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quarta-feira, maio 24, 2023

CANNES 76
— afinal, o 3D resiste

A obra de Anselm Kiefer
revista e reinventada por Wim Wenders

Wim Wenders trouxe a Cannes um novo trabalho documental: Anselm é um magnífico retrato do artista alemão Anselm Kiefer, cruzando memórias da guerra com o fascínio das imagens a três dimensões — este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 maio).

Se julgarmos que os filmes a três dimensões se esgotaram na fúria comercial (e na mediocridade criativa) dos super-heróis da Marvel, talvez estejamos a passar ao lado do que realmente importa… Tendo em conta o documentário Anselm, uma realização de Wim Wenders sobre o artista Anselm Kiefer, o menos que se pode dizer é que o 3D resiste e, num caso como este, se revela um instrumento precioso para um tratamento (realmente) cinematográfico das imagens.
Não é a primeira vez que Wenders recorre ao 3D: a técnica dos “filmes para ver com óculos” era já fundamental na sua abordagem do universo de Pina Bausch (Pina, 2011). O certo é que, agora, ele próprio reconhece que Anselm beneficiou da espectacular evolução deste tipo de tecnologia, conferindo ao filme uma dimensão de ambíguo fascínio: quanto mais nele se documentam as obras do protagonista, mais sentimos que vogamos num universo visual (também sofisticadamente sonoro) que tende para o imponderável do sonho.
Sonho e pesadelo, importa acrescentar. Nascido a 8 de março de 1945, cerca de seis meses antes do fim da Segunda Guerra Mundial, Kiefer pertence à geração de alemães que, literalmente, cresceram no meio da destruição deixada pela guerra — as imagens de crianças a brincar em cenários de ruínas são impressionantes de crueldade e candura. A sua visão, sempre a meio caminho entre pintura e escultura, envolve o desejo “insensato” de ocupar todas as paisagens e construir um mundo cuja materialidade não exclui, antes intensifica, a dimensão mais íntima da dor e da memória.
Projectado extra-competição, numa das “Séances Spéciales” da seleção oficial, Anselm é apenas “metade” da presença de Wenders em Cannes: Perfect Days, o seu novo filme de ficção, rodado em Tóquio com um elenco totalmente japonês, será apresentado a concorrer para a Palma de Ouro.

segunda-feira, dezembro 30, 2019

10 filmes que marcaram a década [3]


[ A Rede Social ] [ A Árvore da Vida ]

ADEUS À LINGUAGEM (2014), de Jean-Luc Godard


Um dia, será corrigida a história moderna das três dimensões no cinema. Será, sobretudo, lembrado que as aventuras mais ou menos galácticas de super-heróis e afins não esgotam esse domínio. Este é um dos filmes com que Jean-Luc Godard mostrou e demonstrou que é possível usar o 3D para lá das suas preguiçosas rotinas. Não por acaso, estamos também perante um exercício moral sobre a urgência de repensarmos a comunicação humana. Nele se diz: “Procuro a pobreza na linguagem.”

quinta-feira, setembro 01, 2016

"Terminator 2" em 3D

Está em marcha uma versão 3D de Terminator 2/Exterminador Implacável 2 (1991), o filme de James Cameron com Arnold Schwarzenegger... Porquê? E sobretudo: para quê?
A resposta é simples: as salas que passam filmes a três dimensões tornaram-se fundamentais na acumulação de receitas da grande indústria, num fenómeno realmente transversal que se estende desde os EUA à China. Resta saber qual o sentido de "injectar" um artifício tecnológico num filme que não o integrava — e que, tal como foi concebido, se tornou uma referência de culto entre os grandes espectáculos da década de 90.
Vamos esperar pelo Verão de 2017 e desejar que os nossos pressentimentos mais negativos não se confirmem.

segunda-feira, fevereiro 22, 2016

Edgar Pêra: filmar em 3D (2/2)

Em Lisbon Revisited, Edgar Pêra filma Lisboa a partir das palavras de Pessoa, desafiando os limites correntes do cinema a três dimensões — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Fevereiro), com o título 'A dança da felicidade'.

