho Winta McGrath como o relutante Campion também é uma grata surpresa. Travis Fimmel e Niamh Algar como o casal de ex-guerrilheiros e impostores Marcus e Sue estão corretos. A cena das cirurgias feitas por um andróide semicarbonizado (2º episódio) é ótima.

Assistir Mother defendendo no grito (literalmente) a santidade de seu dever – e frequentemente assumindo o inglório manto de anti-heroína – é uma análise do quão traiçoeira é a linha que separa o amor e o ódio. Ou o céu e o inferno.

Definitivamente, ser mãe é padecer no paraíso.

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

A companhia dos lobos

"Série de ficção científica dramática sobre andróides criando crianças humanas em uma colônia nos confins do espaço..."

– Hm, ok. Vou por na lista.

"...co-criada por Ridley Scott para a HBO Max."

– Caraaaaa....


Raised by Wolves é projeto conjunto da (Ridley) Scott Free Productions com o Turner's Studio T e a Madhouse Entertainment. O cineasta também é um dos produtores executivos e assina a direção dos dois primeiros episódios.

Na trama, um casal de andróides cria crianças humanas num planeta misterioso e recém-colonizado. Com as colônias divididas por diferenças religiosas, os andróides aprendem que lidar com os diversos aspectos das crenças humanas pode ser uma tarefa traiçoeira e complexa. O roteiro é de Aaron Guzikowski, do ótimo Os Suspeitos (2013).

A dinamarquesa Amanda Collin interpreta a gynoid Mother (entendi a referência!) e Abubakar Salim interpreta o andróide Father. Mas provavelmente o rosto mais conhecido do elenco é Travis Fimmel, o Ragnar da série Vikings, aqui no papel de Marcus.

Visualmente, o padrão Ridley Scott de imagética sci-fi não decepciona. Claro, os créditos são todos da equipe que trabalha para reeditar a consagrada identidade visual do homem – mas, no final das contas, é ele quem aprova ou não o resultado final. Então... está lá o sugestivo mix de Blade Runner e até dos Alien erigindo o pano de fundo.

Ah, e Prometheus. Afinal, há uma boa chance da religião ser novamente hackeada numa produção de Ridley Scott. Será que dessa vez ele vai deixar o roteirista nos mostrar até onde vai a toca do coelho?

Estreia em 3 de setembro.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

EXTERMINADOR, PARTE 3: O LEGADO


No começo de O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas, de 2003, John Connor mostra o quanto pode ser pesado o fardo de um predestinado. Ali, sabemos que ninguém viveu feliz para sempre desde o final de T2, pelo contrário. Num tom amargo e monocórdico, Connor, agora adulto, narra em detalhes o impacto que aqueles eventos tiveram em sua vida. O estrago foi profundo e irreparável. Mesmo anos depois, supostamente "livre" da responsabilidade de juntar os estilhaços que sobrarão da raça humana. Repetindo um lugar-comum na trajetória de vários líderes e messias ao longo da História, John Connor mergulhou no vazio e na obscuridade por um período. Tornou-se pária por opção, ou por falta de. Nada heróico, mas muito humano. É um dos momentos mais realistas e tristes da trilogia.

Confesso que esse início, bem mais dramático e intimista que o padrão da série, me desarmou em relação ao Nick Stahl. Não o conhecia, ainda não tinha assistido Carnivàle e era algo irregular a substituição de Edward Furlong. Em contrapartida, Furlong cresceu e seu estilo de vida junkie estava estampado bem na cara. Embora John Connor ainda não fosse um personagem de intensidade física, tínhamos de ver alguma raiva ardendo por trás daquela melancolia solitária. Stahl convence, adicionando ao contexto um tanto de relutância, perplexidade e inconformismo pelo inevitável.

