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quarta-feira, agosto 17, 2016
Para (re)descobrir Nina Simone
Repartindo protagonismo com os filmes que colocaram as memórias de Kurt Cobain e Amy Winehouse na rota dos grandes festivais de cinema (e até das estreias comerciais em sala) de 2015, o documentário What Happened, Miss Simone?, de Liz Garbus, teve, inicialmente, uma vida mais discreta. Esteve em poucos (muito poucos) festivas e acabou sobretudo destinado a uma exposição televisiva, o que era de resto a sua intenção original. O filme, que não limita um olhar sobre Nina Simone aos seus feitos na música, cruzando (e bem) as relações da sua obra artística com as suas ideias (e ações) políticas e a instabilidade emocional que teve depois profundo impacte em si, acabou por ser uma nova janela para a muitos permitir uma (re)descoberta de uma das mais incríveis cantoras do século XX. E os primeiros frutos desse interesse renovado surgem num pacote de edições que, entre uma caixa em CD ou uma série de prensagens em vinil, devolvem às estantes dos novos lançamentos os discos que editou pela Phillips entre 1964 e 1967. E entre os quais estão alguns dos melhores, mais aclamados e influentes da sua discografia.
Dada a dimensão maior da obra, este é um período relativamente curto, mas intenso. E abre com Nina Simone in Concert (1964), uma edição de um registo captado ao vivo (com acompanhamento de um quarteto de jazz) que corresponde ao primeiro momento em que uma canção de temática claramente política tem um peso maior num disco de Nina Simone, fazendo de si desde logo uma voz na linha da frente da luta (em curso) pela igualdade de direitos civis. Ao cantar Mississippi Goddam, canção de sua autoria explicitamente focada num caso de violência recente em Birmingham, no Alabama, Nina Simone não só criava um dos seus “clássicos” como dava voz a uma luta que era também sua.
Segue-se Broadway... Blues... Ballads (1964), um espantoso exercício de assimilação de um registo mais clássico, com arranjos orquestrais, que evidencia as características dramáticas da voz de Nina Simone e que antecede I Put a Spell On You (1965), um dos seus discos de estúdio mais arrepiantes pelo qual passam, além da leitura arrebatadora do tema-título, duas composições de Charles Aznavour e uma versão de Ne Me Quitte Pas de Jacques Brel que mostra como o poder da interpretação vale bem mais do que o domínio da pronuncia de uma língua.
Há novas marcas assimiladas e transformadas de heranças do sul e da ruralidade americana em Pastel Blues (1965) e ecos do grande songbook americano em Let it All Out (1966), discos aos quais se seguiu o magistral Wild is the Wind (1966), que ninguém diz ser possível que se trate, na verdade, de um álbum de “sobras” de gravações de sessões anteriores. Na verdade este disco tem a força e versatilidade características de qualquer dos grandes álbuns de estúdio de Nina Simone nesta etapa e guarda em si alguns momentos maiores da sua obra em disco como Lilac Wine, Either Way I Lose (com delicioso sabor pop) ou o tema-título de uma canção que, anos depois, David Bowie cantaria no alinhamento do álbum Station to Station.
Este troço cheio de acontecimentos e grandes discos na obra de Nina Simone encerra com o histórico High Pristress of Soul (1967) álbum que encerra em glória a essência de um processo que esta etapa documenta: a da transição de uma vivência inicial trilhada no jazz para os domínios da música soul, afinal um espaço de afirmação maior da música negra norte-americana nos anos 60 (e que teve assim em Nina Simone uma grande protagonista).
Perante tão importante obra é pena que a reedição não se faça acompanhar de um booklet que nos contextualize a obra no quadro da discografia de Nina Simone e dos cenários intensos (musicais e políticos) que eram pano de fundo no tempo em que estes discos nasceram.
sexta-feira, janeiro 02, 2015
Reedições:
Jean-Michel Jarre
“Zoolook”
Sony Music
4 / 5
O sucesso por vezes pode ser mais problema que uma ajuda... E tantas vezes a história da música popular nos mostrou já como a subida de alguém a um outro patamar de “fama” funciona para alguns como condição suficiente para desligar o som dos ouvidos e ligar em seu lugar o sinal luminoso do preconceito. Jean-Michel Jarre, que desde sempre dividiu opiniões (o que é sempre bom), ganhou visibilidade entre 1976 e 78 com dois álbuns que, servindo-se de uma lógica de construção diretamente herdada do progressivo, experimentavam novos caminhos (melódicos, narrativos e cenográficos) para as electrónicas num quadro claramente mais próximo da pop que dos berços em que ele mesmo a começara a estudar (nos dias em que foi aluno de Pierre Schaffer). Oxygène (1976) e Equinoxe (1978) juntaram-se a discos pioneiros seus contemporâneos e ajudaram a abrir caminho para a generalização do uso das electrónicas num contexto pop. Quando, em 1981, edita Les Chants Magnétiques (editado fora de França como Magnetic Fields), opta por manter uma estrutura comum no corpo do disco, encaminhando contudo várias das “partes” rumo a modelos pop onde a repetição e simplificação de linhas e estruturas acaba por gerar um álbum sem o fulgor das visões dos antecessores, o impacte da sonoridade num tempo em que a primeira geração pop electrónica somava já êxitos nas tabelas de vendas colocando-o entre a lista de sabores do momento. O tom açucarado de alguns momentos do álbum (que aprofunda algumas sugestões já antes lançadas em Equinoxe) valeu a Jean Michel Jarre o ceticismo de quem nas electrónicas (ou na música em geral) procurava mais as soluções fáceis que esses sabores do momento tantas vezes empregam. E convenhamos que Les Chants Magnetiques está uns furos abaixo do que até então Jarre nos mostrara. A faceta mais popular do músico ganhou entretanto novos focos de visibilidade com o impacte europeu de um álbum (e um documentário televisivo – que na altura foi exibido na RTP) sobre a digressão de Jarre na China e, depois, com o “caso” Music For Supermarkets, um álbum (de 1983) cujos masters foram destruídos após a prensagem de um único vinil, que foi vendido em leilão como se de uma pintura se tratasse. Era de um Jean-Michel Jarre famoso, e sem um disco verdadeiramente estimulante há já seis anos, que se falava quando chegou Zoolook. E, com mais preconceitos ativos que com ouvidos atentos, muitos passaram pelo disco tomando-o como mais um, talvez mesmo dizendo “não presta” sem notar o que ali poderia estar a acontecer. Naturalmente há, como houve e haverá, quem não goste. Mas isso é outra coisa. Aqui não falo de gosto, mas de como tantas vezes não se ouve quando o preconceito está em modo “on” (tanto que George Michael, anos depois, editaria mesmo um álbum a que daria por título Listen Without Prejudice).
Passaram 30 anos e os álbuns de 1976 e 78 de Jean-Michel Jarre conhecem hoje aquele estatuto de maior respeito que (merecidamente) damos a quem desempenhou esforços pioneiros em algo importante. Por muito inconsequente que, de facto, seja a sua discografia posterior a 1980 a verdade é que convém não deixar Zoolook fora da sua lista de grandes discos. Integrado numa campanha de reedições (que chega aos escaparates a partir de segunda-feira), Zoolook, agora devidamente remasterizado, representa um episódio de exploração de potencialidades de novas máquinas (nomeadamente os samplers e um batalhão de novos teclados), ao mesmo tempo que espelha um desejo do músico em encontrar formas de usar a voz e as línguas do mundo (passando, entre outros, por elementos “samplados” em aborígene, afegão, inuit, francês, holandês, alemão, húngaro, indiano, malaio, tibetano ou sueco). Esgotando em Zooloogique (que chegou a ser editado como single) o apelo pop de Magnetic Fields 2, Zoolook é um álbum diferente na estrutura, propondo ao invés de um grande-todo, uma lógica de obra feita de faixas distintas entre si, as ferramentas de trabalho usadas e a presença protagonista das vozes (muitas vezes processadas) assegurando a unidade. O disco, que recupera (com algumas alterações), três fragmentos de Music For Supermarkets, que foi dos primeiros a ser gravado com tecnologia digital e que conta com nomes como os de Laurie Anderson (voz) e Adrian Blew (guitarras) no elenco, é uma pequena pérola esquecida das eltrónicas dos oitentas que agora se recupera, numa versão que retoma o alinhamento original (e não faixas remisturadas como algumas reedições chegaram a usar) de 1984.