[ 1 ]

No cinema, como o próprio Edgar Pêra reconhece, a noção de “experimentalismo” pode ser uma armadilha. Acima de tudo, creio que não faz sentido usá-la como caução para definir algo que estaria “à frente” de qualquer outro trabalho rotulado de mais tradicional ou apenas desfrutando de maior evidência mediática. Por mim, confesso, há muitos anos que reconheço em alguns produtos vindos do coração de Hollywood uma invenção e um sentido de risco infinitamente mais ricos que certas “vanguardas” que disfarçam mal o seu academismo e auto-complacência.
Isto para dizer que Lisbon Revisited, seja qual for o rótulo que lhe queiramos colocar, constitui uma fascinante experiência de cinema. A sua revisitação das palavras de Fernando Pessoa atrai uma estranheza (que se entranha, como diria o poeta) capaz de integrar um desarmante efeito de reconhecimento: vamos identificando algumas referências emblemáticas da cidade de Lisboa, ao mesmo tempo que a dança feliz das imagens e dos sons (Pêra é também, à sua maneira, um obsessivo cineasta da escuta) nos projecta num universo alternativo e libertador.
Dizer que Lisbon Revisited desafia as fronteiras convencionais de documentário e ficção, sendo verdade, acaba por ser francamente insuficiente. Porquê? Porque estamos para além de um cinema estruturado por géneros ou temáticas. Este é um objecto cinematográfico consciente da impossibilidade de “reproduzir” o que quer que seja, apostado antes em viver, pensar e repensar o que pode resultar da relação de um olhar humano com a herança de um poeta. Mais ainda: em tal projecto, o 3D não é um “gadget”, mas um genuíno instrumento filosófico: vemos o que dizemos ver ou imaginamos o que julgamos ver? A experiência envolve-nos numa surpresa tecida de serenidade.

sábado, fevereiro 13, 2016

Edgar Pêra: filmar em 3D (1/2)

Em Lisbon Revisited, Edgar Pêra filma Lisboa a partir das palavras de Pessoa, desafiando os limites correntes do cinema a três dimensões — esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (10 Fevereiro), com o título '“Os meus filmes não se contam por palavras"'.

Qual é o ponto de partida de Lisbon Revisited? As palavras de Fernando Pessoa ou as imagens da cidade?
Comecei por imaginar uma cidade apocalíptica, sem pessoas, ocupada pelo universo vegetal. A ideia das vozes-fantasma pessoanas surgiu depois, numa segunda fase de rodagem. Daí a grande liberdade da escolha dos textos: não houve uma preocupação de ilustração das palavras de Pessoa ou vice-versa. A complementaridade palavra/imagem/som foi feita de “sincronicidades” propositadamente acidentais durante a montagem. Só houve a preocupação de criar harmonia entre texto, imagem e banda sonora. Os fantasmas não narram o que vêm, exibem as suas obsessões.

Como é que fica estabelecida a estrutura final do filme? Em particular, como são tomadas as decisões para manipular as imagens?
A primeira grande decisão de manipulação/montagem foi a de inverter, em diferentes matizes, as cores das imagens filmadas durante o dia e manter o foto-realismo das imagens da noite. Assim, à noite, o Real assoma-se, e de dia só existem imagens-fantasma. A divisão em capítulos com títulos pessoanos, cria, a meu ver, uma estrutura mais livre. O grande desafio foi criar algo que não aparente ser programado, a acontecer em tempo real e sob um prisma trans-realista. Em vez de um Delírio em Las Vegas é um Delírio em Lisboa, como já li numa crítica italiana, quando o filme estreou em Locarno. Prefiro o termo delirante a psicadélico, por exemplo.

Aceita que se diga que o seu cinema é experimental? Porquê?
Tenho dificuldade em aceitar o termo experimental, que é tendencialmente uma forma de rotular tudo o que não se adapta nem à lógica de Hollywood nem à lógica do “cinema de autor”, o que faz com que esse de cinema permaneça longe das salas. Faço muitas experiências antes de filmar e nesse sentido aproximo-me de Hollywood, que faz inúmeros testes antes da rodagem. No meu caso, os testes podem prolongar-se até à montagem. Mas o filme não é um exercício de laboratório. No entanto, se substituíssemos experimental por experiencial, já não me oporia a esse termo. Pretendo que os meus filmes sejam algo de indizível, que não se conta por palavras. É preciso experienciá-los. Mas não tenho qualquer problema em fazer um filme-romance, desde que haja dinheiro (aliás, tenho na gaveta muitos guiões rejeitados). Senão fico-me pela cine-poesia.

