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quarta-feira, outubro 29, 2025

Jack DeJohnette (1942 - 2025)

De Jack DeJohnette dir-se-á, inevitavelmente, que a longa lista daqueles com que colaborou — de Miles Davis a Keith Jarrett, passando por Bill Evans, Sonny Rollins ou Herbie Hancock — bastará para definir a excepcionalidade do seu lugar na história do jazz. Assim é, sem dúvida, mas importa não esquecer os registos em nome próprio de uma discografia imensa em que a sua arte como baterista, dispensando protagonismos pueris, deixou marcas indeléveis em todas as composições em que participou.
Nascido a 9 de agosto de 1942, em Chicago, DeJohnette faleceu em Kingston, Nova Iorque, no dia 26 de outubro — contava 83 anos. Eis uma das suas peças na companhia de Keth Jarrett e Gary Peacock, e um solo espectacular publicado por Bernhard Castiglioni, fundador do Drummerworld.com.
 



>>> Site oficial de Jack DeJohnette.
>>> Obituário no DownBeat.

segunda-feira, outubro 13, 2025

Diane Keaton (1946 - 2025)

INTERIORS / Intimidade (1978), de Woody Allen

Será preciso relembrar que representar é desistir de algo que existe no actor/actriz, refazendo-o no corpo da personagem? Assim era Diane Keaton, falecida a 11 de outubro — contava 79 anos.

>>> No programa de Johnny Carson (28 dez. 1972).


>>> Annie Hall (1977), a cena com Marshall McLuhan.
 

>>> Com Warren Beatty, Reds (1981).
 

>>> Trailer de O Padrinho - Parte III.


>>> O Misterioso Assassínio em Manhattan (1993), última colaboração com Woody Allen.


>>> Obituário em The Independent.

terça-feira, setembro 23, 2025

Robert Redford
— morreu um grande contador de histórias

Os Três Dias do Condor (1975), de Sydney Pollack

Por certo mais conhecido através das suas interpretações em filmes tão populares como Os Homens do Presidente ou África Minha, Robert Redford foi um criador multifacetado também como produtor e realizador: morreu na sua casa de Sundance, no estado do Utah, contava 89 anos — este obituário foi publicado no Diário de Notícias (17 outubro).

Robert Redford morreu aos 89 anos de idade. O mundo soube da notícia através de um comunicado de Cindi Berger, presidente da agência artística Rogers and Cowan PMK, responsável pelas relações públicas do actor, produtor e cineasta: “Robert Redford faleceu a 16 de setembro de 2025, na sua casa de Sundance, nas montanhas do Utah — o lugar que amava, rodeado por aqueles que o amavam. A sua falta será profundamente sentida. A família solicita que seja respeitada a sua privacidade.”
Na sua comovida brevidade, faz sentido que a notícia não destaque um ou outro filme — e escusado será dizer que haveria algumas dezenas de títulos possíveis, de Perseguição Impiedosa (1966), ao lado de Marlon Brando, sob a direção de Arthur Penn, até O Cavalheiro com Arma (2018), de David Lowery, insólito policial com retoques de comédia que, não sendo exactamente o seu derradeiro trabalho de representação, funcionou como uma espécie de despedida simbólica do cinema.
Sundance fica, de facto, como o nome (talvez possamos mesmo dizer: a bandeira) da trajectória plural de um actor que cedo compreendeu a importância das estratégias de produção na consolidação e renovação das estruturas criativas do cinema. Curiosamente, tudo isso começou com a compra de um terreno, nas montanhas do Utah, habitualmente utilizado para provas de ski — Redford conseguiu adquiri-lo graças aos ganhos obtidos em 1969 com Butch Cassidy and the Sundance Kid (Dois Homens e um Destino), um “western” em que contracenava com Paul Newman, sob a direção de George Roy Hill. Parafraseando a sua personagem (Sundance Kid), decidiu chamar Sundance à nova propriedade.
O passo seguinte consistiu em fundar o Festival de Sundance que, desde 1978, tem sido uma montra de eleição para a produção independente. Alguns dos seus títulos vencedores são reveladores do papel de descoberta e promoção de novos talentos que o festival tem desempenhado — lembremos os exemplos emblemáticos dos primeiros filmes dos irmãos Coen, Blood Simple/Sangue por Sangue (1984), ou Todd Haynes, Poison/Veneno (1991), e ainda CODA (2021), de Siân Heder, que viria a arrebatar o Oscar de melhor filme do respectivo ano de produção. Hoje em dia, Sundance é muito mais do que um festival graças ao Instituto Sundance, entidade que mantém diversos programas de apoio aos independentes das mais diversas origens culturais e geográficas, muito para lá dos circuitos dos EUA.