Não era lá um papel muito fácil. Não havia catarse e era uma história de transição. Connor tinha que aceitar e abraçar o seu próprio legado - o filme é sobre o processo que o leva a isso. Apesar das sequências retumbantes de ação (a perseguição inicial é pra levantar e fazer uma ola), na maior parte do tempo A Rebelião das Máquinas trafega ao largo das convenções do gênero e, por extensão, das convenções estabelecidas pelo próprio James Cameron para a franquia. Há poucas tomadas noturnas, a fotografia gélida dos filmes anteriores agora dá lugar a um visual sóbrio à luz do dia. A dinâmica e o crescimento moral dos personagens têm mais importância do que o ritmo frenético, o que não é uma proposta muito comercial vindo de um blockbuster.

Mas há algumas verdades incontestáveis a respeito deste filme: é, em essência, um caça-níqueis, tramado pelos produtores Mario Kassar e Andrew Vajna desde a falência da Carolco em 1995; e não se compara aos dois anteriores por simples inferioridade cinemática, por mais que eventualmente tenha acertado.

E acertou. Não o tempo todo, mas o suficiente - pra mim e até para o Cameron, maníaco perfeccionista e detrator do filme durante sua produção.


Desta vez, o único link com o futuro pós-apocalíptico de Salvação (pauta/objetivo dos últimos posts, só pra esclarecer) se dá na forma de um pesadelo de Connor. A cena soa mais como obediência a uma tradição da série do que qualquer outra coisa, mas é de encher os olhos. Começa acompanhando o voo de alguns hunter killers aéreos até uma unidade de exterminadores avançando em uma zona de combate. Embora os modelos reais de Stan Winston ainda sejam imbatíveis, foi uma das raras vezes em que um emprego de CGI me soou convincente - e, de certa forma, até inevitável. Por mais que seja entusiasta dos animatronics e dos efeitos rústicos da velha escola, não há outra maneira disso ser feito nessa escala.

Também em T3 as distorções temporais têm suas variações mais significativas. O "the future is not set" de John Connor entra em rota de colisão com o "Judgment Day is inevitable" do T-850. Ainda que sutis, houveram sim alterações na linha do tempo. Por conta dos eventos de T2, o exterminador não se identifica mais como um modelo Cyberdyne Systems, citada até por Kyle Reese como parte da sua realidade no futuro. A Skynet não é mais uma linha de superprocessadores criada por Miles Dyson baseada no CPU do primeiro exterminador (olha o loop aí de novo). Com a destruição de seu centro de pesquisas, a Cyberdyne quebrou e seus projetos foram adquiridos pela Força Aérea dos EUA e desenvolvidos por seu setor de tecnologia, a CRS (Cyber Research Systems Division) - incluindo o da Skynet, que "reencarnou" como um software de defesa estratégica.

O destino deu seu jeito, mas como se vê, não é totalmente imutável. Como diria o Farraday, de Lost, é preciso um número considerável de variáveis para alterar uma constante.

Os modelos robóticos que aparecem em T3, ainda primários, dão uma noção melhor da evolução dos exterminadores. Curioso ver HKs aéreos em dimensões bem menores, alguns exterminadores T-1 fazendo as primeiras vítimas humanas da Skynet e até o que parece ser um protótipo humanóide dos robôs (no canto à esquerda). Infelizmente, não foi dessa vez que vimos um HK Centurion em ação no front de batalha.

E, claro, a T-X, exterminadora de exterminadores que é uma evolução do T-1000 com endoesqueleto metálico, arsenal generoso e altíssima capacidade de infiltração. De longe, é a que parece mais humana entre os exterminadores - e com direito a reação orgástica quando na iminência de atingir seu alvo primário. E eu morreria feliz. Ah, Kristanna Loken...


Mas não dá pra comentar sobre o filme sem mencionar o que ele teve de mais surpreendente. Os cinco minutos finais de T3 me pegaram no contrapé. Não esperava mesmo e a partir dali o que perigava ser apenas uma aventura eficiente e derivativa, ganhou peso e substância. E refletiu em tudo o que eu havia visto até ali, expandindo seu significado bem diante dos meus olhos - alterando até, como uma boa viagem no tempo. Sequência final bela, aterradora e emocionante, de longe a mais recompensadora da série.

T3 forneceu a base perfeita para Salvação. E tão importante quanto John Connor finalmente acreditar em si mesmo naquela conclusão, é o fato de me fazer acreditar também.

Até segunda ordem, pelo menos.