Passaram 30 anos e os álbuns de 1976 e 78 de Jean-Michel Jarre conhecem hoje aquele estatuto de maior respeito que (merecidamente) damos a quem desempenhou esforços pioneiros em algo importante. Por muito inconsequente que, de facto, seja a sua discografia posterior a 1980 a verdade é que convém não deixar Zoolook fora da sua lista de grandes discos. Integrado numa campanha de reedições (que chega aos escaparates a partir de segunda-feira), Zoolook, agora devidamente remasterizado, representa um episódio de exploração de potencialidades de novas máquinas (nomeadamente os samplers e um batalhão de novos teclados), ao mesmo tempo que espelha um desejo do músico em encontrar formas de usar a voz e as línguas do mundo (passando, entre outros, por elementos “samplados” em aborígene, afegão, inuit, francês, holandês, alemão, húngaro, indiano, malaio, tibetano ou sueco). Esgotando em Zooloogique (que chegou a ser editado como single) o apelo pop de Magnetic Fields 2, Zoolook é um álbum diferente na estrutura, propondo ao invés de um grande-todo, uma lógica de obra feita de faixas distintas entre si, as ferramentas de trabalho usadas e a presença protagonista das vozes (muitas vezes processadas) assegurando a unidade. O disco, que recupera (com algumas alterações), três fragmentos de Music For Supermarkets, que foi dos primeiros a ser gravado com tecnologia digital e que conta com nomes como os de Laurie Anderson (voz) e Adrian Blew (guitarras) no elenco, é uma pequena pérola esquecida das eltrónicas dos oitentas que agora se recupera, numa versão que retoma o alinhamento original (e não faixas remisturadas como algumas reedições chegaram a usar) de 1984.
sexta-feira, dezembro 05, 2014
Reedições:
Brian Eno
“Nerve Net – Expanded Edition”
All Saints
4 / 5
Entre os álbuns que eternamente ficaram na gaveta – porque nunca terminados ou arquivados antes de editados por desejo do artista – contam-se títulos quase com dimensão mítica como Toy de David Bowie, Songs of Ascent dos U2 ou Reportage dos Duran Duran. Sabemos que eventualmente há tesouros escondidos que depois emergem, como sucedeu com o Black Album de Prince ou My Sweetheart The Drunk, de Jeff Buckley (cujas sessões incompletas tiveram lançamento póstumo). Outros ganham vida em caminhos alternativos, como Get back dos Beatles que desaguou em Let It Be ou Technopop dos Kraftwerk que deu lugar a Electric Café. Ou, como Smile dos Beach Boys, acabam regravados anos depois e, assim “oficialmente” editados. Sim, porque em muitos casos houve bootlegs pelo caminho. Entre os tesouros arquivados estava, até aqui, My Squelchy Life, álbum vocal a solo no qual Brian Eno trabalhava em inícios dos anos 90 e que, depois de uma série de registos instrumentais, seria assim o sucessor de Before and After Science (1977). Depois de uma recente colaboração com John Cale (no sublime Wrong Way Up, de 1990) e com mais um episódio histórico na produção assinado ao lado dos U2 em Achtung Baby, Brian Eno tinha My Squelchy Life na agenda. Mas, fruto de um desentendimento com a editora sobre datas de lançamento, o disco acabaria por ficar na gaveta, em seu lugar avançando o projeto seguinte, Nerve Net, um álbum pensado para explorar as emergentes formas rítmicas ligadas à música electrónica. Entre composições algo próximas da forma da canção e peças instrumentais, a voz surgindo ora mais falada que cantada, muitas vezes não procurando mais que vocalizações de sons, os temas de Nerve Net mostraram em Brian Eno uma figura atenta à evolução das formas musicais. Profundamente cinematográfico (no modo de desenhar ambientes e sugerir mesmo cenografias), Nerve Net vive para além das demandas ambientais de Eno mas também não representa a descendência direta do seu percurso pop/rock vocal (que teria de esperar por um sucessor até que em 2005 foi editado Another Day on Earth). Disco único e marcante, no qual colabora pontualmente Robert Fripp, Nerve Net é um dos quatro álbuns de Brian Eno que acabam de conhecer reedição, apresentando o disco de extras nada mais nada menos que o até aqui “perdido” My Squelchy Life... Não há tesouro que acabe eternamente esquecido!
sexta-feira, novembro 21, 2014
Reedições:
Tears For Fears
“Songs From The Big Chair”
(Deluxe Edition)
Mercury / Universal
5 / 5
Editado em 1983 The Hurting assinalou não apenas o momento da estreia em álbum dos Tears For Fears mas também um dos momentos mais altos de uma forma de pensar a canção pop que caracterizou alguma da produção britânica de inícios dos anos 80, conciliando os anseios de modernidade (e alguma esperança) que a chegada das electrónicas a um novo patamar de familiaridade haviam sugerido, ao mesmo tempo não ignorando as angústias e tensões de vidas urbanas onde a cor muitas vezes acabava a medir forças, nem sempre vencendo, com a carga das sombras que faziam as verdades do quotidiano. Longe de um certo hedonismo escapista que conheceu então paradigma nos Duran Duran os Tears For Fears procuravam, num espaço estético com algumas afinidades, caminhos diferentes. Caminhos que os levariam a aprofundar, depois de traduzir ecos do mundo ao seu redor nesse álbum de 1983, olhares interiores para, no que pode ser entendido como uma nova expressão das técnicas “primal scream” (que com o álbum de 1970 de Lennon e a Plastic Ono Band fizera escola na canção popular). E depois de The Way We Are, um single (ainda em 1983) que deixava claro que procuravam outros olhares – sem que se tenha de facto indicado o caminho para um segundo álbum – encontraram após Mothers’s Talk (já em 1984) uma relação com técnicas da psicoterapia e um desejo em trazer o dentro para fora (gritando, se fosse preciso – e eis que surgiu Shout), definindo assim rumos que os conduziram a um álbum que instrumentalmente se afastou do predomínio partilhado com as electrónicas de The Hurting, ensaiando uma ideia de pop sofisticada que acabaria por definir um paradigma do som em meados dos anos 80. Com o título Songs From The Big Chair o segundo álbum dos Tears For Fears é um espaço de ensaio de ideias onde canções que conquistaram multidões partilham o alinhamento com episódios de ensaio de ambição maior, por vezes quase sugerindo o que poderia ser uma ideia de prog pop (há mesmo uma suite no lado B do disco, traduzindo o seu espaço narrativo algo que lembra também a lógica do álbum conceptual). O sucesso global de Shout ou Everybody Wants To Rule The World (hinos pop do seu tempo) ofuscou por vezes a memória de um álbum que tem na verdade momentos igualmente inesquecíveis em Head Over Heels, The Working Hour ou o belíssimo e cenicamente muito elaborado Listen, que encerra o alinhamento. O carácter mais experimental que haviam sugerido em The Way You Are (single não incluído no álbum, mas recuperado – com todo o sentido – nesta edição especial) não dominou a escrita do álbum, mas manteve abertas outras possibilidades que bem exploraram nos vários lados B editados na altura, todos eles agora reunidos no final do CD1 desta reedição. A caminho de celebrar os seus 30 anos de vida, o álbum de maior impacte na obra dos Tears For Fears regressa assim num lançamento que junta ainda como extras as versões alternativas que na altura surgiram em formatos de 45 rotações. Há ainda uma versão super-deluxe, com as versões máxi, sessões gravadas para rádios, maquetes e registos ao vivo da época. Um clássico desta dimensão merece ser assim devidamente evocado.
