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quarta-feira, setembro 16, 2015

Quem é que, de facto, abriu de par em par as portas à troika?


Estávamos em plena crise das dívidas soberanas (que se seguiu à maior crise mundial após a Grande Depressão). José Sócrates chamava a atenção para o clima político que se estava a instalar no país sob a batuta de Cavaco Silva, o qual não se coibia, através de sucessivas declarações, de lançar o alarme na opinião pública: «Muitas vezes sinto-me sozinho a puxar pelas energias do país e acho que o negativismo e o catastrofismo, próprio da lógica do quanto pior melhor, não terá sucesso».

É neste ambiente que Passos Coelho tomou o aparelho do PSD. Não bastava à direita conseguir alçar-se ao poder — precisava de um aliado externo para virar o país do avesso. Por isso, Passos Coelho, ainda em 2010, se prontificou a acolher o FMI: «Trabalharei com o FMI se for essa a forma de ajudar o país».

Na apresentação da moção de recandidatura a secretário-geral do PS em Março de 2011, José Sócrates denunciou a estratégia da direita: «a agenda do FMI e da ajuda externa levaria o país a suportar programas que põem em causa não só o nosso Estado Social mas também o que é a qualidade de vida de muitos portugueses». E o recandidato a secretário-geral do PS pôs à vista de todos os intuitos da direita: «O que querem é com base nesse programa construírem em Portugal uma situação que lhes permita aplicar a sua agenda sob a capa do FMI».

José Sócrates não deixou então de prevenir que aqueles que acenam com uma crise política estão a cometer «uma imprudência e uma irresponsabilidade», até porque o Governo «está disponível para negociar tudo, para dialogar, para conversar e para defender o interesse geral». E acrescentou: «Tudo faremos para evitar uma crise política», considerando «absolutamente lamentável que seja o único líder político que apela à negociação e ao diálogo».

O PS não conseguiu evitar a entrada da troika. Mas quem é que, de facto, abriu as portas para que os representantes dos credores externos se instalassem no Hotel Ritz?

quarta-feira, agosto 26, 2015

Cassete contrafeita


É impressão minha ou Durão Barroso, ao dar uma versão distinta da origem da crise do euro, desmontou a tanga que Passos Coelho e Paulo Portas vêm repetindo há quatro anos, e que Maria Luís Albuquerque despejou, uma vez mais, na «universidade» de Verão do PSD? A esta hora, os meninos da JSD deverão estar completamente confundidos.

segunda-feira, outubro 13, 2014

Escrever direito por linhas tortas

— Manuel, depois do que o Mario lhe fez, o Wolfgang não aguenta outra...

• João Galamba, Paris e Bruxelas:
    «Vejo o braço de ferro entre Paris e Bruxelas com um misto de contentamento e preocupação. Contentamento, porque é sempre positivo que haja quem se recuse a aplicar políticas irracionais; preocupação, porque parece que o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, tem razão pelas razões erradas e se limita a pedir um tratamento de excepção para o seu país. Vamos por partes.

    A chamada crise das dívidas soberanas, como recordou Paul de Grauwe na Gulbenkian, nunca foi uma crise de finanças públicas, foi sempre uma crise que se deve a uma arquitectura monetária disfuncional e que foi agravada pela obsessão em reduzir os défices públicos através da austeridade. A confiança dos mercados, que era suposta estar positivamente correlacionada com a determinação dos principais líderes europeus em flagelar as suas economias, só surgiu quando foi deliberadamente fabricada pelo BCE. A dívida pública, que era o problema que a austeridade ia resolver, está hoje menos, não mais sustentável, e é tanto menos sustentável quanto mais severa e prolongada foi a aposta austeritária. E o sector privado, ao contrário do que garantiam os defensores deste tipo de política, não substituiu o Estado, retraiu-se com ele, sobretudo no investimento e no emprego. A austeridade falhou. Ponto. E é preciso arranjar uma alternativa.