Quais são (ou seriam) as boas condições de difusão de um filme como Lisbon Revisited? A evolução do mercado tem favorecido a diversidade, em particular no que se refere ao cinema português?
Há sempre um problema quando se filma em 3D, que é a escassez de salas equipadas. Lisbon Revisited foi auto-financiado, sem os apoios imprescindíveis do ICA (o projecto foi recusado). No entanto, conseguimos um apoio da CML e da Casa Fernando Pessoa, que nos permitiu organizar uma exposição de fotografias anaglíficas 3D e uma instalação, que prolonga o filme. As fotografias anaglíficas são à primeira vista bidimensionais, mas como que por magia transformam-se em objectos tridimensionais. Estou muito satisfeito que a Casa da Liberdade acolhesse a exposição (que inaugurará dia 17).

Como espectador, que filme ou filmes o impressionaram mais nos últimos tempos? E porquê?
Sou espectador das minhas imagens (e sons) uma parte substancial do dia, e sobra pouco tempo para ir ao cinema. Mas os filmes vêm ter a minha casa sob a forma de séries ditas televisivas. A última que vi com extremo agrado foi a primeira temporada de Fargo. Há um travelling que acompanha do exterior de um edifício uma matança em off, que é do melhor cinema que vi nos últimos tempos.

sexta-feira, outubro 16, 2015

O 3D de Zemeckis

A reencenação da proeza de Philippe Petit, caminhando num arame entre as Torres Gémeas do World Trade Center, é pretexto para um assombroso filme de Robert Zemeckis — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 Outubro), com o título 'Um realismo a três dimensões'.

Infelizmente, sabemos que há motivos para “desconfiar” da evolução recente do cinema a três dimensões. E não por questões conceptuais, muito menos críticas. Antes porque, como muitos espectadores rapidamente perceberam, tem havido um grande número de filmes (com super-heróis e afins) de tal modo indigentes na utilização do 3D que, em boa verdade, a sua ostentação parece decorrer apenas de uma lógica oportunista de marketing: ter um novo rótulo promocional e... aumentar o preço dos bilhetes!
O mínimo que se pode dizer de O Desafio [título original: The Walk] é que Robert Zemeckis sabe muito bem o que está a fazer. Ele é, afinal, um dos novos grandes experimentadores do 3D, como o demonstram Beowulf (2007), uma recriação do clássico poema inglês com Angelina Jolie, e Um Conto de Natal (2009), adaptação da história de Charles Dickens, com o extraordinário Jim Carrey a assumir várias personagens.
Dizer que o 3D confere espessura física à travessia no arame empreendida por Philippe Petit é, por certo, verdadeiro. Mas também insuficiente: O Desafio ilustra a possibilidade de o cinema, através das novas tecnologias das três dimensões, reconverter a vida orgânica do espaço e, nessa medida, o olhar do próprio espectador face a qualquer coisa que, mesmo no mais delirante artifício, postula a possibilidade de um novo realismo.
O Desafio acaba por pertencer a um lote de filmes de excepção em que podemos incluir Alice no País das Maravilhas (Tim Burton, 2010), A Invenção de Hugo (Martin Scorsese, 2011) ou Pina (Wim Wenders, 2011). Para lá das suas muitas diferenças, aquilo que os une é essa crença muito antiga segundo a qual o cinema, sendo uma visão do mundo, implica também a invenção de um novo mundo.
E não deixa de ser curioso relembrar que, muito antes de O Desafio, Zemeckis se mostrou um criador empenhado em desafiar os vectores do espaço e também o tempo e respectivas durações — será preciso sublinhar que Quem Tramou Roger Rabbit? (1988), conciliando corpos humanos e figuras animadas, envolvia um importante sentido premonitório? Dir-se-ia que, na candura quase infantil do seu desafio, Phillipe Petit personifica o mais radical gosto cinéfilo: olhar o mundo à nossa volta e proclamar que... tudo é possível!

terça-feira, abril 02, 2013

"Parque Jurássico" em 3D — para quê?

Parque Jurássico, de Steven Spielberg, foi lançado a 11 de Junho de 1993. Que é como quem diz: está (já!) a comemorar vinte anos. Para assinalar o evento, irá ser reposto em 3D, em Abril, nos EUA (e noutros mercados?). Daí a dúvida metódica: para quê?
Como é que um tão espantoso objecto de cinema pode "melhorar" através da integração de um efeito que não estava no seu projecto original? A pergunta não é meramente teórica: trata-se de saber se o próprio conceito de filme se está a transformar em algo que se define, menos pela sua unidade narrativa e dramática, e mais pela possibilidade da sua reformulação tecnológica — aguardando as cenas dos próximos capítulos, aqui fica o trailer deste relançamento.