sexta-feira, outubro 31, 2014
Reedições:
Siouxsie & The Banshees
“Peepshow”
Universal
3 / 5
Foi há quase 40 anos... Corria o ano de 1976, Londres acolhia a vibração da revolução punk e uma das suas figuras mais marcantes dava uma primeira atuação no alinhamento do mítico 100 Club Punk Festival, não mostrando mais senão uma improvisação de 20 minutos em volta do tradicional The Lord’s Prayer... A estranha diva punk tinha a seu lado Steve Severin, juntamente com Sid Vicious e Marco Pirroni (que algum tempo depois seria o principal parceiro de Adam Ant)... Num caos em busca de nova ordem dava primeiros passos uma ideia que conduziria Siouxie Sioux e Severin a uma carreira que, de raízes punk, partiu rumo à construção de um espaço tenso e assombrado que, juntamente com alguns contemporâneos seus, acabariam por definir as bases do que então se veio a designar por rock gótico. Longe de se deixar definir por uma busca de identidade de género (musical, claro), o coletivo gravou uma sucessão de álbuns marcantes entre finais dos anos 70 e inícios dos 80, somando mesmo um êxito maior em 1983 com uma soberba versão de Dear Prudence, dos Beatles. Como sucede com tantas carreiras o viço criativo do coletivo foi esmorecendo com o tempo, na verdade o gume da mais interessante invenção musical de Siouxie e Budgie (outra das almas dos Banshees) desviou-se a dada altura para o projeto Creatures, que acabaria por sobreviver à separação da banda. Excluindo o belo single de cenografia grandiosa que, ao som de Face to Face, criaram em 1992 para Batman Returns, de Tim Burton, a reta final da vida dos Siouxsie & The Banshees trouxe-nos dois álbuns ali onde o mediano ameaça resvalar para pior. Apesar de um ou outro single interessante, a segunda metade dos oitentas em nada repetiu também as visões e grandes ideias de outrora. Mas entre toda essa etapa há que apontar um episódio que apresenta algumas canções ao nível das melhores do grupo. Apresentando com uma das melhores canções de toda a obra de Siouxsie – Peak A Boo, que nasceu do acaso de um erro em estúdio, quando uma bobina foi escutada da trás para a frente – Peepshow foi, em 1988, o derradeiro episódio marcante de uma obra que o tempo injustamente foi depois esquecendo – quando me falam de bandas na zona de uns Zola Jesus ou afins digo sempre que prefiro o produto original, e esse está aqui. Sem a teatralidade nem os jogos de ângulos e sombras dos primeiros álbuns, Peepshow é contudo um disco onde às heranças colhidas na sua própria experiência o grupo junta a busca de outros destinos, nomeadamente a placidez cinematográfica que emerge com belos resultados em The Last Beat of My Heart ou Carroussel. Estes são mesmo assim episódios que se destacam num alinhamento que não evita os sinais de algum cansaço que se vinham já a manifestar em discos anteriores e dominariam os dois álbuns que ainda estavam pela frente. Mesmo, assim, nem que apenas por Peek A Boo, já valeu a pena. A nova edição junta versões tiradas do alinhamento de máxis da época.
segunda-feira, outubro 20, 2014
Reedições:
Underworld
“Dubnobasswith- myheadman”
Universal
5 / 5
Entre os muitos frutos da revolução que partiu da música de dança em finais dos anos 80 conta-se a definitiva sedução de muitos (músicos e melómanos) vindos de escolas mais próximas do rock aos espaços das novas pistas de dança e às electrónicas. Se as primeiras manifestações deste novo entendimento ganharam forma em diálogos como os que foram promovidos por nomes como os Stone Roses, Happy Mondays ou Primal Scream entre finais dos 80s e inícios dos 90s, com a entrada de uma nova década em cena algumas destas formas entranharam-se e definiram novas maneiras de estar na música electrónica tendo toda uma série de heranças colhidas na cultura rock já assimiladas e transformadas. Nomes como os KLF ou Underworld foram aqui peças centrais na afirmação de um terreno que depois floresceu e gerou as suas descendências. Se os primeiros são hoje uma presença injustamente esquecida – com discografia há muito a merecer um tratamento antológico e a criação de reedições “deluxe” que tardam a surgir – dos segundos chega-nos o álbum que os inscreveu no mapa dos acontecimentos maiores dos anos 90 e que antecedeu o clássico Born Slippy que então correu mundo. Com uma outra formação (e uma outra orientação musical) os Underworld já tinham gravado dois discos antes de encontrarem o caminho que aqui os conduziu. O eureka que os impediu de serem um entre tantos nomes inconsequentes entre os demais da sua geração surgiu quando entra em cena o muito jovem Darren Emerson, que se juntou ao núcleo central constituído por Karl Hyde e Rick Smith e o levou a descobrir os caminhos de novas visões que então ganhavam forma nas noites de Londres, então entregues aos deleites da cultura rave. Uma primeira sucessão de singles definiu aos poucos uma clara reorientação do caminho pelo qual nascia a música dos Underworld. Mas coube a Dubnobasswithmyheadman a definição de um livro de estilo para uma nova forma de entender não apenas uma relação entre a forma da canção e a pista de dança, mas também um modo diferente de pensar a voz neste quadro de acontecimentos. Conciliando heranças escutadas desde os tempos do disco e assimilações profundas de ensinamentos do dub, juntando um sentido de arquitetura rítmica intenso e envolvente, os temas do álbum lançado há precisamente 20 anos traduziam ao mesmo tempo um sentido de novidade e de convite a participar na festa, mas com uma capacidade rara de gerar familiaridade, cativando com facilidade não apenas os já arrebatados pelas noites longas das raves de então, mas os rockers que ali sentiram afinidades que criações anteriores via house, acid house ou techno não haviam sugerido. A edição DeLuxe que assinala o 20º aniversário deste disco que fez história junta um segundo CD com temas extra, entre os quais os longos (e magníficos) Rex – onde se nota uma certa relação com o tipo de devaneio repetitivo em cruzamento de escolas techno com um serto sentido pop que então tinha nos Fluke uma referência - e Spikee, singles que acabaram fora do álbum mas que, com Mmm... Skyscraper I Love You deram os primeiros sinais do que seria esta nova era para os Underworld. Já em Eclispe e Dirty, também neste CD2, encontramos os elos “perdidos” com o techno e o acid house que, com o tempo, os Undeworld integrariam, já digeridos, no âmago da sua música. Vinte anos depois, e com notas assinadas por Jon Savage, serve-se um álbum que fez diplomacia entre os mundos da música de dança e do rock. Mais um muro caia por terra de vez.
domingo, outubro 12, 2014
O regresso ao mono dos Beatles (parte 2)
Este texto é parte de um artigo originalmente publicado no suplemento Q., do DN, com o título 'Em busca de autenticidade na memória dos Beatles' e apresenta a caixa que junta, em novas edições em vinil, a obra em ‘mono’ que o grupo registou entre 1962 e 1969.
Quando, em 1963, os Beatles deixaram as gravações em duas pistas e passaram a registar em quatro, as misturas ganharam aos poucos potenciais novos patamares de complexidade e as diferenças entre as versões mono e estéreo puderam aumentar significativamente. Mesmo assim, e como recorda Kevin Howlett no ensaio que abre o booklet da caixa The Beatles in Mono, “até em 1967, quando estavam no momento maior da sua experimentação em estúdio, a mistura em mono de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band era sua prioridade absoluta”. Os quatro estavam presentes na mistura em mono, muitas vezes levando acetatos de teste para casa que, depois de escutados, sugeriam alterações a fazer no dia seguinte. Terminada a mistura em mono deixaram, como relata Howlett, as versões em estéreo nas mãos de George Martin e dos seus engenheiros de som. Vivia-se mesmo assim um período de transição, e até à edição da banda sonora de Yellow Submarine (1969) os Beatles ainda editaram todos os seus discos tanto em mono como estéreo.
