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terça-feira, fevereiro 23, 2021

"Big Science", nova cor

Porque não? Big Science (1982), primeiro álbum de estúdio de Laurie Anderson, vai regressar em vinyl vermelho — a edição, com chancela Nonesuch, será lançada a 9 de abril. Da alegria pop à experimentação electrónica, passando pelos sabores da palavra declamada, o seu valor inclassificável (e muito influente) permanece em qualquer cor. Para a história das vanguardas e seus felizes paradoxos, o tema O Superman foi um verdadeiro hit, chegando a nº 2 do top de singles no Reino Unido.

sábado, junho 01, 2019

Laurie Anderson — entre real e virtual

Presente em Cannes com três instalações de Realidade Virtual, Laurie Anderson continua a ser uma criadora multifacetada, sempre com o gosto da experimentação — este texto resulta de um encontro da artista americana com vários jornalistas e foi publicado no Diário de Notícias (28 Maio).

O encontro ocorreu num dos restaurantes da praia de Cannes, num dos dias mais frios da 72ª edição do festival de cinema. A americana Laurie Anderson, lendária criadora de álbuns como Big Science (1982) ou Home of the Brave (1986) esteve na Côte d’Azur para, no âmbito da Quinzena dos Realizadores, apresentar Go Where You Look! (à letra: ‘Vai para onde estás a olhar!’), um conjunto de três instalações de Realidade Virtual concebidas com a participação de Hsin-Chien Huang, artista de Taiwan e, nos últimos anos, seu colaborador regular neste domínio.
Laurie Anderson começou por questionar os jornalistas presentes sobre as três instalações apresentadas, cada uma delas com uma duração de cerca de 15 minutos, em salas equipadas com óculos de Realidade Virtual (VR, na gíria internacional, anglo-saxónica). Todos responderam afirmativamente, o que motivou um desabafo risonho: “Devem estar exaustos! Esta é a primeira vez que apresentamos as três instalações no mesmo espaço. Parabéns por terem conseguido.”
“É realmente cansativo”, reconhece. “E pode ser estonteante, já que não se trata de assistir a um filme de 45 minutos — ao mesmo tempo, a pessoa está a criar.” Assim é, de facto. Com os óculos que a experiência exige (algo pesados e fazendo calor no rosto), o espectador é “projectado” num universo em que, de alguma maneira, vai intervir: graças a uns manípulos com botões de comando, vogamos no espaço virtual, mudando a posição de objectos, escolhendo direcções de deslocamento, aumentando ou diminuindo a velocidade do nosso “movimento”...


Uma das instalações, “Aloft” (a meu ver, a mais interessante), coloca-nos no interior de um avião em que somos o único passageiro; a certa altura, lentamente, o avião começa a desmembrar-se, até que ficamos a vogar no espaço, sem qualquer base ou parede em que nos apoiemos; começam a surgir objectos (um telemóvel, uma flor, uma máquina de escrever, uma bola de cristal, um exemplar de Crime e Castigo, etc.) que podemos “tocar”, trazendo-nos sons específicos e, quase sempre, a voz da própria Laurie Anderson... Em “Chalkroom”, penetramos numa espécie de gruta feita de gigantescas caixas em permanente transfiguração, enquanto “To the Moon” nos proporciona uma viagem até à... superfície lunar.
Surpreendentemente, um dos assistentes de Laurie Anderson descobriu a VR como um instrumento terapêutico. Assim, ela recorda que, nos últimos anos, vivendo limitado por uma condição física que o impede de abrir as mãos, ele voltou a movê-las ao experimentar a instalação “Aloft”: “Comecei a chorar, perguntado-me o que estava a acontecer. De facto, sabemos muito pouco sobre o modo como o cérebro e o corpo dialogam entre si. E não estou a falar de nenhuma cura milagrosa, já que, além do mais, depois dessa experiência, os seus problemas com as mãos se mantiveram.”
Em boa verdade, não se trata de filmes, mas não deixa de haver uma narrativa que evolui através daquilo que o “experimentador” vê e ouve, e também dos acontecimentos que vai provocando através dos seus manípulos. Daí a pergunta incontornável: será que Laurie Anderson e Hsin-Chien Huang partiram de algo a que se pudesse dar o nome de argumento? “Sem dúvida, escrevemos um argumento, mesmo naquelas coisas que não tinham propriamente princípio, meio e fim. De alguma maneira, tivemos que reaprender o que significa contar uma história. No limite, torna-se possível ir em qualquer sentido: quem vir, por exemplo, “Chalkroom” mais do que uma vez terá sempre experiências diferentes...”