terça-feira, janeiro 29, 2013

"Top Gun" em IMAX + 3D

A notícia não é exactamente a reposição de Top Gun no mercado dos EUA — afinal de contas, o filme estreou em Maio de 1986 e não está a completar nenhuma efeméride mais ou menos "simbólica". É bem certo que (no plano simbólico, justamente) a condição de star de Tom Cruise é indissociável desta célebre realização de Tony Scott. Seja como for, mesmo com os suplementos técnicos de IMAX + 3D, não se comemoraria nada através de tão paradoxal austeridade — leia-se: Top Gun vai estar em exibição apenas 6 dias [trailer deste lançamento]. Que se passa, então? Um desesperado salto para a frente em que as salas passam a funcionar apenas como plataformas de lançamento para... Para quê? A futura edição em Blu-ray 3D de Top Gun! Ou como o marketing banaliza a própria imagem de marca de Hollywood.
Poderemos lembrar: na história grandiosa de Hollywood, Top Gun não será um dos exemplos mais requintados... Claro que não. Mas não são as qualidades específicas do filme A ou B que estão em causa. É, isso sim, o esvaziamento do facto-cinema, a ponto de o clássico circuito de exibição ser gerido, em casos como este, como apenas mais um ecrã de promoções do admirável mundo digital.

domingo, outubro 21, 2012

Tim Burton reinventa Tim Burton

Com a sua nova longa-metragem, Frankenweenie, em 3D, Tim Burton aposta em revisitar e reinventar o seu próprio trabalho, retomando temas e personagens de uma curta-metragem de 1984 — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 Outubro), com o título 'Tim Burton reinventa o mito de Frankenstein'.

O novo filme de Tim Burton, Frankenweenie, é um objecto feito com pequenos bonecos animados em que o realizador retoma a história de um dos seus primeiros títulos, a curta-metragem homónima, rodada em 1984. Num caso como noutro, trata-se de propor uma variação insólita sobre o mito clássico de Frankenstein, gerado pelo romance de Mary Shelley publicado em 1818. Com duas diferenças importantes: primeiro, o cientista que aposta em criar vida no seu laboratório é agora uma criança solitária, na família e na escola, hiper-dotada para as ciências; além do mais, o ser “ressuscitado” no meio de relâmpagos e intricados circuitos eléctricos não é humano, mas sim... um cão!
Há uma ironia desconcertante em tudo isto. De facto, o estúdio produtor, Disney, reagiu muito mal à curta-metragem original, considerando que a ambiência mais ou menos macabra (ainda que plena de humor) era inadequada para o público infantil. Mais do que isso: Tim Burton foi despedido... Agora, regressa a Frankenweenie e, de novo, com chancela da Disney!
Como é óbvio, o realizador pode consumar este regresso a um dos seus temas mais queridos graças ao estatuto conquistado no interior da máquina de Hollywood. E não apenas por ter assinado uma série de filmes mais ou menos fantásticos e de grande sucesso (Batman, Batman Regressa, Marte Ataca!, etc.). Também porque o seu trabalho, quer como realizador, quer como produtor, tem sido marcado por uma ousada e inventiva capacidade de experimentação técnica.
Neste caso, o experimentalismo é paradoxalmente primitivo, uma vez que Tim Burton volta a aplicar a antiga técnica de stop motion, no essencial resultante da manipulação de figurinhas filmadas imagem a imagem, de modo a gerar a ilusão de movimento (A Noiva Cadáver, de 2005, era a sua experiência mais recente nesse domínio). Mais do que isso: respeitando a memória dos filmes antigos de Frankenstein (o primeiro, de James Whale, com Boris Karloff na figura do monstro, surgiu em 1931), Frankenweenie é uma produção a preto e branco, coisa que há muito se tornou uma raridade no catálogo dos grandes estúdios americanos.
Tim Burton poderá ser definido, afinal, como um criador quer conseguiu essa admirável proeza de manter uma sistemática relação de trabalho com os estúdios de Hollywood, “encaixando” sem complexos nos seus valores de espectáculo, sem nunca alienar a dimensão mais pessoal (e até confessional) de um universo sempre seduzido pelas atribulações da infância. Uma coisa é certa: desta vez, os estúdios Disney não o despediram.

sexta-feira, junho 29, 2012

Preguiças, mamutes e muito gelo

Os desenhos animados em 3D talvez não precisassem de ser em... 3D! Mas é um facto que continua a haver exemplos felizes como A Idade do Gelo 4: Deriva Continental, de Steve Martino e Mike Thurmeier — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Junho), com o título 'O prazer pré-histórico da narrativa'.