Do teatro ao cinema

Tudo isto aconteceu em paralelo com a ascensão de Redford como uma verdadeira “star” do sistema de Hollywood. No começo, a sua actividade parecia ir ficar confinada a um ziguezague entre os palcos da Broadway — com sucessos como a comédia romântica Descalços no Parque, de Neil Simon, em 1963, contracenando com Elizabeth Ashley — e participações regulares em algumas das mais populares séries televisivas da primeira metade da década de 60, incluindo Naked City, Perry Mason e Alfred Hitchcock Apresenta.
Dois títulos seriam decisivos para Redford surgir na linha da frente dos nomes mais populares de Hollywood: primeiro, a adaptação de Descalços no Parque (1967), contracenando agora com Jane Fonda, sob a direção de Gene Saks; depois, o já citado Butch Cassidy and the Sundance Kid, filme de uma vaga de "westerns” apostados na revisão crítica, tanto no plano narrativo como ideológico, das memórias do Velho Oeste. A essa vaga pertence o admirável Tell Them Willie Boy Is Here/O Vale do Fugitivo (1969), também com Redford, marcando o regresso à realização de Abraham Polonsky, marginalizado durante o período “maccartista”, que não assinava um filme desde 1948 (A Força do Mal).
Neste contexto de profundas transformações do sistema de Hollywood, cada vez mais abalado pela concorrência crescente do pequeno ecrã, Redford foi coleccionando sucessos como O Candidato (1972), crónica amarga e doce de umas eleições na Califórnia, sob a direção de Michael Ritchie — foi um momento especialmente importante na sua evolução profissional, já que, para lá do papel principal, marcou a sua estreia como produtor.
Entretanto, a sua amizade com Sydney Pollack (que conheceu na televisão quando eram ambos actores à procura de consolidar uma carreira de representação) foi gerando filmes de grande impacto, cada um deles arriscando reconverter e reinventar algum modelo do classicismo de Hollywood. Conheciam-se desde A Flor à Beira do Pântano (1966), com Natalie Wood, crónica romanesca sobre os tempos da Depressão inspirada numa peça em um acto de Tennessee Williams. Voltaram a colaborar em quatro títulos da década de 70: o “western” As Brancas Montanhas da Morte (1972), em grande parte rodado no Utah, o melodrama O Nosso Amor de Ontem (1973), ao lado de Barbra Streisand, e os “thrillers” Os Três Dias do Condor (1975) e O Cowboy Eléctrico (1979), o primeiro com Faye Dunaway, o segundo reencontrando Jane Fonda.
A apoteose popular da relação criativa Pollack/Redford aconteceria com África Minha (1985), epopeia romântica inspirada na experiência africana da escritora dinamarquesa Karen Blixen, interpretada por Meryl Streep. Colaboraram pela última vez em Havana (1990), melodrama em cenários cubanos pré-revolução, com Lena Olin, a actriz sueca que Ingmar Bergman consagrara em 1984 através do filme Depois do Ensaio.

Uma dimensão política

Por mais que possamos (e devamos) reconhecer a defesa da produção independente como marca vital do labor de Redford, importa não cedermos aos maniqueísmos do politicamente correcto e insistir no facto de ele nunca ter renegado a sua pertença ao sistema de Hollywood. Isso mesmo ficou patente no momento de consagração do seu primeiro filme como realizador, Gente Vulgar (1980), um subtil drama familiar cujas ressonâncias simbólicas não se desvaneceram.
Gente Vulgar ganhou o Oscar de melhor filme do ano, tendo arrebatado mais três estatuetas douradas: realização, para Redford, argumento adaptado, para Alvin Sargent, e actor secundário, para Timothy Hutton. Ao receber o seu prémio, Redford agradeceu aos realizadores com quem trabalhara no passado e com quem, “consciente ou inconscientemente”, tinha aprendido as artes da direção. E fez questão em acrescentar: “Não estará muito na moda, mas é um facto que agradeço o apoio da Paramount Pictures — deixaram-nos fazer o filme como queríamos, e estou muito grato por isso”.
Podemos especular sobre o enquadramento económico e artístico deste agradecimento, perguntando se, em termos gerais, esta relação particular de um cineasta com o “studio system” se prolonga, de alguma maneira, no actual cinema americano. Uma coisa é certa: Redford ainda assinou mais oito longas-metragens como realizador, deixando-nos um legado precioso em que, directa ou indirectamente, se reflectem os contrastes e contradições do seu próprio país, da vida política aos valores culturais.
Dois filmes permitem condensar o valor da sua filmografia como realizador: Quiz Show (1994) e Lions for Lambs (2007). O primeiro evoca um escândalo da televisão americana na década de 1950 (quando foram viciadas as regras de um concurso de perguntas/respostas), no limite colocando questões incómodas sobre o poder, de uma só vez social e simbólico, do pequeno ecrã, questões cuja actualidade se vai renovando, por vezes de forma inquietante. O segundo, lançado entre nós como Peões em Jogo, analisa as repercussões do envolvimento militar americano no Afeganistão, tendo como personagens centrais um congressista republicano, uma jornalista e um professor universitário, interpretados, respectivamente, por Tom Cruise, Meryl Streep e o próprio Redford. Infelizmente, o seu discreto impacto comercial faz com a sua dimensão genuinamente política (não panfletária, entenda-se) continue a ser mal conhecida.
A esse propósito, vale a pena lembrar que essa dimensão política da obra de Redford — enraizada numa tradição “hollywoodiana” em que podemos encontrar cineastas tão diferentes como Frank Capra, Richard Brooks ou Clint Eastwood — nunca o levou a proclamar qualquer maniqueísmo ideológico, muito menos partidário. Embora simplificando (e simplificando muito), podemos dizer que semelhante posição não é estranha a um conceito jornalístico em que a procura social da verdade e os direitos individuais do cidadão se entrelaçam de forma decisiva.
O sintoma perfeito de tal postura será, sem dúvida, o filme Os Homens do Presidente (1976), de Alan J. Pakula, sobre a investigação de Bob Woodward e Carl Bernstein, jornalistas de The Washington Post, do escândalo Watergate que desembocaria na resignação do Presidente Richard Nixon. Interpretando Woodward, com Dustin Hoffman no papel de Bernstein, Redford está na origem do projecto, já que compreendeu muito cedo a importância da investigação que estava a ser desenvolvida — garantiu mesmo a compra dos direitos de adaptação do livro em que Woodward/Bernstein narram essa investigação (All the President’s Men, tal como o filme), antes mesmo de ser posta à venda a primeira edição.
Para muitos espectadores das gerações mais jovens, está por descobrir a multifacetada riqueza da herança que Redford nos deixou, muito para lá dos rótulos de “galã” ou “activista” que tantas lhe são aplicados. Em 2002, a Academia de Hollywood distinguiu-o com um Oscar honorário, em reconhecimento da sua “inspiração para cineastas independentes e inovadores”. Ao entregar-lhe a estatueta, Barbra Streisand disse-o com palavras precisas e carinhosas: “O trabalho de Robert Redford como actor, realizador e produtor representou sempre o próprio homem: o intelectual, o artista, o cowboy. Ele tem uma paixão por contar histórias que reflectem a energia e as vulnerabilidades do espírito americano — a nossa luta para alcançarmos o que é mais elevado na nossa natureza. E embora nem sempre o consigamos, os filmes de Robert Redford garantem-nos a possibilidade de celebrar o esforço”.
 