Os trabalhos de Laurie Anderson não são estranhos à sua longa experiência nos domínios da música electrónica, aplicando, em particular, dispositivos de improvisação. O que, além do mais, ela encara com contagiante humor: “O improviso passa a fazer parte da narrativa e, afinal, a vida é assim mesmo. Ou seja: a vida não tem um argumento — a minha, pelo menos, não tem.”
Escusado será sublinhar que as dúvidas suscitadas pela VR são muitas. A sua montagem técnica é muito cara e a respectiva apresentação envolve sempre um número reduzido de pessoas. Em Cannes, cada uma das instalações só podia ser vista por três pessoas ao mesmo tempo. Recorde-se que, em 2017, o próprio festival foi pioneiro neste tipo de eventos, apresentando “Carne y Arena”, do mexicano Alejandro González Iñárritu (este ano presidente do júri que atribuíu a Palma de Ouro a Parasite, de Bong Joon-Ho).
Isto sem esquecer que o tipo de histórias que a VR pode contar envolve tanto de revelação como de primitivismo. Nesta perspectiva, Laurie Anderson apresenta-se como uma experimentadora que não renega o classicismo: “O sistema em que existe a arte tende a dizer-nos que isto ou aquilo tem um determinado significado... Por isso é muito interessante fazer coisas com esta margem de improvisação. No nosso trabalho, discutimos muito como relacionador essas duas componentes: história, contar uma história, e liberdade de interpretação. Claro que os grandes filmes sempre lidaram com isso. Todos os grandes trabalhos artísticos lidaram com isso. Nesse aspecto, não temos nada de único — é apenas tecnologia.”

sábado, março 24, 2012

Nos 75 anos de Philip Glass (7)

Continuamos a publicação integral de um extenso texto sobre o compositor Philip Glass publicado no suplemento Q. do Diário de Notícias, assinalando os seus 75 anos. O texto, com o título 'Acordar cedo e trabalhar todo o dia é o segredo de Philip Glass' foi publicado a 28 de janeiro.

“Glass pode ter-se tornado um compositor de ópera por acaso, mas está a definir um rumo nos seus termos. Os seus temas são escolha sua e ele procura as circunstâncias para fazer com que os trabalhos para o palco sejam viáveis. É o oposto da situação com o seu trabalho orquestral, que tem resultado de respostas frutíferas a vários pedidos.” (49)

A abertura de Glass à música para orquestra não aconteceu, de facto, como fruto de uma demanda pessoal, mas de desafios que lhe lançaram, muitos deles tendo na figura do maestro Dennis Russel Davies um importante parceiro de trabalho. Antes mesmo de ensaiar pela primeira vez o formato da sinfonia, experimentou em finais dos anos 80 o desafio de criar um concerto para violino, que compôs tendo em mente a figura do seu pai, criando algo de que ele tivesse gostado. Outros concertos, como o Tirol Concerto (2000) ou o Concerto para Violoncelo (2001) surgiram de encomendas concretas, a primeira do gabinete de turismo tirolês, a segunda para o Festival de Música de Pequim.

A sua primeira Sinfonia data de 1991 e representa uma reflexão nascida de momentos do álbum histórico Low, que David Bowie criou (contando com importante colaboração de Brian Eno) em 1977. Uma segunda sinfonia centrada nos universos de Bowie e Eno surgiria em 1994 na forma da Heroes Symphony.

O relacionamento próximo com figuras (e formas) da música pop é uma característica antiga e recorrente ao longo da obra de Philip Glass. Em 1983 colaborou com David Byrne (50) na composição de A Gentleman’s Honour, canção que integrou a música para The Photographer (1983). Três anos depois, a Byrne juntou as presenças de nomes como Suzanne Vega (51), Laurie Anderson (52), Paul Simon (53) ou Linda Rondstat (54) para criar Songs from Liquid Days, um ciclo de canções que representa aquilo que podemos ver como a maior aproximação da música de Glass face aos universos da música pop. Escreveu depois uma canção para a voz de Mick Jagger (55) e uma outra para Natalie Merchant (56). Fez arranjos para Marisa Monte (57) e Pierce Turner (58). Criou um ciclo para poemas de Leonard Cohen (59). Colaborou por duas vezes com Aphex Twin (60) e remisturou uma canção dos S-Express (61). Produziu e tocou com os Polyrock (62). Em 2003, o álbum Glasscuts apresentava remisturas de temas seus por músicos e DJs latino-americanos. Neste momento está a ser preparado o lançamento de um novo disco de remisturas, este com Beck entre os protagonistas. Ao mesmo tempo fez-se referência para novos e talentosos jovens compositores. Editou na Point Music um disco de Arthur Russell (63). E entre os que consigo trabalharam (e hoje o admiram) conta-se o promissor Nico Muhly (64).

