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segunda-feira, 14 de julho de 2025

CARLOS MENDES ~ "CORAÇÃO DE CANTOR"

Edição original em CD Lusogram 10010 (PT 1999-12)

Belíssimo álbum, composto por 10 temas originais (e ainda mais um extra), com música de Carlos Mendes e letras de Joaquim Pessoa (duas canções) e José Jorge Letria (oito). Desde a qualidade de todos os temas, passando pelas interpretações magníficas de Carlos Mendes e acabando nos acompanhamentos musicais categóricos e precisos, tudo se conjuga aqui para uma pérola da música portuguesa do final do século passado. Escrita nessa transição centenária, a canção que encerra o disco - "Em Nome do Sonho" - é algo de grande força criativa. Deixo-vos aqui a letra, mas por favor ouçam a canção. Bem como tudo o resto, claro.

EM NOME DO SONHO
(Carlos Mendes / José Jorge Letria)

Há um século que se abeira do fim
Barco incerto de névoa e distância
Com um porão de sonhos traídos
E saudades dos mares da infância
 
Há um século que se cansa de tudo
Das feridas que não querem sarar
E que escreve no livro do vento
O desejo que tem de mudar
 
Há um século à porta ofegante
Já distante do riso e da festa
Que promete levar por diante
A centelha da esperança que resta
 
Há um século com filhos a bordo
E metades de nós a cantar
Que promete colheitas de frutos
Nos campos onde mora o luar
 
Disto tudo se faz a magia
De outro tempo chamado utopia
Disto tudo se faz a magia
Que há-de chegar qualquer dia
 
Há um século em nós à deriva
Perguntando o que falta fazer
E um tempo que pede mais tempo
P’ra lembrar que não pode esquecer


quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

CARLOS MENDES: "Verão"


Edição original em EP Parlophone LMEP 1300
(PORTUGAL, Maio de 1968)



«Calhou ter ganho o Festival da Canção em 1968 e me ter enamorado por uma inglesa, que se chamava Linda. Por isso, fazia algumas incursões a Londres e, numa delas, passei por Paris quando havia manifestações. Achei a coisa apetecível até porque tinha por lá amigos e conhecidos, alguns de 1966, quando os Sheiks lá tocaram. Mas não participei nelas com o espírito activista que mais tarde me levaria a aderir a greves e manifestações em Portugal. Na altura, não fiquei para assistir ao desfecho. O amor falou mais alto. Havia uma diferença substancial entre Lisboa e Paris. É como comparar, hoje, uma aldeia do Portugal mais profundo com Lisboa. Portugal era um país repressivo.


Tinha acabado de entrar no curso de Arquitectura, na Faculdade de Belas Artes, e levava pouca experiência do liceu, apesar de o meu irmão mais velho, o Abílio, ter estado nas manifestações de 61/62 e o meu irmão do meio, Jaime, ter fugido para a Suiça, porque era militante do PCP na clandestinidade e a PIDE não perdoava. As consequências do Maio de 68 chegam tarde a Portugal. Na Universidade desenhávamos umas possibilidades e dizíamos "bora lá fazer uma coisa destas contra a guerra e por um ensino diferente".


Começámos a usar cabelos compridos. O meu, como era encaracolado, crescia para cima, tipo black power. A imagem de Che Guevara seduzia-nos. Deixo crescer o bigode, a barba, andava de boina, com sapatos tipo alpercatas, calças sujas e pintadas. Éramos olhados de lado e até ofendidos. "Lá vai o bicho", diziam. Há coisas de que me lembro que nem acredito. Alguns amigos, à noite, escondiam os cabelos nas camisolas para não serem molestados. No mínimo éramos enxovalhados por dar um beijo à namorada em público. Ou vinha o polícia dizer que para a próxima era multado e que aquilo era uma coisa que se fazia em pensões ou em quartos privados. E a guerra dos cafés, em Lisboa... No Vává, a malta de esquerda, na Mexicana os de direita. Ia muito ao Hot Club, para ouvir música diferente. Às vezes comia-se o bife na Portugália e acabava-se de madrugada, na Ribeira, a beber cacau quente. (Carlos Mendes in "Sexta", 18 de Abril de 2008)

sábado, 14 de dezembro de 2019

"Ruas da minha cidade..."


«Eis a costa do sangue. Aqui nasci, e ouvi cantar os homens. Com eles aprendi a cantar e a sofrer, aprendi o amor e a justiça. Com eles aprendi o verdadeiro nome de todas as coisas. Através deles, pude ver o negro focinho do lobo tingido de sangue.
E vi o falcão devorar as entranhas da gaivota.
Era pequeno, lembro-me, e neste lugar o sangue rompia, de súbito, por detrás de tudo, como uma violenta e rápida tempestade de Maio. Então, os homens juntavam-se ou dispersavam, furiosos e ameaçadores, às vezes tristemente calados, com uma doce coragem feita de resignação magoada.
Com estes homens, aqui, na costa do sangue, aprendi a cantar. 
Depois vi-os morrer. E os seus nomes guardei-os.
Como um vinho. Uma lição.
Por isso o meu canto é um recado.
Por isso o meu nome é uma canção.»
(Joaquim Pessoa)


Edição original em LP Toma Lá Disco TLP 007
(PORTUGAL, 1977)