>>> Obituário no Los Angeles Times.
>>> Entrevista na revista Orion (8 nov. 2024).

segunda-feira, setembro 22, 2025

In memoriam: Sonny Curtis

Sonny Curtis
(1937 - 2025)

O americano Sonny Curtis é uma daquelas figuras mitológicas do rock'n'roll cujas composições há muito entraram no domínio da lenda. Foi membro de The Crickets, banda fundada por Buddy Holly em 1957 (nela se mantendo mesmo depois da morte de Buddy Holly), produziu uma notável discografia em nome próprio (o derradeiro álbum homónimo surgiu em 2007) e compôs canções que marcaram (e marcam) várias gerações.
Entre essas canções, destacam-se Walk Right Back, Love is All Around (tema de The Mary Tyler Moore Show), More Than I Can Say (com a colaboração de Jerry Allison, baterista de The Crickets), I'm No Stranger to the Rain (em registo country), e, claro, I Fought the Law, recriada por dezenas de artistas, incluindo The Clash, Bruce Springsteen, The Grateful Dead, The Ramones e Green Day — aqui fica a versão de The Clash, incluída no EP The Cost of Living (1979).
Sonny Curtis nasceu em Meadow, Texas; faleceu a 19 de setembro em Nashville, Tennessee — contava 88 anos.

terça-feira, setembro 16, 2025

Robert Redford (1936 - 2025)

O Cowboy Eléctrico (1979), de Sydney Pollack

A sua herança como actor, produtor e realizador transcende as próprias noções tradicionais de representar, criar condições para que existam filmes ou dirigi-los. O seu trabalho supera mesmo qualquer visão maniqueísta do espaço artístico, já que a sua pertença a Hollywood nunca o impediu, antes potenciou, a sua condição de símbolo e promotor da chamada produção independente. Robert Redford faleceu na sua casa de Sundance, Utah, no dia 16 de setembro de 2025 — contava 89 anos.

>>> Perfil de Robert Redford, por Jeffrey Brown (PBS).


>>> 1966: com Natalie Wood, em This Property Is Condemned/A Flor à Beira do Pântano, adaptação de uma peça em um acto de Tennessee Williams, com realização de Sydney Pollack.


>>> 1969: com Paul Newman, no western Butch Cassidy and the Sundance Kid/Dois Homens e um Destino, dirigido por George Roy Hill — adoptando o nome da sua personagem, Redford chamou Sundance à propriedade do Utah onde, em 1978, viria a nascer o Festival de Sundance, montra exemplar da produção independente.


>>> 1972: Jeremiah Johnson/As Brancas Montanhas da Morte, filmado no Utah, de novo com Sydney Pollack a dirigir.


>>> 1975: Sydney Pollack de novo, a assinar Os Três Dias do Condor, um dos mais subtis thrillers dos anos 70.


>>> 1976: quando Bob Woodward e Carl Bernstein, jornalistas de The Washington Post, ainda estavam a investigar o escândalo Watergate (que levaria à destituição de Richard Nixon), Redford, enquanto produtor, comprou os direitos de adaptação da sua história (All the President's Men); daí viria a nascer Os Homens do Presidente, de Alan J. Pakula, com Woodward e Bernstein interpretados, respectivamente, por Redford e Dustin Hoffman — esta é a célebre cena em que Woodward questiona o seu informador ("Garganta Funda"), desembocando numa sugestão emblemática: "Follow the money".
 

>>> 1980: a estreia como cineasta — Gente Vulgar arrebatou quatro Oscars: filme, realização (Redford), actor secundário (Timothy Hutton) e argumento adaptado (Alvin Sargent).


>>> 1981 (31 março): em cerimónia apresentada por Johnny Carson, King Vidor e George Cukor entregaram o Oscar de realização a Redford, por Gente Vulgar.


>>> 1993: A River Runs Through It (Duas Vidas e um Rio), adaptado das memórias do escritor Norman Maclean (1902-1990), eis um verdadeiro diamante cinematográfico que permanece praticamente ignorado — apesar de ter valido a Philippe Rousselot o Oscar de melhor fotografia. Evocando a vida (e o rio) na zona de Missoula, Missouri, entre a Primeira Guerre Mundial e a Grande Depressão, esta é, seguramente, a realização de Redford mais ligada a uma poética vitalista, indissociável do carácter sagrado dos elementos naturais — com Redford a emprestar a sua voz à narração em off, este é também um dos primeiros filmes de Brad Pitt.
 

