Como se prova por esta imagem, vivemos numa civilização da mais festiva degradação pitoresca — do amor e de tudo o resto. Os tempos televisivos, em particular, são de exaltação das mais rasteiras crendices: o polvo Paul é apenas um sintoma de um estado de coisas alheio aos valores acncestrais da inteligência — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 de Julho), com o título 'O polvo e a porca'.1. O polvo que adivinhava os resultados dos jogos do Mundial de Futebol é um trágico exemplo na nossa miséria existencial. E tanto mais quanto foi tratado como fenómeno colectivo e “natural”. Vivemos, afinal, numa Europa que se vangloria da sua União e do seu património civilizacional, mas onde a crendice mais estúpida se espalha, alegremente (e televisivamente), como um vírus. Em termos caseiros, valerá a pena registar uma banalíssima quantificação: o polvo conseguiu uma exposição televisiva incomparavelmente superior à de qualquer filme português lançado no mercado. Qualquer reflexão sobre a nossa conjuntura cultural que ignore este estado de coisas é filosofia de molusco.
2. Olivia é uma criança hiper-activa que quer ser cantora de ópera. Convém acrescentar que Olivia é uma porquinha cuja delirante teatralidade a leva a cultivar o seu visual com muito empenho. Nascida nos maravilhosos livros do americano Ian Falconer, Olivia é também uma série televisiva de desenhos animados, a passar nos espaços infantis da RTP2, que respeita escrupulosamente a dinâmica de um mundo de permanente desgaste (a mamã porca vive todos os instantes à beira de um ataque de nervos), mas também de elaborada preservação, e paciente enriquecimento, dos laços afectivos. Num dos episódios, Olivia vive uma pedagógica crise de identidade, manifestando o seu despeito pelo facto de ter uma nova colega de escola que se chama... Olivia; coloca mesmo a hipótese de mudar de nome, mas acaba por resolver a questão criando um clube de... Olivias. Polvos interditos. Televisão divertidíssima, isto é, muito séria.
3. Repórteres à entrada da vivenda de Cristiano Ronaldo, no Algarve: cansado e irritado, o jogador aparece a espreitar por cima do portão, mostrando a sua indignação, tentando fazer-lhes ver que a sua presença constante é incómoda para si e para a sua família. Fora da imagem, os repórteres não páram de fazer perguntas, indiferentes, assumindo o protagonismo obsceno de uma cena horrível de canibalismo televisivo.
segunda-feira, julho 19, 2010
O polvo, a estupidez e a televisão
segunda-feira, julho 12, 2010
Holanda, Espanha: a terra e o céu
>>> Site do jornal Het Parool (Amesterdão).
>>> Site do jornal El Pais (Madrid).
terça-feira, julho 06, 2010
Frank Lampard, futebol e momentos de zen
segunda-feira, julho 05, 2010
O quixotismo de Carlos Queiroz
terça-feira, junho 29, 2010
Em defesa de Cristiano Ronaldo
2. O que é espantoso nesta possibilidade de destruição mediática de uma imagem é o modo como assim se exprime a hipocrisia televisiva dominante. A Carlos Queiroz é atribuído o título de "intocável" mas, por muito menos, alguns líderes do nosso país — Pedro Santana Lopes e José Sócrates — foram e continuam a ser visados por mil e uma suspeitas e insinuações apenas porque alguém disse que... Em Portugal, faz-se mesmo "informação" e "política" na base de um diz-que-disse que ignora qualquer consistência deontológica no tratamento da pessoa humana.
3. Subitamente, temos apenas um jogador de futebol que tem um desabafo, impulsivo e frontal, sobre o trabalho obviamente falhado de alguém que é apenas um treinador de futebol e... grita-se ao escândalo: "O menino Cristiano Ronaldo portou-se mal!" Esperemos que venha rapidamente a sugestão lógica: já que o seleccionador nacional desfruta das graças mediáticas que Santana Lopes e Sócrates não tiveram ou não têm, promova-se Carlos Queiroz a primeiro-ministro — mesmo que isso hipoteque as relações diplomáticas com a Coreia do Norte.
