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quarta-feira, abril 24, 2013

Os filmes do IndieLisboa 2013 (5)

O que pode trazer-nos de novo um documentário do qual já conhecemos (nem que por alto) a “história” que nos conta ou o universo que nos mostra? Um ponto de vista, por exemplo... E é precisamente o que acontece em Leviathan, um dos mais surpreendentes títulos da Competição Internacional da edição deste ano do IndieLisboa. Assinado pela dupla Lucien Castaing-Taylor / Véréna Paravel, o filme procura olhar de outras formas e novos ângulos a faina de um barco de pesca algures nas águas da costa Este dos EUA.

As imagens foram captadas não apenas pelos realizadores, mas também por uma dúzia de pequenas câmaras colocadas ora entre os pescadores ora em pontos específicos do barco. Olham as águas, os cabos que se puxam, as redes que sobem, o peixe que delas sai... Imersivas, as imagens olham de perto. Observam os pés entre água que corre e os peixes que dançam naquele chão, entre o rítmico sobe e desce que a ondulação decreta. As mãos que trabalham e amanham. A quilha que corta a água (e a água que é cortada). Ao ritmo do trabalho que avança, a montagem transpira depois o esforço. Com inesperada pausa quando, por debaixo do convés, um dos pescadores descansa uns minutos enquanto come e vê televisão...

Leviathan é assim mais uma importante contribuição para a afirmação do cinema documental entre a linha da frente da criação cinematográfica do nosso tempo. Não tem palavras (salvo as que incidentalmente eventualmente escutamos, mas das quais mais captamos os sons que os sentidos). Não tem texto. Mas entre o contexto sugere-se uma narrativa. E, acima de tudo, partilha-se uma experiência.


Momento maior da programação da secção Indie Music deste ano, Charlie is My Darling, de Peter Whitehead e Mick Gochandour é um retrato precioso dos Rolling Stones que dá conta daquela fresta de tempo entre o instante em que o sucesso os começou a visitar e o estatuto de ícones globais que chegaria pouco depois. O filme foi rodado com câmara à mão durante a digressão de dois dias que os levou à Irlanda em 1965. As imagens seguem-nos nos comboios, nos palcos, nos quartos de hotel. E é particularmente nestes espaços de maior recolhimento que uma banda ainda próxima daqueles primeiros tempos de real partilha e convívio (sem os filtros que a fama depois aplica) que o filme ganha uma voz. Rodado na época e guardado na gaveta desde então, Charlie is My Darling foi recuperado recentemente, o festival apresentando agora uma nova montagem (mais longa e expressiva que a original) e com imagem e som restaurados. Não é preciso ser admirador profundo dos Rolling Stones para nos deixarmos encantar por tão franco (e ao mesmo tempo lúdico) olhar sobre o grupo.

Na órbita de Plutão

A curta-metragem Plutão, de Jorge Jácome (Indie Lisboa), tem participação desta casa. Que é como quem diz: o Nuno Galopim assegura uma das personagens cuja importância começa na ausência da sua presença...
Eu explico: há um namoro de Verão (David Cabecinha/Joana de Verona) e há essa notícia bizarra, mas cientificamente objectiva, de que Plutão "deixou de ser considerado um planeta"... Entre a ressaca romântica e a reconfiguração das galáxias, emerge uma voz que interpela o protagonista masculino ou, talvez, acompanhe apenas a sua laboriosa memória de luto — essa voz (Nuno) possui o mistério envolvente de uma narrativa que nos faz hesitar entre o pendor descritivo da crónica e o apelo quase onírico da metáfora. E tanto mais quanto a sua dimensão corporal, sendo invisível, nunca desaparece do corpo do filme.
Servido por uma primorosa direcção fotográfica (Marta Simões), o filme corre constantemente o risco de se perder na própria perdição do protagonista, celebrando a agilidade do seu dispositivo e secundarizando as personagens. Mas é um risco que vale a pena partilhar, já que, em última análise, é a própria intimidade do tempo que aqui se encena — Plutão é, afinal, um estado de alma.

terça-feira, abril 23, 2013

Os filmes do IndieLisboa 2013 (4)