A sua relação com os universos e figuras da música pop é de resto antiga. “No início dos anos 70 toquei muito com o ensemble na Alemanha e grupos como os Kraftwerk ou os Can tinham um bom relacionamento comigo, de franco diálogo.” (65). E é também sabido que entre uma das plateias que assistiram a Music with Changing Parts numa digressão europeia em inícios dos setentas, Bowie e Eno estava na plateia a assistir. Glass diz mesmo que o relacionamento com a pop é “gratificante” e que sempre o entusiasmou. De resto, concluía assim essa conversa: “Esta dicotomia que separa a música popular da clássica é recente! Os primeiros bailados de Stravinsky não seriam possíveis sem os estudos sobre a música popular russa de Rimsky Korsakov. Stravinsky trouxe para uma linguagem sinfónica as raízes da música popular do seu tempo. De certo modo continuo essa tradição. Há um puritanismo protecionista em relação à música clássica que me assusta. O diálogo entre as diversas músicas é entusiasmante e produtivo.” (66) Glass é, de resto, uma figura que não esgota a sua atenção pela música no ato de compor e interpretar o que escreve. Apesar de etapas ligadas a editoras como a CBS ou a Nonesuch, sempre teve editoras discográficas (primeiro a Catham Square, nos anos 70, mais tarde a Point Music, um selo do grupo Universal, nos anos 90 e, hoje em dia, a Orange Mountain Music).

Em inícios dos anos 80, num episódio do documentário televisivo Four American Composers, realizado por Peter Greenaway, Philip Glass descrevia assim os admiradores da sua música: “Há quem goste porque é barulhenta, e quem goste porque é rápida, há quem goste porque é muito clássica, há quem goste porque não é clássica, há quem goste porque soa a música indie e quem goste porque acha que não soa a música indie... Tem tudo a ver com a idade de cada um e com o que cada pessoa traz à música.” E deste aparente paradoxo nasceu uma voz que, transcendendo as fronteiras de género da música, podemos antes encarar como uma figura do nosso tempo.

49 - in Glass, A Portrait, de Robert Maycock, Sanctuary, 2002, pag 129 
50 – David Byrne (n. 1952) Ex-vocalista dos Talking Heads, é um dos mais aclamados músicos do nosso tempo e também editor discográfico. Trabalhou com Philip Glass em The Photographer (onde assina a letra de A Gentleman's Honour) e Songs From Liquid Days (onde co-assina Liquid Days e Open The Kingdom). 
51 – Suzanne Vega - Autora das letras de Lightning e Freezing, em Songs From Liquid Days 
52 – Laurie Anderson - Autora da letra de Forgeting, em Songs From Liquid Days. É uma das vozes na gravação em disco da ópera Civil Wars (edidada em 1999). 
53 – Paul Simon - Autor da letra de Changing Opinio, em Songs From Liquid Days. 
54 – Linda Rondstat - Voz de Freezing e Forgeting, em Songs From Liquid Days. É a voz também na gravação em disco de 1000 Airplanes On The Roof. 
55 – Mick Jagger - Vocalista dos Rolling Stones, canta a versão original de 'Streets of Berlin' na banda sonora do filme 'Bent', onde surge também como ator.
56 – Natalie Merchant - Canta 'Planctus', canção de Philip Glass estreada em 1997
57 – Marisa Monte - Glass assina o arranjo de 'Ao Meu Redor'
58 – Pierce Turner - Philip Glass fez arranjos de várias canções dos dois primeiros álbuns a solo do músico.
59 - Leonard Cohen - Glass compôs em 2007 um ciclo de canções a partir de poemas do 'Book of Longing' de Cohen
60 – Aphex Twibn- Colaborou com Glass em 'Icct Hedral', tema editado no EP 'Donkey Rhubarb'. Assinou depois uma remistura de 'Heroes' de Bowie, tomando como ponto de partida a abordagem à canção segundo Philip Glass na sua 'Heroes Symphony'.
61 – S-Express- Philip Glass assinou uma remistura de 'Hey Music Lover', editada em máxi-single em 1989.
62 – Polyrock  - Banda new wave nova iorquina, contou com colaborações de Glass nos seus dois primeiros álbuns
63 – Arthur Russell  - Glass editou 'Another Thought' na sua editora Point Music, em 1994
64 – Nico Muhly - Compositor norte-americano, trabalhou algum tempo nos Looking Glass Studios.
65 – in DN, 30 de Outubro de 1996 
66 – ibidem