Mostrar mensagens com a etiqueta Mundial 2010. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Mundial 2010. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, julho 19, 2010

O polvo, a estupidez e a televisão

[anúncio publicado em vários sites espanhóis]

Como se prova por esta imagem, vivemos numa civilização da mais festiva degradação pitoresca — do amor e de tudo o resto. Os tempos televisivos, em particular, são de exaltação das mais rasteiras crendices: o polvo Paul é apenas um sintoma de um estado de coisas alheio aos valores acncestrais da inteligência — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 de Julho), com o título 'O polvo e a porca'.

1. O polvo que adivinhava os resultados dos jogos do Mundial de Futebol é um trágico exemplo na nossa miséria existencial. E tanto mais quanto foi tratado como fenómeno colectivo e “natural”. Vivemos, afinal, numa Europa que se vangloria da sua União e do seu património civilizacional, mas onde a crendice mais estúpida se espalha, alegremente (e televisivamente), como um vírus. Em termos caseiros, valerá a pena registar uma banalíssima quantificação: o polvo conseguiu uma exposição televisiva incomparavelmente superior à de qualquer filme português lançado no mercado. Qualquer reflexão sobre a nossa conjuntura cultural que ignore este estado de coisas é filosofia de molusco.

2. Olivia é uma criança hiper-activa que quer ser cantora de ópera. Convém acrescentar que Olivia é uma porquinha cuja delirante teatralidade a leva a cultivar o seu visual com muito empenho. Nascida nos maravilhosos livros do americano Ian Falconer, Olivia é também uma série televisiva de desenhos animados, a passar nos espaços infantis da RTP2, que respeita escrupulosamente a dinâmica de um mundo de permanente desgaste (a mamã porca vive todos os instantes à beira de um ataque de nervos), mas também de elaborada preservação, e paciente enriquecimento, dos laços afectivos. Num dos episódios, Olivia vive uma pedagógica crise de identidade, manifestando o seu despeito pelo facto de ter uma nova colega de escola que se chama... Olivia; coloca mesmo a hipótese de mudar de nome, mas acaba por resolver a questão criando um clube de... Olivias. Polvos interditos. Televisão divertidíssima, isto é, muito séria.

3. Repórteres à entrada da vivenda de Cristiano Ronaldo, no Algarve: cansado e irritado, o jogador aparece a espreitar por cima do portão, mostrando a sua indignação, tentando fazer-lhes ver que a sua presença constante é incómoda para si e para a sua família. Fora da imagem, os repórteres não páram de fazer perguntas, indiferentes, assumindo o protagonismo obsceno de uma cena horrível de canibalismo televisivo.

segunda-feira, julho 12, 2010

Holanda, Espanha: a terra e o céu

Provavelmente, há uma simbologia do "alto" e do "baixo", do humano e do divino, a que não é fácil escapar. Assim, os vencedores — neste caso, os espanhóis erguendo a taça do Mundial de Futebol — aparecem quase sempre projectados para o céu, porventura integrando poderes de alguma dimensão etérea. Os vencidos — os holandeses nas imediações do Museu Van Gogh, em Amesterdão — são figuras destroçadas de uma paisagem de detritos, eminentemente terrestre. Mistério de muitos séculos: por que é que as imagens de ruínas — sublinho: as imagens — são quase sempre mais acolhedoras?


>>> Site do jornal Het Parool (Amesterdão).
>>> Site do jornal
El Pais (Madrid).

terça-feira, julho 06, 2010

Frank Lampard, futebol e momentos de zen

O golo de Frank Lampard anulado no Alemanha-Inglaterra foi um momento radical de televisão. E tanto mais quanto, através dele, deparamos com o melhor e o pior das imagens e do imaginário televisivo -- este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 de Julho), com o título 'O golo de Frank Lampard'.

