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domingo, novembro 02, 2025

A herança de Hannah Arendt

Fotograma do filme Vida Activa: O Espírito de Hannah Arendt (2015)

O que é o espaço público da vida política? Dentro dele, que lugar existe (ou não) para os cidadãos que somos? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 outubro).

A revista francesa Philosophie Magazine acaba de lançar um número especial dedicado a Hannah Arendt (1906-1975). Nele encontramos uma antologia multifacetada, incluindo citações, textos de análise e entrevistas com estudiosos da obra de Arendt, celebrando a extrema e perturbante actualidade da sua obra. Entenda-se: não uma “aplicação” simplista do seu pensamento ao nosso século XXI, mas uma releitura crítica da sua fascinante pluralidade argumentativa, sem esquecer que tal pensamento não pode ser dissociado do contexto geo-político em que os nazis puseram em marcha o Holocausto, nessa medida envolvendo o estudo dos totalitarismos antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial.
As propostas de reflexão são tanto mais interessantes quanto, mesmo quando não o explicitam, ecoam uma fundamental disponibilidade intelectual que vai pontuando a obra de Arendt. A saber: o desejo de libertar a política — enquanto pensamento e acção — da dicotomia compulsiva “direita/esquerda”. Escusado será dizer que a resistência às facilidades de tal dicotomia não se confundem com qualquer forma de fusão, que seria pura confusão, dos ideários dos diferentes adversários políticos.
O que está em causa é a possibilidade de pensar além (porventura aquém) da sua pressão ideológica e, hoje em dia, mediática, infelizmente dominante no espaço televisivo. A esmagadora maioria das “análises” que acompanhamos no pequeno ecrã aplicam a fórmula “direita/esquerda”, não para tentar compreender a dinâmica das ideias políticas, apenas para avaliar se tais ideias satisfazem ou não a fórmula dicotómica enunciada antes do próprio conhecimento dos factos e das suas nem sempre previsíveis dialécticas.
Numa das entrevistas deste número da revista, Roger Berkowitz, filósofo e professor do Bard College (Nova Iorque), fala, em particular, do que significa “defender uma certa ideia da América” face à presidência de Donald Trump. A esse propósito, analisa os prolongados efeitos da acção da “nova elite” que, na sequência das convulsões da década de 1960 contra as elites conservadoras, se apresentou como uma entidade que sabe “tudo sobre tudo”, tentando impor “novas normas para todos”.
Berkowitz recorda que semelhante ditadura do novo (a expressão é apenas minha) “é o que Hannah Arendt critica, por exemplo, na vontade dos militantes dos direitos cívicos imporem pela força que os autocarros escolares se abram à diversidade racial, sobrecarregando as crianças com a reparação do fardo da segregação herdado do passado” — sem esquecer, repito, que tudo isto deve ser citado em função de uma conjuntura americana vivida há 60 anos.
De qualquer modo, Berkowitz reflecte também sobre o presente de uma certa cultura política “liberal” (as aspas são dele), prolongando o seu raciocínio com uma alusão muito pessoal: “Sou favorável ao aborto, mas não pretendo impor os meus pontos de vista aos que não pensam assim. Sou favorável à mudança de género, mas não pretendo impor a toda a gente a ideia segundo a qual o género não existe. Acima de tudo, não estou a afirmar que aqueles que discordam de mim são racistas sexistas e transfóbicos que deviam ser excluídos do debate público.”
A herança de Hannah Arendt não pode ser separada deste misto de agilidade e contundência — e, nessa medida, do conceito (e, sobretudo, das práticas) daquilo a que damos o nome de espaço público. Recordando Thomas Jefferson, escreveu ela em 1967, no seu Ensaio sobre a revolução: “O que, segundo ele, constituía o perigo mortal para a república era que a Constituição tivesse conferido todo o poder aos cidadãos sem lhes proporcionar a possibilidade de serem republicanos e de agirem enquanto cidadãos.”
O que nos encaminha para uma pergunta que assombra as nossas democracias: porque é que o único espaço público activo, diariamente activo, passou a ser o espaço televisivo? Para lá do afunilamento dos pensamentos, não estará o mesmo espaço a promover uma noção meramente virtual da consciência política, sustentada pelo fluxo quotidiano de imagens sem imaginação? Resta saber se há algum político com coragem para pensar sem se submeter às regras desse espaço, mas também não desistindo das suas potencialidades democráticas.