>>> 1994: desde Network (1976), de Sidney Lumet, o cinema de Hollywood tem sabido observar, decompor e expor as formas mais perversas que as linguagens televisivas podem assumir — Quiz Show, uma das realizações de Redford sem participar no elenco, é um exemplo maior dessa tradição ética e estética.


>>> 2007: Lions for Lambs (Peões em Jogo) é um dos mais genuínos filmes políticos que Hollywood gerou no século XXI, reflectindo os contrastes e contradições do universo político dos EUA face ao envolvimento militar no Afeganistão; as personagens centrais são um senador republicano (Tom Cruise), uma jornalista (Meryl Streep) e um professor universitário (o próprio Redford) — sem esquecer o estudante interpretado por Andrew Garfield, antes de vestir o fato do Homem-Aranha.


>>> 2013: um verdadeiro, e muito literal, one-man-show, filmado por J. C. Chandor: All Is Lost/Quando Tudo Está Perdido.


>>> 2018: The Old Man & the Gun/O Cavalheiro com Arma, dirigido por David Lowery, foi uma espécie de despedida simbólica do cinema — com a cumplicidade de Sissy Spacek.


>>> 2025: a série policial Dark Winds (AMC) foi o derradeiro projecto a que ficou ligado o nome de Robert Redford, na qualidade de produtor executivo. No primeiro episódio da terceira temporada, emitido a 9 de março, surgiu num pequeníssimo papel, contracenando com o escritor e argumentista George R. R. Martin (outro dos produtores executivos da série).


>>> Em 2005, Robert Redford foi um dos homenageados pelo Kennedy Center, a par de Tina Turner, Tony Bennett, Julie Harris e Suzanne Farrel; no dia 16 de setembro, poucas horas depois de ter sido conhecida a notícia do seu falecimento, aquela instituição publicou este tributo.

domingo, agosto 17, 2025

Ronnie Rondell Jr. (1937 - 2025)

Ronnie Rondell Jr. faleceu no dia 12 de agosto, em Osage Beach, Missouri — contava 88 anos.
A sua filmografia é uma imensa antologia de títulos marcantes como A Águia Voa ao Sol (John Ford, 1957), A Primeira Vitória (Otto Preminger, 1965), Balbúrdia no Oeste (Mel Brooks, 1974), Viver e Morrer em Los Angeles (William Friedkin, 1975) ou Eles Vivem (John Carpenter, 1978). Em muitos dos respectivos genéricos sem que o seu nome seja sequer citado. Porquê? Porque a história dos stuntmen nem sempre teve o reconhecimento que merece: ele foi, de facto, um dos duplos mais famosos, e também mais solicitados, ao longo de várias décadas da produção americana — Batman e Robin (Joel Schumacher, 1997), A Esfera (Barry Levinson, 1998) e The Matrix Reloaded (Lana & Lilly Wachowski, 2003) são alguns dos derradeiros filmes em que trabalhou, por vezes como coordenador da equipa de duplos.
Ironicamente, a sua performance mais famosa ficou registada numa imagem fixa. Ou seja: a fotografia da capa de Wish You Were Here (1975), nono álbum de estúdio dos Pink Floyd, da autoria dos estúdios Hipgnosis (o fotógrafo foi um dos respectivos fundadores, Aubrey Powell). Obtida nos estúdios Burbank, da Warner Bros., aí encontramos Rondell Jr. com a cabeça e o corpo a arder, cumprimentando Danny Rogers, também um duplo profissional.

>>> Obituário na Billboard.
>>> Wish You Were Here (do álbum homónimo dos Pink Floyd).

sábado, julho 19, 2025

Alan Bergman (1925 - 2025)

Marilyn e Alan Bergman com os Oscars ganhos por Yentl (9 abril 1984)

Com uma carreira pontuada por algumas canções lendárias do cinema americano, Alan Bergman faleceu na sua casa de Los Angeles, poucas semanas antes daquele que seria o seu 100º aniversário — texto publicado no Diário de Notícias (18 junho).

Ao longo da história de mais de seis décadas de canções nos filmes de Hollywood, Alan Bergman simbolizou um estilo feliz que nunca abandonou os valores clássicos próximos de um genuíno romantismo. Nascido a 11 de setembro de 1925, em Nova Iorque, morreu na quinta-feira, dia 17, na sua casa de Los Angeles — faltavam, portanto, menos de dois meses para completar 100 anos.
O seu legado é indissociável da colaboração com Marilyn Bergman, sua mulher, falecida em 2022. No Calor da Noite (1967), de Norman Jewison, um policial protagonizado por Sidney Poitier, foi o filme que lhes abriu as portas dos grandes estúdios. Entre os títulos a que a sua parceria está ligada incluem-se O Juiz Roy Bean (1972), um “western” de John Huston, com Paul Newman, Tootsie (1982), comédia de costumes de Sydney Pollack centrada numa das melhores interpretações de Dustin Hoffman, e Nunca Mais Digas Nunca (1983), uma aventura (não oficial) de James Bond, com Sean Connery sob a direcção de Irvin Kershner.
Em qualquer caso, os trabalhos mais célebres do casal Bergman são aqueles que lhes valeram Oscars. Ou seja:

— THE WINDMILLS OF YOUR MIND: interpretada por Noel Harrison, a canção tornou-se numa referência de culto de The Thomas Crown Affair / O Grande Mestre do Crime (1968), policial romântico com o par Steve McQueen/Fay Dunaway sob a direcção de Norman Jewison.