Quando vemos e revemos o golo de Frank Lampard anulado pelo árbitro do Alemanha-Inglaterra, compreendemos que as imagens de televisão podem ter uma espantosa capacidade de esclarecimento: a bola entrou, inequivocamente, na baliza. Assim, no debate sobre a introdução de câmaras como auxiliares das arbitragens do futebol, torna-se inevitável reconhecer um princípio básico: tal complemento técnico pode ajudar a superar dúvidas suscitadas por lances deste género.
Curiosamente, o evento não desencadeou nenhuma avalancha de insinuações sobre a integridade moral do árbitro e dos seus auxiliares. O que nos permite supor que há distintas morais televisivas para lidar com as peripécias do futebol: internamente, a prioridade parece ser a de acicatar clubismos e rivalidades mais ou menos irracionais; quando passamos para o domínio do futebol internacional, nomeadamente para um campeonato mundial, tornamo-nos ascetas do pensamento, procuramos o nosso momento de zen (para utilizar a deliciosa terminologia de Jon Stewart, no seu Daily Show) e discutimos, metodicamente, a percepção dos factos e a sua reprodução televisiva.
Tudo isto seria apenas anedótico se não arrastasse uma ilusão infinitamente maior: para o mais banal jornalismo televisivo, o golo mal anulado a Lampard emerge como sintoma da “pureza” cognitiva da televisão. De facto, generalizou-se a ideia (?) segundo a qual uma câmara de televisão em frente a um evento, seja ele qual for, funciona como um filtro automático e indiscutível de “verdade”. Como se usar uma câmara, desde a escala das imagens até à duração de qualquer registo, não implicasse escolhas, selectividade, numa palavra, responsabilidade...
O que é grave não é que as câmaras permitam detectar os golos do futebol. É que essas mesmas câmaras finjam que existem como um altar de revelação de todos os sentidos ocultos do mundo. Afinal de contas, foi a televisão que inventou a grosseria da reality TV, enquanto o cinema, há mais de um século, não pára de discutir e reavaliar as dificuldades e limites de qualquer realismo.

segunda-feira, julho 05, 2010

O quixotismo de Carlos Queiroz

FOTO Estela Silva/EPA

Carlos Queiroz transformou-se numa personagem central das mais recentes imagens portuguesas (e da identidade portuguesa através das imagens) -- este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 de Julho).

Em termos mediáticos, as recentes atribulações da selecção portuguesa de futebol constituem uma matéria plural e fascinante. A avalancha de imagens é tão asfixiante quanto interessante: graças às peculiaridades do YouTube, descobrimos mesmo o desabafo de Cristiano Ronaldo para Carlos Queiroz (“Assim vamos perder, Carlos”), no jogo com a Espanha, no momento da substituição de Hugo Almeida.
Momento alto foi a transmissão televisiva da conferência de imprensa de Carlos Queiroz, um dia depois da equipa portuguesa ter sido eliminada pelos espanhóis. E não estou a pensar necessariamente no surrealismo das palavras do seleccionador. De facto, no desporto e noutras actividades altamente mediatizadas como a política, há muito não víamos um vencido empenhado em passar um tão obstinado discurso positivo, para mais justificando-o através da afirmação da “verdade” e da defesa da sua “honra”: há em Queiroz uma claridade quixotesca que, apesar do seu absurdo (ou precisamente por causa dele), não pode deixar de nos suscitar uma desarmada perplexidade.
O que aconteceu é tanto mais bizarro quanto nem sequer existiam grandes razões desportivas para dramatizar a eliminação da equipa portuguesa. A esse propósito, não ignoro que este meu desencanto envolve factores de avaliação que são minoritários. Dito de outro modo: pertenço ao lote de treinadores de bancada há muito tempo dominados por uma magoada descrença nas possibilidades da nossa selecção. E não tenho nenhum gosto pelos mecanismos de “culpabilização” individual (de Queiroz ou seja de quem for). Considero mesmo que na época de Luiz Felipe Scolari (foto) se iniciou um processo de descaracterização do futebol da selecção, gerando uma equipa fragmentária e incaracterística, por certo “brilhante” sempre que apanha pela frente o Lichenstein ou a Coreia do Norte, mas que baqueia nos momentos realmente decisivos (final do Euro2004, meias-finais do Mundial de 2006, etc.). É bem verdade que os resultados dos jogos de futebol não têm nada de científico, nem dependem da “justiça” que quase todos os comentadores invocam, mas neste processo de metódica decomposição a derrota com a Espanha pareceu-me apenas tristemente normal.
Ora, precisamente por causa disso, foi deprimente voltarmos a ouvir as perguntas “jornalísticas” que indiciam uma visão do futebol que tem tanto de determinismo como de requentado nacionalismo. Na conferência de imprensa de Queiroz e também em diversas reportagens televisivas (e radiofónicas, meu Deus...), voltou a manifestar-se esse pobre imaginário que enquadra o futebol como um permanente tribunal popular e, no limite, como um drama das “frustrações” da identidade nacional. Culpados, inocentes, carrascos, vítimas, fogueiras na praça pública... Vale tudo. Fiquei à espera que alguém nos dissesse também que a Espanha tem uma excelente equipa. Aliás, foi Queiroz quem o disse. E José Mourinho.