    Perante isto, e nunca esquecendo que Marine Le Pen é a principal beneficiária com a manutenção e agravamento das actuais políticas de austeridade, faz todo o sentido adiar os objectivos para o défice francês. Faz todo o sentido para França e devia fazer todo o sentido para a Europa. Mas o modo como o problema é apresentado não é indiferente. Quando Manuel Valls diz "é preciso respeitar a França, é um grande país(...) não aceito lições de boa gestão" não está a criticar a austeridade e as actuais opções europeias, está a exigir um tratamento de excepção para o seu país. A insistência no cumprimentos dos actuais objectivos orçamentais não é aceitável em França pela mesma razão que não aceitável em Portugal: porque agrava todos os problemas e não resolve problema nenhum. A França não precisa de um tratamento de excepção, precisa, isso sim, que a Comissão Europeia e o Conselho abandonem o dogma austeritário e coloquem o crescimento económico, o emprego e a coesão social como principais prioridades da política orçamental de todos os Estados-membros.

    A nova Comissão Europeia ainda não se pronunciou oficialmente, mas seria seguramente mais fácil (e mais útil) ceder às pretensões orçamentais francesas se estas não fossem apresentadas como um direito francês, em virtude de a França ser quem é. Nestes termos, ou a Comissão cede, mostrando que as regras são uma farsa, ou a Comissão compra uma guerra com a França, uma guerra da qual dificilmente sairá vencedora, porque o executivo francês não tem grande margem para recuar. Se a Comissão ceder, o que é o mais provável, cabe aos pequenos países exigir o mesmo tipo de tratamento e insistir, sempre que possível, na europeização do problema. Já sabemos que, com o governo português, infelizmente, tal não irá suceder

terça-feira, setembro 30, 2014

Liderança tricéfala

A UDP/PC(R) era um grupo que se inspirava no «modelo albanês». A Política XXI resultava de uma dissidência do PCP: lia Marx (A Ideologia Alemã é o limite), mas abjurava Lenine. O trotskismo era recordado através da LCI e da Ruptura/FER. Juntaram os trapinhos numa união de facto: o Bloco de Esquerda.

As questões «fracturantes» foram o tónico para comover as classes médias das Avenidas Novas. Mas a crise do euro e a posição do BE face ao PEC IV revelaram que se aproximava o fim de um ciclo. Francisco Louçã antecipou o esgotamento e procurou resguardar-se através da liderança bicéfala.

Entretanto, outros o perceberam: a Ruptura/FER foi à sua vida recauchutada sob a designação de Movimento Alternativa Socialista e os dissidentes do PCP reanimaram o Fórum Manifesto. O último acto da desagregação do BE traduz-se na candidatura de Pedro Filipe Soares à liderança do BE, que transforma as fracturas internas em fracturas expostas.

Neste momento, parece claro que, de um lado, estarão os que entendem ser possível modificar, em conjunto com outros países da periferia, a arquitectura disfuncional do euro; do outro, estarão os que defendem a saída do euro. Se Francisco Louçã balança entre estas duas posições, Luís Fazenda poderá vir a sentar-se no futuro ao lado de Heloísa Apolónia.

segunda-feira, setembro 15, 2014

Não jogar um jogo viciado


• João Galamba, Não jogar um jogo viciado:
    «(…) As metas orçamentais foram sempre sendo ajustadas aos sucessivos fracassos e só foram cumpridas na exacta medida em que foram flexibilizadas. E a situação só correu melhor do que era esperado quando a política do governo foi travada, isto é, quando parte da austeridade que o governo tinha previsto executar foi considerada inconstitucional. Os aparentes "sucessos" dos últimos tempos não são a prova de que a austeridade funciona, mas o seu exacto oposto.

    Insistir em debater a política orçamental no quadro das chamadas de políticas de austeridade é, portanto, persistir num erro. E recusar jogar esse jogo significa tão só que, se o objectivo for mesmo o de afirmar uma alternativa a uma política que fracassou, então temos de sair do terreno que o actual governo e os seus apoiantes (alguns de forma inconsciente) nos garantem ser o único que existe. Que existe outro caminho não é uma promessa, é uma necessidade. É, aliás, o pressuposto de toda e qualquer projecto que se queira constituir como alternativa. E é um dos pressupostos da moção de António Costa às eleições Primárias no Partido Socialista.

