Edição original em LP Toma Lá Disco TLP 003
(PORTUGAL, Setembro 1976)
Meu amor que eu não sei
amor que eu canto
amor que eu digo.
Teus braços
são a flor do aloendro.
Meu amor
por quem parto
por quem fico
por quem vivo.
Teus olhos
são da cor do sofrimento.
Amor-país
quero cantar-te
como quem diz:
o nosso amor
é sangue
é seiva
é sol
é Primavera.
Amor intenso.
Amor imenso.
Amor instante.
O nosso amor
é uma arma
é uma espera.
O nosso amor
é um cavalo alucinante
o nosso amor
é pássaro voando
mas à toa
rasgando o céu
azul-coragem de Lisboa.
Amor partindo.
Amor sorrindo.
Amor doendo.
O nosso amor
é como a flor do aloendro.
Deixa-me soltar
estas palavras amarradas
para escrever com sangue
o nome que inventei.
Romper
ganhar a voz
duma assentada
dizer de ti
as coisas que eu não sei.
Amor.
Amor.
Amor.
Amor de tudo ou nada.
Amor-verdade.
Amor-cidade.
Amor-combate.
Amor-abril.
Assim se lê o poema que baptiza este disco, um dos mais límpidos trabalhos de Carlos Mendes. O dicionário fornece os seguintes significados para essa palavra: claro, transparente, puro, sem mancha, qualquer deles adaptando-se na perfeição ao pulsar geral do album. Ao poema-título Joaquim Pessoa adicionou mais dez e Carlos Mendes teve o bom gosto de os musicar a todos. Nascia assim, entre os meses de Fevereiro e Agosto de 1976, o 1º album publicado pela “Toma Lá Disco”, a primeira editora discográfica independente que existiu em Portugal, fundada nesse mesmo ano por Carlos Mendes, Paulo de Carvalho e Fernando Tordo, entre outros autores. Não admira portanto que estes últimos tenham colaborado também na gravação deste disco, quer adicionando as suas vozes aos coros quer participando como músicos de estúdio. Aliás, é impressionante a quantidade (e qualidade) dos músicos presentes (ver ficha técnica) o que não impediu o som final de apresentar as tais características simples e cristalinas a que se fez referência.

“Amor Combate” seria premiado pela crítica como o Melhor Disco do Ano. Não obstante essa distinção, em mais de 30 anos decorridos, não houve sequer uma alminha responsável por uma qualquer editora que o tentasse re-editar em CD. É assim o país em que vivemos. Aproveitem pois mais esta iniciativa de Rato Records que aqui vos disponibiliza uma pérola rara da música portuguesa e com uma qualidade sonora capaz de fazer corar de vergonha muitas gravações recentes que por aí abundam; por certo de êxito fácil e garantido mas provavelmente sem a importância nuclear deste registo. Deixo-vos agora com a minha canção preferida:
CANÇÃO AMARGA
Descubro em ti
a dor que eu próprio invento
a fúria que me bate
a força que me chama
amor agreste
a rosa sobre a lama
chuva de Abril
anel de sofrimento.
Descubro em mim
o porto aonde moras
e a tua ausência
na cama onde me deito
Invento a flor mais triste
quando choras
e a noite principia
no meu leito
Tu és o linho
o beijo
a despedida
és o instante
a hora
a vida inteira
és o meu lume
o fogo da lareira
a fúria da razão
mesmo vencida.
Eu sou o vinho
a raiva
ou a loucura
já nem sou nada
sou tudo o que quiseres
mas onde estás?
onde é que eu te procuro?
pássaro triste
irei onde estiveres.
Ai meu amor
meu canto de amargura
morres em mim
tão perto de viveres!