terça-feira, junho 29, 2010

Em defesa de Cristiano Ronaldo

1. Subitamente, no espaço mediático — com inevitável destaque para os discursos televisivos dominantes — desenha-se a possibilidade de um linchamento jornalístico de Cristiano Ronaldo. Porquê? Porque, no final do Espanha-Portugal, ele remeteu as explicações sobre a derrota da selecção portuguesa para... Carlos Queiroz.

2. O que é espantoso nesta possibilidade de destruição mediática de uma imagem é o modo como assim se exprime a hipocrisia televisiva dominante. A Carlos Queiroz é atribuído o título de "intocável" mas, por muito menos, alguns líderes do nosso país — Pedro Santana Lopes e José Sócrates — foram e continuam a ser visados por mil e uma suspeitas e insinuações apenas porque alguém disse que... Em Portugal, faz-se mesmo "informação" e "política" na base de um diz-que-disse que ignora qualquer consistência deontológica no tratamento da pessoa humana.

3. Subitamente, temos apenas um jogador de futebol que tem um desabafo, impulsivo e frontal, sobre o trabalho obviamente falhado de alguém que é apenas um treinador de futebol e... grita-se ao escândalo: "O menino Cristiano Ronaldo portou-se mal!" Esperemos que venha rapidamente a sugestão lógica: já que o seleccionador nacional desfruta das graças mediáticas que Santana Lopes e Sócrates não tiveram ou não têm, promova-se Carlos Queiroz a primeiro-ministro — mesmo que isso hipoteque as relações diplomáticas com a Coreia do Norte.

Espanha - Portugal: o jornalismo da "frustração"

Foto FIFA

1. É relativamente fácil definir a trajectória desportiva da selecção portuguesa de futebol desde os tempos de Luiz Felipe Scolari. Que é como quem diz: uma equipa vulgar que perde, sistematicamente, nos momentos decisivos face às equipas com um mínimo de consistência. É uma equipa que se vê e deseja para empatar com uma selecção mediana, mas muito disciplinada, como a Costa do Marfim. É uma equipa que "esmaga" a Coreia do Norte, a mesma Coreia do Norte que, sem grande surpresa, teria a mesma sorte com uma equipa do meio da tabela do campeonato português. É uma equipa que, face a um Brasil em poupança de talento e esforço, consegue um "heróico" empate a zero. Enfim, é uma equipa que, em condições normais, perde com a Espanha — como perdeu.

2. Em boa verdade, para a selecção portuguesa, este foi apenas um Mundial normal. Claro que o futebol é um jogo de imprevistos e imponderáveis — factores decisivos para os seus delicados sabores — e imaginar Portugal como campeão do Mundo, mesmo que futebolisticamente insensato, era um delírio que a lógica não podia consumar, mas permitia. Resta saber se fazer jornalismo consiste em alimentar esse delírio como uma espécie de religião mediática que, em tudo e por tudo, dispensa o uso da inteligência de cada espectador.

3. O mesmo jornalismo que andou meses a alimentar a ideia (?) segundo a qual Portugal era um candidato "obrigatório" a campeão do Mundo mudou a agulha quando se ouviu o derradeiro apito do árbitro do Espanha-Portugal. Como? Lançando a palavra "frustração" para a arena da nossa mediocridade televisiva (e radiofónica). De repente, exigem-nos que vivamos a normalidade desportiva — a cruel perda de qualidades da selecção portuguesa desde a época Scolari — como se fosse uma tragédia nacional. São mesmo capazes de promoverem a indignação contra os cidadãos mais serenos que, com tristeza, apenas podem reconhecer que, por vezes, o normal acontece.