    Ao contrário de António José Seguro - que, como Passos Coelho, considera que a actual situação se deve à irresponsabilidade orçamental do passado -, António Costa reconhece que os nossos problemas orçamentais são uma consequência da crise e nunca a sua causa; problemas esses que as actuais políticas só podem agravar. O Tratado Orçamental foi um erro porque institucionalizou a interpretação (errada) que a direita fez da crise; e, já agora, como se tem visto, porque não funciona.

    "Quem pensa como a direita pensa", quem se orgulha e faz gala de ter assinado o Tratado Orçamental como se estivesse a expiar uma culpa e quem não contesta a leitura que a actual maioria faz das causas da crise não é capaz de defender de forma coerente e credível uma reorientação dos objectivos estratégicos da política orçamental. (…)»

terça-feira, julho 22, 2014

A Opinião de José Sócrates


A emissão de 20 de Julho de A Opinião de José Sócrates pode ser vista no site da RTP ou nesta reprodução de Miguel Ângelo. Eis uma passagem sobre o silêncio de António José Seguro perante o discurso da direita acerca das origens da crise:
    José Sócrates — Eu gostaria naturalmente de ver o meu partido olhar para trás e dizer “bom, nós tivemos um governo do Partido Socialista que sempre reduziu as desigualdades, que sempre reduziu a pobreza, em particular nos idosos, que fez o complemento solidário para idosos.” Foi o Governo que mais investiu na Ciência, que mais investiu na Tecnologia, que mais investiu nas energias renováveis.

    João Adelino Faria — Acha que o seu partido não tem feito justiça a isso?

    José Sócrates — Não, o meu partido tem o dever de olhar para a frente e não estar preso, digamos assim, ao que se fez no passado, porque tem a obrigação — isto faz parte da natureza humana e da natureza política — de fazer melhor. Agora, o problema coloca-se no campo político desta forma: há uma patranha que a direita conta a propósito das origens da crise que não é verdadeira e o silêncio do PS contribui para que essa mistificação possa perdurar. Isso é uma mistificação histórica. Em primeiro lugar, a origem desta crise não foi o endividamento dos Estados.

    João Adelino Faria — Acha que o seu partido ajudou a direita?

    José Sócrates — Vamos lá ver, de forma inconsciente certamente, não com intenção, o silêncio do Partido Socialista levou a que essa narrativa da direita passasse sem contraposição. É uma mentira histórica que a crise tenha começado com as dívidas dos Estados. Não, começou com a crise nos sistemas financeiros que obrigou os Estados a gastarem mais e a endividarem-se mais. Porque, em 2008, a dívida portuguesa era de 60%, igual à da Alemanha. Hoje, a dívida da Alemanha, a da Itália, a da Inglaterra são muito superiores. (…) Todos os Estados foram obrigados a gastar mais por causa da crise, mas foi a crise que provocou o aumento da dívida, não foi o aumento da dívida dos Estados que provocou a crise.

sexta-feira, julho 18, 2014

Entre o "máximo" de flexibilidade de que fala Juncker
e o "máximo" de austeridade em que insiste Merkel,
há uma escolha para fazer e um dos dois triunfará

• Pedro Silva Pereira Tudo ou nada:
    «Sob pressão dos socialistas europeus e do primeiro-ministro italiano Matteo Renzi, o novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, reconheceu esta semana, diante do Parlamento Europeu, que é preciso aproveitar "ao máximo" a flexibilidade permitida pelas regras orçamentais europeias. É uma boa notícia: o centro-direita está dividido como nunca quanto à austeridade e Ângela Merkel está cada vez mais isolada.