Lançado em inícios de 1963, o álbum de estreia Please Please Me chegou numa altura em que, ainda dominado pelo single (e também pelo EP, ou seja, o Extended Play, que podia juntar duas faixas de cada lado num disco com as dimensões de um single), o mercado da música pop/rock começava a refletir uma cada vez mais evidente valorização do formato do álbum. O primeiro álbum dos Beatles vendeu meio milhão de unidades, na sua esmagadora maioria em mono. Os álbuns em estéreo, lembra Kevin Howlett, eram então “editados em pequenas quantidades para um mercado de entusiastas do hi-fi”. Poucos meses depois, o segundo álbum, With the Beatles, pulverizava os números do álbum de estreia, acabando dois anos depois por representar o primeiro disco a ultrapassar a fasquia do milhão no Reino Unido (ainda hoje é o terceiro disco com maior volume de vendas dos Beatles, superado apenas por Sgt. Pepper’s e Abbey Road).
Um exemplo curioso do peso das diferentes misturas na obra dos Beatles pode encontrar-se no facto de a versão mono de A Hard Day’s Night (1964) ter exigido cerca de três vezes mais tempo que a versão em estéreo desse mesmo disco que, então, incluía as canções do primeiro filme com os fab four.
Depois de Beatles for Sale (de 1964) e de Help! (1965, com as canções de um segundo filme) coube a Rubber Soul (1965) a expressão de novos patamares de labor no trabalho em estúdio, o que se revela nas diferenças que encontramos entre as versões mono e estéreo. Curiosamente as misturas de seis das canções na versão estereofónica foram realizadas na mesma manhã em que Isabel II entregava aos Beatles as insígnias MBE (Members of the British Empire), facto que reforça como não era ali que estava o gume da atenção dos músicos. Revolver (1966) leva contudo os desafios de experimentação mais além, e para os quais terá certamente contribuído a presença de Geoff Emerick, um jovem engenheiro de som com 20 anos que George Martin chamou a estúdio. O grupo concentrava então os esforços criativos e preparava-se para deixar os palcos, abrindo espaço para experiências ainda mais elaboradas em Abbey Road que surgiriam com Sgt. Pepper’s e Magical Mistery Tour, ambos de 1967. O segundo, originalmente editado como duplo EP no Reino Unido, surgiu nos EUA como álbum (juntando temas de singles da época no lado B), gerando assim aquela que é a única edição não britânica a figurar naquela que, com o tempo, acabou definida como a discografia canónica dos Beatles em LP.
A nova caixa em vinil The Beatles in Mono junta todas as versões mono destes álbuns a The Beatles (o álbum branco), disco de 1968 nascido segundo um desafio de simplificação instrumental. E inclui ainda – além de um extenso booklet com textos (álbum a álbum), recortes de imprensa e imagens da época – a compilação The Mono Masters, que integra os temas que foram editados em single e ainda elementos da banda sonora de Yellow Submarine. Além das naturais diferenças na forma como os sons estão distribuídos em mono ou estéreo, há diferenças nos discos, e algumas decorrem do facto de terem sido escolhidos takes diferentes. Há versões mais lentas, fades que surgem com outra rapidez, até mesmo detalhes nas performances vocais e instrumentais. O ‘Álbum Branco’, por exemplo, é um minuto mais curto na versão mono... Além disso, a nitidez com que os arranjos dos discos de 1966 e 67 se arrumam nas misturas em mono revelam um espantoso e cuidado trabalho técnico que valoriza canções de uma etapa em que o grupo soube aliar a criatividade à exploração da tecnologia ao seu alcance.
Lançado em inícios de 1963, o álbum de estreia Please Please Me chegou numa altura em que, ainda dominado pelo single (e também pelo EP, ou seja, o Extended Play, que podia juntar duas faixas de cada lado num disco com as dimensões de um single), o mercado da música pop/rock começava a refletir uma cada vez mais evidente valorização do formato do álbum. O primeiro álbum dos Beatles vendeu meio milhão de unidades, na sua esmagadora maioria em mono. Os álbuns em estéreo, lembra Kevin Howlett, eram então “editados em pequenas quantidades para um mercado de entusiastas do hi-fi”. Poucos meses depois, o segundo álbum, With the Beatles, pulverizava os números do álbum de estreia, acabando dois anos depois por representar o primeiro disco a ultrapassar a fasquia do milhão no Reino Unido (ainda hoje é o terceiro disco com maior volume de vendas dos Beatles, superado apenas por Sgt. Pepper’s e Abbey Road).
Um exemplo curioso do peso das diferentes misturas na obra dos Beatles pode encontrar-se no facto de a versão mono de A Hard Day’s Night (1964) ter exigido cerca de três vezes mais tempo que a versão em estéreo desse mesmo disco que, então, incluía as canções do primeiro filme com os fab four.
Depois de Beatles for Sale (de 1964) e de Help! (1965, com as canções de um segundo filme) coube a Rubber Soul (1965) a expressão de novos patamares de labor no trabalho em estúdio, o que se revela nas diferenças que encontramos entre as versões mono e estéreo. Curiosamente as misturas de seis das canções na versão estereofónica foram realizadas na mesma manhã em que Isabel II entregava aos Beatles as insígnias MBE (Members of the British Empire), facto que reforça como não era ali que estava o gume da atenção dos músicos. Revolver (1966) leva contudo os desafios de experimentação mais além, e para os quais terá certamente contribuído a presença de Geoff Emerick, um jovem engenheiro de som com 20 anos que George Martin chamou a estúdio. O grupo concentrava então os esforços criativos e preparava-se para deixar os palcos, abrindo espaço para experiências ainda mais elaboradas em Abbey Road que surgiriam com Sgt. Pepper’s e Magical Mistery Tour, ambos de 1967. O segundo, originalmente editado como duplo EP no Reino Unido, surgiu nos EUA como álbum (juntando temas de singles da época no lado B), gerando assim aquela que é a única edição não britânica a figurar naquela que, com o tempo, acabou definida como a discografia canónica dos Beatles em LP.
A nova caixa em vinil The Beatles in Mono junta todas as versões mono destes álbuns a The Beatles (o álbum branco), disco de 1968 nascido segundo um desafio de simplificação instrumental. E inclui ainda – além de um extenso booklet com textos (álbum a álbum), recortes de imprensa e imagens da época – a compilação The Mono Masters, que integra os temas que foram editados em single e ainda elementos da banda sonora de Yellow Submarine. Além das naturais diferenças na forma como os sons estão distribuídos em mono ou estéreo, há diferenças nos discos, e algumas decorrem do facto de terem sido escolhidos takes diferentes. Há versões mais lentas, fades que surgem com outra rapidez, até mesmo detalhes nas performances vocais e instrumentais. O ‘Álbum Branco’, por exemplo, é um minuto mais curto na versão mono... Além disso, a nitidez com que os arranjos dos discos de 1966 e 67 se arrumam nas misturas em mono revelam um espantoso e cuidado trabalho técnico que valoriza canções de uma etapa em que o grupo soube aliar a criatividade à exploração da tecnologia ao seu alcance.
Esta caixa, que representa assim a experiência mais próxima possível do que era, há 50 anos, descobrir a música dos Beatles, surge na sequência de mais dois importantes lançamentos oficiais de arquivo apresentados já este ano. Uma das caixas, com o título U.S. Box, recupera em CD os LP dos Beatles, com capas e alinhamentos diferentes, que a Capitol criou para o mercado norte-americano. A segunda, a Japan Box, junta os álbuns, também diferentes, que a EMI japonesa lançou entre 1964 e 65. Há contudo ainda muito material de arquivo a recuperar...
