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sexta-feira, abril 10, 2015

«Desde que ninguém filme e tapem a cara,
da IGAI não esperem castigo»


• Fernanda Câncio, Como os bandidos:
    «A manifestação/concentração de 14 de novembro de 2012 à frente do parlamento, lembram-se? Foi aquela em que a polícia, de capacete e fato antimotim, esteve a levar com pedras do passeio, arremessadas por meia dúzia de pessoas, durante uma - inexplicável - hora. Ao fim da qual avançou e varreu à bastonada a praça e todas as ruas, circundantes e não circundantes, até ao Cais do Sodré, agrediu dezenas e prendeu outras dezenas de pessoas.

    Pois bem: mais de dois anos depois, aliás, dois anos, quatro meses e duas semanas depois, a 1 de abril (adequado, como se verá), soube-se do resultado da averiguação efetuada pela Inspeção-Geral da Administração Interna. E sabemo-lo por um jornal, o Sol, que "teve acesso ao relatório", porque acesso público - por exemplo no site da instituição, onde seria de esperar ver o dito - não existe. Aliás, mesmo para jornalistas, fui informada, só por requerimento e "tem de ir a despacho".



    Criada há 30 anos, na sequência da horripilante decapitação de um cidadão no posto da GNR de Sacavém, a IGAI surgiu como a grande esperança de que as forças policiais fossem na sua atuação alvo de fiscalização e formação no sentido de respeitarem a lei - incluindo, naturalmente, os deveres de respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, razão de ser primeira das polícias. Mas o tempo incompreensível ocorrido desde os acontecimentos até, segundo o Sol, o relatório ficar "disponível" (para quem?) e os excertos reproduzidos esmorecem a expectativa. Diz então a IGAI que houve "abuso de poderes funcionais" por parte dos agentes. Enumera: "empunhar o bastão com o cotovelo acima do ombro" (dando balanço); bater na cabeça (e até na cara, num dos casos reportados pelo relatório); conduções ilegais a esquadra "para identificação"; colocação de pessoas, nem sequer detidas formalmente, em celas; etc. Menciona por exemplo um bombeiro que, indo para o trabalho, foi apanhado na confusão e acabou cinco dias no hospital e uma jovem de 17 anos que diz terem-na obrigado a despir-se integralmente e a pôr-se, nua, de cócoras (fez queixa ao DIAP, que arquivou), entre outros. Conclusão da IGAI: se a conduta dos agentes em causa "mereceria certamente censura e ação disciplinar", como "as caras estavam escondidas pelos capacetes e viseiras" nada se pode fazer. O mesmo quanto às nove pessoas que alegam ter sido agredidas na casa de banho da esquadra do Calvário por "agentes embuçados": "Uma agressão poderia produzir gritos e estes seriam ouvidos pelas muitas pessoas que estavam na esquadra", cita o Sol. Mas "mesmo que houvesse prova, os seus autores não poderiam ser reconhecidos" - estavam embuçados, então. O jornal resume: "Tudo arquivado." Pode acrescentar-se: batam, prendam ilegalmente, torturem, desvirtuem por completo a vossa missão, envergonhem o vosso uniforme, senhores polícias. Desde que ninguém filme e tapem a cara, da IGAI (que também pode pintá-la de preto, já agora) não esperem castigo.»

quinta-feira, dezembro 11, 2014

Da tortura em democracia

• Rui Pereira, Tortura virtuosa:
    «A Comissão para os Serviços de Informações do Senado dos Estados Unidos da América acaba de divulgar uma síntese de cerca de 500 páginas de um relatório prolixo (6300 páginas) acerca do programa de interrogatórios adotado pela CIA após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. A investigação, que se estendeu por cinco anos e custou 40 milhões de dólares, confirmou o que se sabia: os suspeitos de terrorismo foram obrigados a permanecer acordados durante dias a fio, ameaçados de violação e sujeitos a execuções e afogamentos simulados.

    A senadora democrata Dianne Feinstein, presidente da Comissão, afirmou que estas práticas mancharam os valores e a história dos EUA. Todavia, muito mais significativa foi a declaração do Presidente Obama, que recordou ter proibido a tortura, em termos inequívocos, quando assumiu o cargo e prometeu continuar a exercer a sua autoridade para impedir que tal método volte a ser autorizado. A descodificação destas palavras é simples: Obama reconheceu, de modo implícito, que o seu antecessor George W. Bush concedeu o mais alto patrocínio à tortura. A primeira conclusão do relatório merece uma especial atenção: o uso de técnicas "aprofundadas" de interrogatório não constituiu um meio eficaz de obter informações sensíveis ou de suscitar a colaboração dos detidos. Só depois se acrescenta que os interrogatórios decorreram em circunstâncias brutais e muito piores do que as descritas aos decisores políticos.

    Porém, o diretor da CIA, John Brennan, insistiu em que a submissão dos suspeitos a estas práticas violentas ajudou a descobrir os planos de atentados, capturar terroristas e salvar vidas humanas.

    É precisamente este aspeto que suscita uma reflexão séria. Afinal, é da eficácia que depende a legitimidade da tortura? A resposta é um não rotundo. Ainda que fosse eficaz, a tortura seria ilegítima por atentar contra a essencial dignidade da pessoa humana, como ilegítima é a pena de morte, apesar de prevenir a reincidência. O torcionário, por mais úteis que sejam as informações que extorque, acaba por se confundir com o terrorista. Por isso, a ineficácia da tortura, com o seu séquito de falsas confissões, não passa de um argumento de reforço.»

quarta-feira, dezembro 10, 2014

Sobre a tortura em democracia


O relatório do inquérito do Senado dos Estados Unidos sobre a utilização pela CIA da tortura na luta antiterrorista foi tornado público (vide Público). As observações e conclusões que constam dele são aterradoras. Ao lê-lo, lembrei-me das considerações que constam do livro A Confiança no Mundo - Sobre a Tortura em Democracia, escrito por José Sócrates.