Podemos duvidar (eu duvido, em todo o caso) da pertinência da aplicação do formato 3D num filme como A Idade do Gelo 4: Deriva Continental. Podemos até questionar esta insólita fuga para a frente do cinema americano a três dimensões, na animação e não só, “obrigando” filmes que existem muito bem em imagem clássica a integrar o “suplemento” tecnológico do 3D. Mais ainda: podemos supor que o carácter postiço, não motivado, de muitas formas de tridimensionalidade está a afastar cada vez mais espectadores (há índices que apontam para isso) e a gerar um retorno aos prazeres das cópias normais.
Podemos considerar o cepticismo que tudo isso envolve, mas nada disso anula a radiosa certeza desta saga pré-histórica: estamos perante um caso exemplar de um contagiante sentido de espectáculo. Que espectáculo? Por certo não essa banalidade economicista que confunde a histérica acumulação de “efeitos especiais” com emoções garantidas (haverá coisa mais monótona e sensaborona que a história de Abraham Lincoln a... caçar vampiros?). O sentido do espectáculo é, acima de tudo, o rigor da narrativa: A Idade do Gelo 4 é mais um exemplo feliz de revitalização dos padrões tradicionais da fábula familiar, com mamutes, tigres e algumas irresistíveis preguiças (John Leguizamo é genial na voz de Sid) a cumprir a lógica mais funda deste tipo de narrativa. A saber: encontrar um lugar para viver.
Modelo de sucesso dos estúdios da 20th Century Fox, A Idade do Gelo 4 propõe também um precioso complemento. Assim, a abrir, temos uma curta-metragem dos Simpsons [The Longest Daycare], protagonizada pela pequena Maggie, vivendo um dia difícil na escola. E quando falamos de arte da narrativa, regressar aos Simpsons envolve sempre algo de pedagógico.

segunda-feira, janeiro 09, 2012

Herzog: o cineasta e a sua gruta

Como filmar a lendária Gruta Chauvet, no sul de França, na zona do rio Ardèche? E, mais do que isso, como fazê-lo em 3D? O alemão Werner Herzog tem respostas simples e radicais — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 Janeiro), com o título 'Odisseia no espaço pré-histórico'.

Provavelmente, na história do cinema moderno, não há filme como 2001: Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, para ilustrar esse paradoxo muito humano que se joga entre o que somos e a imensidão daquilo que desconhecemos. Dito de outro modo: a identidade humana, pelo menos tal como a vivemos e pensamos na agitação tecnológica das últimas décadas, já não existe enraizada numa noção estável ou segura de Natureza. Em boa verdade, o “natural” é uma categoria em permanente reconversão, desafiando as nossas acções e a imaginação que nelas investimos.
Werner Herzog é um cineasta há muito marcado por tal dialéctica. Basta lembrar o seu Fata Morgana (1972), filme “documental” sobre o continente africano cuja gestação está ligada a um projecto de ficção científica. Não admira, por isso, que o seu estranho e envolvente A Gruta dos Sonhos Perdidos nos faça revisitar a pré-história como se vivêssemos uma aventura de uma fantasia quase táctil (e “quase” porque não é permitido tocar nas paredes da Gruta Chauvet).
As pinturas executadas há vinte ou trinta mil anos possuem uma verdade material que Herzog regista como uma suave promessa espiritual. É uma visão cinematográfica alheia a modas, e tanto mais quanto este é um exemplo de sábia utilização das imagens a três dimensões. Não se trata, aqui, de exibir a versatilidade técnica do cinema, mas de encontrar uma dimensão visual capaz de favorecer uma sentida comunhão com os traços legados pelos nossos antepassados.
Talvez que o melhor do documentário contemporâneo passe, cada vez mais, por esta capacidade de recusar a “dramatização” televisiva, reconquistando o gosto primordial de contar histórias. Gosto da Idade da Pedra, sem dúvida.

terça-feira, novembro 29, 2011

Scorsese e os "filmes-pipoca"


'Temos de reagir contra os "filmes-de-parques-temáticos", por mais bem feitos que sejam e por mais agradáveis que alguns deles possam ser. (...) Creio que há uma reacção contra esses 'filmes-pipoca'. Existem seis ou sete mitos em que se fundamenta toda a nossa literatura. Julgo que alguns cineastas vivem no pânico de que se rompa essa linha que nos liga a esses mitos antigos e vitais. E quando tal acontece, o filme fica à deriva — é apenas uma colecção de ruídos e efeitos.'