Espanha - Portugal: o jornalismo da "frustração"
1. É relativamente fácil definir a trajectória desportiva da selecção portuguesa de futebol desde os tempos de Luiz Felipe Scolari. Que é como quem diz: uma equipa vulgar que perde, sistematicamente, nos momentos decisivos face às equipas com um mínimo de consistência. É uma equipa que se vê e deseja para empatar com uma selecção mediana, mas muito disciplinada, como a Costa do Marfim. É uma equipa que "esmaga" a Coreia do Norte, a mesma Coreia do Norte que, sem grande surpresa, teria a mesma sorte com uma equipa do meio da tabela do campeonato português. É uma equipa que, face a um Brasil em poupança de talento e esforço, consegue um "heróico" empate a zero. Enfim, é uma equipa que, em condições normais, perde com a Espanha — como perdeu.
2. Em boa verdade, para a selecção portuguesa, este foi apenas um Mundial normal. Claro que o futebol é um jogo de imprevistos e imponderáveis — factores decisivos para os seus delicados sabores — e imaginar Portugal como campeão do Mundo, mesmo que futebolisticamente insensato, era um delírio que a lógica não podia consumar, mas permitia. Resta saber se fazer jornalismo consiste em alimentar esse delírio como uma espécie de religião mediática que, em tudo e por tudo, dispensa o uso da inteligência de cada espectador.
3. O mesmo jornalismo que andou meses a alimentar a ideia (?) segundo a qual Portugal era um candidato "obrigatório" a campeão do Mundo mudou a agulha quando se ouviu o derradeiro apito do árbitro do Espanha-Portugal. Como? Lançando a palavra "frustração" para a arena da nossa mediocridade televisiva (e radiofónica). De repente, exigem-nos que vivamos a normalidade desportiva — a cruel perda de qualidades da selecção portuguesa desde a época Scolari — como se fosse uma tragédia nacional. São mesmo capazes de promoverem a indignação contra os cidadãos mais serenos que, com tristeza, apenas podem reconhecer que, por vezes, o normal acontece.
sábado, junho 26, 2010
O smoking de Carlos Queiroz
quinta-feira, junho 24, 2010
Gana: o outro futebol
segunda-feira, junho 21, 2010
Futebol em Pequim
sábado, junho 19, 2010
Os filhos do futebol
Em todo o caso, talvez a moral seja outra. Que é como quem diz: cada vez mais, o universo do futebol protagoniza ou favorece a proliferação de uma visão niilista do presente. Porque o paradoxo é este: não há como o futebol para fazer circular discursos de pureza social (o trabalho, o trabalho...) e solidariedade humana (o grupo, o grupo...); ao mesmo tempo, esse é o mesmo futebol que, todos os dias, nos confronta com a chaga humana, demasiado humana, da vergonha.
Sobra ainda outra versão possível desta nossa tragédia colectiva, porque colectivamente vivida: até que ponto os protagonistas do futebol têm consciência do seu papel social e do seu imenso poder simbólico?
quarta-feira, junho 16, 2010
Deco & Queiroz: burlesco?
terça-feira, junho 15, 2010
Portugal - Costa do Marfim: o destino
Um dos aspectos mais extraordinários da ressaca dos jogos de futebol nas televisões é que nunca há um resultado claro e identificável... Portugal e a Costa do Marfim empataram a zero, mas a notícia é "como-é-que-poderia-ter-sido": a avalancha de comentários, análises, profecias e exercícios de voodoo serve para sugerir que, algures, há um destino que importa identificar, esclarecer e transmitir ao povo — sobretudo se se conseguir por o dito povo aos pulos e aos gritos em frente a uma câmara...