sexta-feira, outubro 17, 2025

Pensar [citação]

philomag.com

>>> O simples facto de pensar é, em si mesmo, um empreendimento muito perigoso.
[...] Mas não pensar é ainda mais perigoso.

HANNAH ARENDT
(entrevista televisiva com Roger Errera,
ORTF, outubro 1973)

sexta-feira, agosto 29, 2025

Escutando Bach (com Rick Beato)

[Gramophone]

Gottes Zeit ist die allerbeste Zeit ['O tempo de Deus é o melhor dos tempos'], BWV 106, é uma cantata de Bach, composta em 1707-08, de que existem diversas versões, incluindo para piano a quatro mãos. Num dos seus videos mais breves, mas também mais eloquentes, Rick Beato propõe uma breve digressão sobre os nossos modos de (des)conhecimento da música. Em boa verdade, como ele próprio reconhece, fá-lo sobretudo para poder partilhar a cantata — vale a pena seguir a sua cristalina exposição e, claro, escutar silenciosamente os prodígios de Bach.

quinta-feira, abril 10, 2025

A IMAGEM: Kasuhiro Nogi, 2025

KASUHIRO NOGI / Time
Um quadro electrónico mostra os valores do índice Nikkei 225
na Bolsa de Valores de Tóquio
10 abril 2025

sábado, abril 05, 2025

sábado, março 29, 2025

A IMAGEM: Charly Triballeau (2025)

CHARLY TRIBALLEAU / Time
Protestos contra Elon Musk em frente a um stand de automóveis Tesla
Nova Iorque, 29 março 2025

quarta-feira, dezembro 25, 2024

domingo, agosto 25, 2024

O cinema e a sua crise olímpica

Que fazer com as salas IMAX? Sobretudo, que fazer perante a óbvia decomposição temática e formal dos super-heróis que, durante algum tempo, foram os seus ocupantes privilegiados? Eis algumas interessantes e, de algum modo, urgentes questões artísticas e comerciais — este texto foi publicado no nº109 da revista Metropolis (agosto).

No dia 30 de julho, na sua edição online, a Variety publicou um artigo de Carolyn Giardina cujo título, apesar de invulgarmente longo, vale a pena tentar traduzir na íntegra. A saber: “As projecções dos Jogos Olímpicos em salas de cinema sublinham a necessidade dos exibidores terem conteúdos alternativos.”
A conjuntura é esta: nos EUA, 137 salas IMAX transmitiram as cerimónias de abertura das Olimpíadas de Paris, e também eventos de diversas modalidades, sobretudo ginástica e natação. O acontecimento é tanto mais significativo quanto envolveu mais de metade dos ecrãs IMAX que existem no país (são 216, segundo a estatística mais recente, divulgada em julho). Além do mais, tais transmissões reflectem uma genuína disponibilidade do público: um estudo de The Cinema Foundation sobre a frequência das salas revela que 77% dos espectadores estão interessados em “experiências televisivas nos ecrãs de cinema”.
São dados reveladores de algumas questões cristalinas que, já agora, convém lembrar, ao longo da última década têm sido problematizadas, de forma serena e construtiva, por alguns críticos de cinema. Não se trata, entenda-se, de repetir a lengalenga paternalista que proclama o valor insuperável do conhecimento dos filmes no ecrã de uma sala de cinema. Claro que isso envolve uma verdade insubstituível que, em qualquer caso, não anula o valor prático de outras alternativas — assim aconteceu com as cassetes e o DVD, assim acontece com as plataformas de “streaming”.
A crise do cinema nas salas não pode ser reduzida a uma compulsiva vitimização dessas mesmas salas, apenas lamentando o poder efectivo que as plataformas passaram a ter nas nossas opções de consumo. Acontece que as salas não podem — e, sobretudo, não devem — ficar barricadas na noção simplista segundo a qual estão apenas a servir de “montra” para os filmes que, três ou quatro meses depois (ou menos!), vão surgir nas plataformas.
Trata-se de saber se os exibidores — dos EUA ou de pequenos mercados periféricos como o português — arriscam ou não pensar o seu próprio lugar no mercado, recusando uma postura de mera instrumentalização gerida por produtores e distribuidores. Como todas as crises do género, também esta envolve uma oportunidade para repensar opções pontuais e estratégias globais. Na certeza de que os espectadores estão disponíveis para alguma diversificação da oferta.