Luke Haines... Para muito boa gente pode ser um nome que não significa nada (e é pena). Para outros será uma memória da qual há algum tempo não ouviam falar... Talvez haja quem ainda o siga atentamente, mais aos seus discos... Quem é? É um dos maiores autores de canções revelados nos anos 90, com primeiro álbum editado há precisamente 20 anos, então integrado numa banda (os The Auteurs – já agora o disco tinha por título New Wave e é uma das melhores coleções de canções para guitarras que podemos reencontrar na memória pop/rock dos noventas). Luke Haines é agora o protagonista de um filme que integra a secção Indie Music da edição deste ano do IndieLisboa. Com o título Art Will Save The World e assinado por Niall McCann, o documentário pode ser uma das melhores propostas de (re)descoberta que este lote de filmes tem para nos dar este ano. Mesmo sendo a sua música e personalidade mais interessantes que o filme em si...

Tentando retratar algum humor contido que passa mais pela personalidade do protagonista que pelas suas canções, Art Will Save The World junta memórias faladas, canções, comentários (seus e de outros, de Grant Gee a Jarvis Cocker). Recordamos essencialmente os The Auteurs, passando mais depressa sobre os seus outros projetos (e convenhamos que os Black Box Recorder mereciam mais tempo de antena). Há por vezes uma certa vontade de ajustar contas com histórias passadas, sobretudo com os dias do ‘brit pop’. E tantas são as vezes que Haines se tenta demarcar da coisa que fica claro que essa é ainda, vinte anos depois, uma pedra no seu sapato...


A ideia é fabulosa por principio. Dar a várias pessoas uma câmara e a cada uma pedir que filmem as suas empregadas domésticas. Da reunião das experiências, das histórias e das pequenas intimidades assim partilhadas nasce Doméstica, documentário de Gabriel Mascaro que integra a secção Pulsar do Mundo. São ao todo sete câmaras, entregues aos filhos das casas onde as “domésticas” trabalham, nascendo o filme da montagem destes olhares caseiros. Aqui se propõe um retrato possível do Brasil de hoje. Mas mesmo apesar dos momentos de genuíno humor que algumas destas protagonistas nos revelam, o filme acaba por ser mais interessante na ideia que na sua concretização. Na verdade, sob outra montagem, teria gerado uma “curta” mais intensa, mais vibrante...

segunda-feira, abril 22, 2013

Os filmes do IndieLisboa 2013 (3)

Convenhamos que não era fácil criar um sucessor para Afterschool (2008), uma das mais assombrosas estreias cinematográficas dos últimos anos. Pelo caminho Antonio Campos produziu, por exemplo, o espantoso Martha Marcy May Marlene (de Sean Durkin) e dele por cá foram entretanto exibidas as suas curtas-metragens. A presença de Simon Killer na Competição Internacional do IndieLisboa 2013 era por isso um dos momentos mais aguardados do fim de semana.
Esta é a história de um americano (estudante de literatura francesa) que procura esquecer em Paris um relacionamento que acabou, descobrindo mulheres ora num bordel ora na rua, que ensaia um esquema de chantagem com os clientes de uma mulher que o resolve albergar, mas que acaba por afogar em mentiras cada novo encontro. Antonio Campos volta a ser brilhante na forma como define um clima de tensão, como integra os olhares pelos lugares que as personagens habitam como parte de um corpo maior inquietante, uma vez mais ameaçador. O carácter formalista com que a câmara opta por perseguir as caminhadas das personagens (sobretudo o protagonista) e a espantosa banda sonora - onde descobrimos o belíssimo It Takes a Muscle (To Fall In Love) dos Spectral Display ou reencontramos o fulgor urbano contemporâneo dos LCD Soundsystem – procuram sublinhar um certo tom de assombramento que a narrativa pede. Simon Killer, mesmo sendo (até agora) uma das melhores propostas da Competição Internacional, não repete contudo o arrepio de Afterschool. E o estudante americano vestido por Brad Corbet em nada chega ao inesquecível e (realmente) perturbante Robert que então nos revelou Ezra Miller.