Martin Scorsese
(entrevista à BBC)

Na verdade, a reacção contra a normalização dos "efeitos especiais" — e também contra a deseducação dos espectadores mais jovens que confundem um filme com o seu aparato técnico e, não poucas vezes, com os milhões que nele se gastaram — está muito longe de ser um tema gerado pela crítica de cinema. Como estas palavras de Scorsese muito bem ilustram, os seus efeitos, e as preocupações que desencadeia, começam no interior da própria indústria.
As declarações de Scorsese foram proferidas em Londres, por ocasião da estreia de gala do seu novíssimo Hugo. Vale a pena recordar que se trata também de um filme que não renega, em nada, os poderes dessa mesma indústria, para mais marcando a estreia de Scorsese no formato 3D. Razões que bastam para aguardarmos a sua estreia com enorme expectativa — Hugo chega às salas portuguesas a 16 de Fevereiro, com o título A Invenção de Hugo.

segunda-feira, junho 13, 2011

O futuro incerto do 3D


Decididamente, o futuro do 3D tornou-se mesmo uma questão fulcral na actual dinâmica da indústria americana — e, por extensão, de todos os mercados. Ainda recentemente, Jeffrey Katzenberg reconhecia que o desenvolvimento do parque de exibição (em particular com a acelerada transformação técnica das salas de todo o mundo) não foi acompanhado do devido grau de exigência conceptual e artística nos próprios filmes.
Agora, vale a pena ler o artigo de Brent Lang no site 'The Wrap' avaliando aquilo que ele chama "a última esperança do 3D". Ou seja: os próximos filmes em três dimensões dirigidos por Steven Spielberg (As Aventuras de Tintin), Martin Scorsese (Hugo Cabret) e Michael Bay (Transformers 3) — todos com lançamento agendado para o ano corrente.
Do ponto de vista meramente financeiro, a situação surge exemplarmente condensada neste gráfico publicado por 'The Wrap'. Nele podemos observar o comportamento paradoxal (uma "espiral de descida") de alguns títulos estreados nos últimos meses nas salas dos EUA: ao crescimento regular do número de ecrãs 3D corresponde uma baixa, também regular, das receitas desses mesmos ecrãs.

sexta-feira, junho 10, 2011

Katzenberg: o fim do 3D?


"É realmente desanimador ver posta em causa aquela que foi, na última década, a maior oportunidade da indústria cinematográfica."
Que oportunidade foi essa? O cinema a três dimensões.
E quem é que tem este desabafo? Algum crítico de cinema, desses que, no dizer de alguns agentes industriais, se estão na tintas para o facto de os filmes existirem no interior de um mercado? Não, nada disso. Quem é o diz é uma das figuras centrais, precisamente dessa indústria — e da indústria de Hollywood, entenda-se: Jeffrey Katzenberg, co-fundador (com Steven Spielberg e David Geffen) da DreamWorks e actual director da DreamWorks Animation.
Reavaliando aquilo que, há um ano e meio, suscitava um "genuíno entusiasmo", Katzenberg reconhece que, com o 3D, "desapontámos muitas vezes o nosso público e, por causa disso, creio que existe uma genuína desconfiança". Na prática, pela primeira vez nas salas dos EUA, um filme em 3D (Piratas das Caraíbas) foi mais visto... nas salas em 2D. Vale a pena ler as declarações de Katzenberg, respondendo a perguntas de The Hollywood Reporter.

>>> O 3D segundo Walter Murch e na história de Avatar.

domingo, fevereiro 06, 2011

"Avatar" na televisão: antes e depois do 3D


Avatar chegou aos canais do cabo. Que resta para além das três dimensões? Ou ainda: qual o futuro expressivo e comercial do 3D? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 de Fevereiro), com o título 'A televisão contra o 3D?'.