>>> Trailer de promoção dos Jogos Olímpicos de Paris em salas IMAX (EUA).

sexta-feira, agosto 23, 2024

Política & jornalismo

Esta é uma imagem retirada do site da revista Rolling Stone, integrada numa campanha de promoção de novos assinantes.
É também uma prova muito real de uma componente da conjuntura mediática & imaterial em que vivemos, suscitando reflexões que não podem, sob pena alimentarem o cinismo reinante, encerrar-se numa qualquer dicotomia descritiva, muito menos moralista.
A saber: os circuitos do consumo desempenham um papel central na organização das nossas identidades (públicas & privadas), podendo transfigurar qualquer elemento de qualquer universo das actividades humanas — a começar pela política e incluindo o jornalismo. Keep the faith.

domingo, junho 16, 2024

Inteligência Artificial: a ressaca

[ Rolling Stone ]

Eis uma eloquente ilustração (assinada por Ruzlat/Adobe Stock) com que a revista Rolling Stone dá conta da ressaca, de uma só vez cultural e industrial, que se segue à esquematização "polémica" das questões colocadas pelos mais recentes desenvolvimentos da Inteligência Arificial — um artigo conciso e didáctico, assinado por Miles Klee, para nos ajudar a reflectir sobre uma conjuntura que não pode ser reduzida a jogos florais mais ou menos moralistas: 'Brands Are Beginning to Turn Against AI'.

quinta-feira, março 28, 2024

sábado, março 23, 2024

Memórias do paraíso de Cézanne

Paul Cézanne: Natureza Morta com Prato de Fruta (1879-80)

Eis uma bela homenagem: a revista de Bernard-Henri Lévy celebra a herança plural do seu amigo Philippe Sollers — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 março).