— THE WAY WE WERE: tema-título de um grande sucesso de Robert Redford/Barbra Streisand com realização de Sydney Pollack, entre nós lançado como O Nosso Amor de Ontem — transformou-se num dos “standards” mais populares da própria Barbra Streisand.
 

— THE WAY HE MAKES ME FEEL: de novo por Barbra Streisand, aqui como actriz, cantora e realizadora, este é um dos temas que integra a banda sonora de Yentl, filme baseado num conto de Isaac Bashevis Singer sob uma jovem polaca de origem judaica no começo do século XX — este Oscar, partilhado com Michel Legrand, não foi de melhor canção, mas de melhor arranjo musical das canções (categoria mais tarde abandonada).
 

>>> Obituário em The Hollywood Reporter.

quarta-feira, junho 18, 2025

Alfred Brendel (1931 - 2025)

Na companhia de Minnie

Escutemos o Impromptu Op. 90 (Andante), de Franz Schubert, por Alfred Brendel. Ou como o pianista que, depois dos 16 anos, nunca mais recebeu lições formais de piano transfigurava em coisa muito sua os sons ambíguos do classicismo marcado pela libertação romântica.
Brendel nasceu em Wizemberk, Checoslováquias, a 5 de janeiro de 1931, tendo falecido a 17 de junho, em Londres — contava 94 anos.
 

>>> Obituário: NPR + Gramophone + BBC.

sexta-feira, junho 13, 2025

Brian Wilson (1942 - 2025)

[Wikipedia]

O legado de Brian Wilson envolve o fulgor e a sofisticação da arte da composição, a imagem de felicidade dos Beach Boys e, arrastando tudo isso, uma filosofia pop que está para lá de qualquer género, já que, sendo musical, é acima de tudo existencial — das suas boas vibrações, eis algumas imagens de Glastonbury, em 2005.
 

>>> Obituário: Pitchfork + Rock & Folk.

domingo, março 02, 2025

Lembrando Gene Hackman

[texto integral no DN]

Há um filme algo esquecido de Francis Ford Coppola que pode simbolizar o prodigioso talento de Hackman. Chama-se no original The Conversation (1974), tendo sido lançado entre nós como O Vigilante. Inspirado em algumas personagens verídicas, o argumento, da autoria do próprio Coppola, dá-nos a conhecer Harry Caul, figura enigmática, fechada sobre si mesma, que trabalha numa equipa de sonoplastas que aceitam “encomendas” para efectuar escutas da vida privada de outras pessoas.
O filme não pode ser desligado de um contexto de acelerada transfiguração das vidas humanas pela evolução tecnológica, para mais contaminado por múltiplas formas de descrença política — e escusado será sublinhar que as suas inquietações não desapareceram neste nosso século XXI. Era o tempo em que os cartazes dos filmes não receavam usar frases relativamente longas e não resisto a lembrar a de O Vigilante: “Harry Caul é um invasor da privacidade. O melhor no negócio. Consegue gravar qualquer conversa entre duas pessoas em qualquer lugar. Até agora, morreram três pessoas por causa dele.”
Gene Hackman
A certa altura, há uma cena em que Caul monta a sua parafrenália numa casa de banho. Para escutar melhor, enrosca-se, literalmente, por baixo de uma prateleira... e fica ali, com os seus auscultadores, a olhar para o vazio. É bem verdade que o filme tende a ser visto como a tragédia daqueles que são escutados — o que, aliás de acordo com a frase promocional do cartaz, possui uma lógica irrefutável. Mas sinto sempre que essa visão “apaga” aquilo que temos ali mesmo, à nossa frente: a solidão irredutível do homem que escuta.
Dito de outro modo: O Vigilante é também um filme sobre a dispersão de uma personalidade no interior de um sistema de poder por ele servido, tanto quanto por ele desconhecido. Não que tal dispersão desresponsabilize Caul — longe disso. Acontece que ele serve um poder que, através do imponderável da tecnologia, tende a rasurar a própria noção de responsabilidade.
Hackman foi esse actor capaz de encarnar personagens na fronteira da dimensão humana, à deriva no interior de um espaço social incapaz de os libertar de tão cruel solidão. Apesar de parco nas palavras, há um momento em que Caul discute com um dos colegas o valor da curiosidade na actividade dos humanos. Diz ele: “Se há uma regra segura que aprendi neste negócio é que não sei nada sobre a natureza humana. Não sei nada sobre a curiosidade, não tem nada a ver com aquilo que faço.”

terça-feira, janeiro 14, 2025

Oliviero Toscani (1942 - 2025)

[ Auto-retrato, 2021 ]

Fotógrafo indissociável da marca Benetton, criador de imagens que revolucionaram o próprio conceito de publicidade, o italiano Oliviero Toscani faleceu no dia 13 de janeiro, em Cecina, vitimado por amiloidose — contava 82 anos.
Toscani perverteu a lógica primitiva da publicidade — dar a ver e valorizar a mercadoria —, criando imagens que se inscreviam directamente na convulsões sociais e políticas do nosso mundo, por assim dizer, celebrando o próprio "produto" através de uma elaborada e paradoxal abstração. Nesta perspectiva, ensinou-nos a olhar e pensar as imagens, não como "reproduções", antes como derivações iconográficas da ilusória transparência dos corpos e objectos.
Padre e freira (1991)

HIV positivo (1993)

Corações (1996)

>>> Obituário no jornal Le Monde.
>>> Oliviero Toscani no Instagram.
>>> Oliviero Toscani no site Artemest.

sábado, dezembro 28, 2024

Martial Solal, jazz e cinefilia

Martial Solal em 1960 [New York Times]

Martial Solal, compositor indissociável da Nova Vaga francesa, faleceu no dia 12 de dezembro, contava 97 anos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 dezembro).