Há um ano o IndieLisboa mostrava-nos em Into The Abyss um contundente retrato crítico sobre a pena de morte nos EUA. Agora, do mesmo Wener Herzog pudemos ver Death Row, um conjunto de quatro filmes que são uma descendência natural desse mesmo olhar. Criados para uma série televisiva, os quatro filmes (de aproximadamente uma hora cada um) focam cada qual um caso concreto, procurando não esquecer o contexto que envolve cada situação, mas focando a atenção nas quatro figuras que aguardam a hora marcada, mais que as noções de “culpa”, “arrependimento” ou “negação” (que passam por estas histórias) os filmes acabando por refletir sobre o que é a tomada de consciência de um fim. Herzog não procura uma postura jornalística, uma vez que assume desde logo, e perante os entrevistados, que não tem uma posição de “simpatia” para com quem são e o que fizeram, mas que não defende a pena capital. Os quatro filmes não repetem contudo o que vimos em Into The Abyss, a maior presença de planos captados durante as entrevistas e uma lógica de arrumação mais televisiva das imagens acabando por contrastar formalmente com a posição política que o realizador toma.

domingo, abril 21, 2013

Os filmes do IndieLisboa 2013 (2)

Onde moram as fronteiras entre a realidade e a personalidade de um olhar? O que existe para lá do silêncio? Onde de divorciou o homem da natureza? Lacaru, assombroso filme de João Vladimiro (que em 2003 venceu o prémio de melhor curta no Indie com Pé Na Terra) não pretende dar-nos respostas arrumadas nem sistematizadas a estas (e eventualmente outras) questões. Na verdade, mais que responder, Lacrau indaga, procura, escuta e observa. E, longe da cidade (que fugazmente encontramos ordenada, geométrica e adormecida, entre o ocaso e a noite), transporta-nos, como numa fuga, para um lugar onde uma pulsão terrena (de coisa da “terra”, dos musgos, das águas e dos xistos) anima verdades ancestrais que respiram ainda hoje o mesmo ar que nós, que nos sentamos numa sala de cinema.

Em grande parte rodado numa aldeia beirã do interior, Lacrau contempla, sob o ritmo com que os minutos ali se contam, as rotinas das águas que correm nos riachos, os passos de quem carrega sacas na cabeça, os passos do gado, os gestos de quem fecha um curral... Mas é da natureza que brota a força (que tem algo de sagrado) que molda as formas, os movimentos, as cores. Formas irregulares (no mais evidente contraste com as frestas de olhares urbanos que irrompem a momentos), que a música – que vai de cantos que escutam tradições à ancestralidade moderna da Dolmen Music de Meredith Monk – tão bem vinca, partilhando o espaço com os silêncios que moram entre aqueles lugares.

O silêncio (e o que entre ele habita) é na verdade a voz maior do filme, sendo frequentes os momentos em que nos cabe a nós, espectadores, o papel de sonorizar, pelos sussurros da respiração de toda uma plateia numa sala escura, as imagens que, mesmo quando observando a natureza, assim nos lembram que são coisa do aqui e do agora. Nossas contemporâneas. Habitadas pelo homem.

Há aqui sinais de uma dimensão poética que parte das imagens, dos sons (e dos silêncios), das intenções (na verdade mais sugestões), deixando-nos um lugar para construir, a partir de uma proposta tão pessoal, uma experiência que também pode ser nossa.


Entre os títulos que fizeram história ao longo dos dez anos de IndieLisboa conta-se o magnífico Life In Loops (A Megacities Remix), que em 2006 nos mostrou a primeira longa-metragem de Timo Novotny, um dos elementos do coletivo austríaco Sofa Surfers. Este ano, a secção Indie Music apresenta-nos Trains Of Thoughts, documentário com afinidades evidentes para com esse outro, mas que foca o olhar a um espaço muito concreto das grandes metrópoles: o metropolitano.

Uma voz, que sabemos ser de Nova Iorque, conta-nos que os comboios do metropolitano refletem a cidade (acrescentando que a cidade está mais segura e que os seres mais bizarros que outrora ali surgiam deram entretanto lugar a uma multidão mais desinteressante). É desta “estação” que partimos para a descoberta daquilo que pode haver de semelhante e contrário entre estes sistemas vasculares que cruzam as entranhas e as ruas das cidades. Entre Nova Iorque, Los Angeles, Hong Kong, Tóquio ou Moscovo observamos túneis e carruagens, olhares que se desviam, figuras que se diluem no anonimato entre a multidão. Histórias ocasionais (como a de um homem que repara que deixou cair uma das suas luvas no meio da carruagem e que, já no cais, com as portas a fechar, reparando que a não pode recuperar, descalça a outra e lança-a lá para dentro – uma luva solitária não faz sentido, o par a quem ali
seguisse para a estação seguinte). E entre tanto em comum (e sob belíssima banda sonora dos Sofa Surfers), acabamos ao mesmo tempo por verificar como, no mundo do século XXI, na idade da globalização, num espaço aparentemente tão impessoal e meramente funcional, podemos afinal apreender ecos que nos permitem sentir que as cidades têm, ainda, personalidades bem vincadas.