    Quatro aspectos merecem especial destaque no importante documento programático de orientação política, intitulado "um novo começo para a Europa", que Juncker apresentou esta semana no Parlamento Europeu. Em primeiro lugar, o reconhecimento, preto no branco, e logo na primeira frase do documento, da verdade elementar que por cá muitos ridiculamente se esforçam por esconder: "A Europa sofreu, nos últimos anos, a pior crise económica e financeira desde a Segunda Guerra Mundial". Depois, o anúncio de que será apresentado, nos primeiros três meses de mandato da nova Comissão, conforme era exigência dos socialistas, um plano de investimento público e privado para o crescimento e o emprego no valor de 300 mil milhões de euros nos próximos três anos. Em terceiro lugar, a identificação de um conjunto certeiro de prioridades de investimento (que não podem deixar de fazer lembrar o nosso Plano Tecnológico, lamentavelmente interrompido pelo Governo actual): educação, investigação e inovação; novas tecnologias; redes de banda larga e mercado único digital; redes de energia, energias renováveis e eficiência energética; infra-estruturas de transporte; sectores industriais estratégicos e combate à burocracia. Finalmente, como acima referido, o anúncio de que serão divulgadas "orientações concretas" no sentido de aproveitar "ao máximo" (sic) a flexibilidade permitida pelas regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, de modo a favorecer a "utilização dos orçamentos nacionais a favor do crescimento e do investimento".

    Sintomaticamente, estes promissores compromissos políticos foram assumidos na mesma semana em que Ângela Merkel emitia uma mensagem em sentido rigorosamente contrário, a pretexto da crise no Grupo Espírito Santo: "O exemplo de um banco português mostrou-nos nos últimos dias como os mercados se agitam, como a incerteza volta rapidamente e como ainda é frágil a construção do euro (...). Se nos afastarmos agora das regras, por exemplo ao nível do Pacto de Estabilidade e Crescimento, e de tudo (sic) o que fizemos para estabilizar o euro, podemos muito rapidamente entrar numa situação em que nos começamos a afundar". Indiferente aos sinais de fracasso e ao enorme retrocesso económico e social dos últimos anos, Merkel parece disposta a insistir na receita errada da austeridade para superar a óbvia fragilidade da recuperação verificada nos mercados em vez de fazer, finalmente, o que deve ser feito: reforçar as razões de confiança na capacidade de crescimento da economia e instituir os mecanismos ainda em falta para defender capazmente a zona euro da especulação financeira nos mercados de dívida soberana.

    Já não é possível disfarçar: há hoje dois discursos políticos conflituantes no interior do próprio centro-direita. Entre o tudo e o nada, entre o "máximo" de flexibilidade de que fala Juncker e o "máximo" de austeridade em que insiste Merkel, há uma escolha para fazer e um dos dois triunfará. Desse confronto depende o sucesso da viragem prometida pelo novo líder da Comissão e, consequentemente, o futuro da convergência política com a família socialista europeia que está a usar toda a sua influência para impulsionar este movimento de mudança.»

quinta-feira, julho 17, 2014

Ideias feitas que a direita impõe


Vi agora a entrevista que Jorge Coelho, presidente da comissão eleitoral das primárias do PS, deu ontem a Paulo Magalhães. Este funcionário da TVI 24 não é capaz de colocar questões fora do quadro mental que a direita estabelece: «O país já fez as pazes com o Eng. José Sócrates?» Jorge Coelho embalou no formato pré-determinado: «Não sei. Isso é um problema que o país é que sabe, não sou eu. Isso é mais um problema no campo da psicologia política do que doutro campo…»

Ora, ao fim de três anos de o Governo de Passos & Portas ter posto o país a ferro e fogo, o PS ganhou as eleições europeias com 31 por cento dos votos.

Acontece que os Governos de José Sócrates foram fustigados por duas crises de enorme impacto: a maior crise internacional dos últimos 80 anos, que viria a desencadear uma outra crise — a das dívidas soberanas — em todos os países periféricos da zona euro.