sexta-feira, setembro 26, 2014
Reedições:
David Bowie
“Sound + Vision”
PLG UK Catalog
4 / 5
Se James Bond nos disse em tempos que só se vive duas vezes, David Bowie mostra-nos que a sua antologia Sound + Vision já soma, pelo menos para já, três vidas. Originalmente lançada em 1989 no formato de três discos (mais um CD-Rom extra, coisa moderna na altura), conheceu segunda versão em 2003 numa caixa maior, com quatro discos e alinhamento a ter em conta alguns episódios (não muitos, de facto) do tempo que entretanto passara. Agora, e num compasso de espera para o lançamento da muito aguardada compilação (tripla) Nothing Has Changed – que inclui um tema novo e duas faixas das sessões do álbum (nunca editado) Toy – eis que entra em cena uma terceira versão da caixa Sound + Vision. Na verdade o que aqui há de novo é apenas uma nova forma de arrumar o mesmo alinhamento da versão lançada há onze anos, sob um grafismo que recorre à mesma fotografia para a capa mas opta por um formato mais próximo das dimensões habituais do CD. Com memórias mais antigas achadas no alinhamento de Space Oddity (1969) – e vale a pena lembrar que a antologia que vem a caminho será a primeira a cruzar esse período posterior a 1969 com alguns momentos da discografia anterior, que remonta a primeiros singles lançados em 1964). Mas mesmo deixando cinco anos de discos de fora, e ignorando o que sucedeu depois de Buddha of Suburbia (1994), apesar de incluir um lado B da fase Earthling (mas com uma versão ao vivo de um tema de 1993), Sound + Vision acaba por ser um dos mais interessantes olhares de conjunto sobre a obra de Bowie, juntando mesmo alguns temas que antes nunca tinham conhecido expressão em CD – nomeadamente duas faixas do EP Baal de 1982, dois lados B até então apenas representados em vinil, uma remistura inédita de Nite Flights (um original dos Walker Brothers) e versões menos habituais em compilações como a gravação do single de 1970 (com Marc Bolan na guitarra) de The Prettiest Star ou Helden (a versão em alemão de Heroes). Musicalmente não acrescenta nada à caixa de 2003. Historicamente fica aquém da visão mais alargada que Nothing Has Changed vai propor. Tem presença acima do que seria desejável (seis temas) da etapa Tin Machine. Mas não deixa de ser uma bela antologia de Bowie.
quinta-feira, agosto 07, 2014
Reedições:
David Sylvian & Robert Fripp
“The First Day”
DGM
4 / 5
David Sylvian já tinha trabalhado com Roger Fripp, por exemplo, em Gone To Earth, representando mesmo o segundo disco desse álbum duplo de 1986 um dos melhores exemplos entre as várias parcerias instrumentais que o músico foi delineando na sua primeira década de trabalho a solo, ao mesmo tempo que definia, juntamente com a primeira parte desse álbum e os LPs Brilliant Trees (1984) e Secrets of The Beehive (1987), um caminho de demanda muito pessoal no espaço da canção cujas primeiras expressões podemos encontrar ainda nos dias dos Japan em Ghosts (1981) e, em parceria com Ryuichi Sakamoto, em Forbidden Colours (tema de 1983 da banda sonora do filme de Nagisa Oshima Feliz Natal Mr. Lawrence). Contando com uma (espantosa) equipa de colaboradores nesses primeiros discos que lançou nos anos 80 – e entre os quais se contam nomes como Jon Hassell, o já referido Sakamoto ou Mark Isham – Sylvian juntou aos primeiros títulos da sua obra a solo dois álbuns criados em conjunto com Holger Czukay (nos quais experimentou espaços de criação pela improvisação que teriam consequências mais profundas em discos futuros) e uma parceria com Russell Mills que resultou da transformação em livro e disco de uma instalação. Apesar de assinado apenas por David Sylvian, o EP de 1985 Words With The Shaman (e o álbum instrumental Alchemy: An Index Of Possibilities que se lhe seguiu) representa outro espaço de esforço partilhado entre vários músicos e ideias, surgindo aqui, de resto, uma primeira parceria com Fripp (uma das principais forças criativas dos King Crimson). Esse EP e o álbum Gone To Earth definiram assim um primeiro patamar de entendimento entre Sylvian e Fripp que levantou hipóteses de novos desenvolvimentos. E em inícios dos anos 90, depois de arrumada a experiência (pontual) com os Rain Tree Crow – projeto nascido de uma reunião de elementos dos Japan – os dois músicos aprofundaram o trabalho conjunto num primeiro disco que assinaram a dois e no qual as marcas mais firmes dos universos de cada um se mostram claras e vivas. Na verdade, talvez a pulsão rock das guitarras de Fripp e a herança das genéticas progressivas que ele mesmo ajudou a desenhar têm uma presença mais visível em The First Day, a Sylvian cabendo contudo a condução dos caminhos das palavras e, sobretudo, uma voz que não deixa escapar a sua personalidade mesmo perante nova cenografia. Sob uma arquitetura rítmica bem definida – algo que Sylvian já conhecera nos Japan e voltaria a viver anos depois via Nine Horses – o disco ora apresenta canções de recorte rock mais clássico como Jean The Birdman ou God’s Monkey ora mergulha em território de libertação para lá destas formas seguindo velhas sugestões prog, em Darshan, contudo, partilhando espaços com uma assinatura rítmica claramente em sintonia com linhas em marcha nos anos 90. O final do alinhamento, ao som do mais ambiental Bringing Down The Light, aproxima-se mais claramente de território Sylvian e de experiências instrumentais que caracterizariam alguma da sua (escassa) criação no resto dos anos 90. Entre Sylvian e Fripp o episódio seguinte seria Damage, disco ao vivo que, tal como este álbum de 1993, regressa agora com o som remasterizado.
sexta-feira, julho 25, 2014
Reedições:
Frank Sinatra
“Frank
Sinatra Sings For Only The Lonely”
Black
Coffee
5 / 5
Na
sequência de álbuns orquestrais como In The Wee Small Hours (1955) e Where Are
You? (1957), Frank Sinatra projetou a criação de um novo disco de baladas,
opção mais que certa num momento de absoluta forma vocal (nascendo entre estes
discos e alguns que gravaria nos anos 60 algumas das obras mais marcantes da
sua discografia). Sinatra procurava aqui trabalhar com Gordon Jenkins (com quem
gravara o disco de 57 e com quem trabalharia, pouco depois, no sublime
September of My Years), mas da impossibilidade de disponibilidade na agenda
deste arranjador e maestro, acabou por voltar a Nelson Riddle, com quem
assinara vários outros momentos, entre os quais o álbum de 1955 que representa
o primeiro dos discos orquestrais desta etapa da sua carreira. Claramente
marcado pela perda recente da mãe e uma filha, Riddle projetou entre os
arranjos e direção de orquestra das canções de Frank Sinatra Sings For Only The Lonely um sentido de assombrada
melancolia que se fez perfeito cenário para a voz de Sinatra gerando aquele que
muitas vezes é apontado como o melhor dos seus (muitos) discos. Esta nova
edição, que chega numa altura em que o acervo que gravou para a Capitol ganha
novos lançamentos, surge acompanhada por um booklet de 12 páginas com um texto
que contextualiza o álbum na história artística de Frank Sinatra.
segunda-feira, julho 14, 2014
Reedições:
The The
“Soul Mining”
Columbia / Sony Music
5 / 5
Uma lista dos melhores álbuns dos anos 80 não fica (a meu ver) completa sem uma referência (pelo menos uma) aos The The. E entre a etapa mais produtiva e criativa da obra que Matt Johnson editou sob este nome (que podemos localizar entre 1982 e 1992) o álbum Soul Mining, que representou a estreia dos The The traduz um episódio de grande inspiração e rara capacidade em conciliar uma série de referencias e caminhos aparentemente dispares mas de cuja capacidade em entrar em diálogo emergira não apenas a obra posterior de Matt Johnson mas todo um novo espaço onde se afirmaria uma nova pop alternativa de vistas largas da qual emergiriam alguns dos melhores discos dos oitentas. Matt Johnson já circulava entre as atenções de quem seguia a música por perto desde que se fizera notar em primeiros anúncios via NME, inicialmente dando os Velvet Underground e Syd Barrett, pouco depois alargando as bitolas a nomes como os Residents e Throbbing Gristle. Matt edita um primeiro álbum em nome próprio em 1981 (que anos mais tarde seria reeditado sob o nome The The), encontra um espaço de trabalho entre a Some Bizzarre (etiqueta da qual emergiriam os Soft Cell) e alarga gradualmente a sua base de ideias. De um entendimento com um mesmo sentido de ecletismo pop nascido dos ecos da revolução punk que entretanto gerara discos como Remain In Light dos Talking Head, Non Stop Erotic Cabaret dos Soft Cell ou Tin Drum dos Japan, onde se cruzavam fronteiras de género e integrava elementos de outras culturas, Matt Johnsson junta em Soul Mining um conjunto de canções que tanto mostram sinais de atenção para com a club culture nova iorquina de então, heranças do funk, um natural interesse (de época) pelas electrónicas e pela grande riqueza dos ritmos africanos, amplificando mais ainda a paleta das cores e formas em jogo pelas contribuições de alguns músicos presentes, entre eles contando-se Zeke Manyika (dos Orange Juice), Jools Holland (dos Squeeze), Thomas Leer ou Jim Thirwell (que algum tempo depois faria carreira como Foetus). A reconstrução de Cold Spell Ahead (single originalmente editado em 1981) que reemergiria como Uncertain Smile é um bom exemplo de como a visão de Matt Johnsson galgou muros e soube cruzar experiências para encontrar o caminho que o levou a Soul Mining e, com este disco fazer, juntamente com Songs To Remember dos Scritti Politti ou The Hurting dos Tears For Fears, um dos grandes episódios made in 1983. 31 anos depois a presente reedição recupera o disco no seu alinhamento original (e remasterizado em Abbey Road sob supervisão do próprio Matt Johnsson), juntando um disco extra com remisturas e Perfect, single originalmente editado em 1983 mas não previsto para o alinhamento do álbum (a sua presença em algumas das primeiras prensagens e versões em CD decorrendo da vontade da editora e não do músico).
