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domingo, julho 27, 2014

«O trabalho, isto é, o trabalhador tornou-se um descartável»

• Augusto Santos Silva, Stabat mater:
    «(…) A questão é que o mercado de trabalho não é - não deveria ser - um mercado de produtos. O trabalho humano não é igual a uma máquina que se compra quando é precisa, se gasta até ao limite e se deita fora no fim, para comprar outra. O trabalho é uma condição necessária da dignidade pessoal.

    Aregulação social do capitalismo sempre procurou enquadrar esta questão. As comunidades tradicionais desamparadas pelo Estado amorteciam os efeitos de baixos salários ou desemprego através da pequena agricultura complementar ou de outras atividades económicas informais. O modelo japonês garantia uma fortíssima proteção ao núcleo duro dos trabalhadores ligados a grandes empresas como a famílias, à custa de um largo segmento exterior desprotegido, composto por mulheres ou trabalhadores precários e desqualificados. Mas os europeus conseguiram ir mais longe na regulação democrática da economia e fizeram questão de incluir a relação salarial no coração moral e na base institucional da sociedade de bem-estar.

    Isto, que duas gerações sucessivas do pós-guerra puderam considerar um adquirido civilizacional, encontra-se hoje em causa. Duas empresas fundem-se e todo o mundo acha normal que o resultado imediato seja um despedimento massivo. A fábrica precisa ocasionalmente de aumentar a produção e emprega, deixa de precisar e despede. Pagando as indemnizações devidas, cumprindo a lei aplicável. Mas para todos os efeitos o trabalho, isto é, o trabalhador tornou-se um descartável. Volta a ser o jornaleiro engajado e excluído ao ritmo de cada dia, agora com subsídios e indemnizações. Não tardará muito e a Europa achará inevitável o que vê nos filmes americanos: despedido na hora, alguém pega na sua caixa de papelão e abandona o posto, enche a carrinha com uns tantos trapos e leva a família para mil quilómetros mais além, pode passar de um bom emprego para debaixo da ponte que poucos ligam e, se for ao contrário, se da rua sair para a riqueza, terá Hollywood a celebrá-lo. Cada qual que se amanhe. (…)»