A cinefilia faz-se do gosto, do prazer e também da exigência de contemplar as imagens dos filmes, respeitando a sua complexidade, logo a sua história, e também os enigmas da beleza que as pode habitar. Em qualquer caso, semelhante descrição é insuficiente, inadvertidamente favorecendo o automatismo dos olhares em que vamos sendo viciados por algumas formas de televisão (e muitas linguagens da publicidade). Importa, por isso, acrescentar que a relação com as imagens raras vezes pode ser dissociada dos sons que, mesmo acidentalmente, as acompanham.
Penso na música de Martial Solal. Penso, sobretudo, no misto de alegria, precisão e elegância do seu piano. Ao ler a notícia da sua morte — no dia 12, em Versalhes, contava 97 anos —, surgem-me as imagens e os sons de À Bout de Souffle/O Acossado (1960), a longa-metragem de Jean-Luc Godard que, como nenhum outro título, simbolizou o arranque da Nova Vaga francesa.
A sua banda sonora reflecte a cumplicidade criativa do jazz com alguns dos momentos emblemáticos desse movimento que, de facto, transfigurou a história de todo o cinema, muito para lá das fronteiras francesas. Assim, em 1959, Solal tinha já contribuído com alguns temas para a banda sonora de Dois Homens em Manhattan, de Jean-Pierre Melville, sem esquecer que, um ano antes, a música de Fim de Semana no Ascensor, de Louis Malle, tinha assinatura de Miles Davis [video, c/ Jeanne Moreau].


Podemos, aliás, pressentir a riqueza do legado de Solal lembrando a espantosa diversidade do seu trajecto fora do cinema — escute-se, por exemplo, o seu derradeiro concerto, a 23 de janeiro de 2019 (aos 91 anos!), na Salle Gaveau, em Paris, editado no álbum Coming Yesterday (Challenge Records, 2021). Para lá de uma vasta discografia em nome próprio, lembremos também as muitas colaborações com nomes como Sidney Bechet, Stéphane Grappelli ou Dave Douglas.
Refaço, assim, mentalmente, algumas cenas de À Bout de Souffle, a começar pelo encontro de Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg, aliás Michel Poiccard e Patricia Franchini, nos Campos Elísios. Ele diz-lhe: “Sim, é uma patetice, amo-te.” Ela espanta-se de o rever ali, uma vez que ele lhe tinha dito que “detestava Paris”. Michel responde: “Não disse que detestava, disse que tenho aqui muitos inimigos.” E Patricia pergunta: “Então, está em perigo?” É preciso acrescentar que Patricia anda a vender o New York Herald Tribune (cuja publicação terminaria em 1966). A composição de Solal para este breve diálogo (intitulada, precisamente, “New York Herald Tribune”) pode servir de padrão para todo um modo de entendimento da relação da música com a “acção”. Não se trata de criar um pano de fundo, dir-se-ia uma cortina de sons, para “sustentar” a duração da cena: a música existe como elemento vivo da narrativa, com as suas notas, melodia e ritmo, incluindo os repectivos silêncios.


Tudo isto pode ser condensado numa palavra mágica, vital na história do jazz: improvisação. O obituário de Solal no jornal Le Monde definia-o através de uma bela lista de qualidades: “compositor, arranjador, chefe de orquestra e rei da improvisação” (fazendo lembrar, a meu ver, o fraseado poético de um outro pianista e compositor, o americano Erroll Garner). Ao mesmo tempo, nada disso exclui a procura de uma lógica estrutural que, em cinema, se confunde com a arte da montagem.
Naquela que julgo ser a mais completa edição da banda sonora de À Bout de Souffle (Soundtrack Factory, 2016), disponível no YouTube, encontramos algumas palavras de Solal que resumem exemplarmente tal atitude criativa: “Godard destrói deliberadamente todas as formas clássicas de construção. Na música, eu não cheguei tão longe quanto ele: tentei sempre avançar mantendo uma certa estrutura, uma certa legibilidade. Ao mesmo tempo, é verdade que partilhamos a mesma atitude anti-académica.”
À Bout de Souffle: Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg nos Campos Elíseos
>>> Obituário na revista DownBeat.

quinta-feira, agosto 22, 2024

Gena Rowlands, in memoriam

Gena Rowlands em Noite de Estreia: mistérios do teatro, esplendor do cinema

Actriz com uma carreira de mais de seis décadas, presença nuclear na obra de John Cassavetes, seu marido, Gena Rowlands deixa o legado multifacetado de muitas e fascinantes personagens — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 agosto), com o título 'Morreu a actriz de todos os mistérios'.