quarta-feira, junho 25, 2014
Reedições:
The Auteurs, Now I'm A Cowboy
The Auteurs
“Now I’m A Cowboy”
3 Loop Music
4 / 5
O disco que nos revelou o talento de Luke Haines (um dos grandes escritores de canções dos últimos 20 anos) surgiu assinado pelos The Auteurs, a banda que tomou o protagonismo das suas atenções na alvorada dos anos 90. Sem uma filiação evidente em nenhum “movimento” maior do seu tempo, já que não partilhavam encantamentos com a euforia dançante que tivera berço em Manchester em finais dos oitentas nem encaixaram a rigor no clima brit bop que nasceu pouco depois (apesar de ter havido quem os tivesse procurado meter no mesmo saco), os Auteurs tiveram em New Wave, o seu álbum de estreia, um dos mais importantes discos de canções pop feitas com guitarras criados na Inglaterra pós-Smiths (partilhando com o álbum de estreia dos House of Love e o único LP dos The La’s uma troika “essencial” do que de melhor então se fez nesse comprimento de onda). Formados com a sua companheira de então, um antigo colega de escola mais um violoncelista que chegou pouco depois, os Auteurs tiveram uma existência volátil na formação e desde cedo ficou evidente que eram um veículo para a escrita e a voz de Luke Haines. New Wave (1993), que chegou a ter uma nomeação para o Mercury Prize, colocou o nome do grupo em cena com uma coleção de canções absolutamente notável. Editado um ano depois Now I’m A Cowboy procurava uma lógica de continuidade na música e acentuava um desejo de retratar as realidades sociais do seu tempo nas palavras. De recorte clássico, a música doseia uma mais evidente presença da eletricidade (contudo bem distinta dos caminhos shoegazer então vigentes, mas com alma vigorosa bem marcada em Lenny Valentino, que foi cartão de visita do álbum) e uma ordem acústica bem evidente, servindo uma escrita que confirmava em pleno a expressão de uma personalidade que, com o tempo, se afirmaria como uma das forças maiores da geração inglesa dos noventas. É que, embora nunca tenha conhecido o sucesso e a visibilidade de figuras suas contemporâneas como Damon Albarn (Blur), Jarvis Cocker (Pulp) ou Brett Anderson (Suede), em Luke Haines encontramos uma das vozes (criativas) mais interessantes na construção de um panorama que devolveu as guitarras à linha da frente da cultura pop made in UK. E basta recuar a canções como Chinese Bakery, A Sister Like You ou Brain Child para reconhecer mais episódios gourmet da história do que de melhor a canção britânica nos deu nos anos 90. A nova edição “expandida” (como agora se diz) junta ao álbum os lados B dos singles dele extraídos, sessões gravadas para a BBC e o registo de um concerto captado em Leeds em 1993, na primeira parte de uma atuação dos The The.
sexta-feira, junho 20, 2014
Reedições:
Morrissey, Vauxhall and I
Morrissey
“Vauxhall And I”
PLG UK Catalog
5 / 5
Bastava a obra que gravou com os The Smiths para dele fazer um dos maiores de sempre na história da música. Mas nunca baixou os braços. E ainda a notícia do fim do grupo tinha sabor a (triste) novidade, já Morrissey preparava um primeiro passo em nome próprio que veria a luz do dia em 1988 no belíssimo Viva Hate. Desde então lançou um total de dez álbuns de estúdio em nome próprio, uns melhores, outros menos brilhantes. E do balanço do que já nos mostrou o magnífico Vauxhall And I, de 1994, continua a ser a sua obra-prima pós-Smiths. Apesar das claras marcas de identidade da sua escrita e de ter como protagonista uma das mais distintas vozes da história da música popular, este é um disco algo “diferente” no quadro da sua obra a solo. É um álbum profundamente melancólico, por vezes sugerindo tonalidades quase elegíacas – que muitas vezes são atribuídas ao facto de se ter sucedido à morte de três figuras que lhe eram próximas, entre elas Mick Ronson (que produzira o anterior Your Arsenal). Cabendo a Billy Budd a ligação mais evidente à matriz rock’n’roll que habitara o tutano do álbum anterior, as canções que aqui apresentava procuravam caminhos cenicamente mais plácidos, recatados, procurando a expressão de outras vozes interiores, a produção de Steve Lillywhite ajudando a definir a nitidez dos novos pontos de vista aqui procurados. O alinhamento revela depois uma coleção invulgarmente inspirada, fazendo este um daqueles raros casos de álbuns dos quais quase todas as faixas se apresentam como singles potenciais (os escolhidos oficiais tendo sido The More You Ignore Me The Closer I Get, Now My Heart Is Full e o sublime Hold On To Your Friends, esta uma das melhores canções dos anos 90). Na hora de assinalar os 20 anos do lançamento deste álbum eis que surge uma edição comemorativa que junta ao alinhamento original, devidamente remasterizado, um disco extra registado ao vivo. As duas décadas que passaram quase fizeram esquecer as cores do mapa brit pop que dominava o panorama musical inglês à data do lançamento deste disco, assim como o período de “má imprensa” que Morrissey viveu por conta de acusações de uma agenda nacionalista por aqueles dias. As canções, essas sim, venceram o tempo. E, juntas, dão-nos um daqueles discos que ajudam a contar a História.
quinta-feira, maio 08, 2014
Reedições:
Grace Jones, Nightclubbing
Grace Jones
“Nightclubbing (DeLuxe Edition)”
Island Records / Universal
5 / 5
De origem jamaicana e com vida feita nos EUA desde a adolescência, Grace Jones era já uma modelo de sucesso quando, em finais dos anos 70, apostou na construção de uma carreira na música em paralelo às passerelles e estúdios de fotografia. Na companhia do produtor Tom Moulton registou três álbuns em finais dos setentas, explorando os universos do disco sound e arredores em três álbums e uma mão-cheia de singles que lançou entre 1977 e 79. Mas em 1980 Chris Blackwell tomou rédeas da condução dos destinos musicais de Grace Jones. Levou-a aos estúdios Compass Point, nas Bahamas, juntou-se a Alex Sadkin para formar a dupla de produção e chamou vários músicos, entre os quais Sly Dunbar e Robbie Shakespeare (uma das maiores secções rítmicas made in Jamaica, com obra assinada como Sly & Robbie). Juntos criaram Warm Leatherette em 1980, lançando bases para um momento maior que nasceria um ano depois, sem mexer muito nas peças em jogo. Editado em 1981 Nightclubbing apresenta uma série de versões e alguns inéditos. Entre as versões encontramos temas como I’ve Seen That Face Before, de Astor Piazzolla ou Nightclubbing de David Bowie e Iggy Pop (gravada no álbum The Idiot deste último), entre os inéditos surgindo o poderoso e fulgurante Pull Up to The Bumper (quem tem na própria Grace Jones uma das autoras e que havia sido composto para o álbum anterior mas acabado fora do alinhamento) ou Demolition Man (de Sting, que os Police gravariam pouco depois no álbum Ghost in the Machine). Animado por uma pulsão new wave, herdando sinais da cultura dub, e sob um vasto espetro de referencias, Nightclubbing foi o disco certo na altura certa na carreira de Grace Jones e em pouco tempo acabou mesmo reconhecido como a sua obra de referencia (estatuto que as vendas em quantidades folgadas também ajudou). Agora, mais de 30 anos depois o álbum conhece uma edição DeLuxe que junta ao alinhamento original – devidamente remasterizado – um segundo disco com as remisturas lançadas em máxis na altura, versões alternativas (como uma leitura dub de Pull Up to the Bumper sob o título Peanut Butter ou uma versão em espanhol do tema de Piazzola) e algumas canções extra, entre as quais uma versão de Me I Disconnect From You, de Gary Numan. Com uma capa icónica de Jean Paul Goode, regressa assim ao espaço das novidades um dos discos mais inesquecíveis da colheita de inícios dos oitentas.