Imagens do trailer de Trains of Thaughts

sábado, abril 20, 2013

Os filmes do IndieLisboa 2013 (1)

Entre as primeiras impressões dos filmes da 10ª edição do IndieLisboa assinala-se já uma primeira grande surpresa. Trata-se de La Piscina (Cuba/Venezuela, 2012), primeira longa-metragem do realizador cubano Carlos Machado Quintela que, antes de ter conhecido exposição maior na Berlinale, tinha já arrebatado um prémio especial do júri num festival para novos realizadores em Havana. La Piscina (passou ontem na secção Cinema Emergente) é um dos mais profundos exemplos de um minimalismo (formal e narrativo) que tem cruzado algum do recente cinema latino-americano e que tem entre os seus títulos de referência o injustamente quase ignorado Lake Tahoe, filme de 2008 de Fernando Embicke (o mesmo autor do mais reconhecido Temporada de Patos).

Como o nome sugere, há uma piscina em cena. Uma piscina pública, que serve de cenário para quase todos os planos do filme, acompanhando as imagens o curso de um dia como tantos outros, mas centrando o olhar nos habitantes mais permanentes daquele espaço. Um deles é o instrutor que tem a seu cargo a manutenção do lugar e sua vigilância, interpretado pelo único ator profissional do elenco (Raúl Caopte). Ele é mais uma presença observadora que um interveniente, o seu olhar sobre aquele lugar e quem ali está sendo quase como o que nós, frente ao ecrã, podemos acompanhar. O protagonismo desta quase não-narrativa cabe a quatro adolescentes, todos eles com deficiências físicas, que ali chegam de manhã cedo antes dos demais utilizadores da piscina e por ali ficam depois, tarde adentro. Nadam, conversam, protegem-se de uma chuvada, contemplam a água e as nuvens, almoçam, dormem a sesta, discutem...

Sob uma direção de fotografia exemplar, um sentido de enquadramento que expressa um gosto pela exploração das linhas retas que fazem a piscina e as construções que a envolvem e um trabalho atento à cor, as imagens de La Piscina acompanham assim o minimalismo que acaba por morar entre as longas horas de um dia como tantos outros. Quintela poderia ter-se afogado numa espécie de voyeurismo sofisticado. Mas La Piscina sabe manter-se à tona, como quem boia em repouso sobre as águas. E aceitando a sugestão desse ritmo e desse movimento tranquilo, opta antes por nos confrontar com os olhares e personagens, abrindo-nos espaço para com eles construirmos o que, mais que omisso, pode estar afinal na alma de quem ali passa aquela jornada de verão.

Como tão bem o sublinhou o Nuno Carvalho na crítica publicada na edição de ontem do DN, “La Piscina é um olhar contemplativo, vagaroso e minimal sobre um conjunto de personagens que funciona como um microcosmos da vida real. Apesar dos seus problemas e pulsões contraditórias, e do enigma que cada um transporta dentro de si, todos comparecem na piscina como se fossem linhas paralelas humanas com esperança de um dia se tocarem no infinito do amor”.


Mais uma chamada de atenção para outra das propostas da secção Cinema Emergente. Trata-se de Yumen (China/EUA, 2013), um filme que caminha entre o registo documental e a construção ficcional, assinado por J.P. Sinadecki, Xu Ruotao e Huang Chiang. Aqui somos levados até à Yumen de que fala o título, uma cidade-fantasma na região de Gansu, no nordeste chinês. Outrora um ativo pólo de exploração petrolífera, Yumen é hoje um espaço sem-deserto, entre as suas ruinas caminhando agora os seus “fantasmas”, o filme sublinhando os contrastes entre a vida febril de tempos recentes e a ruína que trouxe o silêncio.



Imagens do trailer de La Piscina

La Piscina repete dia 24, pelas 23.55, no Cinema City Alvalade.
Yuman repete dia 27, pelas 22.00, na Culturgest