Apesar destes dois sucessivos ciclones, apesar de Passos Coelho ter sido levado num andor para São Bento numa procissão que tinha à frente o abade de Belém, apesar de várias campanhas sujas concertadas, apesar de tudo isto, o PS obteve nas eleições legislativas de 2011 um resultado que ficou a dois pontos percentuais — 29 por cento — da glosada vitória do PS nas eleições europeias.

Será que então se pode dizer que o país está zangado com o sistema político?

ADENDA — O leitor Manuel Azevedo acrescenta, na caixa de comentários deste post, esta nota relevante: «O PS em 2011 obteve menos 2% do que nas europeias de 2014, mas conseguiu quase 550.000 votos a mais...»

quarta-feira, junho 11, 2014

«Uma bola de neve com uma bomba-relógio acoplada»

• Alexandre Abreu, A máquina de criar dívida:
    «(…) Para Portugal e para as periferias europeias, a moeda única significou uma escolha entre estagnação e endividamento. Neste momento, já nem sequer há escolha: significa estas duas coisas ao mesmo tempo.

    E agora? Agora temos nas mãos o Euro, a dívida externa (só no primeiro trimestre de 2014, a PII aumentou de -196 mil milhões de Euros para -205 mil milhões) e a dívida pública (reflexo secundário do problema principal, e que anda pelos 130% do PIB). O emprego e o investimento estão no estado que se conhece. E poucos são os que reconhecem a dimensão ou a verdadeira natureza do problema: a maior parte dos políticos, economistas e comentadores preferem contar-nos histórias de encantar, politicamente convenientes, sobre o que se passou para trás e o que se vai passar para a frente. (…)»

segunda-feira, junho 09, 2014

Curar uma epidemia com uma aspirina

• João Galamba, Curar uma epidemia com uma aspirina:
    «(…) O BCE podia fazer diferente? Sim, podia. Se o objetivo fosse mesmo o de tentar sair da terrível situação económica em que se encontra a zona euro, o BCE podia financiar políticas orçamentais que tivessem como objetivo reanimar a procura, promover o investimento público (e, indiretamente, o investimento privado) e combater o desemprego. É isto que propõem muitos economistas, entre os quais o insuspeito Adair Turner, ex-responsável pelo Financial Services Authority do Reino Unido. Para que tal fosse possível, era necessário uma revolução copernicana na governação europeia, isto é, que fosse reconhecido que uma arquitetura económica, orçamental, monetária e financeira feita contra Keynes e contra grande parte da experiência histórica do século XX está condenada a não funcionar. Enquanto não se reconhecer isto, nada de verdadeiramente significativo irá mudar na zona euro.»

sexta-feira, abril 25, 2014

terça-feira, abril 01, 2014

É mais fácil enganar as pessoas
do que convencê-las de que foram enganadas

• Manuel Pinho, O maior inimigo da verdade:
    «(…) No que respeita à economia, todos sabemos que o maior inimigo da verdade não é a mentira, são os mitos com base nos quais se cria um diagnóstico errado da situação, o que naturalmente conduz a um tratamento errado. Todos conhecemos o discurso de que a zona euro serve da mesma forma os interesses de todos os participantes e estava a funcionar muito bem até à crise provocada pela Grécia, que a recessão é o melhor remédio para baixar a dívida pública nos países atingidos pela crise, que em Portugal se trabalha pouco e o Estado gasta muito e que a solução consiste em cortar as despesas sociais "insustentáveis" e fazer reformas estruturais.

    1- O euro serve da mesma forma todos os países que a ele aderiram. Não, da mesma forma que no passado o padrão dólar deu um privilégio exorbitante aos Estados Unidos, o euro serve, acima de tudo, os interesses da Alemanha porque lhe assegura uma taxa de câmbio hiperdesvalorizada, cujo resultado é um excedente da balança de pagamentos superior ao da China.


    2 - A recessão é o melhor remédio para baixar a dívida pública. Não, a figura mostra que a dívida pública aumentou em 26 p.p. na zona euro e 33 p.p. nos Estados Unidos. Nos países do euro em crise, o aumento foi superior: 79 p.p. na Irlanda, 63 na Grécia, 54 em Espanha e 56 p.p. em Portugal.