A discussão em curso sobre as potencialidades do cinema a três dimensões implica (ou implicará) a televisão e a forma como, em sentido muito literal, a olhamos. A pergunta incontornável é esta: sendo a televisão, desde o cabo até ao consumo de DVDs ou downloads, uma plataforma vital para todos os objectos cinematográficos, que acontece (ou acontecerá) quando os televisores tentarem oferecer condições semelhantes ao 3D das salas escuras?
Actualmente, podemos assistir a uma espécie de comentário perverso a tal interrogação com o início da passagem do filme Avatar, de James Cameron, nos canais TVCine (incluindo em HD). Permito-me referir que não sou grande entusiasta do filme, a meu ver muito primário no modo como se reapropria de algumas matrizes da aventura fantástica. Mas não é isso que está em causa: por razões técnicas e de mercado, Avatar é uma data histórica na produção do século XXI e estamos ainda longe de poder avaliar todas as consequências industriais e simbólicas do seu impacto.
Ora, não deixa de ser bizarro que a revisão do filme em HD, sem 3D, nos permita deparar com uma riqueza gráfica e cromática que o 3D estava longe de rentabilizar por completo (convém lembrar, a esse propósito, que há estudos que avaliam em cerca de 30 por cento a perda de luminosidade das imagens resultante do uso dos óculos do 3D). Dir-se-ia que, pelo menos neste caso, a televisão põe a nu as limitações actuais do 3D, evitando inclusive as dores de cabeça que afectam alguns espectadores nas salas.
Recentemente, um técnico tão prestigiado nas áreas de montagem e som como Walter Murch (oscarizado com Apocalypse Now e O Paciente Inglês) escreveu mesmo uma carta ao crítico Roger Ebert (publicada no seu site) em que manifesta um cepticismo radical em relação ao 3D; Murch vai ao ponto de considerar que o sistema nos obriga a um esforço físico e mental que contraria toda a biologia do nosso sistema de visão. Será que algumas das desilusões acumuladas pelo 3D poderão ser redimidas na imagem “tradicional” do nosso ecrã caseiro? Seria uma ironia carregada de simbolismo.

quinta-feira, janeiro 27, 2011

Walter Murch: porque o 3D não funciona


Roger Ebert, veterano da crítica americana que escreve no Chicago Sun-Times, foi um dos primeiros a chamar a atenção para os problemas e equívocos da nova vaga de filmes a três dimensões. Agora, Ebert apresenta um testemunho laboriosamente fundamentado para sustentar a ideia de que "o 3D não funciona nem nunca funcionará". É um testemunho de peso, já que traz a assinatura de Walter Murch [foto], notável criador nas áreas de montagem e design de som, colaborador frequente de Francis Ford Coppola, vencedor de três Oscars — melhor som para Apocalypse Now (1979), melhor montagem e melhor som para O Paciente Inglês (1996), de Anthony Minghella.
Com grande concisão, e profundo cepticismo, Murch sublinha o facto de o 3D violentar o dispositivo de visão dos seres humanos, contrariando "600 milhões de anos de evolução", para além de simplificar as verdadeiras questões narrativas e dramáticas de "imersão" numa história; isto sem esquecer que se está a obrigar o espectador a pagar bilhetes mais caros para assitir a algo que "não funciona" — está tudo no blog do crítico, escrito em forma de carta de Murch para Ebert.

>>> Site oficial de Roger Ebert.

sexta-feira, janeiro 21, 2011

Steven Spielberg: que fazer com o 3D?


Com a estreia de As Viagens de Gulliver, torna-se ainda mais evidente o impasse criativo (e comercial, hélas!) que ameaça a vaga de cinema a três dimensões: a vitalidade dos projectos parece cada vez mais condicionada por um entendimento do 3D apenas ligado ao marketing e respectivas estratégias.
Daí que se aguardem com expectativa as propostas que, nesse campo, surgirão de cineastas como Martin Scorsese e Steven Spielberg: o primeiro através de The Adventures of Hugo Cabret, filme em rodagem em Londres; o segundo com The Adventures of Tintin: The Secret of the Unicorn, em fase de pós-produção, título de abertura de uma trilogia coproduzida com Peter Jackson (Jackson realizará a segunda parte, prevendo-se a hipótese de Spielberg e Jackson co-dirigirem a terceira) — ambos com estreia marcada para o próximo mês de Dezembro.
Divulgadas as primeiras imagens do novo Tintin, todas as especulações são possíveis. Registe-se, em todo o caso, que se trata de aplicar o processo de motion capture, que esteve na base dos projectos de Robert Zemeckis Polar Express (2004), Beowulf (2007) e Um Conto de Natal (2009), começando com actores para chegar a personagens digitais. Daí a ambígua sensação de materialidade que os fotogramas sugerem, dir-se-ia a meio caminho entre o desenho animado e a imagem de raiz fotográfica. Resta ver e avaliar com os óculos do 3D.

quarta-feira, julho 28, 2010

A propósito da Comic-Con

A Comic-Con de San Diego serve de pretexto para pensarmos questões quentes dos mercados cinematográficos, incluindo algum cepticismo em torno do 3D... e também para recordarmos Lawrence da Arábia (recentemente reeditado em DVD) — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 de Julho), com o título 'Ainda restam actores na época do 3D?'.