sábado, junho 26, 2010

O smoking de Carlos Queiroz

No final do Brasil-Portugal, o seleccionador Carlos Queiroz deu um contributo histórico para a reconfiguração do espaço metafórico português. Apostado em desafiar o conformismo da simbologia tradicional, reconheceu que a primeira parte da equipa portuguesa não foi, de facto, muito boa, já que os jogadores estavam de fato-macaco. Mas a segunda parte foi brilhante. Porquê? Porque jogaram de... smoking! Para a história, fica este documento fotográfico que revelamos em primeira mão: poucos segundos depois do apito final do árbitro, Cristiano Ronaldo surgiu assim na zona de entrevistas rápidas.

quinta-feira, junho 24, 2010

Gana: o outro futebol

Michael Essien é um dos heróis nacionais do Gana: a sua condição de jogador de futebol da Premier League inglesa (no Chelsea) permite-lhe trabalhar num universo em que os salários semanais podem ascender a 185 mil dólares — no Gana, um jogador do campeonato nacional pode ganhar até 200 dólares por mês. Foi para conhecer essa admirável retaguarda que a agência Magnum enviou Chris Steele-Perkins ao Gana: o resultado — "Os sonhos do futebol africano" — é um notável portfolio, carregado de cor, emoção e alguma poeira.

segunda-feira, junho 21, 2010

Futebol em Pequim

Por certo uma das mais deliciosas imagens geradas pelo Mundial de Futebol: uma criança em frente a um cartaz, em Pequim, celebra a pura alegria de um golo (talvez apenas imaginado...) — a fotografia tem assinatura de Jason Lee (Reuters) e faz parte das escolhas semanais da revista Time.

sábado, junho 19, 2010

Os filhos do futebol

Esta é a manchete de hoje do jornal L'Équipe. Assunto: os insultos do jogador francês Nicolas Anelka contra o seu seleccionador, Raymond Domenech, no intervalo do França-México. Será talvez, inevitável mostrar alguma surpresa face à opção de um jornal que ocupa um lugar ímpar na mais nobre tradição do jornalismo desportivo — dessa surpresa se dá conta, nomeadamente, o Le Monde, evocando paralelismos com os tablóides ingleses (e não só, hélas!).
Em todo o caso, talvez a moral seja outra. Que é como quem diz: cada vez mais, o universo do futebol protagoniza ou favorece a proliferação de uma visão niilista do presente. Porque o paradoxo é este: não há como o futebol para fazer circular discursos de pureza social (o trabalho, o trabalho...) e solidariedade humana (o grupo, o grupo...); ao mesmo tempo, esse é o mesmo futebol que, todos os dias, nos confronta com a chaga humana, demasiado humana, da vergonha.
Sobra ainda outra versão possível desta nossa tragédia colectiva, porque colectivamente vivida: até que ponto os protagonistas do futebol têm consciência do seu papel social e do seu imenso poder simbólico?

quarta-feira, junho 16, 2010

Deco & Queiroz: burlesco?

Primeiro, no final do Portugal-Costa do Marfim, Deco dá a entender que Carlos Queiroz o utilizou de forma disparatada. Depois, protagonizando um verdadeiro fenómeno de ovnilogia, o jogador vem esclarecer que não quis pôr em causa a autoridade do seleccionador... A equipa portuguesa consolida, assim, a sua revolução laboral: em poucos dias, dois jogadores (aconteceu, antes, com Nani) vêm dizer uma coisa para, algumas horas mais tarde, olimpicamente, emitirem um "comunicado" a lembrar que, afinal, não era bem isso que queriam dizer... Entretanto, dirigentes desportivos, políticos e outros protagonistas do gigantesco show tele-patriótico que está montado garantem-nos que a selecção portuguesa é um comovente fenómeno de solidariedade e calor humano. Agradecemos a pedagogia e, à falta de melhor, desfrutamos o burlesco.

terça-feira, junho 15, 2010

Portugal - Costa do Marfim: o destino

JOAN MIRÓ
A Lição de Ski
1966

Um dos aspectos mais extraordinários da ressaca dos jogos de futebol nas televisões é que nunca há um resultado claro e identificável... Portugal e a Costa do Marfim empataram a zero, mas a notícia é "como-é-que-poderia-ter-sido": a avalancha de comentários, análises, profecias e exercícios de voodoo serve para sugerir que, algures, há um destino que importa identificar, esclarecer e transmitir ao povo — sobretudo se se conseguir por o dito povo aos pulos e aos gritos em frente a uma câmara...