    3 - Trabalha-se menos nos países do sul da Europa. Não, os trabalhadores portugueses não são preguiçosos uma vez que trabalham, em média, 20% mais horas/ano do que os alemães, os holandeses e os franceses.


    4 - A raiz dos problemas é o peso excessivo da despesa pública. Não é, nem foi.

    Primeiro, se olharmos para os valores dos últimos 60 anos verifica-se que a despesa pública foi, de uma forma geral, menor do que na Alemanha, na França e na Suécia, por exemplo. Segundo, os valores de 2013 mostram que em Portugal o peso da despesa pública está na média da UE e da zona euro, sendo semelhante à da Holanda e da Áustria, mas muito inferior à da Bélgica, Finlândia e França.


    5 - Vivemos num país onde existem poucas desigualdades, o que justifica plenamente o ataque cerrado ao Estado social. Não, Portugal é um país relativamente pobre e com uma enorme desigualdade na distribuição de rendimentos, tal como medida pelo coeficiente de Gini, por exemplo. Em 2005-2010, os indicadores de desigualdade estavam a evoluir no bom sentido, porém, estão a piorar desde então. É preciso muita imaginação para atribuir as culpas da crise aos benefícios sociais das viúvas, pensionistas e polícias e aos salários excessivos pagos aos funcionários públicos e militares.


    6 - A solução mágica passa por reformas estruturais. Só faltava mesmo a OCDE vir agora dizer no seu Relatório sobre Reformas Económicas, 2014 que de acordo com o indicador PRM (product market regulation) Portugal está no top 10 mundial dos países em que há menos barreiras à concorrência, estando mais bem colocado do que, por exemplo, o Canadá, o Luxemburgo, a Espanha, a França e a Suécia). Em termos de barreiras ao empreendedorismo, está em 7.º lugar, à frente da Alemanha e do Reino Unido e tem o 4.º mercado da energia menos regulamentado na OCDE, sendo apenas ultrapassado pelo Reino Unido, pela Espanha e pela Alemanha!


    O PIB em 2013 está ao mesmo nível do de 2001. Por definição, o crescimento do PIB é igual à soma do crescimento da produtividade (produto por trabalhador) e do crescimento do número de trabalhadores. O nível de vida em Portugal é baixo porque, como mostra a figura abaixo, a produtividade do trabalho é perto de metade do registado na Holanda, Alemanha, Bélgica e França e o crescimento da economia é baixo porque a produtividade tem crescido muito aquém do necessário. É uma questão de aritmética, não é de teoria económica.

    Porque é que a produtividade é tão baixa? Também sobre a produtividade há muitas opiniões com base em mitos. Como disse Mark Twain, é mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas. Enterremos os mitos, melhorar a produtividade tem de ser o tema central de qualquer discussão séria sobre a economia.»

segunda-feira, março 31, 2014

Entre a narrativa oficial e a realidade


• Manuel Pinho, Vale a pena criar consensos?:
    «(...) A narrativa oficial é de que, primeiro, a crise não é sistémica, mas é culpa do anterior governo. Segundo, o euro serve igualmente todos os países que a ele aderiram, as suas regras de funcionamento são sagradas e o Banco Central Europeu (BCE) agiu bem durante o pico da crise. Terceiro, a estratégia de resolução da crise era a única possível. E quarto, Portugal está melhor por mérito de quem precipitou a crise em 2011 e aplicou, em dose reforçada, a receita da troika. O papel da Alemanha não é questionado, antes pelo contrário.