Nome grande do firmamento de Hollywood, mulher e musa de John Cassavetes, Gena Rowlands morreu no dia 14 de agosto na sua casa de Indian Wells, na Califórnia. Em finais do mês de junho, o filho Nick Cassavetes informara os meios de comunicação da frágil condição de saúde da mãe, há cinco anos atingida pela doença de Alzheimer — contava 94 anos.
É provável que os espectadores mais jovens desconheçam a sua presença decisiva na obra de John Cassavetes — incluindo Faces/Rostos (1968), símbolo da “nova vaga” de Hollywood —, identificando-a sobretudo com The Notebook/O Diário da Nossa Paixão (2004), um dos filmes em que foi dirigida, precisamente, por Nick Cassavetes, tendo como base um “best-seller” de Nicholas Sparks. Alguns anos mais tarde, surgiria também no elenco de Broken English/Uma Americana em Paris (2007), longa-metragem de estreia da sua filha Zoe Cassavetes.
Ainda que as suas mais notáveis composições não se esgotem nos filmes do marido — lembremos Uma Outra Mulher (1988), de Woody Allen, contracenando com Mia Farrow e Gene Hackman —, foi com John Cassavetes que Gena Rowlands acedeu à nobreza artística de Hollywood. O facto parece contraditório, uma vez que Cassavetes é muito justamente associado a um conceito de “independência” no interior do sistema, mas é com o seu filme A Child Is Waiting/Uma Criança à Espera (1963), produzido por uma “major” de Hollywood (United Artists), que ela começa a revelar um invulgar talento — recorde-se que esse subtil retrato de um hospital para doentes mentais foi o penúltimo filme de Judy Garland.


Obteve duas nomeações para o Oscar de melhor actriz, em ambos os casos dirigida pelo marido: Uma Mulher sob Influência (1974), centrado numa personagem cuja doença mental vai decompondo todas as suas relações sociais, e Gloria (1980), reconvertendo, no feminino, os modelos de personagens masculinas do cinema “noir” da década de 40. O primeiro, cujo argumento foi sugerido pela própria Gena Rowlands, ficou como um dos projectos mais pessoais de John Cassavetes, produzido com o seu próprio dinheiro e o apoio financeiro de vários amigos (incluindo Peter Falk, intérprete da personagem do marido); o segundo tem chancela da Columbia, outro grande estúdio de Hollywood — logo a seguir, Gena Rowlands e John Cassavetes participariam, apenas como actores, numa versão moderna da Tempestade (1982), de Shakespeare, realizada por Paul Mazursky. Quanto aos Oscars, receberia uma estatueta honorária em 2016.
Vimo-la também em títulos tão diferentes como Tony Rome Investiga (1967), policial de Gordon Douglas protagonizado por Frank Sinatra, Luz do Dia (1987), realização de Paul Schrader com Michael J. Fox no universo de uma banda rock, Noite na Terra (1991), filme de “sketches” assinado por Jim Jarmusch, ou A Bíblia de Neon (1995), admirável melodrama do inglês Terence Davies.

Uma herança plural

Nascida em Madison, Wisconsin, a 19 de junho de 1930, Gena Rowlands foi, como muitos intérpretes da sua geração, uma actriz que deu os primeiros passos em meados da década de 50, num ziguezague entre os palcos e a televisão. Na Broadway, estreou-se em The Seven Year Itch, a peça de George Axelrod que viria a ser celebrizada por Marilyn Monroe na versão filmada por Billy Wilder em 1955 (título português: O Pecado Mora ao Lado). Por essa altura, participou em séries como The Way of the World, Johnny Stacatto (com o marido no papel central) ou Alfred Hitchcock Apresenta.
Dois dos filmes finais de e com John Cassavetes podem resumir o seu legado: Noite de Estreia (1977), vivido nos bastidores do teatro, e Amantes (1984), sobre as “correntes do amor” referidas no título original (Love Streams). Se o primeiro é um verdadeiro requiem sobre o grau de exposição, delírio e sofrimento que o trabalho de palco pode implicar, o segundo tende a ser classificado, erroneamente, como um espelho autobiográfico do casal actriz/realizador — na verdade, Cassavetes e Rowlands interpretam dois irmãos que tentam encontrar algum tipo de equilíbrio, porventura de redenção, depois da decomposição das suas vidas conjugais.
Da solidão da mãe de Uma Criança à Espera, tentando lidar com os problemas mentais do filho, até à desamparada irmã de Amantes, Gena Rowlands foi uma actriz capaz de expor os mistérios do comportamento humano, sem nunca se deixar encerrar em facilidades “novelescas” ou estereótipos de género — a sua herança tem tanto de excelência artística como de comovente emoção.

>>> Obituário na NPR.
>>> Oscar honorário, 8 novembro 2014.

segunda-feira, julho 15, 2024

Shelley Duvall (1949 - 2024)

Shining (1980)

Actriz de todas as estranhezas, Shelley Duvall foi-o tanto mais quanto soube sê-lo através de uma pose natural, quase naturalista, capaz de fixar o olhar distraído da câmara — faleceu a 11 de julho, quatro dias depois de ter completado 75 anos.
Descoberta por Robert Altman, começou a carreira em dois dos seus filmes: Brewster McLoud (1970) e McCabe & Mrs. Miller/A Noite Fez-se para Amar (1971), este um dos mais notáveis westerns "revisionistas" da época, protagonizado por Warren Beatty e Julie Christie. Vimo-la em Annie Hall (1977), de Woody Allen, e, claro, nos dois filmes de 1980 que definiram a sua carreira e, num certo sentido, a sua pessoalíssima icocnografia: Shining, de Stanley Kubrick, e Popeye, de novo sob a direcção de Altman.
Com um invulgar sentido do timing das palavras em cinema, foi uma intérprete tão inclassificável quanto vulnerável, o que, evidentemente, sempre reforçou a sua aura. Dir-se-ia que foi demasiado diferente para ser uma estrela, ao mesmo tempo desconcertantemente normal na representação da excepção.

>>> Com Jack Nicholson, em Shining.

 
 
>>> Com Robin Williams, em Popeye.
 
 
 
>>> Obituário em Entertainment Tonight.