A Comic-Con de San Diego, Califórnia, é um misto de mercado e celebração que, embora com raízes na banda desenhada, acabou por integrar o cinema, em particular nas suas expressões mais espectaculares. Na prática, por lá passam os protagonistas de algumas estreias dos meses seguintes, centrais na estratégia comercial de Hollywood. A edição deste ano (22-25 Julho) fica marcada pela presença de muitos actores veteranos, de algum modo contrariando as tendências da cultura “adolescente” que prevalece nas salas de cinema, em particular durante o Verão.
Num curioso artigo publicado no New York Times (dia 23), Michael Cieply e Brooke Barnes descrevem mesmo a presença de tais veteranos (Bruce Willis, Sylvester Stallone, Helen Mirren, etc.) como um sinal revelador de resistência a alguns vectores do actual mercado, em particular o incremento do 3D: a vaga digital que o cinema está a viver (sendo o 3D a sua mais agressiva imagem de marca) não excluiu, antes parece poder revalorizar, o estatuto dos actores e, em particular, o valor comercial e simbólico das estrelas.
Não vale a pena alimentar ilusões sobre tudo isso, nem favorecer qualquer nostalgia de sentido único. O digital está longe de ser um fenómeno uniforme, contribuindo também para criar condições cada vez mais diversificadas para os circuitos “alternativos” e, em particular, para as produções de pequeno orçamento. Uma coisa é certa: todos parecem começar a ter consciência do paradoxo cultural em que pode estar a formar-se uma nova geração de espectadores. Que paradoxo é esse? O de associar as proezas tecnológicas e espectaculares do cinema a filmes dos últimos dois ou três anos, ignorando toda uma imensa (e riquíssima) história com mais de um século.
O problema não é simples nem novo. E é de natureza eminentemente educacional. Em boa verdade, nas últimas duas décadas agudizou-se com os espectadores cuja formação audiovisual passou a ser dominada pelos ecrãs televisivos e de computador. Podemos pressentir a sua complexidade face ao relançamento, em DVD, de Lawrence da Arábia (1962), a obra-prima de David Lean sobre T. E. Lawrence, protagonizada por Peter O’Toole.
O drama não é apenas que possa haver espectadores, de olhar “viciado” no digital, que se limitem a encolher os ombros face à sofisticação narrativa e riqueza humana do cinema de Lean... O drama nasce da eventual redução de Lawrence da Arábia à superfície do ecrã caseiro (seja ele qual for), desconhecendo em absoluto a sua pertença a uma idade de ouro do grande espectáculo cinematográfico. De facto, quando Lawrence da Arábia estreou, o cinema era um fenómeno muito mais central na dinâmica social do que é hoje em dia. E não se trata de estabelecer hierarquias de “melhor” e “pior”. Acontece que a ignorância de tudo isso limita a nossa disponibilidade, e também a nossa inteligência, enquanto espectadores.

domingo, julho 25, 2010

Cinema 3D: luz e sombra

Face à convulsão do 3D, importa insistir no mais básico relativismo: o processo de "reconversão" dos filmes para as três dimensões não é linear em termos artísticos, muito menos no plano económico. Exemplo esclarecedor o deste gráfico [publicado em The Wrap], referente à "ascensão e queda" do 3D no mercado de exibição dos EUA: no fim de semana de estreia de Avatar, a percentagem de receitas acumuladas nas salas com 3D foi de 71%; apenas nove meses mais tarde, com o filme Despicable Me [animação com voz de Steve Carell], o mesmo índice de consumo baixou para 45%.
Aliás, ainda no mesmo site, num magnífico e bem fundamentado artigo, 'The dark flaw in 3D's bright future', Steve Pond lembra que estão longe de estar resolvidos os problemas que decorrem de uma significativa perda de luminosidade nas projecções em 3D — por um lado, há cada vez mais espectadores a queixarem-se dessa limitação; por outro lado, cineastas como o autor de Inception, Christopher Nolan [foto], consideram tal perda como uma limitação expressiva que confere às imagens um carácter "sombrio" alheio a qualquer opção técnica ou formal.
Nada disto exclui a possibilidade de ainda virmos a encontrar muitas e fascinantes maravilhas no cinema 3D. Trata-se apenas de não dar por adquirida uma evolução que, da tecnologia à economia, nunca será linear nem automática.