terça-feira, abril 15, 2014
Reedições:
Cindy Lauper, She's So Unusual
Cindy Lauper
“She's So Unusual – A 30th Aniversary Celebration”
Sony Music
3 / 5
Foi com surpresa que a descobrimos em 1983 ao som de uma canção que, em pouco tempo, se afirmaria como um verdadeiro hino pop no feminino. Editado em 1983, o single Girls Just Want To Have Fun (um rebuçado pop com guitarras e eletrónicas em doses generosas e sob evidente protagonismo da acentuada voz girlie da cantora, acompanhado por um teledisco literalmente em sintonia com o clima que a canção sugeria) fazia de Cindy Lauper uma estrela em três tempos, como que ajustando contas com o que eram então já seis anos de tentativas de lançamento de uma carreira e que tinham passado já por um primeiro single em nome próprio em 1977 – com uma versão de You Make Loving Fun dos Fleetwood Mac – e um álbum pelos Blue Angel, banda pela qual militou na alvorada dos oitentas. She's So Unusual, o álbum que editaria também em 1983 acentuaria a mudança de “sorte” a que Girls Just Want To Have Fun a votara. É um álbum pop do seu tempo e do seu lugar. Sob evidentes marcas das tradições pop/rock e rhythm'n'blues norte-americanas, mas também atento à emergência das eletrónicas (então ainda com mais evidente expressão deste lado do Atlântico), o disco explora não apenas a personalidade mas também a versatilidade de Cindy Lauper, ora pelos terrenos de maior melancolia de um Time After Time ora pelo espaço mais festivo de She Bop (onde cruzou heranças rockabilly com novas sonoridades) ou experimentando caminhos eletrónicos para uma linguística pop de apelo clássico em All Through The Night, chamando ainda ao alinhamento uma versão de When You Were Mine. Este foi todavia um momento único na discografia de Cindy Lauper, e o álbum que se seguiu, True Colors (1986) em nada repetia o fulgor deste primeiro que, globalmente, atingiu os 22 milhões de unidades vendidas. Depois de uma digressão comemorativa em 2013, na qual a cantora regressou ao alinhamento do disco, a celebração dos 30 anos de She's So Unusual faz-se agora com uma reedição do álbum que junta extras. A versão 'standard' acrescenta novas (e dispensáveis) remisturas. A versão deluxe é mais interessante na seleção de faixas adicionais, com maquetes e registos de ensaios que nos permitem dar um mergulho pelo processo criativo por detrás de algumas destas canções.
PS. Este texto foi originalmente publicado na edição online do DN
quinta-feira, abril 03, 2014
Reedições:
Elton John, Goodbye Yellow Brick Road
Elton John
“Goodbye Yellow Brick Road (40th anniversary edition”
Universal
4 / 5
Candle in The Wind, Bennie and The Jets, Goodbye Yellow Brick Road... A sucessão de títulos parece coisa de um best of de Elton John, mas estes são títulos assim consecutivamente arrumados no alinhamento de um álbum duplo que o cantor editou em 1973 e que, transformado num dos seus maiores êxitos e muitas vezes apontado como a sua obra-prima, regressa hoje numa edição (ver caixa) que junta uma série de extras, entre os quais reinterpretações de algumas das suas canções por nomes como os de Miguel ou John Grant.
Sucessor de Don’t Shoot Me I’m Only the Piano Player (1973), que lhe dera os primeiros números um nas tabelas de vendas de álbuns no Reino Unido e Estados Unidos, o disco começara por ser pensado como uma experiência por outros ares. Depois de os Rolling Stones terem gravado a maior parte de Goats Head Soup (também de 1973) na Jamaica, Elton, o letrista Bernie Taupin e entourage rumaram a essas mesmas paragens. A temporada no Dynamic Sound Studio, em Kingston, foi contudo menos bem-sucedida que a dos Stones, chegando a equipa em pleno tempo de conflito laboral entre os funcionários do estúdio (também uma editora e fábrica de discos) e o patronato. Quando tentavam entrar no estúdio os profissionais atiravam-lhes “fibra de vidro esmigalhada”, o que deixou muitos com “erupções cutâneas”, explica o próprio Elton John no booklet da nova reedição. Lá dentro não havia microfones e a cada avaria falava--se em dias para a resolver. De malas aviadas acabaram por regressar aos estúdios no Château d’Herouville (França), onde tinham já trabalhado (e onde tanto Sérgio Godinho como José Mário Branco haviam já registado discos).
Gravado e misturado em apenas 17 dias, incluindo algumas canções que Bernie e Elton tinham composto na Jamaica, Goodbye Yellow Brick Road nasceria na forma de álbum duplo a 5 de outubro de 1973. Imponente nos arranjos, seguro na composição (confirmando um momento de forma da dupla autoral), o disco vai dos espaços de grandiosidade do glam rock a terrenos de elegante sinfonismo pop, pelas suas canções passando sobretudo histórias e figuras trágicas como Marilyn Monroe (em Candle in The Wind), uma prostituta (Sweet Painted Lady) e o assassinado Danny Bailey. Em All the Girls Love Alice Elton John junta-se a David Bowie e Lou Reed ao assinar mais um entre os primeiros retratos de homossexuais na forma de canções pop.
Bernie Taupin descreveu este disco como a “raiz kármica” da música de Elton John. “Gostava de ter histórias de terror” para lembrar a criação do álbum, graceja Elton no booklet. Mas na verdade, sublinha, “foi bem divertido” de fazer. Mais de 40 anos depois ainda se sente o brilho dessa aura num alinhamento que, de facto, representa o melhor da obra de Elton John.
A edição comemorativa dos 40 anos do álbum surge em vários formatos, uns com mais extras do que outros. A versão standard, na forma de CD duplo, inclui um concerto no Hammersmith Odeon em 1973 e um tributo que apresenta versões para nove temas do álbum em novas vozes. Candle in The Wind é reinventada por Ed Sheeran e Sweet Painted Lady surge em nova leitura por John Grant. O tributo apresenta ainda Bennie and The Jets por Miguel e Wale, All The Girls Love Alice por Emily Sandé e Saturday Night's Alright for Fighting pelos Fall Out Boy. Na verdade, além da leitura de John Grant, nenhuma é particularmente motivadora.