>>> Perfil de Shelley Duvall (The Hollywood Reporter, 11 fevereiro 2021).

terça-feira, julho 09, 2024

A herança romântica de Robert Towne

O labor de Robert Towne como argumentista reflecte uma velha utopia: saber a verdade, toda a verdade — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 julho).

[Wikipedia]
No filme Chinatown (1974), de Roman Polanski, o detective privado J. J. Gittes (Jack Nicholson) é contratado por Evelyn Mulwary (Faye Dunaway) para investigar as condições suspeitas em que ocorreu a morte do seu marido. Nada é o que parece e Gittes vai pressentindo que Evelyn lhe esconde algo de essencial. As suas suspeitas agravam-se quando ela lhe dá a conhecer Katherine como sua irmã para, mais tarde, a identificar como sua filha. Numa cena decisiva, de perturbante violência física e emocional, Gittes pressiona Evelyn para lhe dizer a verdade, obtendo respostas alternadas: “ela é minha irmã” e, logo a seguir, “ela é minha filha”. Gittes não desiste, até que Evelyn grita: “Ela é minha irmã e milha filha!”
Quem conhece o filme, uma das imaculadas obras-primas geradas em Hollywood ao longo da década de 70, recordar-se-á que a resposta final de Evelyn está longe de ser anedótica, esclarecendo uma das fundamentais linhas dramáticas do filme. Meio século depois, a subtil mise en scène de Polanski persiste como uma admirável variação sobre os modelos clássicos do cinema “noir”, satisfazendo a sua primordial esquizofrenia: o retrato dos fantasmas sexuais tende para a contundência da parábola política.
Lembrei-me imediatamente do filme e, em particular, daquelas linhas de diálogo ao ler a notícia da morte de Robert Towne, no dia 1 de julho, contava 89 anos [Deadline]. Autor do argumento de Chinatown (que lhe valeu o único Óscar com que o filme foi distinguido), ele foi, de facto, um dos grandes narradores de uma certa produção americana que, sobretudo ao longo das décadas de 70/80, se apropriou da herança dos modelos clássicos de Hollywood, “forçando-os” a expor os assombramentos que, muitas vezes, se apresentavam filtrados por mecanismos mais ou menos romanescos, eventualmente românticos.
Na sua auto-biografia (Roman, ed. Difel, 1984), Polanski evoca a figura de Towne com particular carinho e admiração, ainda que sublinhando a sua resistência pessoal a esse romantismo obstinado. De tal modo que Towne discordou do desenlace da cena final de Chinatown, imposto por Polanski, dando a Evelyn um destino que não era o que estava inicialmente previsto no argumento (mais tarde, Towne viria a dar razão a Polanski). Seja como for, esse argumento é há muito encarado como uma referência canónica na história do cinema: em 2006, num inquérito para estabelecer os “101 melhores argumentos” de sempre, promovido pelo sindicato dos argumentistas americanos de Los Angeles, Chinatown surgiu em terceiro lugar, depois de Casablanca (1942) e O Padrinho (1972).
A vibração dos diálogos escritos por Towne decorre de um conceito paradoxal: por um lado, as palavras tendem a preservar uma certa “naturalidade” que, de modo mais ou menos discreto, espelha a banal aceleração do quotidiano; ao mesmo tempo, por outro lado, tais palavras parecem suspender-se no tempo, rasgando efémeras paisagens filosóficas onde as personagens arriscam viver (ou morrer) através das singularidades das suas histórias pessoais. Assim acontece em títulos como O Último Dever (1973) e Shampoo (1975), ambos dirigidos por Hal Ashby, ou ainda Tequila Sunrise/Intriga ao Amanhecer (1988), uma realização do próprio Towne. Este é mesmo um drama policial que se confunde com um requiem sobre as derradeiras ilusões românticas, aliás com um trio de intérpretes que, na altura, podia simbolizar tal dinâmica: Mel Gibson, Michelle Pfeiffer e Kurt Russell.
Evitemos, por isso, lidar com a arte de Towne como se fosse uma colecção de diálogos “literários” — o que conta é o serviço que tais diálogos prestam à dramaturgia do filme a que pertencem. Recusemos também a pornografia intelectual que consiste em valorizar uma narrativa audiovisual através da actualidade dos seus “temas” (coisa que passou a acontecer com a miséria narrativa das telenovelas). No limite, Chinatown pode mesmo resumir-se através do desejo humano mais primitivo, e também mais utópico, que uma narrativa pode colocar em cena: o desejo de saber a verdade. O valor da sua herança é inestimável.

>>> Robert Towne nos Oscars (8 abril 1975).


>>> The Last Detail [trailer].

terça-feira, julho 02, 2024

Fausto Bordalo Dias (1948 - 2024)

[ Wikipedia ]
No centro da sua criatividade está Por Este Rio Acima (1982), álbum que define um entendimento das raízes populares da música em que o cruzamento de referências (das europas e das áfricas), longe de se esgotar num experimentalismo decorativo, abre novas perspectivas históricas e diferentes espaços de expressão — Fausto Bordalo Dias faleceu no dia 1 de julho, em Lisboa, contava 75 anos.
Da sua obra, eis três momentos exemplares:
> A Guerra É a Guerra, de Por Este Rio Acima.
> Delicadamente para Ti, do álbum O Despertar dos Alquimistas (1985)
> Flagelados do Vento Leste, do álbum A Preto e Branco (1988).
 





>>> Obituário: RTP + Diário de Notícias.
>>> Fausto por Viriato Teles.