    Porém, há quem tenha uma visão diferente. Primeiro, a crise do euro é sistémica e foi amplificada pelo BCE (o resultado teria sido diferente se não tivesse esperado até 2012 para alterar a sua política). Segundo, a estratégia de resolução teve como base o pressuposto de que os ajustamentos orçamentais podiam ser expansionistas mesmo no curto prazo. Terceiro, os agentes políticos internos foram incapazes de se entender relativamente a uma solução que poderia ter tido custos muito menores (comparar Portugal com a Espanha, onde a direita e a esquerda se entenderam para evitar pedir ajuda à troika). E quarto, os resultados foram muito piores do que o previsto. Esta visão questiona o papel da Alemanha, que acima de tudo quer uma taxa de câmbio hiperdesvalorizada que permita à sua fantástica máquina de exportação conquistar o mundo, no que está a ter sucesso porque conseguiu um excedente da balança de pagamentos maior do que a China. De tal forma que a Alemanha não se pode dar ao luxo de que o euro acabe.

    (…)

    Os números mostram que a crise do euro é sistémica. Olhando para a situação de Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda, verifica-se o seguinte comparando os anos de 2007 (crise do subprime), 2010 (crise da Grécia) e 2013:
      • Balança de pagamentos: em 2007, os quatro países tinham um elevado défice da balança de pagamentos que financiavam em grande parte nos mercados internacionais, os quais se fecharam bruscamente a seguir à crise da Grécia em 2009-10 porque os políticos transmitiram informação totalmente contraditória. Em 2013, a brutal compressão da despesa teve como resultado a eliminação dos défices da balança de pagamentos em todos estes países. Não há nenhum "milagre das exportações" específico a Portugal;
      • Despesa pública: em 2007, os quatro países tinham uma despesa pública inferior à média da zona euro. No caso da Espanha e Irlanda era inferior à Alemanha. Na altura, França, Holanda, Áustria, etc. já tinham, e continuam a ter, uma despesa pública superior a Portugal;
      • Défice orçamental: em 2007, Irlanda e Espanha tinham um excedente no saldo orçamental e Portugal tinha o menor défice desde há muitos anos. Em 2010, a situação orçamental dos quatro países tinha mudado fruto das políticas expansionistas para contrariar a recessão global e da necessidade de absorver perdas dos bancos. Em 2013 os défices orçamentais baixaram, porém ainda estão em todos os casos longe do exigido pelas regras de funcionamento do euro;
      • Dívida pública: em 2007, Irlanda e Espanha tinham uma dívida pública baixíssima e a de Portugal era inferior a 70% do PIB. Em 2007-10, a dívida pública aumentou vertiginosamente, tendo este processo continuado até 2013. A estratégia errada de resolução da crise levou a dívida pública a níveis muito dificilmente sustentáveis;
      • Taxas de juros: como é típico dos ataques especulativos, as taxas de juro da dívida pública subiram violentamente atingindo níveis que nada tinham que ver com os fundamentals, mas agora estão a cair a pique, de tal maneira que a Irlanda acaba de se financiar a 10 anos a 2,9%, uma taxa inferior à que pagava em 2007 quando a sua dívida pública era metade do que é hoje. O que mudou? A política do BCE. Quando mudou? Apenas em 2012. (…)»

segunda-feira, março 17, 2014

Sim, sim, o que é que a gente dá em troca?!



«Paulo Baldaia, director da TSF, teve o seu momento Monty Python, quando, no programa Bloco Central, criticou o manifesto dos 70 por, e cito (de memória), Portugal ousar defender a reestruturação sem dar nada em troca aos seus credores. Num remake do what have the romans ever done for us, podemos reformular o que disse Paulo Baldaia do seguinte modo: tirando não ter entrado em incumprimento desordenado, o que evitou o colapso do sistema financeiro dos países credores; tirando ter assinado o two pack, o six pack, o Tratado Orçamental - um conjunto de reformas que a Alemanha e os países credores exigiram - e estar comprometido com um projecto que, na sua essência, beneficia estruturalmente os países credores em desfavor das economias mais fragilizadas do sul, o que é que Portugal (e a chamada periferia) já fez pelos países credores? Paulo Baldaia tem toda a razão: tirando isso tudo, o manifesto não dá (mais) nada aos credores, apenas ousa pedir que nos dêem condições para sair do atoleiro em que estamos metidos.»

sexta-feira, março 07, 2014

Caldo entornado


    «Se não fosse um português à frente da Comissão Europeia a orientação [para Portugal] teria sido muito mais no sentido do rigor, sem a dimensão social, sem a dimensão do equilíbrio entre a consolidação e o apoio ao crescimento».