PS. Este texto foi originalmente publicado na edição de 30 de mar do DN com o título 'Elton John pela estrada #dos tijolos dourados'
sexta-feira, março 14, 2014
Reedição:
Strange Cruise, Strange Cruise
Strange Cruise
“Strange Cruise”
Cherry Red
1 / 5
Em 1984 Steve Strange tentou fazer dos Visage uma banda diferente. Sem a colaboração de Midge Ure que, depois de importantes contribuições em Visage (1980) e The Anvil (1982), tinha concentrado as atenções nos Ultravox, o álbum Beat Boy reduzia substancialmente a presença das eletrónicas e das linguagens escutadas na new wave, o alinhamento do disco valorizando uma presença algo incaracterísticas da guitarra e até mesmo do saxofone. Sob resultados de dieta o disco acabou por conduzir a um ponto final para essa encarnação dos Visage (que entretanto se reuniram recentemente com novos músicos). Steve Strange juntou então alguns dos seus colaboradores nos Visage, juntou outros (entre os quais a cantora Wendy Wu) e formou o projeto Strange Cruise que, contudo, teria vida breve e, convenhamos, inconsequente. Antecedido pelo single Rebel Blue Rocker, que reafirmava os desejos de criar uma “live band” e vincava o desvio para uma sonoridade mais rock que o disco de 84 dos Visage já antecipava, Strange Cruise é mesmo o momento menos entusiasmante da obra discográfica de uma figura que teve um papel marcante no movimento new romantic na Londres de finais dos setentas e inícios dos oitentas (e com o magnífico Fade To Grey como coroa de glória) mas que, desde então, pouco acrescentou à história da cultura pop. Apesar de pontuais instantes com interesse (sobretudo na relação dos metais com a secção rítmica em Love Addiction ou a alma pop de Animal Call), o alinhamento é coisa para constrangedora dieta de ideias. E se o single de estreia não lançava grandes ideias o segundo, uma versão de The Beat Goes On, vincou a má equação de ingredientes e opções que fez do álbum um tiro ao lado. 28 anos depois o disco tem a sua primeira edição no suporte de CD, juntando ao alinhamento uma remistura de Rebel Blue Rocker (editada no máxi então lançado) e Silver Screen Queen que surgiu no lado B do segundo single. Só para os mais fiéis admiradores de Steve Strange. E mesmo assim...
sexta-feira, março 07, 2014
Reedições:
The Blue Nile, Peace At Last
The Blue Nile
“Peace At Last”
Warner Bros
3 / 5
Não é certamente fácil criar um sucessor para aqueles discos que o tempo regista como maiores e que acolhem variadas aclamações como obra-prima. Editado em 1989, Hats, dos Blue Nile, é um daqueles discos que moram, de pedra e cal, na lista do que de melhor escutámos nos anos 80, a sua coleção de canções para melancolia e eletrónicas tendo cativado entusiasmos não só entre a crítica e os consumidores de música, acolhendo o aplauso de figuras de relevo na música, de Rickie Lee Jones a Annie Lennox, a primeira convidando-os para a sua digressão de então, a segunda cantando-os. Passaram sete anos até que os pudéssemos reencontrar. Mas em Peace at Last a música seguia outros caminhos num alinhamento onde a voz de Paul Buchanan conhecia principal interlocutor no som da guitarra acústica, só na reta final do alinhamento emergindo ecos das cenografias mais intensas de Hats (como se escuta em War Is Love ou Soon), cabendo contudo a Family Life, onde o piano fala mais alto, o melhor instante de todo o disco. As trovas pessoais, sobre vida doméstica, com assinatura de Buchanan, porém de colheita menos iluminada, conhecem aqui orquestrações (ou com teclas ou mesmo com cordas) por Craig Armstrong e chamam a colaboração de Calum Malcolm (tanto nas teclas como enquanto engenheiro de som), abrindo espaço à presença de um coro de gospel em Happiness, um dos temas extraídos em formato de single. Tal como aconteceu com os dois álbuns anteriores, este terceiro registo de estúdio dos Blue Nile apresenta-se com som remasterizado e com um segundo disco com remisturas e temas extra onde, dada a mais evidente concentração de trabalho com eletrónicas na linha da obra do grupo nos oitentas, acaba por trazer algumas das mais saborosas presenças deste novo conjunto. Mesmo assim pouco mais haverá aqui que material para aficionados.
quinta-feira, fevereiro 20, 2014
Reedições:
Orange Juice,
You Can't Hide Your Love Forever
Orange Juice
“You Can't Hide Your Love Forever”
Domino Records
5 / 5
A história da relação da canção pop com as guitarras teve nos Orange Juice um dos seus mais significativos pólos de acção e criatividade num tempo em que o foco das atenções mais mediáticas se centrava num espaço de mais franco relacionamento com as emergentes eletrónicas (e o seu relacionamento com os demais instrumentos). Assim, antes dos The Smiths e R.E.M. terem assegurado que, a seis cordas, a voz da canção pop/rock tinha ainda espaços de protagonismo maior a percorrer, aos Orange Juice coube uma das mais inspiradas contribuições, representando também o grupo que nos revelou a voz (e o talento na escrita) de Edwin Collins uma das expressões mais vibrantes de uma geração de músicos escoceses animada e motivada pelo impacte então recente da revolução punk. Depois de uma passagem pela mítica Postcard Records (selo independente ligado a à expressão dessa inquietude local assim transformada em ideias, canções e discos), o grupo alcançou um outro patamar editorial por alturas do lançamento do seu álbum de estreia. Editado em 1982, You Can't Hide Your Love Forever é um pouco um retrato de um grupo que junta ecos do que foi ao que naquele momento estava a ser, ora regravando velhas canções ora apresentando temas de colheita mais recente. A voz de Edwin Collins brilha aqui mais que nos singles anteriores, servindo na perfeição um conjunto de canções que fez então deste um dos mais belos discos pop do seu tempo. A nova reedição apresenta o disco com som remasterizado, mas sem extras.
quinta-feira, janeiro 30, 2014
Reedições:
The Power Station, The Power Station
The Power Station
“The Power Station”
PLH UK Catalog
2 / 5
Após três álbuns de originais, uma intensa agenda de concertos e um estatuto de visibilidade global conquistado, os Duran Duran chegaram a meados de 1984 com vontade de tirar uns tempos de férias. Depois de terminada a digressão mundial tinham ainda pela frente a edição em single de uma versão remisturada por Nile Rodgers de The Reflex (que se transformaria num dos seus maiores êxitos), o lançamento do álbum ao vivo Arena e a gravação do single (e do teledisco) The Wild Boys, que surgiria como inédito (de estúdio) no registo live... Depois dividiram-se em dois corpos distintos. Simon Le Bon, Nick Rhodes e Roger Taylor juntaram-se em Paris para aprofundar a faceta mais sumptuosa do som dos Duran Duran num projeto a que chamariam Arcadia. E John e Andy Taylor encontraram terreno livre para expressar o desejo de explorar duas premissas fulcrais da alma dos Duran Duran: a sua face mais rock (nem sempre muito evidente nos DD) e um motor rítmico mais próximo de uma identidade herdada do funk. Juntaram-se a Rover Palmer (que tinham conhecido em 1983) e ao baterista Tony Thompson. E sob produção assegurada por Bernard Edwards (Chic), registaram um conjunto de oito temas (entre os quais uma versão dos T-Rex e uma dos Isley Brothers) nas quais apresentaram um rock anguloso e polido (que teria consequências diretas no som de Notorious, o álbum de reencontro dos Duran Duran editado em 1986). The Power Station (nome do estúdio nova-iorquino onde gravaram) foi a designação que adotaram para o grupo e para o seu primeiro álbum (haveria um segundo, claramente menor, onze anos depois). O álbum é um claro exemplo de um sentido burguês que habita muitas vezes entre quem faz vibrar os terrenos do sucesso. Foi coisa mais cara que musicalmente consequente, apesar da boa repercussão que chegou a ter nos EUA. Do alinhamento surgiu, além de uma versão aceitável de Get It On (Bang a Gong) um belo single pop ritmicamente elaborado a que chamaram Some Like It Hot. O resto do disco é acima de tudo um devaneio impecavelmente produzido que cruzou elementos de funk e traços de um rock mais pesado, algo longe do sentido pop e das cores que habitavam a música dos Duran Duran. Convenhamos que na altura muito do que os Power Station venderam e deram que falar se devia ao facto de, entre 1982 e 85 serem os Duran Duran uma das bandas mais populares do planeta. Hoje, quase 30 anos depois, é um episódio paralelo de interesse relativo, datado e bem menos interessante que o mais elaborado So Red The Rose, dos Arcadia. Esta reedição junta remisturas, lados B e edits dos singles e máxis editados na época.
PS. Confesso que, com o tempo, fui perdendo o interesse por este disco.
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