Philippe Sollers
Por estes dias, reencontro palavras dos livros de Philippe Sollers (1936-2023). Por exemplo, a propósito da pintura e dos pintores que mais marcaram o seu mundo e a sua escrita: Monet, Manet, Cézanne… Em Les Folies Françaises, romance de 1988, Sollers contempla Cézanne numa deambulação em que pintura e romance se enlaçam, amorosamente: “Pinto-te, pinto-te, a pintura é um romance, terceiro mundo para lá da realidade e do seu espelho, mais presente do que alguma vez será a consciência da realidade duplicada através de um espelho. É a nossa loucura visível e legível. Música.”
A palavra final, solta, mas precisa, leva-nos a perguntar: que música é esta? Como descrevê-la? Ou ainda: se qualquer descrição padece das limitações da sua própria amostragem das “coisas”, como habitá-la? São palavras reencontradas numa belíssima edição da revista La Règle du Jeu (nº 81, janeiro 2024), dirigida por Bernard-Henri Lévy — um testemunho da longa amizade de Lévy e Sollers e, ao mesmo tempo, uma antologia de textos (assinados, entre outros, por Yann Moix, Nathan Devers e Jean-Paul Enthoven) para nos ajudar a percorrer o território imenso, multifacetado, marcado por uma gravidade radical cúmplice do riso mais livre, de um dos génios da escrita (identificá-lo como “escritor” será sempre pouco) nascidos no século XX.
Ao longo das décadas (Uma Curiosa Solidão, primeiro romance de Sollers, tem data de 1958), Lévy foi um observador atento, empenhado e apaixonado do labor de Sollers. E tanto mais quanto ambos podem ser identificados como protagonistas de um exercício tão vulnerável quanto fascinante: conhecemo-los como personagens regulares da paisagem mediática, com inevitável destaque para o espaço televisivo; ao mesmo tempo, sempre souberam expor-se nesse espaço resistindo às muitas obscenidades culturais que, em nome da “informação”, tendem a reduzir qualquer desejo de pensamento a coisa fútil e, por fim, dispensável.
Este número de La Règle du Jeu começa, aliás, com uma antologia de extractos de intervenções públicas de Lévy dedicadas a Sollers. No dia 7 de abril de 2000, no seu “Bloco notas” da revista Le Point, a propósito da edição do romance Passion Fixe, Lévy condensava num parágrafo admirável a peculiar condição de Sollers como “agente secreto” — aliás, Sollers viria mesmo a publicar um delicioso panfleto autobiográfico intitulado Agent Secret (2021). Citação:
“Philippe Sollers, a sua obra é disso testemunho, teve sempre a obsessão da clandestinidade, das conspirações, dos disfarces, dos lobos. Nunca cedeu contra o desejo, vital, de jogar a sombra contra a luz, de trancar a sua obra e a sua vida — de mobilizar, de facto, os seus livros como outras tantas máquinas da guerra de longa duração que ele quis travar, com alguns outros, contra a monstruosidade do tudo-mostrar e do tudo-dizer.”
Bernard-Henri Lévy
Que monstruosidade é esta? As infinitas variações da escrita de Sollers estão em guerra com a mediocridade de um quotidiano gerido pelo voyeurismo do “Big Brother” (não estamos a falar de Orwell, se é que o leitor faz o favor de me seguir…), antes celebram diferentes maneiras de ver, pensar, sentir e amar em tudo e por tudo alheias à desumanização do nosso mal viver mediático. Na sua alegre brevidade (100 páginas ou menos), os quinze romances finais de Sollers, de L’Étoile des Amants (2002) a Graal (2022) organizam-se mesmo como ecos de um quotidiano cada vez mais maniqueísta, a que a escrita contrapõe lições antigas de diferentes modos de viver e pensar a vida que queremos viver.
Num dos textos de La Règle du Jeu, o professor e crítico literário Olivier Rachet recorda o livro que Sollers escreveu, justamente, sobre Cézanne: Le Paradis de Cézanne (1995). Pertence a esse livro uma máxima que resume exemplarmente a crise da “moral da percepção” em que vivemos e somos obrigados a viver: “Estamos na época em que o homem se separa da sua própria percepção, ou mais exactamente separa-se contra ela.” Em boa verdade, o próprio Cézanne já nos tinha avisado para tal perigo, chamando-nos a atenção para a música que importa defender, ao citar os frutos das suas naturezas mortas: “Eles ficam ali e pedem desculpa por mudar de cor.”

quarta-feira, novembro 22, 2023

TIME: 100 fotografias de 2023

MAXIM DONDYUK, para The New Yorker
* Mãos de um soldado ucraniano
em Bakhmut (26 março)

No panorama da imprensa internacional, num dos primeiros balanços das imagens de 2023, a TIME propõe um TOP 100 das fotografias do ano — a lista pode ser consultada na secção Lightbox da revista.

MOHAMMED SALEM — Reuters
* Na Faixa de Gaza, uma mulher palestiniana de 36 anos,
abraça o corpo da sua sobrinha de 5 anos,
morta durante um ataque israelita (17 outubro)
GO NAKAMURAThe New York Times
Rio Grande, atravessando a fronteira México/EUA (29 março)

>>> Site da revista TIME.