Aparentemente, o presidente da Comissão Europeia estaria à espera que os portugueses estivessem gratos ao seu desempenho em Bruxelas. Acontece que, perante a ausência de um governo que defendesse os interesses de Portugal, Barroso assumiu sem tibiezas a defesa das teses e dos interesses dos países que beneficiam com a arquitectura disfuncional do euro. É por isso de uma enorme desfaçatez aparecer agora a falar em «dimensão social» e em «dimensão do equilíbrio entre a consolidação e o apoio ao crescimento», quando os portugueses sentem e sabem que o país está desfeito.

O Barroso que diz estas patacoadas é o mesmo Barroso que, há pouco tempo, sustentava estar o «caldo entornado» se o Tribunal Constitucional vier a considerar haver normas inconstitucionais no Orçamento do Estado para 2014, ameaçando que, nessa situação, o Governo «terá de substituir essas medidas por outras medidas, medidas provavelmente mais gravosas e medidas que provavelmente terão um efeito mais negativo em termos de crescimento e emprego.»

Por muita imaginação que possamos ter, é difícil imaginar um quadro mais tenebroso do que este que estamos a viver. Com Barroso do lado dos carrascos.

A 11.ª avaliação da troika que nunca mais acaba


José Sócrates na RTP em 2 de Março de 2014
Telejornal (2.ª parte – a partir das 20H52)
Partilhado por Sítio com vista para a cidade

quarta-feira, março 05, 2014

Das causas da crise e da denúncia dos riscos da austeridade prolongada

• Pedro Nuno Santos, A ala esquerda do PS:
    «Ricardo Costa, na sua crónica no “Expresso” esta semana, sem querer assumir o elogio público à candidatura de Francisco Assis ao Parlamento Europeu, escolheu fazê-lo caricaturando uma suposta “ala esquerda” do Partido Socialista que, segundo ele, desconfia do seu cabeça-de-lista. Mas o director do jornal “Expresso” conhece mal o Partido Socialista, ao contrário da ideia que tem vindo a passar. Não existe, nem nunca existiu, uma ala esquerda no PS – o Partido Socialista é um partido de centro-esquerda, com uma base militante de esquerda, em que uma reduzida ala direita tem tido, infelizmente, um grau de influência proporcionalmente superior à sua representatividade interna. Importa esclarecer o seguinte: no actual panorama político, se há alguém que não tem “debitado frases básicas” sobre o sistema financeiro, são precisamente algumas vozes socialistas, que têm contribuído, de forma séria e qualificada, para o debate sobre as causas da crise e sobre a denúncia dos riscos da austeridade prolongada. Não são os críticos da tese do endividamento como causa da crise que “entregaram todo o campo de acção ao centro-direita”, mas sim aqueles que no campo socialista aceitaram a tese da direita e desistiram do combate político sobre as causas da crise.

    Fazer este debate não é “chorar o passado”, é antes compreender que não se constrói uma alternativa séria sem se perceber como se chegou a esta situação. Mais ridículo ainda é sugerir que no PS houve quem “negasse que a dívida pudesse ser um problema”, quando são os socialistas a defender que a dívida funciona hoje como um garrote à nossa recuperação e como álibi da implementação, pela direita portuguesa, de uma agenda austeritária e liberal. Ricardo Costa faz mal em caricaturar um conjunto de políticos que se têm batido, de forma qualificada e competente, para alertar para os riscos estruturais que Portugal corre se a austeridade não for travada.»

terça-feira, fevereiro 04, 2014

Até tu, BCE?


    ECB policymakers have said that weak lending is mainly due to a lack of demand in the 18-nation euro zone, with firms unwilling to invest when the economic outlook remains cloudy.”