E uma vez mais o poema se fez canção. A seguir a “Amor Combate”, em 1976, Carlos Mendes volta a musicar a poesia de Joaquim Pessoa um ano depois, e novamente com excelentes resultados. Apesar da maioria dos textos possuirem já na sua origem toda uma musicalidade que os proporcionavam a ser cantados, o trabalho de Carlos Mendes é magnífico, pela sensibilidade muito especial com que revestiu todos os poemas escolhidos. Lisboa constitui-se como referência primeira deste album incontornável, quer como personagem central (“Lisboa Meu Amor”/“ Ruas de Lisboa”) quer como pano de fundo a outras histórias (como o operário do “Monólogo” que depois de banhos na Caparica vai à Luz ver o Benfica ou como essa “Amélia dos Olhos Doces”, grávida de esperança, do Bairro da Lata do Cais do Sodré, que tem um gosto de flor na boca e na pele e na roupa perfumes de França). De referir também a presença dos belissimos “Nocturno” e “No Silêncio da Espera”, dois dos poemas de amor mais conhecidos de Joaquim Pessoa. Gravado por José Manuel Fortes nos estúdios da Rádio Triunfo em Lisboa e editado em 1977 (a crítica distinguiu-o como o Melhor Album do Ano) pela cooperativa de música “Toma Lá Disco”, “Canções de Ex-Cravo e Malviver” tem arranjos e direcção musical de Pedro Osório e a participação de excelentes músicos e intérpretes (ver ficha técnica). O facto de em mais de quarenta anos não ter conhecido qualquer edição em CD (mais uma lesa-cultura entre tantas outras) apenas torna mais oportuna a sua apresentação aqui, uma vez mais, no blog do vosso amigo Rato, que a partir do vinil original conseguiu obter esta notável digitalização.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

CARLOS MENDES: "Amor Combate"

Edição original em LP Toma Lá Disco TLP 003
(PORTUGAL, Setembro 1976)



Meu amor que eu não sei
amor que eu canto
amor que eu digo.

Teus braços 
são a flor do aloendro.

Meu amor 
por quem parto 
por quem fico
por quem vivo.

Teus olhos 
são da cor do sofrimento.

Amor-país
quero cantar-te
como quem diz:
o nosso amor 
é sangue
é seiva
é sol 
é Primavera.

Amor intenso.
Amor imenso.
Amor instante.

O nosso amor 
é uma arma 
é uma espera.

O nosso amor 
é um cavalo alucinante
o nosso amor 
é pássaro voando 
mas à toa
rasgando o céu 
azul-coragem de Lisboa.

Amor partindo.
Amor sorrindo.
Amor doendo.

O nosso amor 
é como a flor do aloendro.

Deixa-me soltar 
estas palavras amarradas
para escrever com sangue 
o nome que inventei.

Romper 
ganhar a voz 
duma assentada
dizer de ti 
as coisas que eu não sei.

Amor.
Amor.
Amor.

Amor de tudo ou nada.
Amor-verdade. 
Amor-cidade.
Amor-combate.
Amor-abril.

Este amor de liberdade


Assim se lê o poema que baptiza este disco, um dos mais límpidos trabalhos de Carlos Mendes. O dicionário fornece os seguintes significados para essa palavra: claro, transparente, puro, sem mancha, qualquer deles adaptando-se na perfeição ao pulsar geral do album. Ao poema-título Joaquim Pessoa adicionou mais dez e Carlos Mendes teve o bom gosto de os musicar a todos. Nascia assim, entre os meses de Fevereiro e Agosto de 1976, o 1º album publicado pela “Toma Lá Disco”, a primeira editora discográfica independente que existiu em Portugal, fundada nesse mesmo ano por Carlos Mendes, Paulo de Carvalho e Fernando Tordo, entre outros autores. Não admira portanto que estes últimos tenham colaborado também na gravação deste disco, quer adicionando as suas vozes aos coros quer participando como músicos de estúdio. Aliás, é impressionante a quantidade (e qualidade) dos músicos presentes (ver ficha técnica) o que não impediu o som final de apresentar as tais características simples e cristalinas a que se fez referência.


“Amor Combate” seria premiado pela crítica como o Melhor Disco do Ano. Não obstante essa distinção, em mais de 30 anos decorridos, não houve sequer uma alminha responsável por uma qualquer editora que o tentasse re-editar em CD. É assim o país em que vivemos. Aproveitem pois mais esta iniciativa de Rato Records que aqui vos disponibiliza uma pérola rara da música portuguesa e com uma qualidade sonora capaz de fazer corar de vergonha muitas gravações recentes que por aí abundam; por certo de êxito fácil e garantido mas provavelmente sem a importância nuclear deste registo. Deixo-vos agora com a minha canção preferida:

CANÇÃO AMARGA

Descubro em ti 
a dor que eu próprio invento
a fúria que me bate
a força que me chama
amor agreste 
a rosa sobre a lama
chuva de Abril
anel de sofrimento.

Descubro em mim 
o porto aonde moras
e a tua ausência 
na cama onde me deito
Invento a flor mais triste 
quando choras
e a noite principia 
no meu leito

Tu és o linho 
o beijo 
a despedida
és o instante 
a hora 
a vida inteira
és o meu lume 
o fogo da lareira
a fúria da razão 
mesmo vencida.

Eu sou o vinho 
a raiva 
ou a loucura
já nem sou nada 
sou tudo o que quiseres
mas onde estás? 
onde é que eu te procuro?
pássaro triste 
irei onde estiveres.

Ai meu amor 
meu canto de amargura
morres em mim 
tão perto de viveres!

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Na Hora da Morte de JOSÉ NIZA (16/9/1938 - 23/9/2011)

Edição Original em LP Orfeu STAT 013 (1972)





tempo de poesia
***
todo o tempo é de poesia
desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia
desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia
entre bombas que deflagram
corolas que se desdobram
corpos que em sangue soçobram
vidas que a amar se consagram
sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança
sob o arco da aliança
da celeste alegoria
todo o tempo é de poesia
desde a arrumação do caos
à confusão da harmonia
(RE-UPLOAD)
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